0315/2006 - A proposta da rede de serviços sentinela como estratégia da vigilância de violências e acidentes
THE INJURY SURVEILLANCE SYSTEM BASED ON SENTINEL HEALTH SERVICES
Autor:
• Vilma Pinheiro Gawryszewski - GAWRYSZEWSKI VP - São Paulo, SP - Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo - <gawry@uol.com.br> +Área Temática:
Não CategorizadoResumo:
No Brasil, as bases de dados oficiais permitem o monitoramento da mortalidade e internações no Sistema Único de Saúde, decorrentes dos acidentes e violências. É preciso conhecer também a magnitude e o perfil destas causas que demandam os serviços de emergência, bem como identificar alguns problemas ocultos tais como as violências doméstica e sexual. O propósito deste artigo é apresentar a proposta do Ministério da Saúde de implantação da Rede de Serviços Sentinela de Vigilância de Violências e Acidentes – Rede VIVA, iniciada em 2006, que visa complementar o sistema de informações existente para a vigilância dessas causas. Para obter um quadro mais completo do problema e atender à legislação vigente no país, foram estabelecidos dois componentes: 1) Vigilância de acidentes e violências em emergências hospitalares selecionadas: coleta em um mês a cada ano, através de uma amostra; 2) Vigilância das violências sexual, doméstica e/ou outras violências interpessoais em serviços de referência: coleta universal e contínua. O estabelecimento da Rede VIVA foi realizado pelo Ministério da Saúde em parceria com as Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde a partir de critérios previamente estabelecidos. A adesão ao projeto foi acima das expectativas, todas as regiões do Brasil foram representadas.Palavras chave: causas externas; acidentes; violência; vigilância epidemiológica.
Abstract:
In Brazil, the official data sets allow monitoring the impact of injury deaths and injury hospitalization in the public health system. But it is necessary to gather more information about the magnitude and the characteristics of injuries at Emergency Departments (ED), as well as to identify some hidden problems - such as domestic and sexual violence. The purpose of this article is to present the new Injury Surveillance System based on Sentinel Health Services, carried out by the Ministry of Health in order to broaden the knowledge of these causes. To have a more accurate picture of injuries and to enforce the law which made mandatory the information about violence against women in the country, the measures to be taken were twofold: 1) injury surveillance in ED, carried out in chosen services, collecting one-month data yearly, through a sample; 2) domestic, sexual and interpersonal violence surveillance carried out in violence reference services, through universal and continuous data collection, involving a larger number of services. The implementation of that Health Sentinel Services Network has been conducted by the Ministry of Health in partnership with the State and Municipal Health Departments based on pre- established criteria. The adherence to the project has been taken place all over Brazil.Key words: external causes; injuries; violence; epidemiologic surveillance.
Conteúdo:
O crescimento do problema dos acidentes e violências (causas externas) pode ser visto sob diversas formas por todo o mundo.1,2 Atinge a um número muito maior de pessoas do que aqueles que se encontram diretamente envolvidos. Pela sua magnitude, estes agravos estão modificando o perfil dos problemas de saúde, e conseqüentemente as necessidades. Por isso, para a Organização Mundial da Saúde, o tempo para agir é agora3. A prevenção destes agravos, de acordo com a abordagem de saúde pública, começa com a descrição da magnitude e impacto do problema. Na maioria dos países, o conhecimento do impacto das causas externas se dá por meio da análise dos dados de mortalidade, sendo pouco os países que conhecem a morbidade hospitalar por estas causas. 4,5
No Brasil, o Sistema de Vigilância de Epidemiológica Violência e Acidentes está baseado no monitoramento dados do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM/ DATASUS) que pela sua qualidade permite o conhecimento fidedigno dos principais tipos de causas externas que determinam mortes. Estes dados são rotineiramente analisados e as informações são divulgadas em publicações do Ministério da Saúde. 6,7 Também é realizado o monitoramento das informações das internações hospitalares por causas externas realizadas no Sistema Único de Saúde (SIH/ DATASUS). Essas bases são de acesso fácil, disponibilizados pelo Ministério da Saúde. Tais análises ressaltam o grande impacto que essas causas determinam sobre a vida e a morte dos brasileiros, colocando esta questão na dimensão de um problema social que precisa ser mudado.
Em 2004 foram registradas no SIM, 127.470 mortes decorrentes de acidentes e violências, cujo coeficiente foi 71,2/100.000 habitantes.8 A disponibilidade de dados acerca das internações realizadas no SUS é ainda mais ágil (este banco representa cerca de oitenta por cento das hospitalizações no país9). Em 2005 foram realizadas 788.701 internações por lesões decorrentes dessas causas, o que representou 6,9% do total de internações. Para cada morte 6,2 vítimas são internadas no SUS. Os homicídios preponderaram na mortalidade (38.374 vítimas; 37,9% do total) enquanto que, nas internações hospitalares, o predomínio é das quedas, responsáveis por 41,8% do total. Os acidentes de transporte terrestre são causas importantes tanto na mortalidade quanto na morbidade. Esses dados mostram que o perfil das causas externas difere quando visto das ópticas da mortalidade e da morbidade, o que também foi observado em estudos anteriores10.
Além disso, é sabido que uma parte considerável da violência que permeia a sociedade brasileira permanece silenciada no âmbito da esfera privada, não sendo conhecida sua real magnitude e gravidade. Para Minayo11 a violência não é um problema médico típico, mas um problema social que acompanha toda a história e as transformações da humanidade. No entanto, afeta a saúde ao provocar lesões e traumas físicos, agravos mentais e emocionais e diminuir a qualidade de vida das pessoas e das coletividades. As evidências mostram que mulheres em situação de violência doméstica e sexual têm mais problemas de saúde, maiores custos com assistência e utilizam com maior freqüência os serviços de saúde e as emergências.12
Desse modo, o estabelecimento de políticas públicas para a prevenção e controle destes agravos deve ter por base um quadro o mais completo possível do problema, por isso é necessário conhecer também as lesões de menor gravidade, que não determinam mortes ou internações, mas que são responsáveis por uma forte demanda nas emergências. Este artigo tem o propósito de apresentar a proposta do Ministério da Saúde de implantação da Rede de Serviços Sentinela de Vigilância de Violências e Acidentes – Rede VIVA, que visa complementar o sistema de informações existente para a vigilância dessas causas. Considera-se que esta proposta é um marco que aponta a inclusão destes agravos na agenda da saúde.
II. A PROPOSTA
Por todo o Brasil crescem inúmeras iniciativas nos setores do governo ou entre as organizações não governamentais no sentido de enfrentar estas violências, atender e acolher as vítimas. Tem sido registrado um interesse crescente de pesquisadores13 e especialmente da sociedade em dimensionar estas violências. Apesar disso, ainda não há disponibilidade de dados nacionais acerca destas ocorrências. Estudo realizado com mulheres em 187 municípios de 24 estados brasileiros mostrou que 19% das mulheres referiu espontaneamente ter sofrido violência por parte de algum homem, percentual que subiu para 43% quando a pergunta era estimulada14.
Particularmente a violência contra crianças está arraigada na cultura familiar brasileira, vitimizando milhões de crianças todos os anos13. As formas de violência contra a criança podem ser classificadas como agressão física, abuso sexual, abandono/ negligência e abuso psicológico. As estimativas acerca da violência sexual são que 12 milhões de pessoas são atingidas a cada ano12. Considera-se que os registros das delegacias e dos Institutos Médico Legais são subestimados. As razões para não registrar queixa vão desde a vergonha, temor pela falta de compreensão, culpa e até o medo de vinganças por parte do agressor15. Mesmo subestimados, os números disponíveis são altos: a página da Secretaria de Segurança Pública do estado de São Paulo mostra a ocorrência de 3.986 estupros no estado no ano de 200416 (coeficiente de 19,0/100.000 mulheres).
No enfrentamento destas violências o setor saúde tem um papel chave no diagnóstico, registro e notificação de casos, além do acolhimento, aconselhamento e tratamento das vítimas. Particularmente em relação a violência sexual, o Ministério da Saúde, com base na realidade nacional e experiência internacional, vem realizando uma série de publicações com o propósito de apoiar as atividades dos profissionais de saúde no que diz respeito à definições, normas e protocolos de condutas.12,17,18
Em relação às emergências hospitalares, estudos sobre a caracterização da demanda de acidentes e violências são poucos e pontuais em nosso meio. Uma experiência conduzida em emergências selecionadas no estado de São Paulo no ano de 2005, mostrou diferenças em relação às análises provenientes tanto das informações de mortalidade quanto das internações, evidenciando melhor a magnitude dos acidentes com motociclistas, dos acidentes na infância e a casa e o local de trabalho como importantes locais de ocorrência de lesões (dados não publicados). Os resultados de um estudo realizado em duas emergências hospitalares no Rio de Janeiro em 1996 também mostrou a alta proporção de quedas entre os atendimentos e o número expressivo de acidentes de trabalho, chamando atenção para a relevância de trabalhar a prevenção das causas externas nas emergências19. Nos Estados Unidos da América, país que destina muitos recursos aos seus sistemas de informações, não é realizada a coleta universal dos dados acerca dos atendimentos decorrentes de acidentes e violências realizados nas emergências. Os dados oficiais divulgados são uma estimativa nacional realizada a partir de uma amostra de hospitais representativa para o país20.
1. Bases legais
As bases legais para esta proposta foram estabelecidas pela Lei Federal 10.778/03, em 24 de novembro de 2003, assinada pelo Presidente da República, que estabeleceu a notificação compulsória, em todo território nacional, dos casos de violência contra a mulher, atendidos em serviços públicos e privados de saúde. O cumprimento da medida é fundamental para o dimensionamento do fenômeno da violência sexual e de suas conseqüências, contribuindo para a implantação de políticas públicas de intervenção e prevenção do problema.
Em junho de 2003, o Decreto 5.099 regulamentou a lei 10.778/03, instituindo os serviços de referência sentinela aos quais serão notificados compulsoriamente os casos de violência contra a mulher e estabelecendo que cabia ao Ministério da Saúde a coordenação do plano estratégico de ação para a instalação dos referidos serviços, que deve se dar inicialmente em Municípios que demonstrem possuir capacidade de gestão e que preencham critérios epidemiológicos definidos pelo Ministério da Saúde. Depois, a Portaria 2.406, de 05 de novembro de 2004, do Ministério da Saúde, que instituiu a Ficha de Notificação/ Investigação Compulsória de Violência Doméstica, Sexual e Outras Violências Interpessoais.
Cabe reiterar que em crianças e adolescentes menores de 18 anos de idade, a suspeita ou confirmação de abuso sexual deve, obrigatoriamente, ser comunicada ao Conselho Tutelar ou à Vara da Infância e da Juventude, sem prejuízo de outras medidas legais, conforme art. 13 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei n.º 8.069, de 13 de julho de 1990. Essa medida é de extremo valor para oferecer a necessária e apropriada proteção para crianças e adolescentes. Segundo o art. 2 do ECA, considera-se criança a pessoa menor de 12 anos e adolescente aquela com idade maior que 12 e menor que 18 anos;
A Portaria 1.356 de 23 de junho de 2006, repassou recursos financeiros aos estados, Distrito Federal e municípios que permitiram viabilizar a Vigilância de Violências e Acidentes em Serviços Sentinela de Urgência e Emergência.
2. Vantagens e limitações do sistema proposto
As estratégias utilizadas para a vigilância epidemiológica das doenças infecciosas não necessariamente podem ser as mais adequadas para outros tipos de agravos. Por isso, considerou-se a vigilância em serviços sentinela como uma opção ágil e viável que apresentava potencial para gerar informações de qualidade.
O termo sentinela pode ser usado em duas situações. A primeira delas é o “evento sentinela”, que foi adotado por Rutstein et al21, como um dos métodos para vigilância à saúde, evidenciando situações indesejáveis que possibilitem o monitoramento de serviços e sistema de saúde. A ocorrência desses eventos sentinela serve de alerta aos profissionais da saúde a respeito da possível ocorrência de agravos preveníveis, incapacidades ou de óbitos possivelmente associados à má qualidade de serviços ou das intervenções, que devem ser aprimoradas.
A segunda aplicação do termo refere-se aos sistemas de vigilância baseados em “serviços sentinela”, que vem sendo cada vez mais utilizado em alguns países desenvolvidos, mesmo para doenças infecciosas22. Nesta estratégia, a vigilância está organizada em redes de fontes de informação suficientemente motivadas, onde se concentram esforços para o estudo de problemas específicos. Nos sistemas sentinela, ao contrário do modelo de notificações, o interesse não está centrado na obtenção do universo dos casos, mas na qualidade e oportunidade das ações23.
O propósito do estabelecimento da vigilância de violências e acidentes em hospitais e serviços de referência de violências sentinela é possibilitar o acesso às informações acerca das causas externas ainda pouco conhecidas, de alta prevalência e impacto na saúde das pessoas. Para a escolha desta metodologia foram consideradas as dificuldades inerentes à coleta universal de informações, tais como: exigir um grande número de locais de notificação, necessitar da cooperação de considerável número de pessoas, ser significativamente onerosa e requerer um grande esforço de coordenação. Estes limites levaram à opção da implantação da vigilância sentinela. Entre as vantagens podem ser citadas:
. Qualidade da informação: a adesão dos profissionais de saúde costuma ser um ponto crítico. O treinamento das equipes, com o objetivo de reforçar a importância da notificação, deve ser prevista para a obtenção da reposta esperada. A implantação em um número menor de unidades permite um melhor treinamento e acompanhamento do sistema, resultando em maior confiabilidade dos dados.
. Implantação mais rápida: um sistema universal consome um grande tempo para que muitos profissionais conheçam o sistema. Os serviços sentinelas possibilitam não somente a implantação mais imediata quanto o conhecimento dos resultados.
. Agilidade no aprimoramento do sistema: a avaliação é um componente primordial de qualquer sistema de informação. Tratando-se de um sistema novo, ele deve ser avaliado para incorporar as mudanças que se fizerem necessárias no decorrer do processo ou mesmo se surgir novas necessidade. Um número menor de serviços permite não somente a implantação mais rápida quanto à agilidade na análise das informações e realização de possíveis ajustes.
Entre as limitações da vigilância baseada em serviços sentinela que pode ser apontada é a dificuldade de generalização dos dados, eles não são representativos do município e estado, o que faz com que haja dificuldades para a construção de taxas.
Os propósitos do sistema
Uma vez que, foram selecionados as prioridades e o tipo de sistema de vigilância a ser implantado, o passo seguinte foi o estabelecimento dos propósitos deste novo sistema:
• Caracterizar o perfil das pessoas vítimas de violências sexual, doméstica e outras violências interpessoais;
• Caracterizar o perfil dos atendimentos decorrentes de acidentes e violências nos serviços de emergências hospitalares selecionados;
• Validar a ficha de Notificação/ Investigação de Violência Sexual, Doméstica e/ou outras Violências Interpessoais e a ficha de Notificação de Acidentes e Violência em Unidades de Urgência e Emergência;
• Testar a operacionalização do sistema;
• Utilizar a informação na definição de políticas públicas.
3. A operacionalização do sistema
Por entender que a operacionalização do primeiro e segundo objetivos são distintos, este novo sistema é composto por dois componentes:
Componente 1 - Vigilância de violências e acidentes em unidades de urgência e emergências. Coletar dados em serviços de urgência e emergência exige um planejamento cuidadoso, dadas as características e volume dos atendimentos realizados nestes locais, sendo poucos os países que têm dados sobre esta demanda.
Considerando a necessidade de que a coleta de dados para a vigilância dos acidentes e violências nestas unidades deveria garantir a qualidade e representatividade das informações, onerando o menos possível o trabalho realizado nestes serviços, por isso optou-se pela coleta por amostragem pelo período de um mês previamente fixado (excluídos os meses atípicos). A coleta que foi realizada em setembro de 2006 correspondeu à primeira fase do projeto (implantação). A partir de 2007 (segunda fase, expansão), a expectativa é o envolvimento de um número maior número de serviços e secretarias.
Componente 2 - Vigilância das violências sexual, doméstica e/ou outras violências interpessoais em serviços de referência. Considerando as exigências legais de notificação da violência contra criança, adolescente, mulher e idoso, o processo proposto para esta coleta difere substancialmente do componente 1. Aqui a coleta é universal e contínua, realizada em serviços de referência para a o atendimento às pessoas em situação de violência. Esta coleta foi iniciada em agosto de 2006, mas adesão de novos serviços pode se dar continuamente, a qualquer momento do processo.
4. Critérios de seleção dos municípios e serviços
Os critérios gerais que orientaram a seleção dos municípios prioritários foram:
a) altas taxas de morbidade e mortalidade por acidentes e violências, considerando o ranking das violências, definido a partir do SIM/DATASUS;
b) prioridades estabelecidas pela Matriz de exploração sexual do Programa de Atividades Integradas Referenciais (Projeto PAIR) definida pela Secretaria Especial de Direitos Humanos – SEDH;
c) municípios prioritários definidos pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres;
d) municípios prioritários definidos pela Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial;
e) municípios prioritários de prevenção de violências e exploração sexual definidos pela área técnica de Saúde da Mulher/ Secretaria de Assistência à Saúde/ Ministério da Saúde;
f) municípios prioritários de prevenção de acidentes de trabalho e municípios sentinela definidos pela área técnica de Saúde do Trabalhador/ Secretaria de Assistência à Saúde/ Ministério da Saúde;
g) existência de Núcleo de Prevenção da Violência e Promoção da Saúde;
h) existência de serviço de emergência hospitalar e de referência ao atendimento às vítimas de violência;
i) participação no projeto piloto do Ministério da Saúde / Secretaria de Vigilância à Saúde que testou a “Ficha de Notificação Compulsória de Violência contra a Mulher (e outras Violências Interpessoais)”;
j) participação no Projeto de “Redução da Morbi-mortalidade por Acidentes de Trânsito”;
l) decisão política e capacidade técnica e de gestão.
Ênfase especial foi dada para que a seleção dos serviços fosse realizada consensualmente com as secretarias estaduais e municipais de saúde, conforme os fluxos de atendimento locais, distribuição geográfica, existência de centros de referência, dentre outros. Em relação à seleção dos serviços considerou-se que, em primeiro lugar, o serviço deveria manifestar interesse em participar do sistema, contar com estrutura para o desenvolvimento da atividade e estar dotado de equipe mínima necessária, além dos profissionais que prestam assistência.
5. Estratégias para promover a adesão dos parceiros
Com a finalidade de envolver e comprometer os diversos atores do processo, o Ministério da Saúde, realizou seminários e encontros com técnicos das Secretarias Municipais, Estaduais e Universidades das cinco regiões geográficas do Brasil. Nestes encontros foram discutidas a viabilidade e estratégias de operacionalização da proposta (parceiros potenciais, dificuldades e facilidades para esta implantação e os pactos a serem feitos). Além disso, o Ministério da Saúde promoveu dois treinamentos voltados para a capacitação em vigilância de acidentes e violências, utilizando um material desenvolvido pelo Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta, Estados Unidos da América, que foi adaptado para as necessidades da realidade brasileira e deste momento especial de implantação do sistema sentinela24.
Desse modo, o estabelecimento da Rede de Serviços Sentinela de Vigilância de Violências e Acidentes - Rede VIVA, foi realizado pela Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde em parceria com secretarias estaduais e municipais de Saúde, o que foi um elemento essencial para o sucesso desse novo sistema de vigilância.
6. Os instrumentos utilizados
Dadas às características e especificidades de cada componente do sistema, foram utilizados dois instrumentos diferentes para a coleta de dados. Para a coleta nas emergências foi utilizada uma Ficha de Notificação de Acidentes e Violências nas Unidades de Urgência e Emergência, que teve como base o instrumento validado na experiência conduzida no estado de São Paulo e naqueles utilizados em outros países da América Latina, além das sugestões oriundas dos seminários e treinamentos realizados pelo Ministério da Saúde. Nos serviços sentinela para as violências foi utilizada a Ficha de Notificação/ Investigação de Violência Doméstica, Sexual e/ou outras Violências Interpessoais, elaborada pelo Ministério da Saúde e discutida amplamente com outras instâncias do Governo Federal, Secretarias Municipais e Estaduais, que visa a atender às Leis e Portarias acerca da notificação obrigatória da violência contra a mulher, criança e adolescente e idoso.
Em relação às variáveis, buscou-se ao máximo uniformizar os campos essenciais nas duas fichas. As principais informações coletadas são apresentadas na Figura 1, sendo possível observar as inúmeras possibilidades de análises provenientes dos bancos de dados coletados. Deve ser destacada a inclusão de algumas variáveis: raça/cor; suspeita do uso de álcool, que é importante fator de risco para estas causas; o local de ocorrência (casa, rua, escola, local de trabalho, entre outras), que orienta as atividades de prevenção; dados acerca do agressor, que é útil para a análise e definição de atividades de prevenção, especialmente aquelas relacionadas à violência doméstica ou abuso de criança.
Neste primeiro momento, foi desenvolvido e disponibilizado pela Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde um aplicativo para entrada de dados em EPI-INFO, por ser um software de domínio público, conhecido e de fácil acesso, e que permite agilidade a esta implantação. Este aplicativo foi distribuído para as secretarias municipais e estaduais envolvidas.
7. O fluxo de informações e a coleta de dados realizada
Dada a sua relevância na operacionalização dos sistemas de vigilância, a questão do fluxo de informações é sempre um ponto de intensa discussão. O Ministério da Saúde entendeu que no estabelecimento do fluxo da informação e número de vias preenchidas e encaminhadas deveriam ser respeitados as diferenças locais e os fluxos já existentes entre os serviços e secretarias municipais e estaduais. Por isso, a orientação do Ministério da Saúde, tanto para os serviços de emergência (componente 1 do sistema) quanto para os serviços de referência às populações em situação de violência (componente 2) é de um fluxo mínimo, norteado por um princípio geral compartilhado pelos sistemas de vigilância para qualquer doença: a informação deve chegar a quem dela necessite.
O serviço sentinela preenche duas vias da Ficha: a primeira é guardada no serviço e a outra via é encaminhada para a vigilância epidemiológica da Secretaria Municipal de Saúde, que realiza a digitação e análise dos dados no aplicativo VIVA. No caso de violência contra a criança e adolescente, há o preenchimento de três vias, sendo que a primeira delas deve ser obrigatoriamente encaminhada ao Conselho Tutelar da região conforme determina o Estatuto da Criança e o Adolescente (ECA). Conselho Tutelar da região. Após a digitação, o banco de dados digitado e o primeiro relatório com a análise produzida devem ser encaminhados para a Secretaria Estadual de Saúde, que repassa estas informações para a Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. Este fluxo mínimo é mostrado na Figura 2.
Uma ressalva importante a ser feita diz respeito aos municípios que já utilizavam fichas próprias, muitas vezes frutos de longo consenso entre os profissionais de saúde dos diferentes serviços e de outros setores. Estes serviços podem levar mais tempo para implantar a nova Ficha, devendo por isso, encaminhar ao Ministério da Saúde um relatório com variáveis padronizadas, possibilitando a garantia de comparabilidade entre as regiões e municípios do Brasil.
A adesão ao projeto foi acima das expectativas, a Figura 3 mostra que todas as regiões brasileiras foram representadas através de 23 estados, o Distrito Federal e 50 municípios. A coleta de dados em serviços de referência de violência foi iniciada no mês de agosto de 2006, abrangendo 161 serviços neste primeiro momento. As características desses serviços são diversas, uma vez que alguns desses municípios já têm rede de atendimento implantada há longo tempo e outros não. Uma gama de serviços de diferentes características e complexidades participou: Maternidades, Hospitais Universitários, Unidades Básicas de Saúde, Programas de Saúde da Família, Unidades de Emergência, entre outros. Esta coleta será contínua, devendo se estender progressivamente para outros municípios. Já a coleta de dados referentes aos acidentes, ocorreu pontualmente no mês de setembro de 2006 e envolveu 63 Unidades de Urgência e Emergência.