0271/2007 - Educação em Saúde: uma reflexão histórica de suas práticas
Health Education: a historical reflection of its practical
Autor:
• CRISTIANE MARIA DA COSTA SILVA - Silva, C.M.C. - POÇOS DE CALDAS, MINAS GERAIS - FOP-UNICAMP - <cristiane@projetica.com.br>Área Temática:
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Resumo: Este texto procura contextualizar as transformações ocorridas nas práticas de educação em saúde desde o cenário político no final do século XIX, quando se organizaram as primeiras iniciativas ampliadas do Estado brasileiro no campo da saúde, até a criação do Sistema Único de Saúde.Palavras-Chave: Educação em saúde, Estado e Participação Popular.
Abstract:
Abstract: This text looks for to contextualize the occurred transformations in practical of health education since the politician scene in the end of century XIX, when the first extended initiatives of the Brazilian State in the field of the health had been organized, until the creation of the Only System of Health.Key-words: Health education, State and Popular Participation.
Conteúdo:
Introdução
A relação entre a educação, saúde e suas práticas é condicionada por dimensões estruturais complexas que precisam de uma análise histórica para sua maior compreensão1. No plano histórico, a sucessão de modelos de educação aplicados à área da saúde pública não significa um seqüência evolutiva, antes é uma descrição da prática dominante em certos períodos em relação aos problemas de saúde destacados para intervenção, visando a manutenção da hegemonia da classe dominante 2;3. Desta forma, verifica-se que as atividades desenvolvidas eram e ainda são orientadas pelas concepções de saúde e de educação em saúde vigente em cada período histórico e pelos modelos de atenção implantados nos serviços, na busca da manutenção da saúde da mão-de-obra trabalhadora para fins capitalistas.
A idéia de uma pedagogia higiênica organizou-se pela primeira vez no Brasil na segunda metade do século XIX, sendo a população alvo dessa prática, as famílias da elite. Iniciava-se uma cruzada para europeizar os costumes e urbanizar os hábitos da elite brasileira, com o objetivo de transformar o perfil sanitário da antiga família colonial, composta de agregados, escravos, domésticos e serviçais, em uma instituição conjugal e nuclear marcada pelo sentimento de privacidade4; 1. A intenção maior era legitimar a classe social por meio de seus atributos físicos, psíquicos e sexuais. Tal fato alimentou, indiretamente, ideologias racistas e preconceituosas, servindo para a manutenção da exploração das classes subalternas, em nome da superioridade racial e social das elites brancas4.
Para a outra parcela da população, restava apenas o instrumento de coerção da polícia, do recrutamento militar ou dos espaços de segregação higiênica das prisões5. Nesta época ainda não interessava ao Estado mudar o padrão sanitário das camadas chamadas desclassificadas. Segundo Eymard Mourão Vasconcelos1 as populações periféricas das grandes cidades despertavam preocupações médicas apenas quando a imundície de suas ruas e seus quintais era considerada foco de propagação de doenças pestilentas causadoras de epidemias.
Já no final do século XIX e início do século XX, o Estado viu-se obrigado a estruturar as primeiras intervenções sistemáticas de educação em saúde ampliadas às classes populares 6 justamente para combater as epidemias de febre amarela, varíola e peste, que estavam trazendo grandes transtornos para a exportação de café. Estas epidemias ameaçavam os interesses do modelo econômico agrário-exportador, pois em decorrência destas, vários navios mercantes, sob bandeiras estrangeiras, vinham deixando de fazer escala no Brasil, passando ao largo da costa brasileira e aportando diretamente na Argentina 5;1. Desta forma, o foco de atenção do governo brasileiro voltou-se, estrategicamente, nos chamados espaços de circulação de mercadorias, ou seja, as estradas, portos, principalmente os do Rio de Janeiro e São Paulo 7.
Como estratégia de atuação, as instituições de saúde se organizavam a partir do modelo campanhista, de inspiração bélica, para combater as epidemias, baseadas em experiências dos serviços de saúde dos exércitos coloniais, mantendo a estrutura e o modo de operações militares8. Este modelo concentrava fortemente as decisões nas mãos de tecnocratas e adotava um modelo repressivo de intervenção médica nos corpos individuais e sociais9. As práticas de saúde eram extremamente autoritárias. Neste sentido, houve importante influência da doutrina denominada de polícia médica, desenvolvida na Alemanha de Bismarck, na segunda metade do século XIX, a qual partia do pressuposto de que ao Estado cabia assegurar bem-estar e segurança ao povo, mesmo contrariando interesses individuais, justificando-se assim o controle coercivo dos problemas sanitários como mecanismo de assegurar a defesa dos interesses gerais da nação5;1. Foi então criada no Brasil a Polícia Sanitária e suas ações eram baseadas no discurso da higiene, que desconsiderava as relações entre doença e condições de vida – predominava a imposição de normas e medidas de saneamento consideradas científicas pelos técnicos e burocratas. As descobertas da bacteriologia, a partir de Pasteur, no final do século XIX, tinham difundido a confiança na existência do conhecimento necessário para controlar as doenças infecciosas, dando legitimidade científica às campanhas que se organizavam 10.
Apesar da política de saúde pública apresentar o discurso da polícia sanitária, isto é, o propósito de introduzir através da força repressiva estatal normas e medidas de saúde, a função coerciva não visou simplesmente excluir, separar elementos desviantes. Como sugere Madel5, a função coercitiva no âmbito das instituições de saúde tem algo de educativo quando visa exemplar: pelo temor aprende-se a ordem, a disciplina, e deste modo, a aceitar a hierarquia. Assim, essas ações estiveram inseparáveis de um certo papel educativo-coercivo do Estado, que buscou realizar uma adequação entre o aparato produtivo, a moralidade e os padrões de higiene das massas populares.
Em 1903, o médico Oswaldo Cruz assumiu a Diretoria Geral de Saúde Pública, convidado pelo Governo de Rodrigues Alves, com ênfase no saneamento urbano da cidade do Rio de Janeiro e combate às epidemias de febre amarela, peste e varíola 11. Segundo Rosely Magalhães de Oliveira8, Oswaldo Cruz passou a enfrentar as epidemias que grassavam a cidade do Rio de Janeiro através das Brigadas Sanitárias, compostas de mata-mosquitos, operários de limpeza pública, geralmente acompanhadas de soldados da polícia. Essas equipes percorriam as ruas e visitavam as casas, desinfetando, limpando, exigindo reformas, interditando prédios, removendo doentes. Visitavam obrigatoriamente todas as casas e removiam do seu interior tudo que fosse julgado prejudicial à saúde da população1. Os alvos preferidos das visitas eram, naturalmente, as áreas mais pobres e de maior densidade demográfica. Os quadros calamitosos de epidemias transformavam-se eventualmente em demandas políticas e pressionavam a ação estatal no âmbito da saúde, mas em nenhum instante, no entanto, se configurava a idéia de direito à saúde.
O Estado identificava até então a ignorância e a falta de informação da população como causa para a existência das doenças. Assim, a população era vista como a única causadora dos males de saúde que assolavam as grandes cidades. A educação em relação à saúde tinha papel marginal. Eram distribuídos folhetos avulsos, denominados Conselhos ao Povo, sobre os meios de evitar doenças1. Na verdade, a educação em saúde era breve porque, para as autoridades, o povo era incapaz de maior entendimento e o discurso era muitas vezes para dizer que se tinha tentado a via do convencimento antes de ser obrigado a tomar iniciativas mais coercivas1.
A publicação de Euclides da Cunha de “Os Sertões”, em 1902, teve grande impacto nos círculos intelectuais das cidades brasileiras. Assim, vários escritores passaram a denunciar a falta de atenção do governo, preocupado apenas com o colono estrangeiro, cuja mão-de-obra era usada nas culturas cafeeiras, chamando a atenção para o valor econômico da produção do sertanejo e combatendo o latifúndio. Em uma primeira qualificação o termo sertões passa a ser sinônimo de abandono, ausência de identidade nacional e difusão de doenças endêmicas11. A presença da doença causada pelo abandono das autoridades públicas e não mais pela indolência, seria o elemento que explicaria o brasileiro, em especial sua improdutividade11.
Intelectuais da classe média das grandes cidades, mais independentes das oligarquias rurais, começaram a contestar a crença, até então dominante, de que a salvação nacional passava pela europeização e branqueamento da população através da imigração estrangeira e imposição de novos padrões de comportamento6 – movimento este denominado de Eugenismo, onde a educação se encarregava de domesticar e moralizar o proletariado urbano emergente e manter a raça rígida para construir a identidade do povo brasileiro3. Para os eugenistas, esta era a única alternativa que poderia limpar os brasileiros da nódoa do passado escravocata e dos efeitos perniciosos da miscigenação, ou seja, o “sangue bom” permitira ao nosso povo redimir-se e purificar-se da contaminação de raças supostamente inferiores12.
Em contrapartida, parcelas da classe média passam a se unir com as classes populares, lutando por melhores condições de vida, sendo o fato mais marcante desta organização popular a chamada grande revolta, que se deu contra a campanha da vacinação obrigatória, em 1904, coordenada pelo médico Oswaldo Cruz, onde, pela primeira vez na história, as ações de saúde passaram do enfoque sobre o ambiente para a pessoa, sobre o corpo1. O ápice deste movimento se deu com a criação da liga contra a vacinação obrigatória, com grande participação popular. Segundo Eymard Mourão Vasconcelos1, durante um comício no Largo do São Francisco, a cavalaria do exército cercou o prédio, e carregou sobre os manifestantes, deixando muitos feridos e presos. Para o autor1, a importância deste episódio foi mostrar que as classes populares e médias urbanas, se ainda eram incapazes de participar da orientação das políticas públicas de saúde, eram capazes de se estruturar e já tinham evoluído na sua organização e cultura a ponto de poder resistir ao autoritarismo das oligarquias.
Monteiro Lobato, expressando um clamor emergente nas grandes cidades, assume em 1918 a bandeira de luta sanear é grande questão nacional6. O problema brasileiro não estava na raça, mas nas doenças que tornavam a população preguiçosa e sem iniciativa13: o “Jeca não é assim, ele está assim”, um caipira doente e por isso preguiçoso, pobre e atrasado que ao passar a acreditar na medicina e seguir suas prescrições livra-se da opilação e torna-se um fazendeiro saudável11. Dessa forma, as ações médicas e a educação assumem importância central no debate político nacional, surgindo várias campanhas e serviços voltados para o saneamento dos sertões no final da Primeira República. No entanto, a falta de participação popular ainda era marcante e, se a população não era mais culpada pela situação de subdesenvolvimento, ela continuava sendo vista como incapaz de maiores entendimentos. Nesta época mantém-se o modelo de educação em saúde denominado por Eymard Mourão Vasconcelos6 de toca boiada: se antes se preocupava em tocar a boiada com o ferrão da polícia sanitária, agora era com o berrante, ou seja, com as palavras dos educadores sanitários.
Enfim, até a década de 20 a estrutura sanitária brasileira era caracterizada pela criação de unidades especializadas para fazer frente a problemas específicos. As ações focais dos serviços de saúde mostravam impacto no controle de algumas doenças como a febre amarela, no entanto, esse mesmo êxito das campanhas não era observado quando o problema dizia respeito às doenças menos agudas, como tuberculose, amplamente distribuídas na população8. O sucesso das ações era considerado apenas parcial, pois a medicina logrou muito diagnóstico e pouca prevenção – apenas algumas vacinas foram desenvolvidas nos primeiros anos e quase nenhuma terapêutica eficaz, principalmente do ponto de vista coletivo 10.
Entretanto, o fortalecimento econômico do complexo cafeeiro e o processo de industrialização fez surgir neste período uma nova concepção de serviços de saúde, denominada Saúde Pública. Junto com essa concepção surge uma nova prática de educação voltada para a saúde, denominada Educação Sanitária – amplamente influenciada pela estrutura norte-americana8. Segundo Emerson Elias Merhy 14, no interior da política de saúde aumentou a crítica ao modelo anterior, como sendo de baixa eficácia diante dos novos problemas que a saúde pública tinha à sua frente, sendo que esses novos problemas agora eram a saúde da criança, dos trabalhadores, entre vários outros, aos quais só a Higiene e a Educação Sanitária poderiam responder. Houve assim um esgotamento da teoria unicausal da medicina, que explicava as doenças apenas pelos agentes microscópicos, pois a incapacidade de responder a muitos fenômenos de morbidade e mortalidade populacional foi fatal para sua existência10. Entretanto, o movimento sanitarista nessa época, continuava a ser fundamentalmente um movimento de elite, com uma pequena vista de olhos para a população, que pouco fez além de distribuir exemplares da história de Jecatatuzinho, num país que contava, em 1920, com 70% de analfabetos12.
Em 1923, Carlos Chagas, processou a primeira Reforma Sanitária Brasileira, criando o Departamento Nacional de Saúde, então ligado ao Ministério da Justiça, e a educação sanitária e a propaganda foram introduzidas na técnica rotineira das ações em saúde, inovando o modelo campanhista de Oswaldo Cruz, que era puramente fiscal e policial15. Nesse processo, também foram criados na Capital Federal, os primeiros Centros de Saúde Brasileiros. Estes centros se constituíam no interior da Saúde Pública, como o local em que as ações sanitárias deveriam se dar. No sistema de ensino, a educação sanitária deveria ser assumida pelas escolas3. A educação sanitária surge com um papel de substituir os métodos repressivos das campanhas sanitárias pela persuasão e conscientização dos métodos educativos e preventivos junto a indivíduos e coletividades3. Este modelo baseava-se na visão de que as doenças não eram só produzidas pelo meio externo, mas também pela consciência sanitária das pessoas. Muitas destas idéias foram trazidas ao país por jovens sanitaristas que iam até os Estados Unidos complementar sua formação médica e ao voltarem, tentavam impor-las de forma extremamente autoritária16.
Com a difusão do ideário da Escola Nova, onde a criança era considerada o centro de tudo, e os avanços da biologia e da psicologia, as crianças e adolescentes passaram a ser a população preferencial a receber, através das escolas e postos de saúde, os princípios da higiene para manterem-se saudáveis. Esta nova estrutura veio retirar a autoridade de Polícia Sanitária e as ações de educação em saúde passaram a se desenvolver pelos educadores sanitários e professoras, que eram treinados para exercerem a função de educar a população escolar. A padronização das informações e do desempenho dos técnicos era desejável pelos serviços, que se valiam de cursos de formação dos educadores com ênfase no uso de equipamentos e materiais de comunicação e da repetição das mesmas falas em qualquer lugar onde estivessem17. A visão positivista subjacente baseava-se na hipótese de que a instituição educacional poderia corrigir, através da higiene, a ignorância familiar que comprometia a saúde da criança e, portanto, as escolas seriam, além de espaço de ensino e controle social, espaços terapêuticos, recaindo sobre o professor a tarefa de transformar o mundo2. Baseado nestes pressupostos iniciou-se o curso de educação sanitária na Faculdade de Higiene e Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP). O curso era dirigido principalmente para professores do ensino primário, voltado para a veiculação de mensagens de higiene no universo escolar18, e o processo saúde-doença era analisado apenas sob a ótica de disciplinas biologicistas19.
Porém, houve uma grande falha na proposta da década de 20, que foi o pequeno peso conferido aos fatores ambientais e ainda a excessiva importância aos agentes etiológicos. As ações não intervinham nas condições de vida e de trabalho a que as populações infantis da classe popular estavam submetidas. As influências do mecanicismo e do positivismo foram bastante visíveis, sendo o contexto muito mais próximo de uma unicausalidade esclarecida, que aceitava a influência dos outros fatores, do que de uma multicausalidade de fato 10. Assim foram lançadas as bases para a estruturação dos serviços de saúde que se consolidariam a partir de 1930, com a Era Vargas.
A falta de participação popular nos serviços, os modos coercivos, discriminatórios e autoritários como se deram as campanhas de saúde pública, foram fundamentais para explicar os modelos de atenção à saúde, expandidos durante a Era Vargas, pois as classes populares passaram a encarar as práticas de educação em saúde com certa reserva. A partir da década de 30, a ação Estatal no setor de saúde se concentra na construção de um sistema previdenciário destinado às categorias de trabalhadores mais organizadas politicamente e ações de caráter coletivo foram esvaziadas em favor da assistência médica individual. As ações educativas em saúde ficaram restritas a programas e serviços destinados às populações à margem do jogo político central, continuando a priorizar o combate das doenças infecciosas e parasitárias6.
Neste período, as ações de saúde passam a se concentrar em campanhas sanitárias e programas especiais, como materno infantil e pronto-socorro, além de serviços especiais de saúde mental, entre outros, para onde recorriam as camadas da população que não podiam pagar ou que não estavam incluídas na assistência previdenciária20.
Na década de 40, em plena Guerra, o governo brasileiro, em convênio com o americano, estrutura o Serviço Especial de Saúde Pública (SESP), que tornou-se um dos marcadores do desenvolvimento das instituições de saúde no país, particularmente através de suas propostas no campo das programações de saúde14. Com o comando de militares norte-americanos, como parte do acordo para exploração de borracha e minérios do solo brasileiro, em 1942, unidades SESP são organizadas primeiramente na região Amazônica e Vale do Rio Doce, significando para o Brasil a vinda de novas tecnologias de medicina preventiva e formas de gerenciamento institucional. As ações do SESP visavam a proteção dos trabalhadores envolvidos na extração da borracha e de minério, mas também trouxe novas técnicas educacionais na área de saúde e recursos audiovisuais sofisticados de tendência tecnicista de educação21. Ainda assim a população continuava a ser vista como passiva e incapaz de iniciativas próprias6.
A atuação do SESP baseou-se na criação de postos permanentes – centro de saúde e postos rurais – em várias regiões, incluindo Minas Gerais e Espírito Santo, contratação de sanitaristas em tempo integral e de uma equipe auxiliar com laboratoristas, escriturários, médicos consultantes, visitadores entre outros. As atividades do SESP davam-se a partir de programas que associavam doenças contagiosas, diagnóstico precoce e tratamento preventivo, educação sanitária, atividades de higiene em geral e organização científica em termos administrativos dos serviços públicos14. Nessa época, inovações metodológicas e novas técnicas de ensino-aprendizagem são introduzidas nas práticas de educação em saúde tais como a educação de grupos, os recursos áudio-visuais e o desenvolvimento e organização de comunidades, desencadeando idéias de participação e mobilização de indivíduos nas ações de saúde, contrariando a política centralizadora e paternalista do Estado como um todo21. A educação não era só dirigida às crianças e jovens imaturos, considerados até então, os únicos possíveis de serem educados. Começa-se a considerar que o adulto também era possível de sofrer um processo de mudança19.
A Fundação SESP influencia de forma importante na introdução da ideologia do desenvolvimento e participação comunitária, educação de grupos e ainda vai influir na reforma do currículo da Faculdade de Higiene e Saúde Pública, introduzindo os fatores sociais, econômicos e culturais na maneira de perceber o processo saúde doença no currículo de educação sanitária19.
Esse movimento introduziu nas escolas a educação sanitária, ainda com forte influência eugenista, onde buscou-se a criação de técnicas de regulação e normatização4, visando criar um sistema fundamental de hábitos higiênicos, capaz de dominar inconscientemente, toda a existência das crianças18.
Após a Segunda Guerra Mundial, a Organização das Nações Unidas (ONU), caracterizada pela hegemonia dos países do Primeiro Mundo, sugere o desenvolvimento comunitário como forma explícita de mobilizar as populações carentes contra a miséria8. O desenvolvimento comunitário foi usado como forma de intervenção social, informando e planejando modos de modificar comportamentos e gerar mudanças culturais. Assim, a partir da década de 50 um novo papel é atribuído à educação em saúde, esta então denominada de educação para a saúde3.
A proposta de participação popular surge numa tentativa de canalizar e mobilizar a população para atuar em áreas sociais restritas, buscando superar a marginalidade em que se encontravam certas parcelas da população 21. Na saúde, a participação popular inicialmente se expressa pela extensão da cobertura de serviços básicos, mas sem modificações nas suas estruturas, ou seja, não garantiam a qualidade e resolutividade dos serviços prestados. Nesta fase proliferou o número de treinamento de voluntários de saúde, aumentaram os programas comunitários que empregavam mão de obra gratuita, em mutirão, para o saneamento básico e construção de postos de saúde. O termo participação parece ser, sabidamente, manipulado e utilizado para determinados programas, que utilizaram a força do trabalho da comunidade, onde os próprios beneficiários passaram a ser mão de obra não pensante de uma medicina simplista, para os pobres21. Apesar disto, a ampliação física dos serviços facilitou o acesso geográfico aos serviços de saúde, mas não reduziu o fosso cultural e social para a população a quem se destinava.
Assim, a pedagogia da saúde entre os anos de 1950 e 1960 pautou-se por uma ideologia modernizadora que tinha por meta remover os obstáculos culturais e psicossociais às inovações tecnológicas de controle às doenças, a fim de manter o domínio estrutural da sociedade22.
Em 1964 acontece o golpe militar no Brasil, impondo aos brasileiros um regime autoritário de administração pública, culminando com a piora da saúde, principalmente da parcela mais carente da população. O regime autoritário trouxe como conseqüência imediata para as políticas de saúde no Brasil, um total esvaziamento da participação da sociedade nos rumos da previdência23. Nesta época, a política de saúde imposta pelos militares se volta para a expansão de serviços médicos privados, especialmente hospitais, nos quais as ações educativas não tinham espaço significativo6. A perspectiva de participação da comunidade nos processos de educação em saúde nesta década visava mobilizar as populações a cooperarem com os agentes e serviços de saúde inaugurados nas zonas rurais e periferias urbanas22. O governo passa a comprar serviços de assistência médica, e as condições dos brasileiros, expressas em diferentes indicadores, tornaram-se ainda mais críticas20.
A ampliação da rede de serviços, como antes se pensava, não possibilitou grandes melhoras no quadro de saúde da população. Passaram a coexistir doenças infecciosas e as crônico-degenerativas. Com um agravante para a população excluída das políticas públicas, que é obrigada a conviver simultaneamente com os dois tipos de agravos, caracterizando uma situação de profunda desigualdade social e de desgaste corporal8.
Enfim, até a década de 70, a educação em saúde no Brasil foi basicamente uma iniciativa das elites políticas e econômicas e, portanto, subordinadas aos seus interesses. Voltava-se para a imposição de normas e comportamentos por elas considerados adequados. Para os grupos populares que conquistaram maior força política, as ações de educação foram esvaziadas em favor da expansão da assistência médica individualizada6.
Mas o regime militar criou, contrariamente, condições para a emergência de uma série de experiências de educação em saúde6, o que significaram uma ruptura com o padrão acima descrito. Os movimentos populares que haviam sido violentamente reprimidos pelos primeiros governos militares após a revolução de 1964, começam a se rearticular e a crescer a partir da década de 70, reivindicando melhores condições de vida13;6. A insatisfação política da população com o regime ficou evidente com os resultados das eleições de novembro de 1974, com a vitória do MDB – único partido de oposição que estava autorizado a se organizar8. Esse movimento ficou conhecido como Movimento da Reforma Sanitária, que se ampliou ainda mais com a incorporação de lideranças políticas sindicais populares e também parlamentares interessados na causa 23.
No auge do regime militar, especialmente a partir de 1967, as práticas de educação voltadas para a saúde, até então denominadas educação sanitária receberam a denominação de educação em saúde e as equipes de saúde passaram a ser constituídas por diversos profissionais de saúde, não só de educadores8.
As mais de duas décadas de regime militar e a inflação elevada deram sua contribuição para que o Brasil fosse considerado um dos países com maiores índices de desigualdades no mundo e que aqui se instalasse a crise do setor saúde24. A crise do setor saúde foi caracterizada pela insuficiência, descoordenação, má distribuição, inadequação e ineficácia aos serviços durante a V Conferência Nacional de Saúde, em 197520. Diante da ameaça de quebra da estabilidade social, o Estado brasileiro é obrigado a preocupar-se mais com os problemas de saúde, educação, habitação e saneamento da população. Mas a crise econômica já se iniciava, tornando escassos os recursos financeiros disponíveis13. Assim, foi preciso encontrar um modelo alternativo de assistência médica e a Medicina Comunitária, que já vinha sendo colocada em prática em outros países do mundo, logo se mostrou a mais adequada às necessidades políticas do momento13.
Nesta época, a educação em saúde torna-se obrigatória nas escolas brasileiras de ensino médio e fundamental (antigos 1º e 2º grau) pelo artigo 7 da lei 5.692/71, com o objetivo de estimular o conhecimento e a prática da saúde básica e da higiene nos escolares 2.
Ao lado dos movimentos populares urbanos que eclodiram no final dos anos 70, emerge também a insatisfação de diversos profissionais da rede de serviços e de intelectuais que estavam encurralados nos espaços acadêmicos8. No interior das Universidades, onde alguns professores e técnicos tinham, em mãos, alguns estudos que denunciavam os efeitos do modelo econômico sobre a saúde da população e a irracionalidade do sistema de saúde então implantado, se inicia uma profunda reflexão e grupos debatem princípios e estratégias para se criar um sistema de saúde que atendesse às realidades da população brasileira3. Assim, são introduzidos no Brasil os princípios dos cuidados primários de saúde, baseados nas recomendações da Conferência de Alma-Ata3 dando uma nova direção às políticas de saúde, enfatizando a participação comunitária, a cooperação entre diferentes setores da sociedade e os cuidados primários de saúde em seus fundamentos conceituais.
Desta forma, a emergência desse novo processo de prática médica não substituiu a medicina científica, que continuou a ocupar o seu espaço hegemônico de atendimento às demandas das categorias sociais privilegiadas. Antes, viabiliza-a ao completar um sistema de medicina de classes, ou seja, a medicina comunitária nasceu para cobrir um buraco na assistência, sendo considerada uma medicina de e para marginalizados, sejam urbanos ou rurais. E o espaço da medicina comunitária passa a ser o espaço dos marginalizados, ou seja, as áreas rurais e periurbanas.
Nesses serviços, os profissionais passam a conviver mais de perto com os problemas das classes populares, com a dinâmica do processo de cura e adoecimento e muitos começam a reorientar suas práticas buscando maneiras mais globais para o enfrentamento dos problemas de saúde13. Entretanto os recursos escassos fizeram com que a prática médica se tornasse muito limitada. Os baixos salários dos profissionais e a quase ausência de acompanhamento educativo os deixou desmotivados e não adaptados às novas funções. Além disso, ocorriam constantes interferências de políticos nos serviços, que os transformavam em locais para se conseguir votos 13.
Este pouco caso e esta utilização eleitoreira dos novos serviços de saúde provocaram muitos descontentamentos entre os profissionais. Segundo Eymard MourãoVasconcelos6, associações de bairro, sindicatos, comunidades eclesiais de base começaram a lutar pela melhoria destes serviços surgindo um número crescente de experiências onde seus profissionais e os movimentos populares se aliaram na luta pela criação de uma medicina mais apropriada às classes populares. Sob descaso do Estado com os problemas populares, foram se configurando iniciativas de busca de soluções técnicas construídas com base no diálogo entre o saber popular e o saber científico. Nesta época, o método educacional sistematizado por Paulo Freire, constituiu-se como uma espécie de eixo de referência para a relação entre profissionais de saúde e as classes populares6. Abre-se assim o espaço para novas experiências no campo da educação em saúde, baseadas no método dialógico de Paulo Freire, configurando enfim a Educação Popular em Saúde.
Diante disso, a participação de profissionais de saúde nas experiências de educação popular a partir dos anos 70 trouxe para o setor de saúde uma cultura de relação com as classes populares que representou uma ruptura com a tradição autoritária e normatizadora da educação em saúde13; 6. A educação popular em saúde, baseada numa relação dialógica entre o conhecimento técnico-científico e a sabedoria popular, caracterizada pela livre participação das classes populares com o direito e poder de pensarem, produzirem e dirigirem o uso de seus saberes a respeito de si próprias e de sua saúde, permitiu novos olhares, olhares estes que possibilitaram abordagens mais eficientes em defesa da saúde e da vida da população.
A segunda metade da década de 1980 é marcada por uma profunda crise de caráter político, social e econômico, tendo enormes repercussões sobre a condição de saúde das populações, agravando as condições de vida, aumentando o desemprego, a desnutrição e a mobilidade dos grupos sociais menos protegidos8. A previdência, ao fim de sua fase de capitalização e com problemas de caixa oriundos de uma política que estimulava a corrupção e o desvio de verbas, apresentava-se sem capacidade para dar conta das demandas criadas23. Cresce assim, o movimento social que defendia a democratização da saúde e difundia a proposta da Reforma Sanitária20, tendo como ponto alto de suas articulações a apresentação de suas propostas durante VIII Conferência Nacional de Saúde, em 1986, em Brasília. O momento propício com o advento da Nova República, pela eleição indireta de um presidente não militar, além da perspectiva de uma nova constituição, contribuíram para que esta Conferência fosse considerada um marco, um divisor das águas dentro do movimento pela reforma sanitária23.
O relatório da VIII Conferência Nacional de Saúde destaca, entre outras propostas, o conceito ampliado de saúde, a qual é colocada como direito de todos e dever do Estado. A saúde integral de cada indivíduo representa um fator para o desenvolvimento da nação em seu processo histórico. Com a incorporação de boa parte de suas propostas pela Assembléia Constituinte na elaboração da nova Carta Magna, a reforma sanitária brasileira concretizou suas ações no plano jurídico-institucional25. A que ficou conhecida como Constituição-Cidadã incluiu no capítulo da seguridade social, a saúde como direito de todos e dever do Estado e moldou as diretrizes do Sistema Único de Saúde, o SUS23. Mas no momento em que era promulgada, aprofundava-se a instabilidade econômica com a hiperinflação e crise fiscal do Estado, enquanto a Reforma Sanitária encontrava sérios obstáculos para sua implantação. O recuo dos movimentos sociais, a disseminação da ideologia neoliberal e a perda de poder aquisitivo dos trabalhadores de saúde ensejaram uma operação descrédito contra o SUS, seja por parte das classes dirigentes e mídia, seja pelas ações políticas predominantemente corporativas dos trabalhadores de saúde20; 25. Mesmo assim, o Congresso Nacional aprovou, em 1990, a Lei Orgânica da Saúde, sendo formada pelo conjunto de leis 8080 e 8142 de 1990. Decorridas quase duas décadas, o SUS enfrenta ainda grandes desafios para a sua implantação efetiva. O modelo de assistência proposto, de caráter universal, vai de encontro à tendência econômica mundial para os países de América Latina, de corte de gastos na área social, como reflexo das políticas de ajuste definidas pelos organismos financeiros internacionais, entre eles o FMI (Fundo Monetário Internacional) e o Banco Mundial25. Mas apesar das contradições e alguns impedimentos de ordem prática, a população conquistou o direito à saúde à participação social e hoje, criam-se alternativas para que as diretrizes dos SUS (universalidade, eqüidade e integralidade) sejam efetivamente implantadas e alcancem o maior número de pessoas possível.
Vale destacar que a educação popular passou a ser um instrumento para a construção e ampliação da participação comunitária no gerenciamento e reorientação das políticas públicas durante o período de repressão militar6. Atualmente, configura no quadro de saúde brasileiro duas interfaces de relação educativa, sendo: a educação a tradicional e a popular em saúde.
O modelo tradicional hegemônico, fortemente influenciado pelo positivismo, centraliza o poder nos profissionais de saúde, que são detentores de todo o saber necessário para se ter uma vida saudável, ou seja, não se busca a autonomia, mas ao contrário, se enfraquece a população na medida em que prescreve educação de uma forma vertical. Esta educação preconiza a adoção de hábitos e persuasão dos indivíduos, que devem adotar comportamentos saudáveis, (deixar de fumar, aceitar a vacinação, ter práticas higiênicas, fazer exames preventivos etc) mediante o contato com veículos de comunicação em massa, como TV, cartazes e jornais, ou mesmo mediante o acesso às informações, propiciado pelo educador26; 27. Assim, a educação em saúde sob esta perspectiva passa a promover uma tomada de decisão consciente por parte da população, que é informada sobre os riscos de certos comportamentos e inteiramente responsável pela sua condição de saúde, num processo denominado por Victor Vincent Valla28 de culpabilização da vítima, ou seja, uma prática que permite esconder o mau funcionamento dos serviços públicos e o descompromisso dos governos. Do ponto de vista histórico, vive-se numa época em que a representação sobre a saúde e a vida saudável deslocou-se do âmbito do direito social para o de uma escolha individual29.
Contrariamente à educação tradicional, a educação popular em saúde se contrapõe ao autoritarismo da cultura sanitária e ao modo tradicional de definir técnica e politicamente intervenções na área de saúde, lutando pela transformação das relações de subordinação e de interlocução, em favor da autonomia, da participação das pessoas comuns e da interlocução entre saberes e práticas29. A educação popular em saúde busca trabalhar pedagogicamente o homem e os grupos envolvidos no processo de participação popular, fomentando formas coletivas de aprendizado e investigação de modo a promover o crescimento da capacidade de análise crítica sobre a realidade e o aperfeiçoamento das estratégias de luta e enfrentamento. É uma estratégia de construção da participação popular no redirecionamento da vida social30. Seu método parte do pressuposto de que as classes populares têm uma dinâmica própria sobre as doenças e seus processos de cura, adquirida no seu cotidiano e que este saber deve ser respeitado e incorporado às práticas de saúde. Ocorre através de uma relação horizontal entre profissionais de saúde, considerados mediadores, e a comunidade, através de um diálogo educativo não-condutivista, acompanhado de um movimento para o fortalecimento comunitário, buscando criar relações sociais mais justas.
Pode-se afirmar que grande parte das experiências de Educação Popular em Saúde está hoje voltada para a superação do fosso cultural existente entre os serviços de saúde, as organizações não-governamentais, o saber médico e mesmo as entidades representativas dos movimentos sociais, de um lado e, de outro, a dinâmica de adoecimento e de cura do mundo popular1. Há, contudo, uma mudança no foco dos destinatários (pobres, classes populares) para o processo de empoderamento, pelo qual os segregados e desiguais teriam condições de enfrentar as condições que geram exclusão31.
Ao se fazer um exame crítico abrangente da Educação em Saúde nas últimas décadas, destaca-se um desenvolvimento surpreendente e uma reorientação crescente das reflexões teóricas e metodológicas. Entretanto essas reflexões não vêm sendo traduzidas na prática dos serviços, acarretando um hiato entre teoria e prática27. A educação popular ainda é realizada sob a forma de ideologia, de impulso voluntário por parte de alguns profissionais que investem nela porque acreditam na sua força transformadora, não só para a vida dos indivíduos, mas para a organização global da sociedade. A prática hegemônica de educação em saúde ainda é a prescritiva, a tradicional. Nascida no espaço do descaso do governo e do sistema, a educação popular em saúde é hoje uma opção e não uma regra. Apesar de já ter ocorrido uma reorientação em muitos meios acadêmicos, com ampliação do espaço para discussão e experimentação de propostas que reorientem o modelo do atendimento no dia-a-dia dos serviços1 hoje, o maior desafio para a educação popular em saúde, talvez seja a criação de uma nova hegemonia, uma hegemonia participativa, construindo uma tradição de formação de recursos humanos em saúde orientada pela educação popular1 em busca de uma cidadania compartilhada32.
O quadro 1 propõe uma sistematização das informações obtidas sobre a trajetória da Educação em Saúde no Brasil.
Quadro 1: Sistematização sobre a trajetória da educação em Saúde no Brasil*.
Componentes Até anos 20 Anos 20 Anos 50 Anos 60 e 70 A partir dos anos 80
Designação das práticas educativas em saúde. Não configurada. Educação sanitária. Educação para a saúde. Educação em saúde pública ou Educação em saúde. Educação em saúde e educação popular em saúde.
Evento(s) que influenciou a metodologia aplicada em tais práticas. Relatório Flexner.
Bacteriologia de Pasteur. Primeira reforma sanitária brasileira. Chega ao Brasil a Fundação SESP (novas tecnologias educativas). Golpe militar no Brasil. Conferência de Alma-Ata; projetos de medicina comunitária e cuidados primários em saúde. VIII Conferência Nacional de Saúde e a consolidação da
Constituição Cidadã.
Local ou espaços de atuação. Residências, ruas e locais públicos. Centros de saúde, escolas e lares. Escolas, locais de trabalho e comunidades rurais. Serviços de saúde e escolas. UBS, escolas, conselhos e espaços comunitários.
População
alvo. Elite urbana. Famílias e escolares. População urbana e rural de todas as idades. Escolares e grupos específicos. Toda a população.
Quem era o Educador. Polícia sanitária. Educador sanitário e professoras. Educador sanitário e profissionais de saúde. Equipes de saúde multiprofissionais. Todos envolvidos, incluindo a população.
Atribuições do educador Fiscalização. Divulgar o saber médico, higienista e convencer as camadas populares a seguirem certos padrões de comportamento. Práticas de intervenção social, informar e planejar modos de modificar o comportamento e gerar mudanças culturais. Capacitar o educando para o auto-cuidado. Buscar junto com a população propostas de solução dos problemas.
Papel do educador. Controlador. Divulgador e comunicador. Interventor. Treinador. Mediador.
Atividades desenvolvidas pelos profissionais da educação em saúde. Propaganda sanitária (conselhos ao povo). Fiscalização sanitária. Palestras; conferências e produção de impressos. Educação de grupos e trabalhos em equipe. Incentivo à participação comunitária para suprir carências do governo. Metodologia centrada no educador ou profissional, que passa informações sobre o auto-cuidado à população. Educação tradicional é ainda hegemônica, mas a metodologia participativa, baseada no diálogo com as classes populares, ganha espaço formal nas Universidades e políticas de saúde.
*Baseado no trabalho de Dais Gonçalves Rocha.
Considerações finais:
Como observado, os acontecimentos políticos afetam diretamente a educação em saúde. As intervenções do Estado no campo da educação e da saúde deram-se predominantemente em momentos de crise, com manifestações de insatisfação da população ou por ameaças ao setor financeiro. Inicialmente, as ações estatais de educação em saúde foram marcadas, assim como as intervenções assistenciais, por métodos coercivos, impostos pela polícia médica. Após isto, baseados na escola nova, essas ações passaram a se concentrar basicamente nos escolares, com padronização das falas e dos conselhos ao povo, buscando sanear toda uma geração.
Com o golpe de 1964, o regime militar criou oportunidades para que se criassem alternativas técnicas, baseadas no diálogo com o saber popular, em busca do enfrentamento dos problemas de saúde das classes populares. Assim surgiu, à margem da sociedade, sob o clima de embates políticos e ideológicos, a proposta do movimento sanitário brasileiro aliado à educação popular em saúde, que no seu início foi marcada por uma resistência ao regime militar e ao sistema assistencial implantado.
Após a implantação do SUS, há diferentes movimentos articulando-se ao mesmo tempo, ou seja, ainda permanece a educação tradicional, centrando o poder nas mãos do profissional de saúde e a educação popular, que no início era considerada como método alternativo de prática educativa. Mas a educação popular em saúde sai enfim da margem da sociedade e incorpora outras práticas e espaços educativos, na busca do empoderamento por parte da comunidade, baseando-se no encorajamento e apoio, para que as pessoas e grupos sociais assumam maior controle sobre sua saúde e suas vidas.
Entretanto, apesar do grande desenvolvimento e de uma reorientação crescente no campo das reflexões teóricas e metodológicas da educação em saúde, o mesmo não vem ocorrendo na prática dos serviços. Talvez um dos grandes desafios seja a formação de uma nova hegemonia representada por recursos humanos de formação orientada pela educação popular e respeito aos saberes da comunidade, em busca de uma verdadeira cidadania compartilhada.
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A relação entre a educação, saúde e suas práticas é condicionada por dimensões estruturais complexas que precisam de uma análise histórica para sua maior compreensão1. No plano histórico, a sucessão de modelos de educação aplicados à área da saúde pública não significa um seqüência evolutiva, antes é uma descrição da prática dominante em certos períodos em relação aos problemas de saúde destacados para intervenção, visando a manutenção da hegemonia da classe dominante 2;3. Desta forma, verifica-se que as atividades desenvolvidas eram e ainda são orientadas pelas concepções de saúde e de educação em saúde vigente em cada período histórico e pelos modelos de atenção implantados nos serviços, na busca da manutenção da saúde da mão-de-obra trabalhadora para fins capitalistas.
A idéia de uma pedagogia higiênica organizou-se pela primeira vez no Brasil na segunda metade do século XIX, sendo a população alvo dessa prática, as famílias da elite. Iniciava-se uma cruzada para europeizar os costumes e urbanizar os hábitos da elite brasileira, com o objetivo de transformar o perfil sanitário da antiga família colonial, composta de agregados, escravos, domésticos e serviçais, em uma instituição conjugal e nuclear marcada pelo sentimento de privacidade4; 1. A intenção maior era legitimar a classe social por meio de seus atributos físicos, psíquicos e sexuais. Tal fato alimentou, indiretamente, ideologias racistas e preconceituosas, servindo para a manutenção da exploração das classes subalternas, em nome da superioridade racial e social das elites brancas4.
Para a outra parcela da população, restava apenas o instrumento de coerção da polícia, do recrutamento militar ou dos espaços de segregação higiênica das prisões5. Nesta época ainda não interessava ao Estado mudar o padrão sanitário das camadas chamadas desclassificadas. Segundo Eymard Mourão Vasconcelos1 as populações periféricas das grandes cidades despertavam preocupações médicas apenas quando a imundície de suas ruas e seus quintais era considerada foco de propagação de doenças pestilentas causadoras de epidemias.
Já no final do século XIX e início do século XX, o Estado viu-se obrigado a estruturar as primeiras intervenções sistemáticas de educação em saúde ampliadas às classes populares 6 justamente para combater as epidemias de febre amarela, varíola e peste, que estavam trazendo grandes transtornos para a exportação de café. Estas epidemias ameaçavam os interesses do modelo econômico agrário-exportador, pois em decorrência destas, vários navios mercantes, sob bandeiras estrangeiras, vinham deixando de fazer escala no Brasil, passando ao largo da costa brasileira e aportando diretamente na Argentina 5;1. Desta forma, o foco de atenção do governo brasileiro voltou-se, estrategicamente, nos chamados espaços de circulação de mercadorias, ou seja, as estradas, portos, principalmente os do Rio de Janeiro e São Paulo 7.
Como estratégia de atuação, as instituições de saúde se organizavam a partir do modelo campanhista, de inspiração bélica, para combater as epidemias, baseadas em experiências dos serviços de saúde dos exércitos coloniais, mantendo a estrutura e o modo de operações militares8. Este modelo concentrava fortemente as decisões nas mãos de tecnocratas e adotava um modelo repressivo de intervenção médica nos corpos individuais e sociais9. As práticas de saúde eram extremamente autoritárias. Neste sentido, houve importante influência da doutrina denominada de polícia médica, desenvolvida na Alemanha de Bismarck, na segunda metade do século XIX, a qual partia do pressuposto de que ao Estado cabia assegurar bem-estar e segurança ao povo, mesmo contrariando interesses individuais, justificando-se assim o controle coercivo dos problemas sanitários como mecanismo de assegurar a defesa dos interesses gerais da nação5;1. Foi então criada no Brasil a Polícia Sanitária e suas ações eram baseadas no discurso da higiene, que desconsiderava as relações entre doença e condições de vida – predominava a imposição de normas e medidas de saneamento consideradas científicas pelos técnicos e burocratas. As descobertas da bacteriologia, a partir de Pasteur, no final do século XIX, tinham difundido a confiança na existência do conhecimento necessário para controlar as doenças infecciosas, dando legitimidade científica às campanhas que se organizavam 10.
Apesar da política de saúde pública apresentar o discurso da polícia sanitária, isto é, o propósito de introduzir através da força repressiva estatal normas e medidas de saúde, a função coerciva não visou simplesmente excluir, separar elementos desviantes. Como sugere Madel5, a função coercitiva no âmbito das instituições de saúde tem algo de educativo quando visa exemplar: pelo temor aprende-se a ordem, a disciplina, e deste modo, a aceitar a hierarquia. Assim, essas ações estiveram inseparáveis de um certo papel educativo-coercivo do Estado, que buscou realizar uma adequação entre o aparato produtivo, a moralidade e os padrões de higiene das massas populares.
Em 1903, o médico Oswaldo Cruz assumiu a Diretoria Geral de Saúde Pública, convidado pelo Governo de Rodrigues Alves, com ênfase no saneamento urbano da cidade do Rio de Janeiro e combate às epidemias de febre amarela, peste e varíola 11. Segundo Rosely Magalhães de Oliveira8, Oswaldo Cruz passou a enfrentar as epidemias que grassavam a cidade do Rio de Janeiro através das Brigadas Sanitárias, compostas de mata-mosquitos, operários de limpeza pública, geralmente acompanhadas de soldados da polícia. Essas equipes percorriam as ruas e visitavam as casas, desinfetando, limpando, exigindo reformas, interditando prédios, removendo doentes. Visitavam obrigatoriamente todas as casas e removiam do seu interior tudo que fosse julgado prejudicial à saúde da população1. Os alvos preferidos das visitas eram, naturalmente, as áreas mais pobres e de maior densidade demográfica. Os quadros calamitosos de epidemias transformavam-se eventualmente em demandas políticas e pressionavam a ação estatal no âmbito da saúde, mas em nenhum instante, no entanto, se configurava a idéia de direito à saúde.
O Estado identificava até então a ignorância e a falta de informação da população como causa para a existência das doenças. Assim, a população era vista como a única causadora dos males de saúde que assolavam as grandes cidades. A educação em relação à saúde tinha papel marginal. Eram distribuídos folhetos avulsos, denominados Conselhos ao Povo, sobre os meios de evitar doenças1. Na verdade, a educação em saúde era breve porque, para as autoridades, o povo era incapaz de maior entendimento e o discurso era muitas vezes para dizer que se tinha tentado a via do convencimento antes de ser obrigado a tomar iniciativas mais coercivas1.
A publicação de Euclides da Cunha de “Os Sertões”, em 1902, teve grande impacto nos círculos intelectuais das cidades brasileiras. Assim, vários escritores passaram a denunciar a falta de atenção do governo, preocupado apenas com o colono estrangeiro, cuja mão-de-obra era usada nas culturas cafeeiras, chamando a atenção para o valor econômico da produção do sertanejo e combatendo o latifúndio. Em uma primeira qualificação o termo sertões passa a ser sinônimo de abandono, ausência de identidade nacional e difusão de doenças endêmicas11. A presença da doença causada pelo abandono das autoridades públicas e não mais pela indolência, seria o elemento que explicaria o brasileiro, em especial sua improdutividade11.
Intelectuais da classe média das grandes cidades, mais independentes das oligarquias rurais, começaram a contestar a crença, até então dominante, de que a salvação nacional passava pela europeização e branqueamento da população através da imigração estrangeira e imposição de novos padrões de comportamento6 – movimento este denominado de Eugenismo, onde a educação se encarregava de domesticar e moralizar o proletariado urbano emergente e manter a raça rígida para construir a identidade do povo brasileiro3. Para os eugenistas, esta era a única alternativa que poderia limpar os brasileiros da nódoa do passado escravocata e dos efeitos perniciosos da miscigenação, ou seja, o “sangue bom” permitira ao nosso povo redimir-se e purificar-se da contaminação de raças supostamente inferiores12.
Em contrapartida, parcelas da classe média passam a se unir com as classes populares, lutando por melhores condições de vida, sendo o fato mais marcante desta organização popular a chamada grande revolta, que se deu contra a campanha da vacinação obrigatória, em 1904, coordenada pelo médico Oswaldo Cruz, onde, pela primeira vez na história, as ações de saúde passaram do enfoque sobre o ambiente para a pessoa, sobre o corpo1. O ápice deste movimento se deu com a criação da liga contra a vacinação obrigatória, com grande participação popular. Segundo Eymard Mourão Vasconcelos1, durante um comício no Largo do São Francisco, a cavalaria do exército cercou o prédio, e carregou sobre os manifestantes, deixando muitos feridos e presos. Para o autor1, a importância deste episódio foi mostrar que as classes populares e médias urbanas, se ainda eram incapazes de participar da orientação das políticas públicas de saúde, eram capazes de se estruturar e já tinham evoluído na sua organização e cultura a ponto de poder resistir ao autoritarismo das oligarquias.
Monteiro Lobato, expressando um clamor emergente nas grandes cidades, assume em 1918 a bandeira de luta sanear é grande questão nacional6. O problema brasileiro não estava na raça, mas nas doenças que tornavam a população preguiçosa e sem iniciativa13: o “Jeca não é assim, ele está assim”, um caipira doente e por isso preguiçoso, pobre e atrasado que ao passar a acreditar na medicina e seguir suas prescrições livra-se da opilação e torna-se um fazendeiro saudável11. Dessa forma, as ações médicas e a educação assumem importância central no debate político nacional, surgindo várias campanhas e serviços voltados para o saneamento dos sertões no final da Primeira República. No entanto, a falta de participação popular ainda era marcante e, se a população não era mais culpada pela situação de subdesenvolvimento, ela continuava sendo vista como incapaz de maiores entendimentos. Nesta época mantém-se o modelo de educação em saúde denominado por Eymard Mourão Vasconcelos6 de toca boiada: se antes se preocupava em tocar a boiada com o ferrão da polícia sanitária, agora era com o berrante, ou seja, com as palavras dos educadores sanitários.
Enfim, até a década de 20 a estrutura sanitária brasileira era caracterizada pela criação de unidades especializadas para fazer frente a problemas específicos. As ações focais dos serviços de saúde mostravam impacto no controle de algumas doenças como a febre amarela, no entanto, esse mesmo êxito das campanhas não era observado quando o problema dizia respeito às doenças menos agudas, como tuberculose, amplamente distribuídas na população8. O sucesso das ações era considerado apenas parcial, pois a medicina logrou muito diagnóstico e pouca prevenção – apenas algumas vacinas foram desenvolvidas nos primeiros anos e quase nenhuma terapêutica eficaz, principalmente do ponto de vista coletivo 10.
Entretanto, o fortalecimento econômico do complexo cafeeiro e o processo de industrialização fez surgir neste período uma nova concepção de serviços de saúde, denominada Saúde Pública. Junto com essa concepção surge uma nova prática de educação voltada para a saúde, denominada Educação Sanitária – amplamente influenciada pela estrutura norte-americana8. Segundo Emerson Elias Merhy 14, no interior da política de saúde aumentou a crítica ao modelo anterior, como sendo de baixa eficácia diante dos novos problemas que a saúde pública tinha à sua frente, sendo que esses novos problemas agora eram a saúde da criança, dos trabalhadores, entre vários outros, aos quais só a Higiene e a Educação Sanitária poderiam responder. Houve assim um esgotamento da teoria unicausal da medicina, que explicava as doenças apenas pelos agentes microscópicos, pois a incapacidade de responder a muitos fenômenos de morbidade e mortalidade populacional foi fatal para sua existência10. Entretanto, o movimento sanitarista nessa época, continuava a ser fundamentalmente um movimento de elite, com uma pequena vista de olhos para a população, que pouco fez além de distribuir exemplares da história de Jecatatuzinho, num país que contava, em 1920, com 70% de analfabetos12.
Em 1923, Carlos Chagas, processou a primeira Reforma Sanitária Brasileira, criando o Departamento Nacional de Saúde, então ligado ao Ministério da Justiça, e a educação sanitária e a propaganda foram introduzidas na técnica rotineira das ações em saúde, inovando o modelo campanhista de Oswaldo Cruz, que era puramente fiscal e policial15. Nesse processo, também foram criados na Capital Federal, os primeiros Centros de Saúde Brasileiros. Estes centros se constituíam no interior da Saúde Pública, como o local em que as ações sanitárias deveriam se dar. No sistema de ensino, a educação sanitária deveria ser assumida pelas escolas3. A educação sanitária surge com um papel de substituir os métodos repressivos das campanhas sanitárias pela persuasão e conscientização dos métodos educativos e preventivos junto a indivíduos e coletividades3. Este modelo baseava-se na visão de que as doenças não eram só produzidas pelo meio externo, mas também pela consciência sanitária das pessoas. Muitas destas idéias foram trazidas ao país por jovens sanitaristas que iam até os Estados Unidos complementar sua formação médica e ao voltarem, tentavam impor-las de forma extremamente autoritária16.
Com a difusão do ideário da Escola Nova, onde a criança era considerada o centro de tudo, e os avanços da biologia e da psicologia, as crianças e adolescentes passaram a ser a população preferencial a receber, através das escolas e postos de saúde, os princípios da higiene para manterem-se saudáveis. Esta nova estrutura veio retirar a autoridade de Polícia Sanitária e as ações de educação em saúde passaram a se desenvolver pelos educadores sanitários e professoras, que eram treinados para exercerem a função de educar a população escolar. A padronização das informações e do desempenho dos técnicos era desejável pelos serviços, que se valiam de cursos de formação dos educadores com ênfase no uso de equipamentos e materiais de comunicação e da repetição das mesmas falas em qualquer lugar onde estivessem17. A visão positivista subjacente baseava-se na hipótese de que a instituição educacional poderia corrigir, através da higiene, a ignorância familiar que comprometia a saúde da criança e, portanto, as escolas seriam, além de espaço de ensino e controle social, espaços terapêuticos, recaindo sobre o professor a tarefa de transformar o mundo2. Baseado nestes pressupostos iniciou-se o curso de educação sanitária na Faculdade de Higiene e Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP). O curso era dirigido principalmente para professores do ensino primário, voltado para a veiculação de mensagens de higiene no universo escolar18, e o processo saúde-doença era analisado apenas sob a ótica de disciplinas biologicistas19.
Porém, houve uma grande falha na proposta da década de 20, que foi o pequeno peso conferido aos fatores ambientais e ainda a excessiva importância aos agentes etiológicos. As ações não intervinham nas condições de vida e de trabalho a que as populações infantis da classe popular estavam submetidas. As influências do mecanicismo e do positivismo foram bastante visíveis, sendo o contexto muito mais próximo de uma unicausalidade esclarecida, que aceitava a influência dos outros fatores, do que de uma multicausalidade de fato 10. Assim foram lançadas as bases para a estruturação dos serviços de saúde que se consolidariam a partir de 1930, com a Era Vargas.
A falta de participação popular nos serviços, os modos coercivos, discriminatórios e autoritários como se deram as campanhas de saúde pública, foram fundamentais para explicar os modelos de atenção à saúde, expandidos durante a Era Vargas, pois as classes populares passaram a encarar as práticas de educação em saúde com certa reserva. A partir da década de 30, a ação Estatal no setor de saúde se concentra na construção de um sistema previdenciário destinado às categorias de trabalhadores mais organizadas politicamente e ações de caráter coletivo foram esvaziadas em favor da assistência médica individual. As ações educativas em saúde ficaram restritas a programas e serviços destinados às populações à margem do jogo político central, continuando a priorizar o combate das doenças infecciosas e parasitárias6.
Neste período, as ações de saúde passam a se concentrar em campanhas sanitárias e programas especiais, como materno infantil e pronto-socorro, além de serviços especiais de saúde mental, entre outros, para onde recorriam as camadas da população que não podiam pagar ou que não estavam incluídas na assistência previdenciária20.
Na década de 40, em plena Guerra, o governo brasileiro, em convênio com o americano, estrutura o Serviço Especial de Saúde Pública (SESP), que tornou-se um dos marcadores do desenvolvimento das instituições de saúde no país, particularmente através de suas propostas no campo das programações de saúde14. Com o comando de militares norte-americanos, como parte do acordo para exploração de borracha e minérios do solo brasileiro, em 1942, unidades SESP são organizadas primeiramente na região Amazônica e Vale do Rio Doce, significando para o Brasil a vinda de novas tecnologias de medicina preventiva e formas de gerenciamento institucional. As ações do SESP visavam a proteção dos trabalhadores envolvidos na extração da borracha e de minério, mas também trouxe novas técnicas educacionais na área de saúde e recursos audiovisuais sofisticados de tendência tecnicista de educação21. Ainda assim a população continuava a ser vista como passiva e incapaz de iniciativas próprias6.
A atuação do SESP baseou-se na criação de postos permanentes – centro de saúde e postos rurais – em várias regiões, incluindo Minas Gerais e Espírito Santo, contratação de sanitaristas em tempo integral e de uma equipe auxiliar com laboratoristas, escriturários, médicos consultantes, visitadores entre outros. As atividades do SESP davam-se a partir de programas que associavam doenças contagiosas, diagnóstico precoce e tratamento preventivo, educação sanitária, atividades de higiene em geral e organização científica em termos administrativos dos serviços públicos14. Nessa época, inovações metodológicas e novas técnicas de ensino-aprendizagem são introduzidas nas práticas de educação em saúde tais como a educação de grupos, os recursos áudio-visuais e o desenvolvimento e organização de comunidades, desencadeando idéias de participação e mobilização de indivíduos nas ações de saúde, contrariando a política centralizadora e paternalista do Estado como um todo21. A educação não era só dirigida às crianças e jovens imaturos, considerados até então, os únicos possíveis de serem educados. Começa-se a considerar que o adulto também era possível de sofrer um processo de mudança19.
A Fundação SESP influencia de forma importante na introdução da ideologia do desenvolvimento e participação comunitária, educação de grupos e ainda vai influir na reforma do currículo da Faculdade de Higiene e Saúde Pública, introduzindo os fatores sociais, econômicos e culturais na maneira de perceber o processo saúde doença no currículo de educação sanitária19.
Esse movimento introduziu nas escolas a educação sanitária, ainda com forte influência eugenista, onde buscou-se a criação de técnicas de regulação e normatização4, visando criar um sistema fundamental de hábitos higiênicos, capaz de dominar inconscientemente, toda a existência das crianças18.
Após a Segunda Guerra Mundial, a Organização das Nações Unidas (ONU), caracterizada pela hegemonia dos países do Primeiro Mundo, sugere o desenvolvimento comunitário como forma explícita de mobilizar as populações carentes contra a miséria8. O desenvolvimento comunitário foi usado como forma de intervenção social, informando e planejando modos de modificar comportamentos e gerar mudanças culturais. Assim, a partir da década de 50 um novo papel é atribuído à educação em saúde, esta então denominada de educação para a saúde3.
A proposta de participação popular surge numa tentativa de canalizar e mobilizar a população para atuar em áreas sociais restritas, buscando superar a marginalidade em que se encontravam certas parcelas da população 21. Na saúde, a participação popular inicialmente se expressa pela extensão da cobertura de serviços básicos, mas sem modificações nas suas estruturas, ou seja, não garantiam a qualidade e resolutividade dos serviços prestados. Nesta fase proliferou o número de treinamento de voluntários de saúde, aumentaram os programas comunitários que empregavam mão de obra gratuita, em mutirão, para o saneamento básico e construção de postos de saúde. O termo participação parece ser, sabidamente, manipulado e utilizado para determinados programas, que utilizaram a força do trabalho da comunidade, onde os próprios beneficiários passaram a ser mão de obra não pensante de uma medicina simplista, para os pobres21. Apesar disto, a ampliação física dos serviços facilitou o acesso geográfico aos serviços de saúde, mas não reduziu o fosso cultural e social para a população a quem se destinava.
Assim, a pedagogia da saúde entre os anos de 1950 e 1960 pautou-se por uma ideologia modernizadora que tinha por meta remover os obstáculos culturais e psicossociais às inovações tecnológicas de controle às doenças, a fim de manter o domínio estrutural da sociedade22.
Em 1964 acontece o golpe militar no Brasil, impondo aos brasileiros um regime autoritário de administração pública, culminando com a piora da saúde, principalmente da parcela mais carente da população. O regime autoritário trouxe como conseqüência imediata para as políticas de saúde no Brasil, um total esvaziamento da participação da sociedade nos rumos da previdência23. Nesta época, a política de saúde imposta pelos militares se volta para a expansão de serviços médicos privados, especialmente hospitais, nos quais as ações educativas não tinham espaço significativo6. A perspectiva de participação da comunidade nos processos de educação em saúde nesta década visava mobilizar as populações a cooperarem com os agentes e serviços de saúde inaugurados nas zonas rurais e periferias urbanas22. O governo passa a comprar serviços de assistência médica, e as condições dos brasileiros, expressas em diferentes indicadores, tornaram-se ainda mais críticas20.
A ampliação da rede de serviços, como antes se pensava, não possibilitou grandes melhoras no quadro de saúde da população. Passaram a coexistir doenças infecciosas e as crônico-degenerativas. Com um agravante para a população excluída das políticas públicas, que é obrigada a conviver simultaneamente com os dois tipos de agravos, caracterizando uma situação de profunda desigualdade social e de desgaste corporal8.
Enfim, até a década de 70, a educação em saúde no Brasil foi basicamente uma iniciativa das elites políticas e econômicas e, portanto, subordinadas aos seus interesses. Voltava-se para a imposição de normas e comportamentos por elas considerados adequados. Para os grupos populares que conquistaram maior força política, as ações de educação foram esvaziadas em favor da expansão da assistência médica individualizada6.
Mas o regime militar criou, contrariamente, condições para a emergência de uma série de experiências de educação em saúde6, o que significaram uma ruptura com o padrão acima descrito. Os movimentos populares que haviam sido violentamente reprimidos pelos primeiros governos militares após a revolução de 1964, começam a se rearticular e a crescer a partir da década de 70, reivindicando melhores condições de vida13;6. A insatisfação política da população com o regime ficou evidente com os resultados das eleições de novembro de 1974, com a vitória do MDB – único partido de oposição que estava autorizado a se organizar8. Esse movimento ficou conhecido como Movimento da Reforma Sanitária, que se ampliou ainda mais com a incorporação de lideranças políticas sindicais populares e também parlamentares interessados na causa 23.
No auge do regime militar, especialmente a partir de 1967, as práticas de educação voltadas para a saúde, até então denominadas educação sanitária receberam a denominação de educação em saúde e as equipes de saúde passaram a ser constituídas por diversos profissionais de saúde, não só de educadores8.
As mais de duas décadas de regime militar e a inflação elevada deram sua contribuição para que o Brasil fosse considerado um dos países com maiores índices de desigualdades no mundo e que aqui se instalasse a crise do setor saúde24. A crise do setor saúde foi caracterizada pela insuficiência, descoordenação, má distribuição, inadequação e ineficácia aos serviços durante a V Conferência Nacional de Saúde, em 197520. Diante da ameaça de quebra da estabilidade social, o Estado brasileiro é obrigado a preocupar-se mais com os problemas de saúde, educação, habitação e saneamento da população. Mas a crise econômica já se iniciava, tornando escassos os recursos financeiros disponíveis13. Assim, foi preciso encontrar um modelo alternativo de assistência médica e a Medicina Comunitária, que já vinha sendo colocada em prática em outros países do mundo, logo se mostrou a mais adequada às necessidades políticas do momento13.
Nesta época, a educação em saúde torna-se obrigatória nas escolas brasileiras de ensino médio e fundamental (antigos 1º e 2º grau) pelo artigo 7 da lei 5.692/71, com o objetivo de estimular o conhecimento e a prática da saúde básica e da higiene nos escolares 2.
Ao lado dos movimentos populares urbanos que eclodiram no final dos anos 70, emerge também a insatisfação de diversos profissionais da rede de serviços e de intelectuais que estavam encurralados nos espaços acadêmicos8. No interior das Universidades, onde alguns professores e técnicos tinham, em mãos, alguns estudos que denunciavam os efeitos do modelo econômico sobre a saúde da população e a irracionalidade do sistema de saúde então implantado, se inicia uma profunda reflexão e grupos debatem princípios e estratégias para se criar um sistema de saúde que atendesse às realidades da população brasileira3. Assim, são introduzidos no Brasil os princípios dos cuidados primários de saúde, baseados nas recomendações da Conferência de Alma-Ata3 dando uma nova direção às políticas de saúde, enfatizando a participação comunitária, a cooperação entre diferentes setores da sociedade e os cuidados primários de saúde em seus fundamentos conceituais.
Desta forma, a emergência desse novo processo de prática médica não substituiu a medicina científica, que continuou a ocupar o seu espaço hegemônico de atendimento às demandas das categorias sociais privilegiadas. Antes, viabiliza-a ao completar um sistema de medicina de classes, ou seja, a medicina comunitária nasceu para cobrir um buraco na assistência, sendo considerada uma medicina de e para marginalizados, sejam urbanos ou rurais. E o espaço da medicina comunitária passa a ser o espaço dos marginalizados, ou seja, as áreas rurais e periurbanas.
Nesses serviços, os profissionais passam a conviver mais de perto com os problemas das classes populares, com a dinâmica do processo de cura e adoecimento e muitos começam a reorientar suas práticas buscando maneiras mais globais para o enfrentamento dos problemas de saúde13. Entretanto os recursos escassos fizeram com que a prática médica se tornasse muito limitada. Os baixos salários dos profissionais e a quase ausência de acompanhamento educativo os deixou desmotivados e não adaptados às novas funções. Além disso, ocorriam constantes interferências de políticos nos serviços, que os transformavam em locais para se conseguir votos 13.
Este pouco caso e esta utilização eleitoreira dos novos serviços de saúde provocaram muitos descontentamentos entre os profissionais. Segundo Eymard MourãoVasconcelos6, associações de bairro, sindicatos, comunidades eclesiais de base começaram a lutar pela melhoria destes serviços surgindo um número crescente de experiências onde seus profissionais e os movimentos populares se aliaram na luta pela criação de uma medicina mais apropriada às classes populares. Sob descaso do Estado com os problemas populares, foram se configurando iniciativas de busca de soluções técnicas construídas com base no diálogo entre o saber popular e o saber científico. Nesta época, o método educacional sistematizado por Paulo Freire, constituiu-se como uma espécie de eixo de referência para a relação entre profissionais de saúde e as classes populares6. Abre-se assim o espaço para novas experiências no campo da educação em saúde, baseadas no método dialógico de Paulo Freire, configurando enfim a Educação Popular em Saúde.
Diante disso, a participação de profissionais de saúde nas experiências de educação popular a partir dos anos 70 trouxe para o setor de saúde uma cultura de relação com as classes populares que representou uma ruptura com a tradição autoritária e normatizadora da educação em saúde13; 6. A educação popular em saúde, baseada numa relação dialógica entre o conhecimento técnico-científico e a sabedoria popular, caracterizada pela livre participação das classes populares com o direito e poder de pensarem, produzirem e dirigirem o uso de seus saberes a respeito de si próprias e de sua saúde, permitiu novos olhares, olhares estes que possibilitaram abordagens mais eficientes em defesa da saúde e da vida da população.
A segunda metade da década de 1980 é marcada por uma profunda crise de caráter político, social e econômico, tendo enormes repercussões sobre a condição de saúde das populações, agravando as condições de vida, aumentando o desemprego, a desnutrição e a mobilidade dos grupos sociais menos protegidos8. A previdência, ao fim de sua fase de capitalização e com problemas de caixa oriundos de uma política que estimulava a corrupção e o desvio de verbas, apresentava-se sem capacidade para dar conta das demandas criadas23. Cresce assim, o movimento social que defendia a democratização da saúde e difundia a proposta da Reforma Sanitária20, tendo como ponto alto de suas articulações a apresentação de suas propostas durante VIII Conferência Nacional de Saúde, em 1986, em Brasília. O momento propício com o advento da Nova República, pela eleição indireta de um presidente não militar, além da perspectiva de uma nova constituição, contribuíram para que esta Conferência fosse considerada um marco, um divisor das águas dentro do movimento pela reforma sanitária23.
O relatório da VIII Conferência Nacional de Saúde destaca, entre outras propostas, o conceito ampliado de saúde, a qual é colocada como direito de todos e dever do Estado. A saúde integral de cada indivíduo representa um fator para o desenvolvimento da nação em seu processo histórico. Com a incorporação de boa parte de suas propostas pela Assembléia Constituinte na elaboração da nova Carta Magna, a reforma sanitária brasileira concretizou suas ações no plano jurídico-institucional25. A que ficou conhecida como Constituição-Cidadã incluiu no capítulo da seguridade social, a saúde como direito de todos e dever do Estado e moldou as diretrizes do Sistema Único de Saúde, o SUS23. Mas no momento em que era promulgada, aprofundava-se a instabilidade econômica com a hiperinflação e crise fiscal do Estado, enquanto a Reforma Sanitária encontrava sérios obstáculos para sua implantação. O recuo dos movimentos sociais, a disseminação da ideologia neoliberal e a perda de poder aquisitivo dos trabalhadores de saúde ensejaram uma operação descrédito contra o SUS, seja por parte das classes dirigentes e mídia, seja pelas ações políticas predominantemente corporativas dos trabalhadores de saúde20; 25. Mesmo assim, o Congresso Nacional aprovou, em 1990, a Lei Orgânica da Saúde, sendo formada pelo conjunto de leis 8080 e 8142 de 1990. Decorridas quase duas décadas, o SUS enfrenta ainda grandes desafios para a sua implantação efetiva. O modelo de assistência proposto, de caráter universal, vai de encontro à tendência econômica mundial para os países de América Latina, de corte de gastos na área social, como reflexo das políticas de ajuste definidas pelos organismos financeiros internacionais, entre eles o FMI (Fundo Monetário Internacional) e o Banco Mundial25. Mas apesar das contradições e alguns impedimentos de ordem prática, a população conquistou o direito à saúde à participação social e hoje, criam-se alternativas para que as diretrizes dos SUS (universalidade, eqüidade e integralidade) sejam efetivamente implantadas e alcancem o maior número de pessoas possível.
Vale destacar que a educação popular passou a ser um instrumento para a construção e ampliação da participação comunitária no gerenciamento e reorientação das políticas públicas durante o período de repressão militar6. Atualmente, configura no quadro de saúde brasileiro duas interfaces de relação educativa, sendo: a educação a tradicional e a popular em saúde.
O modelo tradicional hegemônico, fortemente influenciado pelo positivismo, centraliza o poder nos profissionais de saúde, que são detentores de todo o saber necessário para se ter uma vida saudável, ou seja, não se busca a autonomia, mas ao contrário, se enfraquece a população na medida em que prescreve educação de uma forma vertical. Esta educação preconiza a adoção de hábitos e persuasão dos indivíduos, que devem adotar comportamentos saudáveis, (deixar de fumar, aceitar a vacinação, ter práticas higiênicas, fazer exames preventivos etc) mediante o contato com veículos de comunicação em massa, como TV, cartazes e jornais, ou mesmo mediante o acesso às informações, propiciado pelo educador26; 27. Assim, a educação em saúde sob esta perspectiva passa a promover uma tomada de decisão consciente por parte da população, que é informada sobre os riscos de certos comportamentos e inteiramente responsável pela sua condição de saúde, num processo denominado por Victor Vincent Valla28 de culpabilização da vítima, ou seja, uma prática que permite esconder o mau funcionamento dos serviços públicos e o descompromisso dos governos. Do ponto de vista histórico, vive-se numa época em que a representação sobre a saúde e a vida saudável deslocou-se do âmbito do direito social para o de uma escolha individual29.
Contrariamente à educação tradicional, a educação popular em saúde se contrapõe ao autoritarismo da cultura sanitária e ao modo tradicional de definir técnica e politicamente intervenções na área de saúde, lutando pela transformação das relações de subordinação e de interlocução, em favor da autonomia, da participação das pessoas comuns e da interlocução entre saberes e práticas29. A educação popular em saúde busca trabalhar pedagogicamente o homem e os grupos envolvidos no processo de participação popular, fomentando formas coletivas de aprendizado e investigação de modo a promover o crescimento da capacidade de análise crítica sobre a realidade e o aperfeiçoamento das estratégias de luta e enfrentamento. É uma estratégia de construção da participação popular no redirecionamento da vida social30. Seu método parte do pressuposto de que as classes populares têm uma dinâmica própria sobre as doenças e seus processos de cura, adquirida no seu cotidiano e que este saber deve ser respeitado e incorporado às práticas de saúde. Ocorre através de uma relação horizontal entre profissionais de saúde, considerados mediadores, e a comunidade, através de um diálogo educativo não-condutivista, acompanhado de um movimento para o fortalecimento comunitário, buscando criar relações sociais mais justas.
Pode-se afirmar que grande parte das experiências de Educação Popular em Saúde está hoje voltada para a superação do fosso cultural existente entre os serviços de saúde, as organizações não-governamentais, o saber médico e mesmo as entidades representativas dos movimentos sociais, de um lado e, de outro, a dinâmica de adoecimento e de cura do mundo popular1. Há, contudo, uma mudança no foco dos destinatários (pobres, classes populares) para o processo de empoderamento, pelo qual os segregados e desiguais teriam condições de enfrentar as condições que geram exclusão31.
Ao se fazer um exame crítico abrangente da Educação em Saúde nas últimas décadas, destaca-se um desenvolvimento surpreendente e uma reorientação crescente das reflexões teóricas e metodológicas. Entretanto essas reflexões não vêm sendo traduzidas na prática dos serviços, acarretando um hiato entre teoria e prática27. A educação popular ainda é realizada sob a forma de ideologia, de impulso voluntário por parte de alguns profissionais que investem nela porque acreditam na sua força transformadora, não só para a vida dos indivíduos, mas para a organização global da sociedade. A prática hegemônica de educação em saúde ainda é a prescritiva, a tradicional. Nascida no espaço do descaso do governo e do sistema, a educação popular em saúde é hoje uma opção e não uma regra. Apesar de já ter ocorrido uma reorientação em muitos meios acadêmicos, com ampliação do espaço para discussão e experimentação de propostas que reorientem o modelo do atendimento no dia-a-dia dos serviços1 hoje, o maior desafio para a educação popular em saúde, talvez seja a criação de uma nova hegemonia, uma hegemonia participativa, construindo uma tradição de formação de recursos humanos em saúde orientada pela educação popular1 em busca de uma cidadania compartilhada32.
O quadro 1 propõe uma sistematização das informações obtidas sobre a trajetória da Educação em Saúde no Brasil.
Quadro 1: Sistematização sobre a trajetória da educação em Saúde no Brasil*.
Componentes Até anos 20 Anos 20 Anos 50 Anos 60 e 70 A partir dos anos 80
Designação das práticas educativas em saúde. Não configurada. Educação sanitária. Educação para a saúde. Educação em saúde pública ou Educação em saúde. Educação em saúde e educação popular em saúde.
Evento(s) que influenciou a metodologia aplicada em tais práticas. Relatório Flexner.
Bacteriologia de Pasteur. Primeira reforma sanitária brasileira. Chega ao Brasil a Fundação SESP (novas tecnologias educativas). Golpe militar no Brasil. Conferência de Alma-Ata; projetos de medicina comunitária e cuidados primários em saúde. VIII Conferência Nacional de Saúde e a consolidação da
Constituição Cidadã.
Local ou espaços de atuação. Residências, ruas e locais públicos. Centros de saúde, escolas e lares. Escolas, locais de trabalho e comunidades rurais. Serviços de saúde e escolas. UBS, escolas, conselhos e espaços comunitários.
População
alvo. Elite urbana. Famílias e escolares. População urbana e rural de todas as idades. Escolares e grupos específicos. Toda a população.
Quem era o Educador. Polícia sanitária. Educador sanitário e professoras. Educador sanitário e profissionais de saúde. Equipes de saúde multiprofissionais. Todos envolvidos, incluindo a população.
Atribuições do educador Fiscalização. Divulgar o saber médico, higienista e convencer as camadas populares a seguirem certos padrões de comportamento. Práticas de intervenção social, informar e planejar modos de modificar o comportamento e gerar mudanças culturais. Capacitar o educando para o auto-cuidado. Buscar junto com a população propostas de solução dos problemas.
Papel do educador. Controlador. Divulgador e comunicador. Interventor. Treinador. Mediador.
Atividades desenvolvidas pelos profissionais da educação em saúde. Propaganda sanitária (conselhos ao povo). Fiscalização sanitária. Palestras; conferências e produção de impressos. Educação de grupos e trabalhos em equipe. Incentivo à participação comunitária para suprir carências do governo. Metodologia centrada no educador ou profissional, que passa informações sobre o auto-cuidado à população. Educação tradicional é ainda hegemônica, mas a metodologia participativa, baseada no diálogo com as classes populares, ganha espaço formal nas Universidades e políticas de saúde.
*Baseado no trabalho de Dais Gonçalves Rocha.
Considerações finais:
Como observado, os acontecimentos políticos afetam diretamente a educação em saúde. As intervenções do Estado no campo da educação e da saúde deram-se predominantemente em momentos de crise, com manifestações de insatisfação da população ou por ameaças ao setor financeiro. Inicialmente, as ações estatais de educação em saúde foram marcadas, assim como as intervenções assistenciais, por métodos coercivos, impostos pela polícia médica. Após isto, baseados na escola nova, essas ações passaram a se concentrar basicamente nos escolares, com padronização das falas e dos conselhos ao povo, buscando sanear toda uma geração.
Com o golpe de 1964, o regime militar criou oportunidades para que se criassem alternativas técnicas, baseadas no diálogo com o saber popular, em busca do enfrentamento dos problemas de saúde das classes populares. Assim surgiu, à margem da sociedade, sob o clima de embates políticos e ideológicos, a proposta do movimento sanitário brasileiro aliado à educação popular em saúde, que no seu início foi marcada por uma resistência ao regime militar e ao sistema assistencial implantado.
Após a implantação do SUS, há diferentes movimentos articulando-se ao mesmo tempo, ou seja, ainda permanece a educação tradicional, centrando o poder nas mãos do profissional de saúde e a educação popular, que no início era considerada como método alternativo de prática educativa. Mas a educação popular em saúde sai enfim da margem da sociedade e incorpora outras práticas e espaços educativos, na busca do empoderamento por parte da comunidade, baseando-se no encorajamento e apoio, para que as pessoas e grupos sociais assumam maior controle sobre sua saúde e suas vidas.
Entretanto, apesar do grande desenvolvimento e de uma reorientação crescente no campo das reflexões teóricas e metodológicas da educação em saúde, o mesmo não vem ocorrendo na prática dos serviços. Talvez um dos grandes desafios seja a formação de uma nova hegemonia representada por recursos humanos de formação orientada pela educação popular e respeito aos saberes da comunidade, em busca de uma verdadeira cidadania compartilhada.
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