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0173/2006 - Crenças e Influências sobre Dietas de Emagrecimento Entre Obesos de Baixa Renda
Beliefs and Influences About Following a Weight Reduction Diet Among Low-income Obese

Autor:

• Ana Paula Rodrigues Cavalcanti - Cavalcanti, A.P.R. - João Pessoa, PB - FACISA/CBPEX e UNIPB - <paulacanti@click21.com.br>


Área Temática:

Não Categorizado

Resumo:

A obesidade tornou-se uma epidemia carente de controle imediato, principalmente entre pobres, mulheres e pessoas de baixa escolaridade. A OMS solicita e vários estudos corroboram que estudos esclarecedores sobre os comportamentos psicológicos e sociais interferentes na aderência terapêutica aos regimes devem ser encorajados. Este estudo usou a Teoria da Ação Racional - TAR, de M. Fishbein , em Psicologia Social, e comparou duas séries de entrevistas abertas (em 2001 e 2005) que eliciaram as crenças positivas (vantagens) e negativas (desvantagens) sobre fazer dieta entre obesos de baixa renda de João Pessoa – Paraíba, além dos referentes (pessoas de opinião influente) destes pacientes quanto a segui-la. Os resultados de 2001 foram corroborados em 2005, revelando o medo das doenças relacionadas à obesidade e a vontade de sentir mais saúde e leveza de corpo. Mães, filhos e principalmente o cônjuge aparecem como apoiadores do regime. Ressaltou-se que não bastaria força de vontade, mas também reflexão e construção de habilidades de controle, apropriação e modificação das condições de vida. Preocupações estéticas não foram prioritárias. Estas informações podem fomentar melhores resultados na aderência terapêutica.
Palavras-chave: obesidade, dieta, pobreza, nutrição, psicologia social
social

Abstract:

BELIEFS AND INFLUENCES ABOUT FOLLOWING A WEIGHT REDUCTION DIET AMONG LOW-INCOME OBESES

ABSTRACT

Obesity became an epidemics in need of immediate control, mainly among the poor ones, women and least educated. WHO demands and various studies corroborate that researches that clarify psychological and social behaviors interfering on weight reduction diets therapeutic adherence must be encouraged. This study used the Theory of Reasoned Action – TRA of M. Fishbein (1975) in social psychology, and compares two series of open interviews (in 2001 and 2005) that disclosed positive (advantages) and negative (disadvantages) beliefs about following a diet prescribed by nutritionists, among low-income obese patients of João Pessoa – Paraíba, besides their referees (people of influential opinion) about following that diet. The results of 2001 were corroborated in 2005, revealing the fear of illnesses correlated to excessive weight, and the wish to feel more health and body lightness. Mothers, children and chiefly spouses were cited as diet’s supporters. It was stressed that will-power would not be enough, but also reflection and control abilities building, plus appropriation and change of life conditions. Esthetical worries were not priorities. These information may enhance better results on diet’s therapeutic adherence.
Key-words: obesity, diet, poverty, nutrition, social psychology.

Conteúdo:

Introdução

A obesidade é tradicionalmente associada à fartura de alimentos, ou à presença excessiva de alguns grupos de alimentos mais energéticos (farináceos e gorduras) nas refeições. Mas além disso, as mudanças sócio-ambientais - marcadamente das últimas três décadas - trouxeram consigo o quadro de transição epidemiológica instaurado pela diminuição da atividade física e mudanças na composição das refeições 1, 2 dentre outros fatores. Como agravante, este quadro nos países em desenvolvimento é percebido pela incidência cada vez maior de obesidade nos segmentos sociais pauperizados 2, 3 ,4, 5, 6 - onde a obesidade também pode ser causada por desnutrição intra-uterina e desnutrição infantil crônica. Mulheres, pessoas de baixa renda e/ou escolaridade são um estrato social particularmente vulnerável 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11.

As classes sociais mais baixas, portanto, apresentam um ônus aumentado de mau prognóstico no controle da incidência e prevalência da obesidade sem melhora equivalente no seu estado nutricional geral 5, 9, 11.

No Nordeste brasileiro a incidência da obesidade aumentou principalmente no meio urbano e entre os homens 9,10, consoante o incremento incidente na América Latina de modo geral 5, 12. Países em desenvolvimento, dentro desta transição epidemiológica, necessitam controlar o número de casos de obesidade e o déficit estatural populacional (considerando previamente controlados os casos de kwarshiorkor e marasmo) para atingir níveis de bem-estar coletivo dentro das recomendações gerais mundiais 10. João Pessoa ocupa o 3º lugar na classificação das capitais nordestinas que estão acima do peso.
A Organização Mundial da Saúde – OMS já iniciou estudos multidisciplinares 13; 14 para melhor explicar a etiologia e investigar as opções terapêuticas no tratamento desta patologia de expressão epidêmica, que tragam resultados de aderência e persistência terapêutica mais animadores: atualmente, 95% dos obesos fracassam na manutenção de suas dieta de emagrecimento e voltam a engordar, formando um quadro pernicioso para a saúde pública a médio e longo prazos 15, 16.

Dentro deste enfoque, e reconhecendo que para perder peso é necessário uma série de comportamentos condizentes – dentre eles seguir uma dieta 17 - esta pesquisa embasou-se na premissa em Psicologia Social de que para promover novos comportamentos é necessário conhecer as crenças (positivas ou não) contidas na interpretação que o paciente fará a respeito dele, além de verificar a força da pressão social percebida pelo paciente para aderir a este novo comportamento. Neste estudo, utilizou-se a Teoria da Ação Racional - TAR, de M. Fishbein 18, referenciada há mais de 25 anos no estudo do comportamento humano em saúde coletiva. Esta teoria pressupõe que o comportamento humano, em sentido amplo, está sob controle da vontade pessoal, e portanto o indivíduo poderia mudar seu comportamento raciocinando sobre o que o leva a agir de determinada forma. . De acordo com as crenças pessoais sobre determinado comportamento (quanto às vantagens e desvantagens de assumi-lo) e com a pressão social percebida para agir de determinada forma em relação a ele (as pessoas que mais influenciam o paciente quando opinam a respeito), os indivíduos apresentarão graus diferentes de adesão ao comportamento estudado. Identificar e mensurar estatisticamente estes elementos permitiria intervir com mais sucesso sobre a aderência terapêutica, abordando pontos importantes não revelados pelos pacientes em um atendimento clínico usual, mas que influem na sua aderência terapêutica. Tal estudo já foi feito entre obesos de baixa renda quanto à sua intenção comportamental de aderir a dietas de redução de peso em João Pessoa , Paraíba 19.

Este quadro teórico já foi utilizado com sucesso (na validade interna dos estudos e, em alguns trabalhos, na validade externa igualmente), a título de exemplos, para medir, explicar e predizer o grau de adesão ao aleitamento materno 20, à doação de sangue 21, 22, ao auto-exame da mama 23, ao uso de preservativos e redução do número de parceiras sexuais 24, 25 e à alimentação saudável 26. Estes e outros vários estudos permitiram testar extensivamente o poder explicativo da TAR.

Método

Amostra: Seguindo seus passos metodológicos, utilizou-se na 1ª etapa, realizada em outubro/dezembro de 2001 uma amostra de 41 pacientes 19. A TAR segue o preceito de que acima de 40 sujeitos inicia-se o fenômeno da saturação das respostas. Os respondentes eram obesos, idade mínima de 18 anos, em tratamento dietoterápico para obesidade prescrito por nutricionistas, escolhidos ao acaso para uma entrevista imediatamente após suas consultas, na saída da sala do nutricionista. Excluíram-se os cardiopatas, diabéticos, gestantes ou indivíduos sob uso de medicação interferente no apetite ou metabolismo nutricional. As entrevistas ocorreram nos ambulatórios públicos de Nutrição do Centro de Atendimento Médico Especializado (CAME) de Jaguaribe e no Hospital Universitário Lauro Wanderley (HU) da Universidade Federal da Paraíba, em João Pessoa.

Na 2ª amostragem, ocorrida em setembro/dezembro de 2005, com 43 obesos, os mesmos critérios de inclusão e exclusão foram utilizados. A entrevista deu-se escolhendo aleatoriamente pacientes na fila de espera pela consulta nutricional, pois o novo local de amostragem não possuía instalações suficientes para aguardar o término destas consultas. Foi escolhido o CAME da Primavera, também em João Pessoa, que atende uma coletividade muito semelhante à da 1ª etapa.

Instrumento

De acordo com a orientação para todos os trabalhos que utilizam a TAR, aplicou-se nas duas etapas uma entrevista aberta que solicitava a resposta a três perguntas: 1 - Quais as vantagens de reduzir o peso através de dieta? 2 - Quais as desvantagens de reduzir o peso através de dieta? 3 - Que pessoas são mais importantes para você quando dão uma opinião sobre este assunto?

Na 2ª amostragem refinou-se a entrevista dividindo-se a 3ª pergunta em duas partes: “Que pessoas gostariam que você emagrecesse fazendo dieta?” e “Que pessoas não lhe apoiariam para que você emagrecesse fazendo dieta?”. Ao final, os dados sócio-demográficos (idade, sexo, estado civil, renda média familiar, escolaridade) eram solicitados.

Procedimento

Na 1ª amostragem, os integrantes foram contactados imediatamente após deixarem a sala do nutricionista, e identificados pelo formulário de orientação dietética dispensado pelo nutricionista. Foram entrevistados oralmente ou, quando o fluxo de pacientes permitia, levados a uma sala à parte, para preencherem o formulário de entrevista com o próprio punho. Durante a entrevista, em caso de dúvida quanto à compreensão de quaisquer das perguntas sobre as crenças (vantagens e desvantagens) ou os referentes (pessoas mais influentes), o entrevistador estava orientado para não esmiuçar nem mesmo exemplificar como poderiam ser as respostas. Simplesmente deveria repetir a pergunta, acrescentando, no máximo, uma expressão sinônima: para “vantagens”, “o que existe de bom”; para “desvantagens”, “o que não é bom”, para “pessoas importantes”, “aquelas pessoas que fazem diferença para você”. Solicitava-se que o respondente expressasse as primeiras respostas que lhe vinham à mente diante de cada pergunta , de acordo com a orientação de Miller 27, que concluiu serem as primeiras idéias que vêm à mente do indivíduo, expressas livremente, as que melhor informam e mais próximo se encontram da verdade sobre o que pensa o entrevistado. O tempo médio de cada entrevista variou de 3 a 5 minutos.

Na 2a amostragem, a entrevista deu-se exclusivamente na fila de espera pela consulta, seguindo todas as determinações da 1ª fase. O tempo médio oscilou entre 3 a 6 minutos.


Resultados

A maioria da amostragem foi composta por mulheres (70,73 % na 1ª amostragem e 90,7% na 2ª). A Pesquisa Suplementar em Saúde da PNAD 1998 do IBGE 28 afirma, entretanto, que entre as pessoas que procuram regularmente o posto ou centro de saúde não existe uma diferenciação significativa segundo o sexo. Já a Pesquisa Suplementar em Saúde da PNAD 2003 do IBGE 29 assinala que mulheres realmente procuram mais o serviço público de saúde, especialmente nas classes de menor renda.

Constatou-se ainda na 1ª amostragem que sujeitos de ambos os sexos na faixa etária de 31 a 60 anos representaram 53,66% desta amostra. A PNAD também assinalou que a partir dos 40 anos aumenta o número de consultas médicas. Na 2ª amostragem a mesma faixa etária predominou: 66,11% da amostra.

Utilizou-se, na entrevista, a antiga denominação para os níveis de escolaridade (primário, ginásio e segundo grau) por serem mais facilmente compreendidas pela população estudada. Na 1ª amostra, o maior percentual foi representado por aqueles que assinalaram o ginásio (atual ensino fundamental do 2º ciclo) completo ou não: 60, 98% do total. Deste percentual, os que alcançaram apenas o primário (atual ensino fundamental do 1º ciclo) completo ou não perfizeram 34,15% da amostra. Não foi encontrado nenhum respondente analfabeto, mas na 2ª amostragem eles corresponderam a 13,95%. O Anuário Estatístico da Paraíba 30 afirma ser grande o número de analfabetos no Estado. A POF 2002-2003 do IBGE 29 relata uma taxa de analfabetismo nacional acima dos 10 anos de idade em 10,9%. Na 2ª amostra, o maior percentual de escolaridade recaiu sobre o 2º grau, completo ou não: 51,16%.

Considerando o trabalho de Thomas e Strauss 31, onde se esclarece que no Brasil um indivíduo apenas alfabetizado ganha cerca de 50% a mais que um analfabeto, e na mesma comparação, que um indivíduo com educação primária recebe 130% a mais, e aquele com ao menos o segundo grau (atual ensino médio) ganha 550% a mais que o analfabeto, corrobora-se a conclusão das PNAD do IBGE onde consta que existe uma alta correlação positiva entre o acesso ao médico e o poder aquisitivo da população. Os analfabetos, afirma a Pesquisa Suplementar em Saúde na PNAD 1998 28, buscam o balcão das farmácias para resolver seus problemas de saúde.

A renda familiar majoritária repetiu-se nas duas amostragens: até 3 salários-mínimos então vigentes ( 68,29% da 1ª amostra e 76,74% da 2ª). A Pesquisa Suplementar em Saúde do IBGE 2003 29 reitera que cerca de 75,0% dos brasileiros procuram, em caso de necessidade, postos e centros de saúde (como o CAME de Jaguaribe e da Primavera), e que seu uso aumentou entre as duas pesquisas. Esta modalidade de serviço de saúde representa 52,14% da oferta de serviço de saúde no país, seguida por ambulatórios de hospitais como o HU, oferecendo 16,9% dos serviços públicos de saúde. Recente pesquisa da FIOCRUZ 32 acrescenta que 88% da população nordestina utiliza os serviços do SUS, como os do CAME de Jaguaribe e Primavera aqui escolhidos.

Por fim, a maioria dos entrevistados em ambas as amostragens era casada (63,41% na 1ª e 65,12% na 2ª). A PNAD 1998, porém, correlaciona este dado com a renda familiar, e afirma que são os homens casados os que declaram consultar médicos com menor freqüência.

Três profissionais de psicologia, fora da equipe de pesquisa, conforme orientado pelo método de aplicação da TAR, agruparam as respostas em categorias ou classificações, e a convergência destas três classificações resultou nas tabelas 1 a 6 a seguir:

SUGESTÃO PARA INSERIR TABELA 1


Surpreendendo uma das hipóteses iniciais do trabalho, uma aparência física conforme os padrões estéticos sociais e midiáticos não foi o resultado mais procurado pelos obesos pobres em nenhuma das etapas, mesmo após decorridos 4 anos entre elas. Os homens da amostra mencionaram até preferir mulheres mais gordas, que seriam mais atraentes. Estas informações coincidem com aquelas obtidas, por exemplo, nos estudos de Cachelin et al. 33; Paeratakul et al. 34 e Sanchez-Johnsen et al.35, que concluíram predominar, nos estratos mais baixos das sociedades norte-americana e brasileira, a preferência estética por corpos mais gordos, que também pareceriam mais sadios. Mesmo com a influência da mídia, verificou-se que nestas classes a aprovação de um corpo mais magro não é comum entre asiáticos, negros ou latinos que vivem nos EUA. Esta estratégia seria particularmente pouco efetiva junto a mulheres. Alguns homens entrevistados relataram “não gostar de mulher magra”, “não gostar de sentir os ossos da mulher”. A faixa etária da amostra deste estudo, entretanto, pode ter influenciado este resultado: sabe-se que é entre adolescentes que se encontra o maior percentual de busca pelo corpo magro 36.

Os obesos desta pesquisa relataram querer emagrecer por medo da morte “por enfarto, derrame”. O excesso de peso já os fazia sofrer fisicamente por dificuldades para respirar e locomover-se.

Em conclusão, tentar incentivá-los a comer menos e melhor para obter uma aparência física de acordo com padrões estéticos socialmente mais abastados não parece ser a tática mais adequada ou eficiente.

SUGESTÃO PARA INSERIR A TABELA 2

Seguir um regime de emagrecimento não parece ser um comportamento dependente apenas da vontade e da decisão pessoal, como o classificaria a teoria de M. Fishbein. Nos dois períodos de tempo, apesar do reconhecimento da importância e mesmo da necessidade de emagrecer, o obeso pobre não se sente preparado o bastante para “resistir às tentações”. Foram citadas crenças negativas como “eu me sinto aprisionado durante o regime”; “a gente tem que se vigiar o tempo todo”; “você fica excluído dos momentos de festa, dos almoços de família; você não pode comer nada”; “não dá nem para provar o que a gente cozinha para aos outros”, “tenho que controlar a quantidade de comida”, “a gente não pode comer tudo o que gosta”. A dimensão do “controle comportamental” foi muito citada (n = 61 na 1ª e n = 17 na 2ª amostragem), contrariando o postulado da Teoria da Ação Racional. Ajudar os obesos desta camada social a encontrar estratégias de comportamento que aumentem a persistência nos regimes de emagrecimento será mais útil e eficaz para evitar as doenças correlatas 37, 38. Comer frutas e verduras, por exemplo, apesar de admitidamente indesejável, não foi considerado tão ruim.

A maior freqüência de respostas encontradas na entrevista refere-se ao desânimo de estar obrigado a “não poder comer do que se gosta” (n = 16 e n = 29, respectivamente) e “comer menos” (n = 10 e n = 19, respectivamente). É útil lembrar que pessoas que sofreram desnutrição crônica na infância ou na vida intra-uterina sentem mais necessidade de comer que pessoas que não passaram por sérias privações nutricionais 5.

SUGESTÃO PARA INSERIR AS TABELAS 3, 4 e 5.

As pessoas do convívio diário do obeso são responsáveis pelo maior grau de pressão social percebida contra seu problema de peso. O caráter rotineiro desta pressão certamente é responsável pelos sinais de depressão e auto-percepção negativa verificado já em outros estudos 14.

Especificamente o cônjuge, na 2ª amostragem (n = 17), seguido de mães e filhos dos obesos, foram os referentes percebidos como aqueles que mais desejavam que estes obesos efetivamente emagrecessem (n = 12 , n = 16 e n = 14, respectivamente).

Na 2ª amostragem procurou-se refinar o tipo de influência percebida, através dos tipos positivo (apoio ao regime) e negativo (contra o regime). A Tabela 5 mostra que o tipo desencorajador de influência foi pouco freqüente (n= 24). Contrastando esta tabela com a de número 1 pode-se deduzir que quando os referentes apóiam o regime, o fazem para que o obeso consiga mais saúde e não melhor aparência física.


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