0389/2006 - Como realizar o correto descarte de resíduos de medicamentos?
How to do the correct discard of medicine residues?
Autor:
• Elda Falqueto - Elda Falqueto - Rio de Janeiro, Rio de Janeiro - Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca - <falquetofarma@msn.com>Área Temática:
Não CategorizadoResumo:
A destinação final dos resíduos de origem farmacêutica é tema relevante para a saúde pública, devido às diferentes propriedades farmacológicas dos medicamentos que inevitavelmente se tornarão resíduos. Dessa forma, não poderão mais ser utilizados e deverão receber um tratamento específico. No Brasil, o correto descarte dos resíduos sólidos de origem farmacêutica é normatizado tanto pelo Ministério da Saúde, quanto pelo do Meio Ambiente, que devem fornecer instrumentos para que os atores envolvidos em atividades que geram resíduos desta natureza possam dar-lhes a disposição final adequada. No entanto, existem dificuldades que apenas poderão ser superadas com a integração de todos os envolvidos nesta questão. O objetivo deste artigo é fazer um levantamento crítico dos instrumentos legais disponibilizados pelos órgãos reguladores, situando cada ator e suas responsabilidades para o correto descarte de resíduos de medicamentos, protegendo assim a saúde pública e o meio ambiente.Palavras-chave: resíduo, medicamento, saúde pública, fiscalização sanitária e meio ambiente.
Abstract:
The final destination of medicine residues is a relevant subject to the public health due to the pharmacological properties of each medicine, that in future will be come a residue and will need to be treated. In Brazil, the correct discard of the solid medicine residues is regulated by the Ministry of Health and also by the Ministry of Environment, that aim to provide the producers of medicine residues with instruments that enable them discard those residues correctly. However, there are some obstacles that can only be overcome through the integration of all agents involved in this process. The purpose of this article is to make a critical survey of the legal instruments offered by the regulatory institutions, locating each agent and its responsibilities concerning the protection of public health and the environment.Key words: residue, medicine, public health, regulatory agency, and environment.
Conteúdo:
Introdução
O tema “Resíduos sólidos de origem farmacêutica”, é de interesse para a saúde pública e vem sendo tratado tanto pelo Ministério da Saúde quanto pelo Ministério do Meio Ambiente. Os órgãos de vigilância sanitária e ambiental são responsáveis pelos instrumentos legais, pelo fomento de pesquisas e pela fiscalização, para garantir que as atividades geradoras de resíduos dessa natureza lhes dêem a destinação adequada. Cada órgão atua numa esfera de competência, porém ambos convergem para o mesmo objetivo, que é a preservação da saúde pública e ambiental através de medidas de controle dos medicamentos oferecidos à população, de sua destinação e do tratamento dos resíduos gerados por eles.
À sociedade atribui-se também uma parcela de responsabilidade, que diz respeito à vigilância da qualidade dos medicamentos, o que inclui data de vencimento, aspecto do medicamento e integridade da embalagem. Assim, a sociedade pode colaborar fazendo denúncias aos órgãos fiscalizadores para que estes cheguem até aos infratores e deveria também estar atenta à destinação final e ao tratamento dos resíduos. Essa atenção se justifica pelo fato de que, medicamentos em suas formas intactas podem ser usados indevidamente e, mesmo que não utilizados por outras pessoas, ao serem dispersos no ambiente podem se tornar disponíveis ao homem através da água, do solo, e do ar e, conseqüentemente, causar impactos sobre a natureza e a saúde pública.
Este artigo faz um levantamento dos dispositivos legais disponíveis que regulam a destinação e o tratamento dos resíduos sólidos de medicamentos, situando cada ator dentro da regulamentação que lhe é pertinente, bem como apontando as dificuldades, as necessidades e os caminhos inerentes ao tratamento e descarte destes resíduos.
Atuação dos Ministérios
O Ministério da Saúde e o Ministério do Meio Ambiente apresentam distintas atribuições, em diferentes campos de atuação. O tema resíduo de medicamento é abordado por ambos, de acordo com a competência e o enfoque de cada um.
Em se tratando de medicamentos e da geração de resíduos com atividades farmacológicas e tóxicas a observação do Princípio da Precaução nas questões ligadas ao descarte de medicamentos deveria ser uma preocupação para os dois ministérios.
O Princípio da Precaução, cuja definição, foi dada em 14 de junho de 1992, é a garantia contra os riscos potenciais que, de acordo com o estado atual do conhecimento, não podem ser ainda identificados. Este Princípio afirma que a ausência da certeza científica formal, a existência de um risco ou dano sério ou irreversível requer a implementação de medidas que possam prevenir este dano1.
O conceito de percepção de risco se alterou ao longo do tempo, conceitos como “certeza científica” se tornou relativo, e tratando-se de questões ambientais envolvendo grande complexidade de variáveis, o que se encontra de fato são as “incertezas científicas”, para as quais foi enunciado o princípio da precaução2, como base ética e diretiva de instrumentos jurídicos.
Para Santillo et al.3, o Princípio da Precaução não foi planejado como um substituto para uma abordagem científica, mas como um princípio abrangente para guiar a tomada de decisão na ausência de uma certeza analítica ou preditiva. Sendo assim, “um mecanismo para compensar a incerteza inerente e a indeterminância em sistemas naturais e um paradigma central para a ação preventiva responsável, oportuna e definitiva”.
Assim, o Princípio da Precaução deveria permear as ações do Ministério da Saúde e do Ministério do Meio ambiente para proteção e preservação da saúde pública. Sobre os Ministérios alguns dados históricos são importantes para situar as ações que envolvem o tratamento e descarte de resíduos de medicamentos como atribuição que lhes cabe.
- Ministério da Saúde:
As ações deste ministério em descarte de resíduos de medicamentos são realizadas através da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Esta é uma agência reguladora e ela foi criada pela Lei nº 9.782, de 26 de janeiro de 19994, e é caracterizada pela independência administrativa, estabilidade de seus dirigentes durante o período de mandato e autonomia financeira 5.
O governo federal tem o dever de avaliar sistematicamente a qualidade dos produtos comercializados segundo critérios de importância e risco sanitário6. Nesse sentido, é de obrigação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária proteger e promover a saúde da população garantindo a segurança sanitária de produtos e serviços, bem como participar da construção do seu acesso. A fiscalização, na fábrica, é o meio de maior impacto e menor custo operacional para garantir a qualidade dos produtos6.
Esta qualidade é fundamentalmente uma responsabilidade do produtor e, é alcançada através da observância dos princípios das boas práticas. No entanto, as empresas que atuam nas diferentes etapas de distribuição dos medicamentos, devem seguir a legislação sanitária durante todo o processo, o que inclui as boas práticas de transporte e armazenamento, assim como o gerenciamento dos resíduos que são gerados5. Este último a ser observado por todos, sejam eles fabricantes, distribuidores, farmácias, drogarias e hospitais.
- Ministério do Meio Ambiente:
Em 1973, a Secretaria Especial do Meio Ambiente foi criada através do Decreto nº 73.030 de 30 de outubro7, no âmbito do Ministério do Interior. O Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) foi criado em 1981, através da Lei nº 6.9388 que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente. O CONAMA foi transferido no ano de 1985 para o Ministério do Desenvolvimento Urbano9.
A Política Nacional do Meio Ambiente apenas foi estruturada em 1992, quando a Secretaria Especial do Meio Ambiente foi transformada em Ministério do Meio Ambiente. Este passou a ter atribuições ligadas a política de recursos hídricos, de preservação, conservação e utilização sustentável de ecossistemas, e biodiversidade e florestas, ligadas à proposição de estratégias, mecanismos e instrumentos econômicos e sociais para a melhoria da qualidade ambiental e o uso sustentável dos recursos naturais, políticas para a integração do meio ambiente e produção, entre outras.
Geração de Resíduos de Medicamentos – Principais atores e responsabilidades frente ao correto descarte
1. Indústrias Farmacêuticas:
As indústrias farmacêuticas são geradoras de uma quantidade considerável de resíduos sólidos devido à devolução e recolhimento de medicamentos do mercado, ao descarte de medicamentos rejeitados pelo controle de qualidade e perdas inerentes ao processo10. As Boas Práticas de Fabricação instituídas pela RDC nº. 21011 preconizam o tratamento dos efluentes líquidos e emissões gasosas antes do lançamento, bem como, a destinação adequada dos resíduos sólidos. Assim, a administração correta dos resíduos abrange uma atividade paralela, que objetiva a proteção simultânea do ambiente interno e externo12.
É responsabilidade dos detentores de registro de medicamentos fornecerem informações documentadas referentes ao risco inerente ao manejo e à disposição final do produto ou do seu resíduo. Os detentores de registro devem manter junto a ANVISA uma listagem atualizada de seus produtos que não oferecem riscos de manejo e disposição final. Devem informar o nome comercial, o princípio ativo, a forma farmacêutica e o registro de cada medicamento13. No entanto, nas bulas que acompanham os medicamentos, os fabricantes informam as características farmacológicas: dados de farmacodinâmica, o que inclui o mecanismo de ação e dados de farmacocinética com dados sobre absorção, distribuição, metabolismo e eliminação14, mas não apresentam resultados de testes in vivo, para demonstrar que os resíduos excretados por humanos e animais são inócuos quando da sua disposição no ambiente. E, além disto, não há informações sobre o manejo e disposição final a ser dado quando da geração de resíduo.
Sabe-se, por exemplo, que uma quantidade entre 50 a 90% dos medicamentos ingeridos é excretada, chegando aos esgotos na sua forma ativa. Estudos demonstram que diversas substâncias não são totalmente removidas durante os processos convencionais de tratamento de esgotos2, 15, 16, 17.
Uma das classes de substâncias que mais preocupam os cientistas é a classe dos antibióticos, pelo potencial de promover o desenvolvimento de bactérias resistentes no meio ambiente, e por serem usados em grandes quantidades15. Com o aumento do uso indiscriminado, pode haver uma significativa contribuição para o aumento da resistência das bactérias aos antibióticos, o que tem sido observado nos últimos anos, tornando-se um problema de saúde pública15, 16.
Ainda hoje, no Brasil, são poucas as pesquisas efetuadas para se obter este conhecimento, talvez pelo alto custo das análises e também pela escassez dos equipamentos para as mesmas. Identificaram-se apenas dois estudos em parceria com pesquisadores alemães, realizados no Estado do Rio de Janeiro, em 199718.
Assim, surge uma indicação clara à observação do Princípio da Precaução para que mais e melhores estudos sejam exigidos para a liberação de medicamentos, bem como para o seu manejo e descarte final.
Além da observância das considerações acima, as indústrias farmacêuticas devem também observar as condições específicas de seu licenciamento ambiente19, que é uma exigência legal e um instrumento proposto pela Política Nacional do Meio Ambiente para o controle ambiental. É através dele que o poder público vai autorizar e acompanhar a implantação e a operação da atividade industrial farmacêutica em implantação. Todo empreendimento listado na Resolução CONAMA nº 237 de 199720 é obrigado a obter licença ambiental. A atividade de fabricação de produtos farmacêuticos está dentro do tópico “indústria química” desta lista.
A licença ambiental é um documento com prazo de validade definido. O órgão ambiental estabelece regras, condições, restrições e medidas de controle a serem seguidas pelas empresas para que obtenham a licença21. Apresenta três fases distintas que ocorrem na seguinte ordem: Licença Prévia (LP); Licença de Instalação (LI) e Licença de Operação (LO).
A LP é a etapa em que o órgão ambiental avalia se a localização do empreendimento apresenta viabilidade ambiental. Nesta fase, também são estabelecidos os requisitos para as próximas etapas, podendo ser requeridos estudos ambientais complementares, como os de impacto ambiental (EIA) com seu respectivo relatório de impacto ambiental (RIMA).
Após a aprovação do EIA, o órgão licenciador vai definir quais serão as condições em que a atividade deverá operar. Após esse processo inicial, a LI é requerida para liberação da construção do empreendimento e instalação dos equipamentos21. Finda essa etapa, deverá ser solicitada a LO, que autorizará o funcionamento do empreendimento. A LO será requerida após verificação da eficácia das medidas de controle ambiental estabelecidas nas condições impostas pelas licenças anteriores21.
No entanto, a grande indagação que se propõe está no fato de que os ensaios necessários à elaboração de um EIA, que contemple todas as informações relacionadas aos produtos fabricados e seu comportamento no meio ambiente, são de alto custo e para alguns tipos de medicamentos o conhecimento para isto ainda é restrito. Ou seja, os EIAs apresentados podem não garantir a cobertura dos riscos que os medicamentos e seus resíduos impõem ao meio ambiente e converge-se à saúde humana.
A história recente da humanidade tem apresentado surpresas desagradáveis que vêm sendo cada vez mais freqüentes. Casos como do CFC, que agride a camada de ozônio, da talidomida e do dietilestilbestrol, são exemplos para a aprendizagem e deveriam estar presentes tanto para o fabricante quanto para o legislador. A talidomida, uma droga tida como segura tanto em estudos científicos quanto com base em experiências pessoais em nível assistencial, desencadeou uma terrível situação ao ter seu efeito teratogênico constatado na década de 19601.
Relatos sobre crianças que as mães durante a gestação fizeram uso de um estrógeno chamado dietilestilbestrol, ou DES, apresentaram cânceres vaginais e testiculares na adolescência, o que pode indicar que a exposição aos estrógenos durante o período pré-natal e imediatamente após o nascimento, através da amamentação, seria um indutor para malformações, alterações comportamentais e para o desenvolvimento de cânceres18.
As indústrias farmacêuticas também são alvos da Lei nº 9.605, de 199822 (“Lei de Crimes Ambientais”). No artigo 56 explicita que produzir, processar, embalar, importar, exportar, comercializar, fornecer, transportar, armazenar, guardar, ter em depósito, usar produtos ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis e seus regulamentos, constitui crime e a pena é de reclusão de um a quatro anos e multa.
2. Distribuidores, farmácias, drogarias e hospitais:
Estes atores se enquadram num regulamento técnico descrito pela Resolução RDC nº. 306, de 7 de dezembro de 200423, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, que dispõe sobre o gerenciamento de resíduos de serviços de saúde a ser observado em todo o território nacional, seja na área pública, seja na privada. E, também devem observar a Resolução do CONAMA nº. 358, de 29 de abril de 200524, que dispõe sobre o tratamento e a disposição final dos resíduos dos serviços de saúde.
De acordo com esses regulamentos técnicos, são geradores de resíduos de serviços de saúde todos os serviços relacionados com o atendimento à saúde humana ou animal, drogarias e farmácias de manipulação e distribuidores de produtos farmacêuticos. Devem, portanto elaborar o PGRSS (Plano de Gerenciamento de Resíduos de Serviços de Saúde), a ser feito por profissional com registro ativo junto ao seu conselho da classe.
Além disso, os estabelecimentos enquadrados pelos regulamentos citados, devem requerer às empresas prestadoras de serviços terceirizados a apresentação de licença ambiental para o tratamento ou a disposição final dos resíduos de serviços de saúde, como também aos órgãos públicos responsáveis pela coleta, pelo transporte, pelo tratamento ou pela disposição final destes resíduos. De acordo com as regulamentações sanitária e ambiental, cabe aos responsáveis legais o gerenciamento dos resíduos desde a geração até a disposição final, de forma a atender aos requisitos ambientais, de saúde pública e saúde ocupacional, sem prejuízo de responsabilização solidária de todos, que direta ou indiretamente, causem ou possam causar degradação ambiental.
Os resíduos gerados devem ser acondicionados atendendo às exigências legais referentes a meio ambiente, saúde e limpeza urbana, em conformidade com as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) ou, na ausência delas, segundo normas e critérios internacionalmente aceitos. É obrigatória a segregação dos resíduos na fonte e no momento da geração, de acordo com suas características, garantindo a proteção da saúde e do meio ambiente.
Em se tratando do manejo dos resíduos contendo substâncias com atividade medicamentosa, como hormônios, (e produtos) antimicrobianos, citostáticos, antineoplásicos, imunossupressores, digitálicos, imunomoduladores, anti-retrovirais, bem como resíduos de produtos e de insumos farmacêuticos, sujeitos ao controle especial, especificados pela Portaria nº 344/9825, a regulamentação sanitária orienta que devem ser submetidos a um tratamento ou disposição final específicos. O que compreende disposição em aterros de resíduos perigosos ou podem ser encaminhados para sistemas de disposição final licenciados.
A legislação sanitária apresenta uma brecha quanto ao tratamento de resíduos de medicamentos no item 11.18.3. da Portaria nº 306 de 07 de dezembro de 200423, tratando-se de resíduos químicos que não apresentam risco à saúde ou ao meio ambiente. Orienta que se estiverem no estado líquido, poderão ser lançados na rede coletora de esgoto ou em corpo receptor, desde que atendam as diretrizes estabelecidas pelos órgãos ambientais, gestores de recursos hídricos e de saneamento. Apesar de estabelecido que este procedimento deva ser feito atendendo as diretrizes estabelecidas pelos órgãos ambientais, é contraditório aos princípios da preservação da saúde pública, pois a ausência de informações poderá inserir neste grupo substâncias que apresentam de fato risco à saúde e ao meio ambiente.
Tratando-se do material de acondicionamento, as embalagens secundárias que não tiveram contato com o produto, devem ser descaracterizadas e acondicionadas como resíduo comum, podendo ser inclusive encaminhadas para reciclagem. Mas as embalagens e materiais contaminados devem ser tratados da mesma forma que as substâncias que as contaminaram23. O tratamento e descarte adequados dos resíduos gerados são obrigatórios de acordo com as regulamentações citadas, no entanto faltam recomendações mais aprofundadas. Este assunto será melhor abordado adiante.
Discussão
Com base no exposto até o momento, se pode inferir alguns pontos que são cruciais para que ocorra o correto descarte de resíduos de medicamentos. Estes pontos estão inseridos em quatro temas fundamentais nesta discussão, o primeiro se relaciona às articulações que deveriam existir entre os atores envolvidos neste processo, sejam eles os geradores sejam eles os órgãos reguladores e fiscalizadores. O segundo tema de suma importância é o tratamento de resíduos, as técnicas existentes e disponíveis para que seja feito de forma eficiente e segura. O terceiro ponto não menos importante está na influência e pressão da sociedade sobre o Estado e sobre as empresas e estabelecimentos que não estejam descartando corretamente seus resíduos. Por fim, a evolução da regulamentação brasileira apoiada em ações de fiscalização fecha o grupo de temas fundamentais que serão apresentados a seguir.
Comunicação e Articulação entre os diferentes atores
É importante existir o intercâmbio de informações entre órgãos reguladores e empresas com o objetivo final de encontrar a melhor solução para os problemas envolvidos no gerenciamento de resíduos de medicamentos.
As autoridades Sanitárias do Ministério da Saúde, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal devem inspecionar periodicamente as empresas ou os estabelecimentos que exerçam quaisquer atividades relacionadas às substâncias e aos medicamentos sujeitos ao controle especial. Estão sujeitos ao controle e à fiscalização as atividades de produção, comércio, manipulação ou uso das substâncias da Portaria 344/9825.
Em contrapartida, é de responsabilidade dos órgãos ambientais garantirem que o descarte dos resíduos gerados por esses estabelecimentos esteja dentro dos regulamentos técnicos estabelecidos pela Legislação Ambiental. Sua ação não deve se resumir aos fabricantes de medicamentos, mas a todos os estabelecimentos geradores de resíduos de medicamentos, objeto deste estudo. Devem constar no PRGSS procedimentos que estejam em concordância com os preceitos dos órgãos ambientais de proteção do meio ambiente e da saúde pública. Para isso se faz necessário que tais órgãos participem da elaboração desse documento e fiscalizem as atividades a ele relacionadas, em conjunto com os órgãos de fiscalização sanitária.
No entanto, as empresas distribuidoras, farmácias, drogarias e os hospitais não apresentam estrutura organizacional semelhante a das indústrias, tampouco passam pelo mesmo crivo de fiscalização no que se refere aos certificados e licenças para se manterem ativas no mercado. Muitos desses estabelecimentos não possuem pessoal com conhecimento sobre disposição adequada de resíduos e contam com a ajuda das prefeituras dos municípios em que estão localizadas para darem uma destinação aos seus resíduos. Porém, muitas destas prefeituras também não dispõem de pessoal suficiente e treinado para atividades de fiscalização e orientação.
Quanto mais distante dos grandes centros, menores são os recursos, inclusive o humano, para a viabilização da destinação apropriada dos resíduos. A promoção e a divulgação do conhecimento acerca desse assunto é o ponto de partida para que muitos estabelecimentos dêem início ao seu processo de adequação e para que se intensifiquem a fiscalização e a cobrança por medidas que minimizem a disposição inadequada de resíduos provenientes de medicamentos.
Tratamento dos resíduos
A segregação dos resíduos na fonte geradora é determinante no processo de tratamento de resíduos, pois possibilita que sejam classificados conforme normas técnicas e conforme preconizado pela legislação. Assim, evita-se a contaminação de resíduos que são recicláveis, como exemplo material de embalagem. Além disso, para cada tipo de resíduo deve ser dado um tratamento diferenciado. Quanto melhor a segregação, melhor será a possibilidade de tratamento. A segregação dos resíduos em diferentes correntes ou categorias tem como principal objetivo o de facilitar o seu tratamento e disposição final. Via de regra, quem determina o número e a natureza das categorias de resíduos dentro de uma unidade geradora é o destinatário final destes resíduos, ou seja, quase sempre um incinerador. Assim, antes de se decidir pela segregação interna dos resíduos, é importante ter em mente qual será o seu destino final26.
Em relação aos processos de tratamento, em 1991, o CONAMA publicou a resolução nº. 00627, que desobriga a incineração ou outro tratamento de queima dos resíduos sólidos provenientes dos estabelecimentos de saúde. No entanto, estabelece que nos Estados e Municípios que optarem por não incinerar os resíduos sólidos, os órgãos ambientais estaduais deverão estabelecer normas para tratamento especial como condições para licenciar a coleta, o transporte, o acondicionamento e a disposição final. Mas vale lembrar que os resíduos de medicamentos que pertencem ao Grupo B deverão ser submetidos às condições de tratamento térmico para resíduos industriais28, ou serem dispostos em aterros de resíduos perigosos23, devidamente licenciados pelos órgãos ambientais.
O estabelecimento gerador de resíduo de serviço de saúde, que optar pelo tratamento térmico de seus resíduos, deve fazer constar esta opção no PGRSS e deverá ser documentado por meio de registro dos dados da fonte geradora, contendo, no mínimo, informações relativas à data de recebimento, quantidade e classificação do resíduo. Essa documentação demonstrará que o gerador tem total controle sobre o descarte dos resíduos que produz, lembrando que, pela CONAMA 358/200524, ele é o responsável desde a geração até o descarte destes resíduos.
A incineração é um tratamento muito utilizado e, é um processo de redução do peso, volume e das características de periculosidade dos resíduos, com conseqüente eliminação da matéria orgânica e características de patogenicidade, através da combustão controlada29. Para a garantia do meio ambiente a combustão tem que ser continuamente controlada, levando-se em consideração que a composição do agente a ser incinerado varia em composição, umidade, peso específico e poder calorífico. No Brasil, até o momento as aplicações da incineração se restringem ao processamento de resíduos perigosos e de alto risco, industriais, hospitalares e aeroportuários30.
Um processo de incineração deve existir interconectado a um sistema de depuração de gases e de tratamento e recirculação dos líquidos de processo. Os gases efluentes de um incinerador carregam grandes quantidades de substâncias em concentrações muito acima dos limites das emissões legalmente permitidas e necessitam de tratamento físico/químico para remover e neutralizar poluentes provenientes do processo térmico30.
Co-processamento ou co-incineração em fornos de fabricação de clinquer é um processo também utilizado como descarte de resíduos de medicamentos e consiste num tratamento diferenciado da incineração por ser considerado um subproduto dos processos de produção de cimento. Neste processo, os resíduos entram em substituição a parte do combustível ou a parte da matéria-prima. Para que os resíduos entrem nos fornos de clinquer têm que sofrer pré-tratamento específico que garantam que as características dos resíduos se mantêm constantes e não vão produzir efeitos nocivos ao cimento produzido ou ao meio ambiente30.
Tanto devido aos grandes problemas de controle das emissões dos fornos de cimento, quanto em decorrência da manutenção das características técnicas do cimento produzido, surgem sérias limitações em relação aos resíduos aceitos para serem co-processados. Muitos resíduos não têm sido aprovados para tratamento por este processo, dentre eles: dioxinas, organoclorados, PCB´s, explosivos, radioativos, hospitalares, agrotóxicos, pesticidas, resíduos com altos teores de clro, enxofre e metais pesados, e lixo urbano31.
De acordo com Tondowski32, uma empresa quer tratar os seus resíduos e há uma consciência do gerador neste sentido, mas todo tratamento de resíduos, ou grande parte dos tratamentos representa custo. Mesmo a reciclagem gera custo e isso significa que, se uma determinada empresa fizer o tratamento e o seu competidor não o fizer isto colocará a primeira empresa numa posição de menor competitividade no mercado.
“Não há alternativa única de tratamento e sim composições adequadas a cada situação de forma que se seja adequado às condições sociais, culturais, bem como econômicas da população, além das condições geográficas e ambientais das diferentes regiões do país”, segundo Machado & Moraes33.
Papel da sociedade frente ao descarte de resíduos de medicamentos
De acordo com o anexo 1, da Resolução CONAMA nº 23 de 199634, os resíduos oriundos da produção, formulação, preparação e utilização de produtos farmacêuticos, bem como resíduos de medicamentos e produtos farmacêuticos, estão enquadrados como resíduos perigosos e devem ser tratados com a devida atenção.
Tem crescido entre as indústrias farmacêuticas uma preocupação em reduzir os níveis de poluição que parece estar relacionada, entre outros fatores, às pressões do mercado externo e também da opinião pública. Torna-se visível ao se analisar o crescente interesse de muitas empresas na implementação de sistemas de gestão ambiental e de interação e implementação das normas do sistema de gestão ambiental35, 36, 37.
No entanto, a geração de resíduos de medicamentos não termina junto com seu processo de fabricação, mas continua até a entrega do medicamento à população. Durante esse trajeto são gerados resíduos tais como pó, embalagens, etc.que, se dispostos inadequadamente, causam um impacto negativo. A sociedade tem um papel importante: a denúncia destes fatos. Esta postura tem ocorrido com mais freqüência atualmente, possibilitando que o poder público consiga evitar passivos ambientais. Estes passivos são provenientes principalmente do mau gerenciamento dos resíduos de empresas geradoras de RSS que não sofrem auditorias, através das quais os órgãos sanitários e ambientais poderiam orientar para o correto descarte e inibir ações contrárias.
A sociedade deve estar atenta para cobrar do Estado que suas regulamentações de proteção à sua saúde sejam cumpridas em todos os segmentos. Para tanto, devem utilizar as fontes de denúncia existentes em seu município, sejam autoridades sanitárias, sejam ambientais, sempre que observarem casos de descumprimento dessas leis. Essa atitude é extremamente importante para fomentar o aumento de ações por parte do Estado.
Limites e Avanços da Legislação Brasileira
As informações contidas na justificativa mostram que, em termos de Legislação, o Brasil está em contínua melhoria, com a reformulação de vários dispositivos legais. Percebe-se o cuidado de se atribuir responsabilidades em relação ao gerenciamento dos resíduos sólidos de serviços de saúde, bem como classificá-los para correta segregação, transporte e disposição.
No dia 31 de maio de 2004 a ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) publicou a nova versão da sua norma NBR 10.00438 - Resíduos Sólidos. Esta Norma classifica os resíduos sólidos quanto aos seus riscos potenciais ao meio ambiente e à saúde pública, para que possam ser gerenciados adequadamente. A partir da classificação estipulada pela Norma, o gerador de um resíduo pode facilmente identificar o potencial de risco do mesmo, bem como identificar as melhores alternativas para destinação final e/ou reciclagem. Esta nova versão classifica os resíduos em três classes distintas: classe I (perigosos), classe II (não inertes) e classe III (inertes).
Os resíduos que tratamentos neste artigo pertence a classe I, onde estão aqueles que apresentam riscos à saúde pública e ao meio ambiente, exigindo tratamento e disposição especiais em função de suas características de inflamabilidade, corrosividade, reatividade, toxicidade e patogenicidade38.
De acordo com a Organização Pan Americana de Saúde39, o gerenciamento dos RSS deve alcançar dois objetivos fundamentais: um relacionado ao controle dos riscos para a saúde através da exposição a resíduos infecciosos e, outro, visando reciclagem, tratamento, armazenamento, transporte e disposição final dos RSS adequados. Em termos de diretrizes, a Legislação brasileira apresenta os mesmos objetivos.
Porém, no Brasil, os processos de tratamento e disposição final dos resíduos não são claramente definidos. Ao gerador, podem surgir dúvidas quanto ao melhor processo de descarte de seus resíduos. Isto torna o tratamento de RSS objeto de aprovação ou não dos órgãos competentes que irão definir se a opção escolhida pelo gerador poderá ser realizada. No entanto, em se tratando de medicamentos, não há evidências de que a opção feita é de fato a melhor. Por exemplo: a legislação que trata de RSS não detalha ou referencia outros instrumentos sobre cautelas quanto à disposição quando o medicamento contém metal, ou possui um composto organoclorado, entre outros elementos (como caráter ácido/básico), que devem ser considerados na escolha do tratamento a ser dado ou se carecem de pré-tratamento. Existe, no entanto, a referência à responsabilidade dos laboratórios fabricantes de medicamentos fornecerem informações sobre o manuseio e descarte dos resíduos dos medicamentos por eles fabricados.
Outro ponto importante na Legislação sobre resíduo de medicamentos está no fato de que a abordagem dada pela legislação muda de acordo com o ramo de atividade da Empresa geradora desses resíduos. O segmento industrial segue diferentes regulamentações. Dessa forma, o caminho feito pelos resíduos de medicamentos gerados desde a fabricação até a entrega ao usuário fragmenta-se na legislação, cabendo ao gerador do resíduo buscar a regulamentação que lhe couber, baseado na atividade que desempenha.
Faltam, na Legislação nacional, aparatos ou guias que ajudem na composição do gerenciamento dos RSS. A Organização Mundial de Saúde tem um Guia para gerenciamento de RSS40 que contempla informações compatíveis com nossa Legislação em termos de princípios de reciclagem, reuso, entre outros. Mas, fornece muitas outras informações que nossa Legislação não contempla, principalmente relacionadas aos tratamentos dados aos resíduos, como os oriundos de medicamentos que contêm metal ou composto organoclorado em sua composição. Tais informações podem ser aplicadas, porém não são todos os atores que dispõem de tais regulamentos ou que saibam onde buscá-los. Cabe aos órgãos ambientais e sanitários; fornecerem acesso fácil aos mecanismos de tratamento/disposição e aos cuidados acerca de tais resíduos e, mais do que isso; promoverem treinamento tanto para seus funcionários quanto para os geradores de RSS.
Comparando as legislações francesa e brasileira, Groszek41 diz que não há grandes diferenças. Tanto a legislação brasileira quanto a européia têm os mesmos princípios da responsabilidade, que é do gerador de resíduos. Na França e no Brasil o gerador tem a responsabilidade, por exemplo, de escolher um centro de tratamento que seja adequado, legal e ambientalmente e também um transportador que seja credenciado. O operador, por sua vez, tem a responsabilidade de cumprir as obrigações legais em geral e aquelas decorrentes da licença que ele possui, em particular. A legislação francesa estabelece que a empresa deva, em primeiro lugar, evitar a geração de resíduo; recuperando a matéria-prima, no caso do tratamento fora da usina, deve-se antes buscar um tratamento que possibilite uma valorização térmica, e em último lugar utilizar o aterro.
Verifica-se ainda uma ausência de orientação técnico-científica consolidada nos aparatos legais existentes no Brasil, caracterizada por uma escassa disponibilidade de dados e informações com rigor científico no que tange as possibilidades de manejo e tratamento destes resíduos.
O tema “Resíduos sólidos de origem farmacêutica”, é de interesse para a saúde pública e vem sendo tratado tanto pelo Ministério da Saúde quanto pelo Ministério do Meio Ambiente. Os órgãos de vigilância sanitária e ambiental são responsáveis pelos instrumentos legais, pelo fomento de pesquisas e pela fiscalização, para garantir que as atividades geradoras de resíduos dessa natureza lhes dêem a destinação adequada. Cada órgão atua numa esfera de competência, porém ambos convergem para o mesmo objetivo, que é a preservação da saúde pública e ambiental através de medidas de controle dos medicamentos oferecidos à população, de sua destinação e do tratamento dos resíduos gerados por eles.
À sociedade atribui-se também uma parcela de responsabilidade, que diz respeito à vigilância da qualidade dos medicamentos, o que inclui data de vencimento, aspecto do medicamento e integridade da embalagem. Assim, a sociedade pode colaborar fazendo denúncias aos órgãos fiscalizadores para que estes cheguem até aos infratores e deveria também estar atenta à destinação final e ao tratamento dos resíduos. Essa atenção se justifica pelo fato de que, medicamentos em suas formas intactas podem ser usados indevidamente e, mesmo que não utilizados por outras pessoas, ao serem dispersos no ambiente podem se tornar disponíveis ao homem através da água, do solo, e do ar e, conseqüentemente, causar impactos sobre a natureza e a saúde pública.
Este artigo faz um levantamento dos dispositivos legais disponíveis que regulam a destinação e o tratamento dos resíduos sólidos de medicamentos, situando cada ator dentro da regulamentação que lhe é pertinente, bem como apontando as dificuldades, as necessidades e os caminhos inerentes ao tratamento e descarte destes resíduos.
Atuação dos Ministérios
O Ministério da Saúde e o Ministério do Meio Ambiente apresentam distintas atribuições, em diferentes campos de atuação. O tema resíduo de medicamento é abordado por ambos, de acordo com a competência e o enfoque de cada um.
Em se tratando de medicamentos e da geração de resíduos com atividades farmacológicas e tóxicas a observação do Princípio da Precaução nas questões ligadas ao descarte de medicamentos deveria ser uma preocupação para os dois ministérios.
O Princípio da Precaução, cuja definição, foi dada em 14 de junho de 1992, é a garantia contra os riscos potenciais que, de acordo com o estado atual do conhecimento, não podem ser ainda identificados. Este Princípio afirma que a ausência da certeza científica formal, a existência de um risco ou dano sério ou irreversível requer a implementação de medidas que possam prevenir este dano1.
O conceito de percepção de risco se alterou ao longo do tempo, conceitos como “certeza científica” se tornou relativo, e tratando-se de questões ambientais envolvendo grande complexidade de variáveis, o que se encontra de fato são as “incertezas científicas”, para as quais foi enunciado o princípio da precaução2, como base ética e diretiva de instrumentos jurídicos.
Para Santillo et al.3, o Princípio da Precaução não foi planejado como um substituto para uma abordagem científica, mas como um princípio abrangente para guiar a tomada de decisão na ausência de uma certeza analítica ou preditiva. Sendo assim, “um mecanismo para compensar a incerteza inerente e a indeterminância em sistemas naturais e um paradigma central para a ação preventiva responsável, oportuna e definitiva”.
Assim, o Princípio da Precaução deveria permear as ações do Ministério da Saúde e do Ministério do Meio ambiente para proteção e preservação da saúde pública. Sobre os Ministérios alguns dados históricos são importantes para situar as ações que envolvem o tratamento e descarte de resíduos de medicamentos como atribuição que lhes cabe.
- Ministério da Saúde:
As ações deste ministério em descarte de resíduos de medicamentos são realizadas através da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Esta é uma agência reguladora e ela foi criada pela Lei nº 9.782, de 26 de janeiro de 19994, e é caracterizada pela independência administrativa, estabilidade de seus dirigentes durante o período de mandato e autonomia financeira 5.
O governo federal tem o dever de avaliar sistematicamente a qualidade dos produtos comercializados segundo critérios de importância e risco sanitário6. Nesse sentido, é de obrigação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária proteger e promover a saúde da população garantindo a segurança sanitária de produtos e serviços, bem como participar da construção do seu acesso. A fiscalização, na fábrica, é o meio de maior impacto e menor custo operacional para garantir a qualidade dos produtos6.
Esta qualidade é fundamentalmente uma responsabilidade do produtor e, é alcançada através da observância dos princípios das boas práticas. No entanto, as empresas que atuam nas diferentes etapas de distribuição dos medicamentos, devem seguir a legislação sanitária durante todo o processo, o que inclui as boas práticas de transporte e armazenamento, assim como o gerenciamento dos resíduos que são gerados5. Este último a ser observado por todos, sejam eles fabricantes, distribuidores, farmácias, drogarias e hospitais.
- Ministério do Meio Ambiente:
Em 1973, a Secretaria Especial do Meio Ambiente foi criada através do Decreto nº 73.030 de 30 de outubro7, no âmbito do Ministério do Interior. O Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) foi criado em 1981, através da Lei nº 6.9388 que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente. O CONAMA foi transferido no ano de 1985 para o Ministério do Desenvolvimento Urbano9.
A Política Nacional do Meio Ambiente apenas foi estruturada em 1992, quando a Secretaria Especial do Meio Ambiente foi transformada em Ministério do Meio Ambiente. Este passou a ter atribuições ligadas a política de recursos hídricos, de preservação, conservação e utilização sustentável de ecossistemas, e biodiversidade e florestas, ligadas à proposição de estratégias, mecanismos e instrumentos econômicos e sociais para a melhoria da qualidade ambiental e o uso sustentável dos recursos naturais, políticas para a integração do meio ambiente e produção, entre outras.
Geração de Resíduos de Medicamentos – Principais atores e responsabilidades frente ao correto descarte
1. Indústrias Farmacêuticas:
As indústrias farmacêuticas são geradoras de uma quantidade considerável de resíduos sólidos devido à devolução e recolhimento de medicamentos do mercado, ao descarte de medicamentos rejeitados pelo controle de qualidade e perdas inerentes ao processo10. As Boas Práticas de Fabricação instituídas pela RDC nº. 21011 preconizam o tratamento dos efluentes líquidos e emissões gasosas antes do lançamento, bem como, a destinação adequada dos resíduos sólidos. Assim, a administração correta dos resíduos abrange uma atividade paralela, que objetiva a proteção simultânea do ambiente interno e externo12.
É responsabilidade dos detentores de registro de medicamentos fornecerem informações documentadas referentes ao risco inerente ao manejo e à disposição final do produto ou do seu resíduo. Os detentores de registro devem manter junto a ANVISA uma listagem atualizada de seus produtos que não oferecem riscos de manejo e disposição final. Devem informar o nome comercial, o princípio ativo, a forma farmacêutica e o registro de cada medicamento13. No entanto, nas bulas que acompanham os medicamentos, os fabricantes informam as características farmacológicas: dados de farmacodinâmica, o que inclui o mecanismo de ação e dados de farmacocinética com dados sobre absorção, distribuição, metabolismo e eliminação14, mas não apresentam resultados de testes in vivo, para demonstrar que os resíduos excretados por humanos e animais são inócuos quando da sua disposição no ambiente. E, além disto, não há informações sobre o manejo e disposição final a ser dado quando da geração de resíduo.
Sabe-se, por exemplo, que uma quantidade entre 50 a 90% dos medicamentos ingeridos é excretada, chegando aos esgotos na sua forma ativa. Estudos demonstram que diversas substâncias não são totalmente removidas durante os processos convencionais de tratamento de esgotos2, 15, 16, 17.
Uma das classes de substâncias que mais preocupam os cientistas é a classe dos antibióticos, pelo potencial de promover o desenvolvimento de bactérias resistentes no meio ambiente, e por serem usados em grandes quantidades15. Com o aumento do uso indiscriminado, pode haver uma significativa contribuição para o aumento da resistência das bactérias aos antibióticos, o que tem sido observado nos últimos anos, tornando-se um problema de saúde pública15, 16.
Ainda hoje, no Brasil, são poucas as pesquisas efetuadas para se obter este conhecimento, talvez pelo alto custo das análises e também pela escassez dos equipamentos para as mesmas. Identificaram-se apenas dois estudos em parceria com pesquisadores alemães, realizados no Estado do Rio de Janeiro, em 199718.
Assim, surge uma indicação clara à observação do Princípio da Precaução para que mais e melhores estudos sejam exigidos para a liberação de medicamentos, bem como para o seu manejo e descarte final.
Além da observância das considerações acima, as indústrias farmacêuticas devem também observar as condições específicas de seu licenciamento ambiente19, que é uma exigência legal e um instrumento proposto pela Política Nacional do Meio Ambiente para o controle ambiental. É através dele que o poder público vai autorizar e acompanhar a implantação e a operação da atividade industrial farmacêutica em implantação. Todo empreendimento listado na Resolução CONAMA nº 237 de 199720 é obrigado a obter licença ambiental. A atividade de fabricação de produtos farmacêuticos está dentro do tópico “indústria química” desta lista.
A licença ambiental é um documento com prazo de validade definido. O órgão ambiental estabelece regras, condições, restrições e medidas de controle a serem seguidas pelas empresas para que obtenham a licença21. Apresenta três fases distintas que ocorrem na seguinte ordem: Licença Prévia (LP); Licença de Instalação (LI) e Licença de Operação (LO).
A LP é a etapa em que o órgão ambiental avalia se a localização do empreendimento apresenta viabilidade ambiental. Nesta fase, também são estabelecidos os requisitos para as próximas etapas, podendo ser requeridos estudos ambientais complementares, como os de impacto ambiental (EIA) com seu respectivo relatório de impacto ambiental (RIMA).
Após a aprovação do EIA, o órgão licenciador vai definir quais serão as condições em que a atividade deverá operar. Após esse processo inicial, a LI é requerida para liberação da construção do empreendimento e instalação dos equipamentos21. Finda essa etapa, deverá ser solicitada a LO, que autorizará o funcionamento do empreendimento. A LO será requerida após verificação da eficácia das medidas de controle ambiental estabelecidas nas condições impostas pelas licenças anteriores21.
No entanto, a grande indagação que se propõe está no fato de que os ensaios necessários à elaboração de um EIA, que contemple todas as informações relacionadas aos produtos fabricados e seu comportamento no meio ambiente, são de alto custo e para alguns tipos de medicamentos o conhecimento para isto ainda é restrito. Ou seja, os EIAs apresentados podem não garantir a cobertura dos riscos que os medicamentos e seus resíduos impõem ao meio ambiente e converge-se à saúde humana.
A história recente da humanidade tem apresentado surpresas desagradáveis que vêm sendo cada vez mais freqüentes. Casos como do CFC, que agride a camada de ozônio, da talidomida e do dietilestilbestrol, são exemplos para a aprendizagem e deveriam estar presentes tanto para o fabricante quanto para o legislador. A talidomida, uma droga tida como segura tanto em estudos científicos quanto com base em experiências pessoais em nível assistencial, desencadeou uma terrível situação ao ter seu efeito teratogênico constatado na década de 19601.
Relatos sobre crianças que as mães durante a gestação fizeram uso de um estrógeno chamado dietilestilbestrol, ou DES, apresentaram cânceres vaginais e testiculares na adolescência, o que pode indicar que a exposição aos estrógenos durante o período pré-natal e imediatamente após o nascimento, através da amamentação, seria um indutor para malformações, alterações comportamentais e para o desenvolvimento de cânceres18.
As indústrias farmacêuticas também são alvos da Lei nº 9.605, de 199822 (“Lei de Crimes Ambientais”). No artigo 56 explicita que produzir, processar, embalar, importar, exportar, comercializar, fornecer, transportar, armazenar, guardar, ter em depósito, usar produtos ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis e seus regulamentos, constitui crime e a pena é de reclusão de um a quatro anos e multa.
2. Distribuidores, farmácias, drogarias e hospitais:
Estes atores se enquadram num regulamento técnico descrito pela Resolução RDC nº. 306, de 7 de dezembro de 200423, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, que dispõe sobre o gerenciamento de resíduos de serviços de saúde a ser observado em todo o território nacional, seja na área pública, seja na privada. E, também devem observar a Resolução do CONAMA nº. 358, de 29 de abril de 200524, que dispõe sobre o tratamento e a disposição final dos resíduos dos serviços de saúde.
De acordo com esses regulamentos técnicos, são geradores de resíduos de serviços de saúde todos os serviços relacionados com o atendimento à saúde humana ou animal, drogarias e farmácias de manipulação e distribuidores de produtos farmacêuticos. Devem, portanto elaborar o PGRSS (Plano de Gerenciamento de Resíduos de Serviços de Saúde), a ser feito por profissional com registro ativo junto ao seu conselho da classe.
Além disso, os estabelecimentos enquadrados pelos regulamentos citados, devem requerer às empresas prestadoras de serviços terceirizados a apresentação de licença ambiental para o tratamento ou a disposição final dos resíduos de serviços de saúde, como também aos órgãos públicos responsáveis pela coleta, pelo transporte, pelo tratamento ou pela disposição final destes resíduos. De acordo com as regulamentações sanitária e ambiental, cabe aos responsáveis legais o gerenciamento dos resíduos desde a geração até a disposição final, de forma a atender aos requisitos ambientais, de saúde pública e saúde ocupacional, sem prejuízo de responsabilização solidária de todos, que direta ou indiretamente, causem ou possam causar degradação ambiental.
Os resíduos gerados devem ser acondicionados atendendo às exigências legais referentes a meio ambiente, saúde e limpeza urbana, em conformidade com as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) ou, na ausência delas, segundo normas e critérios internacionalmente aceitos. É obrigatória a segregação dos resíduos na fonte e no momento da geração, de acordo com suas características, garantindo a proteção da saúde e do meio ambiente.
Em se tratando do manejo dos resíduos contendo substâncias com atividade medicamentosa, como hormônios, (e produtos) antimicrobianos, citostáticos, antineoplásicos, imunossupressores, digitálicos, imunomoduladores, anti-retrovirais, bem como resíduos de produtos e de insumos farmacêuticos, sujeitos ao controle especial, especificados pela Portaria nº 344/9825, a regulamentação sanitária orienta que devem ser submetidos a um tratamento ou disposição final específicos. O que compreende disposição em aterros de resíduos perigosos ou podem ser encaminhados para sistemas de disposição final licenciados.
A legislação sanitária apresenta uma brecha quanto ao tratamento de resíduos de medicamentos no item 11.18.3. da Portaria nº 306 de 07 de dezembro de 200423, tratando-se de resíduos químicos que não apresentam risco à saúde ou ao meio ambiente. Orienta que se estiverem no estado líquido, poderão ser lançados na rede coletora de esgoto ou em corpo receptor, desde que atendam as diretrizes estabelecidas pelos órgãos ambientais, gestores de recursos hídricos e de saneamento. Apesar de estabelecido que este procedimento deva ser feito atendendo as diretrizes estabelecidas pelos órgãos ambientais, é contraditório aos princípios da preservação da saúde pública, pois a ausência de informações poderá inserir neste grupo substâncias que apresentam de fato risco à saúde e ao meio ambiente.
Tratando-se do material de acondicionamento, as embalagens secundárias que não tiveram contato com o produto, devem ser descaracterizadas e acondicionadas como resíduo comum, podendo ser inclusive encaminhadas para reciclagem. Mas as embalagens e materiais contaminados devem ser tratados da mesma forma que as substâncias que as contaminaram23. O tratamento e descarte adequados dos resíduos gerados são obrigatórios de acordo com as regulamentações citadas, no entanto faltam recomendações mais aprofundadas. Este assunto será melhor abordado adiante.
Discussão
Com base no exposto até o momento, se pode inferir alguns pontos que são cruciais para que ocorra o correto descarte de resíduos de medicamentos. Estes pontos estão inseridos em quatro temas fundamentais nesta discussão, o primeiro se relaciona às articulações que deveriam existir entre os atores envolvidos neste processo, sejam eles os geradores sejam eles os órgãos reguladores e fiscalizadores. O segundo tema de suma importância é o tratamento de resíduos, as técnicas existentes e disponíveis para que seja feito de forma eficiente e segura. O terceiro ponto não menos importante está na influência e pressão da sociedade sobre o Estado e sobre as empresas e estabelecimentos que não estejam descartando corretamente seus resíduos. Por fim, a evolução da regulamentação brasileira apoiada em ações de fiscalização fecha o grupo de temas fundamentais que serão apresentados a seguir.
Comunicação e Articulação entre os diferentes atores
É importante existir o intercâmbio de informações entre órgãos reguladores e empresas com o objetivo final de encontrar a melhor solução para os problemas envolvidos no gerenciamento de resíduos de medicamentos.
As autoridades Sanitárias do Ministério da Saúde, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal devem inspecionar periodicamente as empresas ou os estabelecimentos que exerçam quaisquer atividades relacionadas às substâncias e aos medicamentos sujeitos ao controle especial. Estão sujeitos ao controle e à fiscalização as atividades de produção, comércio, manipulação ou uso das substâncias da Portaria 344/9825.
Em contrapartida, é de responsabilidade dos órgãos ambientais garantirem que o descarte dos resíduos gerados por esses estabelecimentos esteja dentro dos regulamentos técnicos estabelecidos pela Legislação Ambiental. Sua ação não deve se resumir aos fabricantes de medicamentos, mas a todos os estabelecimentos geradores de resíduos de medicamentos, objeto deste estudo. Devem constar no PRGSS procedimentos que estejam em concordância com os preceitos dos órgãos ambientais de proteção do meio ambiente e da saúde pública. Para isso se faz necessário que tais órgãos participem da elaboração desse documento e fiscalizem as atividades a ele relacionadas, em conjunto com os órgãos de fiscalização sanitária.
No entanto, as empresas distribuidoras, farmácias, drogarias e os hospitais não apresentam estrutura organizacional semelhante a das indústrias, tampouco passam pelo mesmo crivo de fiscalização no que se refere aos certificados e licenças para se manterem ativas no mercado. Muitos desses estabelecimentos não possuem pessoal com conhecimento sobre disposição adequada de resíduos e contam com a ajuda das prefeituras dos municípios em que estão localizadas para darem uma destinação aos seus resíduos. Porém, muitas destas prefeituras também não dispõem de pessoal suficiente e treinado para atividades de fiscalização e orientação.
Quanto mais distante dos grandes centros, menores são os recursos, inclusive o humano, para a viabilização da destinação apropriada dos resíduos. A promoção e a divulgação do conhecimento acerca desse assunto é o ponto de partida para que muitos estabelecimentos dêem início ao seu processo de adequação e para que se intensifiquem a fiscalização e a cobrança por medidas que minimizem a disposição inadequada de resíduos provenientes de medicamentos.
Tratamento dos resíduos
A segregação dos resíduos na fonte geradora é determinante no processo de tratamento de resíduos, pois possibilita que sejam classificados conforme normas técnicas e conforme preconizado pela legislação. Assim, evita-se a contaminação de resíduos que são recicláveis, como exemplo material de embalagem. Além disso, para cada tipo de resíduo deve ser dado um tratamento diferenciado. Quanto melhor a segregação, melhor será a possibilidade de tratamento. A segregação dos resíduos em diferentes correntes ou categorias tem como principal objetivo o de facilitar o seu tratamento e disposição final. Via de regra, quem determina o número e a natureza das categorias de resíduos dentro de uma unidade geradora é o destinatário final destes resíduos, ou seja, quase sempre um incinerador. Assim, antes de se decidir pela segregação interna dos resíduos, é importante ter em mente qual será o seu destino final26.
Em relação aos processos de tratamento, em 1991, o CONAMA publicou a resolução nº. 00627, que desobriga a incineração ou outro tratamento de queima dos resíduos sólidos provenientes dos estabelecimentos de saúde. No entanto, estabelece que nos Estados e Municípios que optarem por não incinerar os resíduos sólidos, os órgãos ambientais estaduais deverão estabelecer normas para tratamento especial como condições para licenciar a coleta, o transporte, o acondicionamento e a disposição final. Mas vale lembrar que os resíduos de medicamentos que pertencem ao Grupo B deverão ser submetidos às condições de tratamento térmico para resíduos industriais28, ou serem dispostos em aterros de resíduos perigosos23, devidamente licenciados pelos órgãos ambientais.
O estabelecimento gerador de resíduo de serviço de saúde, que optar pelo tratamento térmico de seus resíduos, deve fazer constar esta opção no PGRSS e deverá ser documentado por meio de registro dos dados da fonte geradora, contendo, no mínimo, informações relativas à data de recebimento, quantidade e classificação do resíduo. Essa documentação demonstrará que o gerador tem total controle sobre o descarte dos resíduos que produz, lembrando que, pela CONAMA 358/200524, ele é o responsável desde a geração até o descarte destes resíduos.
A incineração é um tratamento muito utilizado e, é um processo de redução do peso, volume e das características de periculosidade dos resíduos, com conseqüente eliminação da matéria orgânica e características de patogenicidade, através da combustão controlada29. Para a garantia do meio ambiente a combustão tem que ser continuamente controlada, levando-se em consideração que a composição do agente a ser incinerado varia em composição, umidade, peso específico e poder calorífico. No Brasil, até o momento as aplicações da incineração se restringem ao processamento de resíduos perigosos e de alto risco, industriais, hospitalares e aeroportuários30.
Um processo de incineração deve existir interconectado a um sistema de depuração de gases e de tratamento e recirculação dos líquidos de processo. Os gases efluentes de um incinerador carregam grandes quantidades de substâncias em concentrações muito acima dos limites das emissões legalmente permitidas e necessitam de tratamento físico/químico para remover e neutralizar poluentes provenientes do processo térmico30.
Co-processamento ou co-incineração em fornos de fabricação de clinquer é um processo também utilizado como descarte de resíduos de medicamentos e consiste num tratamento diferenciado da incineração por ser considerado um subproduto dos processos de produção de cimento. Neste processo, os resíduos entram em substituição a parte do combustível ou a parte da matéria-prima. Para que os resíduos entrem nos fornos de clinquer têm que sofrer pré-tratamento específico que garantam que as características dos resíduos se mantêm constantes e não vão produzir efeitos nocivos ao cimento produzido ou ao meio ambiente30.
Tanto devido aos grandes problemas de controle das emissões dos fornos de cimento, quanto em decorrência da manutenção das características técnicas do cimento produzido, surgem sérias limitações em relação aos resíduos aceitos para serem co-processados. Muitos resíduos não têm sido aprovados para tratamento por este processo, dentre eles: dioxinas, organoclorados, PCB´s, explosivos, radioativos, hospitalares, agrotóxicos, pesticidas, resíduos com altos teores de clro, enxofre e metais pesados, e lixo urbano31.
De acordo com Tondowski32, uma empresa quer tratar os seus resíduos e há uma consciência do gerador neste sentido, mas todo tratamento de resíduos, ou grande parte dos tratamentos representa custo. Mesmo a reciclagem gera custo e isso significa que, se uma determinada empresa fizer o tratamento e o seu competidor não o fizer isto colocará a primeira empresa numa posição de menor competitividade no mercado.
“Não há alternativa única de tratamento e sim composições adequadas a cada situação de forma que se seja adequado às condições sociais, culturais, bem como econômicas da população, além das condições geográficas e ambientais das diferentes regiões do país”, segundo Machado & Moraes33.
Papel da sociedade frente ao descarte de resíduos de medicamentos
De acordo com o anexo 1, da Resolução CONAMA nº 23 de 199634, os resíduos oriundos da produção, formulação, preparação e utilização de produtos farmacêuticos, bem como resíduos de medicamentos e produtos farmacêuticos, estão enquadrados como resíduos perigosos e devem ser tratados com a devida atenção.
Tem crescido entre as indústrias farmacêuticas uma preocupação em reduzir os níveis de poluição que parece estar relacionada, entre outros fatores, às pressões do mercado externo e também da opinião pública. Torna-se visível ao se analisar o crescente interesse de muitas empresas na implementação de sistemas de gestão ambiental e de interação e implementação das normas do sistema de gestão ambiental35, 36, 37.
No entanto, a geração de resíduos de medicamentos não termina junto com seu processo de fabricação, mas continua até a entrega do medicamento à população. Durante esse trajeto são gerados resíduos tais como pó, embalagens, etc.que, se dispostos inadequadamente, causam um impacto negativo. A sociedade tem um papel importante: a denúncia destes fatos. Esta postura tem ocorrido com mais freqüência atualmente, possibilitando que o poder público consiga evitar passivos ambientais. Estes passivos são provenientes principalmente do mau gerenciamento dos resíduos de empresas geradoras de RSS que não sofrem auditorias, através das quais os órgãos sanitários e ambientais poderiam orientar para o correto descarte e inibir ações contrárias.
A sociedade deve estar atenta para cobrar do Estado que suas regulamentações de proteção à sua saúde sejam cumpridas em todos os segmentos. Para tanto, devem utilizar as fontes de denúncia existentes em seu município, sejam autoridades sanitárias, sejam ambientais, sempre que observarem casos de descumprimento dessas leis. Essa atitude é extremamente importante para fomentar o aumento de ações por parte do Estado.
Limites e Avanços da Legislação Brasileira
As informações contidas na justificativa mostram que, em termos de Legislação, o Brasil está em contínua melhoria, com a reformulação de vários dispositivos legais. Percebe-se o cuidado de se atribuir responsabilidades em relação ao gerenciamento dos resíduos sólidos de serviços de saúde, bem como classificá-los para correta segregação, transporte e disposição.
No dia 31 de maio de 2004 a ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) publicou a nova versão da sua norma NBR 10.00438 - Resíduos Sólidos. Esta Norma classifica os resíduos sólidos quanto aos seus riscos potenciais ao meio ambiente e à saúde pública, para que possam ser gerenciados adequadamente. A partir da classificação estipulada pela Norma, o gerador de um resíduo pode facilmente identificar o potencial de risco do mesmo, bem como identificar as melhores alternativas para destinação final e/ou reciclagem. Esta nova versão classifica os resíduos em três classes distintas: classe I (perigosos), classe II (não inertes) e classe III (inertes).
Os resíduos que tratamentos neste artigo pertence a classe I, onde estão aqueles que apresentam riscos à saúde pública e ao meio ambiente, exigindo tratamento e disposição especiais em função de suas características de inflamabilidade, corrosividade, reatividade, toxicidade e patogenicidade38.
De acordo com a Organização Pan Americana de Saúde39, o gerenciamento dos RSS deve alcançar dois objetivos fundamentais: um relacionado ao controle dos riscos para a saúde através da exposição a resíduos infecciosos e, outro, visando reciclagem, tratamento, armazenamento, transporte e disposição final dos RSS adequados. Em termos de diretrizes, a Legislação brasileira apresenta os mesmos objetivos.
Porém, no Brasil, os processos de tratamento e disposição final dos resíduos não são claramente definidos. Ao gerador, podem surgir dúvidas quanto ao melhor processo de descarte de seus resíduos. Isto torna o tratamento de RSS objeto de aprovação ou não dos órgãos competentes que irão definir se a opção escolhida pelo gerador poderá ser realizada. No entanto, em se tratando de medicamentos, não há evidências de que a opção feita é de fato a melhor. Por exemplo: a legislação que trata de RSS não detalha ou referencia outros instrumentos sobre cautelas quanto à disposição quando o medicamento contém metal, ou possui um composto organoclorado, entre outros elementos (como caráter ácido/básico), que devem ser considerados na escolha do tratamento a ser dado ou se carecem de pré-tratamento. Existe, no entanto, a referência à responsabilidade dos laboratórios fabricantes de medicamentos fornecerem informações sobre o manuseio e descarte dos resíduos dos medicamentos por eles fabricados.
Outro ponto importante na Legislação sobre resíduo de medicamentos está no fato de que a abordagem dada pela legislação muda de acordo com o ramo de atividade da Empresa geradora desses resíduos. O segmento industrial segue diferentes regulamentações. Dessa forma, o caminho feito pelos resíduos de medicamentos gerados desde a fabricação até a entrega ao usuário fragmenta-se na legislação, cabendo ao gerador do resíduo buscar a regulamentação que lhe couber, baseado na atividade que desempenha.
Faltam, na Legislação nacional, aparatos ou guias que ajudem na composição do gerenciamento dos RSS. A Organização Mundial de Saúde tem um Guia para gerenciamento de RSS40 que contempla informações compatíveis com nossa Legislação em termos de princípios de reciclagem, reuso, entre outros. Mas, fornece muitas outras informações que nossa Legislação não contempla, principalmente relacionadas aos tratamentos dados aos resíduos, como os oriundos de medicamentos que contêm metal ou composto organoclorado em sua composição. Tais informações podem ser aplicadas, porém não são todos os atores que dispõem de tais regulamentos ou que saibam onde buscá-los. Cabe aos órgãos ambientais e sanitários; fornecerem acesso fácil aos mecanismos de tratamento/disposição e aos cuidados acerca de tais resíduos e, mais do que isso; promoverem treinamento tanto para seus funcionários quanto para os geradores de RSS.
Comparando as legislações francesa e brasileira, Groszek41 diz que não há grandes diferenças. Tanto a legislação brasileira quanto a européia têm os mesmos princípios da responsabilidade, que é do gerador de resíduos. Na França e no Brasil o gerador tem a responsabilidade, por exemplo, de escolher um centro de tratamento que seja adequado, legal e ambientalmente e também um transportador que seja credenciado. O operador, por sua vez, tem a responsabilidade de cumprir as obrigações legais em geral e aquelas decorrentes da licença que ele possui, em particular. A legislação francesa estabelece que a empresa deva, em primeiro lugar, evitar a geração de resíduo; recuperando a matéria-prima, no caso do tratamento fora da usina, deve-se antes buscar um tratamento que possibilite uma valorização térmica, e em último lugar utilizar o aterro.
Verifica-se ainda uma ausência de orientação técnico-científica consolidada nos aparatos legais existentes no Brasil, caracterizada por uma escassa disponibilidade de dados e informações com rigor científico no que tange as possibilidades de manejo e tratamento destes resíduos.