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0272/2006 - A trajetória de um serviço público em álcool e outras drogas no município de Vitória: o caso do CPTT
The course of a public service in alcohol and other drugs in Vitória: the CPTT case

Autor:

• Rossana dos Reis - Rossana dos Reis - Vila Velha, Espírito Santo - Universidade Federal do Espírito Santo - <rossanarreis@yahoo.com.br>


Área Temática:

Não Categorizado

Resumo:

Objetiva analisar o Centro de Prevenção e Tratamento de Toxicômanos (CPTT) e refletir o processo municipal de implementação da política de atenção aos usuários de álcool e outras drogas. Estudo de caso envolvendo o CPTT (CAPS ad). Foi realizada pesquisa documental tendo como fontes os relatórios semestrais/anuais e/ou de gestão do CPTT e artigos publicados sobre o serviço. Para análise dos dados utilizou-se a análise de conteúdo utilizando-se categorias a priori e a posteriori. O CPTT, serviço de saúde da Prefeitura Municipal de Vitória, foi criado em 1992 na perspectiva de um serviço psicossocial. O processo de trabalho abrange o atendimento individual; atividades grupais na Atenção Diária e grupos de acolhimento e acompanhamento. O quadro hoje no CPTT se caracteriza por precarização do vínculo de trabalho da maioria dos profissionais com o CPTT. Os dados apontam que a implementação do CPTT no município de Vitória expressa, contraditoriamente, avanços na política municipal de atenção aos usuários de álcool e outras drogas e o desafio da não implementação de uma política de recursos humanos que efetive os avanços propostos pela política.

Palavras-chave: Saúde Mental. Política de atenção ao uso de drogas. CAPS ad.


Abstract:

The aim of this paper is to assess the Prevention and Treatment Center of drug addicted (CPTT) and think over the city process of implementation of the attention policy to alcohol and other drugs’ user. A case study involving CPTT (CAPS ad). A documentary research was done and the semester/annual reports and/or CPTT’s management and articles published on the matter were considered sources. The content analysis was used for data analysis using a priori and posteriori categories. CPTT, a public health service of Vitoria City Hall was created in 1992 in the perspective of a psychosocial service. The work process includes individual care; group activities in Daily Attention and welcoming and follow-up groups. The current situation in CPTT is characterized by the precariousness of work bonds from the majority of professionals with CPTT. Data indicate that the course of implementation of CPTT in Vitória conversely expresses some advances in the city policy of attention to the alcohol and other drugs’ user and the challenge of a non implementation of a human resource policy which effects the proposed advances by the policy.

Key words: Mental Health. Attention policy to the drug use. CAPS ad.


Conteúdo:

INTRODUÇÃO
É na segunda metade da década de 1970 que emerge, no cenário brasileiro, movimento social pela redemocratização do País. No campo da saúde, tal movimento se configurara no “Movimento Sanitário”1, cujo surgimento se deve à contestação das políticas, práticas e serviços de saúde vigentes até aquele momento, que relegavam a saúde pública a um segundo plano e repercutiam sobre as condições sanitárias da população que se via limitada em relação ao acesso à saúde2. O movimento sanitário, cuja matriz é a noção de “saúde coletiva”, contrapunha a idéia de “saúde” à de “doença”3, e nas décadas de setenta e oitenta orientará sua produção teórica para um paradigma alternativo no qual “[...] a saúde e a doença na coletividade não podem ser explicadas exclusivamente nas suas dimensões biológicas e ecológicas, porquanto tais fenômenos são determinados social e historicamente [...]” 4.
No campo da saúde mental, todo esse processo se deu por meio da Reforma Psiquiátrica, em fins dos anos 70 no País. Ela fomentou questionamentos quanto à atenção e cuidado voltados à doença mental, predominante na assistência tradicional, a qual se caracterizava pelo isolamento do sujeito do meio social e pelo conseqüente aprisionamento em manicômios, reduzindo-se ao estatuto de objeto/corpo doente5. Esse modelo psiquiátrico de atenção passa a ser, portanto, alvo de críticas e impulso ao seu combate pelo Movimento de Luta Antimanicomial (MLA).
Todo o conjunto das discussões que reivindicam novas formas de cuidado/tratamento nas demandas por saúde, foi abordado em diversas instâncias no Brasil, dentre elas, as Conferências de Saúde, especificamente nas Conferências Nacionais de Saúde Mental. A I Conferência Nacional de Saúde Mental, realizada em 1987, apontou para a necessidade de se ampliar o conceito de saúde aos aspectos gerais da vida. Colocava-se a saúde mental nas diretrizes e princípios do movimento sanitário por meio da defesa do Sistema Único de Saúde (SUS), e pleiteava-se a inserção da saúde mental na perspectiva da luta de classes6. A II Conferência Nacional de Saúde Mental, ocorrida cinco anos depois, em 1992, teve como tema central a “Atenção Integral e Cidadania”, defendendo a universalidade, a integralidade, a eqüidade e a descentralização. Em 2001, a III Conferência Nacional de Saúde Mental reforçou a discussão sobre a rede de atenção integral em saúde mental no que tange à qualidade, acesso e direito, estabelecendo que o País deveria priorizar a implantação de políticas de saúde mental e, os estados e municípios, uma política voltada ao SUS com respeito ao perfil epidemiológico de cada região7. Assim, a luta pela cidadania daqueles que sofrem dos transtornos mentais estava (e está) imersa nos movimentos sociais e inserida dentro da realidade local, mediante a municipalização da assistência8. Os municípios são transformados nesse processo em atores sociais; conseqüentemente, a municipalização da saúde exercerá grande influência na implantação (ou não) de serviços substitutivos 9. Serviços substitutivos são aqui entendidos como:
[...] um conjunto de dispositivos sanitários e socioculturais que partam de uma visão integrada das várias dimensões da vida do indivíduo, em diferentes e múltiplos âmbitos de intervenção (educativo, assistencial e de reabilitação)8.
Para atuarem estrategicamente na complexidade que o tema representa, os serviços substitutivos precisam desenvolver um conhecimento aprofundado do seu território (tanto do espaço físico, geográfico, e/ou administrativo quanto das forças sociais ali presentes)10.
A Lei 10.216, lei da Reforma Psiquiátrica aprovada em 2001 após 12 anos de tramitação no Congresso Nacional, assegura os direitos e a proteção às pessoas com transtorno mental sem qualquer forma de discriminação e prevê “que a internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes” 11. Junto com o marco legal, ocorrerá, progressivamente, a implantação de serviços direcionados à construção da cidadania, como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), os Núcleos de Atenção Psicossocial (NAPS), moradias, cooperativas, enfim, “[...] experiências fundamentadas nas idéias do movimento antimanicomial, na práxis da reabilitação psicossocial, com significativa participação e protagonismo de usuários e familiares” 12. No entanto, cabe destacar que essa é uma arena marcada por resistências e conflitos de interesses expressos, por exemplo, no percentual destinado à assistência asilar que se mantêm ainda em níveis elevados. Assim, embora tenha havido no âmbito da saúde mental uma intensificação do debate sobre essa atenção, mudanças na estrutura jurídico-política (expressa, por exemplo, através da regulamentação de leis, portarias, conferências, entre outras) e ampliação e criação de novos serviços com outras perspectivas, o cenário é ainda contraditório.
O financiamento configura-se como um importante determinante para consolidação da política de saúde mental no país9. Mas, contraditoriamente, tal processo de desinstitucionalização, expressão de luta e avanço de direitos, inscreve-se na contramão do projeto científico, político e econômico dominante: o neoliberalismo13. Isso porque a política neoliberal, ao buscar a reestruturação do mercado, considera a intervenção do Estado uma medida antieconômica e antiprodutiva que acarreta crises econômicas, políticas e sociais, devido às quais o sistema político-ideológico impõe a redução dos gastos sociais e, em conseqüência, a redução também dos serviços sociais públicos, como é o caso da saúde14.
Face a esse cenário, questões como o acesso ao cuidado em saúde mental configuram-se como um problema no âmbito do SUS, sendo a rede de atenção dessa área um desafio frente a um cenário de injustiça, iniqüidade e exclusão social15. Ao considerar que os serviços extra-hospitalares surgem a partir do aumento das necessidades da própria população16, entende-se que a política a ser definida deve efetivar ou viabilizar o acesso das pessoas de fato, assegurando sua saúde. Assim, ampliar os serviços em saúde mental significa reconhecer o direito que a população tem de acessar o serviço adequado às suas necessidades.
Emerge nesse processo o “modelo psicossocial”, que considera diversos fatores como centrais para a configuração das práticas em saúde mental (políticos, biológicos, psicológicos, sociais) que devem ser conjugados em suas atividades visando à reintegração social17, bem como um reposicionamento do usuário, que passa de simples sujeito portador de sofrimento psíquico para agente da possibilidade de mudanças18. O modelo psicossocial constitui, hoje, um novo paradigma nas práticas da saúde mental presentes nas políticas de Reabilitação Psicossocial e ‘Apoio Psi’6. Nesse sentido, novas experiências são propostas, como é o caso dos CAPS19.
Foi no contexto de reconceitualizações e reorganizações no campo da saúde mental que, a partir da instituição do SUS, com princípios de descentralização, integralidade, universalidade e eqüidade, e com a legalização da reforma psiquiátrica em 2001, a política pública brasileira passou a contemplar o direito à assistência e integralidade aos usuários de saúde mental, entre eles aqueles que sofrem dos problemas com o consumo do álcool e outras drogas20.
Saúde Mental e uso abusivo de drogas – uma relação complexa
Reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) o elevado custo social que representa o uso abusivo de substâncias psicoativas, considerado um problema de saúde pública, o Ministério da Saúde (MS) desde a década de 80 vinha desenvolvendo tímidas iniciativas na área do uso indevido de drogas e só em 2003 assumiu a responsabilidade de intervir nessa área com a efetivação da “Política de Atenção Integral aos Usuários de Álcool e outras Drogas” 20.
O argumento do Ministério da Saúde sustentava-se na necessidade de enfrentamento dos problemas oriundos do consumo abusivo do álcool e de outras drogas, através da organização de uma rede “[...] baseada em dispositivos extra-hospitalares de atenção psicossocial especializada devidamente articulados à rede assistencial em saúde mental ao restante da rede de saúde”20. Entre estes dispositivos encontra-se o Centro de Atenção Psicossocial para Álcool e Drogas (CAPS ad) que surge, com esta denominação, a partir do ano de 2002 com a Portaria nº 336, de 19 de fevereiro de 2002 para aquelas pessoas que enfrentam o problema do uso de álcool e de outras drogas ofertando atendimento diário a essa população21.
Os CAPS ad possuem como objetivos não só a oferta de atendimento à população específica a que se destina o serviço, mas também atividades terapêuticas e preventivas à comunidade, devendo “impedir o uso de substâncias psicoativas pela primeira vez, impedir uma ‘escala’ do uso e minimizar as conseqüências de tal uso” 18. Os CAPS ad propõem que a abstinência não seja o modelo único a ser considerado e que não se promova o isolamento social do doente mental. Pelo contrário, a defesa de incluí-lo com respeito a suas escolhas no tratamento é o eixo central que caracteriza a co-responsabilidade e liberdade no cuidar dos usuários na defesa da vida com a redução de danos20, enfatizado na Portaria nº 1.059, de 4 de julho de 200522.
Os CAPS ad devem funcionar com capacidade de atender uma região que abrigue mais de 70 mil habitantes, prestando uma assistência que compreenda desde o atendimento individual até o grupal, domiciliar e familiar, as oficinas terapêuticas e as atividades comunitárias. Tais atendimentos devem ser oferecidos nas modalidades: intensiva (na qual, em decorrência do quadro clínico do usuário, mostra-se necessário o acompanhamento diário); semi-intensiva (regime direcionado àqueles que necessitam de acompanhamento freqüente, sem, entretanto, precisar diariamente) e não-intensivo (o tratamento que, em função do quadro clínico, pode ocorrer em uma freqüência menor). Assim, a atuação dos CAPS ad não é isolada, mas constituída num plano articulado com dispositivos assistenciais em saúde mental, rede básica de saúde, Estratégia de Saúde da Família, entre outros20. Devem ainda, no âmbito de seu território, responsabilizar-se pela organização da demanda e da rede de instituições de atenção a usuários de álcool e de outras drogas, bem como ser regulador da porta de entrada da rede assistencial local; em sua área de abrangência e por delegação do poder local, é sua incumbência coordenar atividades de supervisão de serviços de atenção a usuários de drogas21. Tal atuação deve estar articulada às esferas de controle social (Conselho Municipal de Entorpecentes – COMEN – e Conselho Municipal de Saúde – CMS). Seu funcionamento deve ser estruturado para assegurar o acesso da população ao serviço, possibilitar a formação de recursos humanos, principalmente através de supervisão e educação permanente junto às equipes da atenção básica e aos profissionais vinculados aos serviços e programas de saúde mental local no âmbito de seu território e/ou do módulo assistencial21.
Quanto à equipe, os CAPS ad devem contar com uma equipe mínima que integre, ao menos: 1 médico psiquiatra; 1 enfermeiro com formação em saúde mental; 1 médico clínico, responsável pela triagem, avaliação e acompanhamento das intercorrências clínicas; 4 profissionais de nível superior entre psicólogo, assistente social, enfermeiro, terapeuta educacional, pedagogo ou outro profissional necessário ao projeto terapêutico; e 6 de nível médio: técnico e/ou auxiliar de enfermagem, técnico administrativo, técnico educacional e artesão21. Os CAPS ad partem do princípio que a atenção psicossocial a usuários que apresentem uso abusivo/dependência de álcool e outras drogas deverá ocorrer em ambiente comunitário e articulado à rede de cuidados em álcool e drogas e saúde mental20.
No ano de 2002 foram implantados 42 CAPS ad no Brasil, distribuídos em catorze estados20, a partir dos quais houve expansão dessa modalidade de atendimento. O MS tem destacado o avanço na implantação dos CAPS ad (115 estavam funcionando no País em 2005)23. Dentro da distribuição dos CAPS ad no Brasil, o estado do Espírito Santo conta neste momento com 3 CAPS ad cadastrados no MS.
A criação do Centro de Prevenção e Tratamento de Toxicômanos (CPTT), serviço da Secretaria Municipal de Saúde (SEMUS) da Prefeitura Municipal de Vitória (PMV), aconteceu em 1992, inserido em um contexto político de participação e democratização da cidade24. A proposta de criação e implantação do serviço foi fomentada pelo Conselho Municipal de Entorpecentes (COMEN)24, criado em 1990 e extinto em meados da mesma década. A estruturação do serviço envolveu articulações entre gestor municipal, comunidade local, Conselho Municipal e Federal de Entorpecentes, com este último objetivando o financiamento do serviço através do Fundo de Prevenção, Recuperação e Combate às Drogas de Abuso 25.
O objetivo do estudo é analisar o Centro de Prevenção e Tratamento de Toxicômanos (CPTT) e refletir o processo municipal de implementação da política de atenção aos usuários de álcool e outras drogas.
METODOLOGIA
Optou-se por uma abordagem qualitativa26, de Estudo de Caso27 envolvendo o CPTT. Como técnica de coleta de dados utilizou-se a pesquisa documental, tendo como fontes os relatórios semestrais/ anuais e/ou de gestão do CPTT dos anos de 1993, 1994, 1995, 1997, 1998, 1999, 2000, 2001 e 2004, e artigos elaborados por técnicos do CPTT sobre o serviço. Foram analisados ao total 11 relatórios e 4 artigos. Trabalhar com documentos implicava pensar para além do texto, e refletir também quem, quando, como e para quem esses foram elaborados28. Assim, os documentos oficiais recolhidos foram elaborados: a) para registrar as atividades realizadas; b) atender a solicitação da gestão municipal de prestação de contas do trabalho desenvolvido; c) propor ações ou divulgar as ações desenvolvidas (relatórios de gestão); d) sistematizar ou divulgar na comunidade as ações desenvolvidas. Foram elaborados por servidores públicos (representantes governamentais e especialistas da área).
Para análise dos dados utilizou-se a técnica de Análise de Conteúdo29. A priori, foram estabelecidas as seguintes categorias analíticas: processo de trabalho desenvolvido no CAPS ad (vínculo funcional dos trabalhadores e relação entre a proposição do MS para os CAPS ad e as ações desenvolvidas no CPTT, articulação com os Conselhos Municipais de Saúde e Antidrogas), perfil dos usuários (origem da demanda e o fluxo entre as diferentes regiões de saúde), atores políticos envolvidos no processo de criação e efetivação deste serviço. As informações levantadas foram organizadas em quadros analíticos considerando os aspectos acima descritos. Todo o percurso metodológico foi acompanhado pela permanente revisão teórica do tema a que se refere o estudo.
A questão buscava evidenciar as ações realizadas pela instituição à luz do que o Ministério da Saúde preconiza para um CAPS ad. O levantamento dos documentos foi realizado no Centro de Documentação (CEDOC) da SEMUS, e no CPTT com autorização prévia dos setores envolvidos.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O CPTT foi criado na perspectiva de um serviço psicossocial, iniciando seu funcionamento em janeiro de 1993, caracterizando-se como um espaço ambulatorial30. A partir de 1994, deu-se a implementação de ações no espaço denominado de Hospital-Dia (hoje denominado Atenção Diária), passando os usuários a contar com oficinas terapêuticas no processo de tratamento31, 32, as quais foram sendo ampliadas com o passar dos anos.
Nos primeiros anos de funcionamento, o processo de trabalho limitava-se ao atendimento individual33, muito embora nesse período a instituição já realizasse atividades externas como a promoção de palestras em escolas e empresas e a participação em eventos sobre a questão do uso de drogas34, 35, 31. No ano de 1998, sob uma nova gestão, o objetivo no CPTT era aumentar o acesso dos usuários ao serviço, focando-se em um discurso com caráter de produtividade. O argumento central era de que o fluxo de atendimentos era considerado baixo. Foram então criados grupos de Acolhimento e Acompanhamento aos usuários e seus familiares, caracterizando a partir de então a oferta de atendimento grupal.
O CPTT, desde o início de seu funcionamento, buscou o contato com a comunidade. Assim, diferentes instituições, atores e segmentos tanto governamentais quanto da sociedade civil estão registrados nos relatórios analisados. Foram identificadas ações junto a: a) instituições de ensino; b) área da assistência social; c) área da saúde; d) outros setores da PMV; e) lideranças comunitárias; f) instituição de defesa de direitos; g) instituições de dependência química, tanto do estado quanto de outros estados; h) conselhos gestores de políticas de álcool e de outras drogas; e i) com empresas.
As atividades incluíam ainda palestras sobre drogas e a capacitação de profissionais tanto da área da saúde, bem como de outras áreas. Além disso, foram realizadas ações de divulgação do serviço entre estudantes de nível superior. No decorrer do tempo, a atuação do serviço ampliou-se. Para tanto, eventos no sentido de apresentar e divulgar o serviço às equipes da rede municipal de saúde foram realizados, como a I Jornada do CPTT36, em 1995. O Seminário de Planejamento Estratégico do CPTT, em 1996, definiu a missão do CPTT: “Enfrentar a questão da Toxicomania e do Alcoolismo, através de ações nas áreas de prevenção e tratamento com atividades de pesquisa visando a produção e a transmissão de saber” 37.
Em 1997 foi constituído um Convênio de Cooperação Técnica Brasil-União Européia firmado pelo MS, mediante a Coordenação Nacional de Saúde Mental, e a Association de Coopération pour le Développement des Services de Santé (ACODESS), sendo as cidades de Vitória e Salvador seus sítios-piloto, entre 1997 e 200133; 30. O objetivo do convênio era o “[...] fortalecimento dos serviços de apoio aos toxicômanos no Brasil que proporcionem cuidados intensivos em substituição à internação hospitalar, integrados à rede de atenção geral [...]” 33.
A parceria Brasil-União Européia auxiliou o CPTT na construção da Rede de Atenção ao Uso de Drogas em Vitória (RAUDV), em 1998. Desde então, outro papel assumido pelo centro refere-se à coordenação da construção e consolidação da referida rede33. A RAUDV é considerada:
[...] um conjunto de pontos adequados às atividades de prevenção, tratamento, reinserção social e pesquisa, que se articulam num fluxo múltiplo, cooperativo e solidário, objetivando proporcionar maior acessibilidade da população aos serviços, com ênfase na qualidade de vida33.
Composta por serviços e programas governamentais e não-governamentais33, a RAUDV já desenvolveu, entre outras iniciativas, capacitação dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS), mediante a experiência Injetando Vida nas veias38, no ano de 2000; realizações de eventos possibilitando informação e discussão acerca do uso de drogas; a organização e realização do I Fórum Municipal de Atenção ao Uso de Drogas (FMAUD), em 2001, com finalidade de promover junto à sociedade um espaço para reflexões, debates, formulação de estratégias e ação que servissem de bases para a construção da política de enfrentamento ao uso de drogas para o ano de 200239. No entanto, a RAUDV não apresenta uma articulação efetiva entre os serviços40. Entre sua proposição – articulação, diálogo e articulação dos diferentes atores institucionais na esfera do álcool e outras drogas – e a efetivação do processo – reuniões burocráticas, convocadas, conduzidas e pautadas pelo CPTT – evidencia-se um papel coadjuvante dos demais atores.
O Convênio de Cooperação Técnica Brasil-União Européia também fomentou a discussão do Programa de Redução de Danos (PRD) no interior do CPTT, em decorrência das trocas de experiências de trabalhos entre aqueles países. A partir daí, começaram as buscas para ampliação das possibilidades de ações de atenção ao enfrentamento das questões do uso de drogas, orientadas pelo respeito à liberdade de escolha dos usuários41.
O estabelecimento do PRD no município de Vitória deu-se após intensas provocações e discussões no interior da equipe do CPTT e também em seu exterior42. Em 2001, ocorreu o lançamento do PRD em nível municipal, obtendo maiores apoios no desenvolvimento das ações voltadas a minimizar as conseqüências do uso indevido de drogas41. A Lei Municipal nº 4.949, do mês de dezembro de 2001, regulamentou o PRD no município de Vitória41. No decorrer de sua existência, o PRD/CPTT constituiu campos de trabalho em várias regiões do município42.
O processo de implantação desse programa em Vitória enfrentou resistências em diferentes níveis: no interior da equipe profissional do próprio CPTT; nas próprias unidades de saúde e no âmbito político, mediante objeção de determinadas bancadas legislativas que desaprovam as iniciativas na ótica da redução de danos40; 30. Nesse sentido, o desafio da gestão atual é a sustentação e concretização do PRD no que tange à consolidação de uma equipe permanente30.
A partir de 2002, seguindo a normalização do MS, o CPTT passa a funcionar como um serviço na modalidade de CAPS ad, vivenciando mudanças operacionais. Dentre as funções atribuídas, tem-se a formação de recursos humanos, via supervisão e capacitação das equipes de atenção básica, serviços e programas de saúde mental local no âmbito do seu território; regulação da porta de entrada da rede assistencial local no âmbito do seu território21.
O trabalho com os usuários conjuga o atendimento individual, atividades na Atenção Diária oferecendo espaços de interação, comunicação, arte, criatividade e de conhecimento possibilitados pelas oficinas terapêuticas, e grupos de acolhimento e acompanhamentos aos usuários e familiares33. O processo de atendimento na instituição inicia-se pelo acolhimento ao usuário que chega ao serviço, realizado em grupos diferentes por faixa etária e tipo de droga utilizada. O objetivo do acolhimento é promover “[...] a passagem de queixas iniciais do sujeito em relação à si, à família e à sociedade para a implicação da pessoa no tratamento e o reconhecimento da sua responsabilidade na construção de um projeto pessoal de tratamento [...]” 43. Após o acolhimento, são ouvidas as demandas iniciais e pessoais, tipo de encaminhamento, voluntariedade na busca ao serviço e realizados os registros iniciais do trabalho43. A partir daí o atendimento ambulatorial pode seguir a uma só clínica, ou ser multiprofissional33. A partir de então é identificada a demanda da pessoa e, com a sua participação, estabelecido o Projeto Terapêutico Individual (PTI), o qual pode ser inserido nas modalidades: Não-Intensivo, que tem somente o acompanhamento individual; Semi-Intensivo, no qual o usuário possui uma freqüência regular ao serviço, ou Intensivo, em que o usuário permanece no espaço da AD de segunda a sexta-feira (Figura 1).

Figura 1 - Processo de tratamento no CPTT43

Muito embora o CPTT seja mantido pela PMV, os usuários do serviço procedem tanto do município de Vitória quanto de outros municípios, os quais não possuem ou não possuíam CAPS ad. O serviço acolhe em tratamento tanto a demanda referenciada, aquelas encaminhadas pelos serviços de saúde do município quanto às demandas espontâneas de usuários de drogas e/ou familiares, que procuram o serviço a fim de iniciar um tratamento43.
Algumas esferas de trabalho no CPTT não são realizadas de forma contínua, como a atividade de pesquisa e de prevenção. Os relatórios destacaram a centralidade das ações na esfera do tratamento.
Em 2005 o quadro técnico do CPTT compunha-se de profissionais de nível superior (Médico Clínico; Psiquiatra; Psicólogo; Assistente Social; Enfermeiro; Farmacêutico; Professor de Educação Física e Terapeuta Ocupacional) quanto de nível médio (Oficineiros; Auxiliar Administrativo; Técnico de Enfermagem; Auxiliar de Enfermagem; Auxiliar de Serviços Gerais). Entretanto, mesmo apresentando a equipe mínima exigida para um CAPS ad pela política nacional de atenção integral ao usuário de álcool e de outras drogas (e até mesmo possuindo um número de profissionais acima do mínimo preconizado), o relatório de gestão de 2004 pontuava a necessidade de ampliar o quadro profissional.
O vínculo de trabalho dos profissionais era: 15 trabalhadores efetivos (sendo que destes, 2 estavam licenciados); 1 profissional estava em cargo comissionado; e 21 profissionais (mais de 50%) possuíam vínculo temporário de trabalho43. Esses dados demonstram a precarização do vínculo de trabalho da maioria dos profissionais com a instituição, trazendo implicações de diferentes ordens: para a equipe (a rotatividade de profissionais compromete sua articulação); para a dinâmica e continuidade do trabalho (em face de interrupções de projetos); para os usuários (compromete a qualidade do atendimento), para a comunidade em geral (que tende a destacar a ineficiência de uma estrutura que deveria ser articuladora da rede de atenção aos usuários de álcool e de outras drogas).
Assim, o CPTT reflete hoje um quadro descrito por outros autores: um confronto entre as possibilidades e potencialidades inscritas em seu interior e as limitações impostas, quer pela ausência de política de recursos humanos nos municípios brasileiros, quer pela inexistência de redes articuladas de atenção aos usuários (o que inviabiliza o fortalecimento das ações realizadas pelas diferentes instituições que desenvolvem ações nessa área).



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Rossana dos Reis. A trajetória de um serviço público em álcool e outras drogas no município de Vitória: o caso do CPTT. Cien Saude Colet [periódico na internet] (2007/ago). [Citado em 03/05/2025]. Está disponível em: http://cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/a-trajetoria-de-um-servico-publico-em-alcool-e-outras-drogas-no-municipio-de-vitoria-o-caso-do-cptt/995

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