0384/2006 - O CONHECIMENTO DE HIV/AIDS NA TERCEIRA IDADE: ESTUDO EPIDEMIOLÓGICO NO VALE DO SINOS/RIO GRANDE DO SUL – BRASIL
THE KNOWLEDGE ABOUT HIV/AIDS IN OLDER ADULTS: EPIDEMIOLOGIC STUDY IN VALE DO RIO DOS SINOS/RIO GRANDE DO SUL – BRASIL
Autor:
• Alexandre Ramos Lazzarotto - Lazzarotto, A.R. - Porto Alegre, RS - Centro Universitário Feevale - <alazzar@terra.com.br>Área Temática:
Não CategorizadoResumo:
Objetivo: Avaliar o conhecimento sobre HIV/AIDS dos participantes de Grupos de Convivência do Vale do Sinos, Rio Grande do Sul–Brasil.Método: O estudo caracterizou-se como transversal, obtendo-se uma amostra de 510 pessoas, sendo 17,5% homens e 82,5% mulheres, na faixa etária entre 60-90 anos. Utilizou-se o Questionário sobre HIV para Terceira Idade, que abrange características gerais dos participantes e questões relativas à AIDS, organizadas nos domínios ‘conceito’, ‘transmissão’, ‘prevenção’, ‘vulnerabilidade’ e ‘tratamento’.
Resultados: Quase a metade (48,4%) dos participantes relatou ter cursado de 4-7 anos de estudo e a renda mensal de 52,2% foi de 1-3 salários mínimos. Nos domínios ‘conceito’ e ‘transmissão’, 49,4% desconhecia a fase assintomática da infecção pelo HIV e 41,4% acreditava que a AIDS poderia ser transmitida pelo mosquito. No âmbito dos domínios ‘prevenção’ e ‘vulnerabilidade’, 25,5% não sabia da existência da camisinha feminina e 36,9% considerava a AIDS uma Síndrome somente de homens que fazem sexo com homens, profissionais do sexo e usuários(as) de drogas. Quanto ao ‘tratamento’, 12,2% ignoravam a sua existência.
Conclusão: Constataram-se lacunas no conhecimento sobre HIV/AIDS na amostra avaliada, demonstrando a necessidade de programas de saúde pública que visem à elucidação das principais dúvidas.
Palavras-chave: HIV/AIDS, idosos, nível de conhecimento.
Abstract:
Objective: To assess the knowledge about HIV/AIDS in participants of acquaintance groups in the Vale do Sinos region, Rio Grande do Sul-Brazil.Methods: Prospective cross-sectional study in a sample of 510 people, 17% males and 82.5% females between 60 and 90 years old. The HIV Questionnaire older adults , which comprised general characteristics and Questions concerning HIV/AIDS were organized into the dimensions ‘concept’, ‘transmission’, ‘prevention’, ‘vulnerability’, and ‘treatment’.
Results: Education of 48.4 % was 4 to 7 years of study and family income of 52.2% was 1 to 3 minimum wages. In the dimensions concept and transmission, 49.4% has no idea about the asymptomatic phase of the infection, and 41.4% believed HIV could be transmitted by a mosquito bite. In prevention and vulnerability, 25.5% did not know about the female condom and 36.9% considered AIDS a disease confined to man who has sex with man, sex professionals workers, and intravenous drug users. Regarding antiretroviral treatment, 12.2% ignored its existence.
Conclusion: Elderly people in acquaintance groups have important misconceptions about HIV/AIDS, which can increase their risk of infection. There is a need for public health programs directed to this population in order to prevent or decrease the risk of HIV transmission.
Keywords: HIV/AIDS, level of knowledge, elderly people, HIV transmission
Conteúdo:
Ao longo de uma década, o contingente de pessoas com 60 anos ou mais no Brasil aumentou de 10,7 milhões para 14,5 milhões, representando um aumento de 35,5% nesse período. Estima-se, que nos próximos 20 anos o número de idosos brasileiros poderá ultrapassar os 30 milhões, representando 13% da população[1]. Segundo a Organização Mundial da Saúde[2], nos países em desenvolvimento, considera-se terceira idade os indivíduos a partir dos 60 anos.
Os recentes avanços da indústria farmacêutica e da medicina, que permitem o prolongamento da vida sexual ativa, em associação com a desmistificação do sexo, tornam as pessoas da terceira idade mais vulneráveis às infecções sexualmente transmissíveis (IST), dentre elas, a infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), agente causador da síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS ou SIDA)[3].
Atualmente, há 39,5 milhões de pessoas infectadas pelo HIV no mundo[4]. No Brasil, o número de casos de AIDS registrados até junho de 2006 totalizava 433.067[5]. No Rio Grande do Sul, notificaram-se até junho de 2006, 37.968 casos[5], dos quais 3.810 ocorreram na região do Vale do Sinos[6]. O Vale do Sinos é uma região próxima da capital Porto Alegre, composta por 14 municípios e totalizando 1.316.823 indivíduos[1], de acordo com a classificação do Conselho Regional de Desenvolvimento (COREDES) do Estado do Rio Grande do Sul[7]; e os principais municípios são Canoas, Novo Hamburgo e São Leopoldo.
Apesar de inicialmente associada a adultos jovens, houve um aumento no número de pessoas com diagnóstico de AIDS no Brasil, na faixa etária acima de 60 anos, e foram notificados até junho de 2006, 9.918 casos, destes, 6.728 em homens e 3.190 em mulheres (Figura 1)[5].
Figura 1: Número de casos de AIDS no Brasil em indivíduos a partir de 60 anos entre 2001 e 2005 (Adaptado de Brasil5)
A literatura[8] enfatiza o conhecimento sobre HIV/AIDS em indivíduos jovens e profissionais da saúde, porém há uma falta de informações relacionadas à AIDS em idosos. A partir desta carência, torna-se necessário o desenvolvimento de estudos nesta área, pois o conhecimento é importante tanto para a diminuição do preconceito com portadores do HIV quanto para medidas de prevenção. Sendo assim, elaborou-se como objetivo de investigação verificar o conhecimento sobre em HIV/AIDS nos indivíduos dos Grupos de Convivência da Terceira Idade no contexto do Vale do Sinos, Rio Grande do Sul, Brasil.
MÉTODO
O estudo caracterizou-se como transversal, com a amostra composta pelos integrantes dos Grupos de Convivência da Terceira Idade do Vale do Sinos.
CONSTRUÇÃO E FIDEDIGNIDADE DO QUESTIONÁRIO SOBRE HIV PARA TERCEIRA IDADE (QHIV3I)
Pela inexistência de um questionário qualificado sobre HIV/AIDS para indivíduos da terceira idade, foi necessária a elaboração e avaliação da fidedignidade do Questionário sobre HIV para Terceira Idade (QHIV3I). A confiabilidade é uma das etapas essenciais para avaliação da qualidade das informações prestadas. Esta confiabilidade é entendida como a concordância entre informações provenientes de diferentes observadores ou de um mesmo observador ao realizar mensurações distintas. No caso de instrumentos auto-preenchíveis, uma das formas de realizar esta avaliação é através do procedimento de teste-reteste[9,10].
Após a elaboração do questionário, houve a avaliação cega inter-juízes, realizada por três profissionais da saúde com conhecimento técnico nas áreas de HIV/AIDS e Terceira Idade. Posteriormente, o questionário foi aplicado em participantes de dois Grupos de Convivência da Terceira Idade, na região do Vale do Sinos - Rio Grande do Sul/Brasil. Transcorridas as duas semanas, houve o retorno aos grupos para reaplicar o instrumento nos mesmos indivíduos que o responderam anteriormente. O teste e reteste foram realizados no período de junho a julho de 2005 e os grupos visitados na qualificação do questionário não foram incluídos no estudo principal.
A avaliação da confiabilidade foi executada com a utilização do coeficiente Kappa, que mediu o grau de concordância entre as respostas fornecidas nos dois momentos da pesquisa[11]. Os resultados do coeficiente Kappa evidenciaram uma boa confiabilidade do QHIV3I, a ser corroborada por estudos posteriores.
APLICAÇÃO DO INSTRUMENTO
A fase posterior compreendeu a aplicação do questionário em todos os grupos de convivência que faziam parte da região do Vale do Sinos. Os dados foram coletados de agosto de 2005 a maio de 2006 e os campos de estudo foram 47 Grupos de Convivência da Terceira Idade, pertencentes às 14 cidades do Vale do Sinos (COREDES do Estado do Rio Grande do Sul)[7] (Tabela 1). O preenchimento do QHIV3I foi agendado com o representante de cada grupo e obtido via amostragem consecutiva e consentimento informado, durante os dias e horários das reuniões dos grupos pesquisados.
Tabela 1: Número de grupos, de participantes e de pessoas presentes no dia da aplicação do questionário descritos por cidades
Cidade N° de grupos N° de participantes* N° de pessoas presente no dia**
Sapiranga 10 82 428
Estância Velha 5 83 255
São Leopoldo 2 21 125
Novo Hamburgo 11 130 683
Campo Bom 3 36 83
Portão 1 4 100
Sapucaia 1 13 51
Canoas 3 37 72
Esteio 3 33 145
Nova Hartz 1 16 50
Nova Santa Rita 1 5 24
Ivoti 2 15 127
Dois Irmãos 3 18 171
Araricá 1 17 25
Total 47 510 2.339
*Número de participantes com idade superior a 60 anos.
**Estes valores correspondem a todos os indivíduos presentes no dia da aplicação do questionário, incluindo as pessoas da meia idade, pelo fato da faixa etária mínima de entrada nos grupos ser de 40 anos.
O QHIV3I abrange características gerais como nível sócio-econômico, idade, tempo de estudo, presença de parceiro fixo e qual religião o participante pertencia. As questões relativas à AIDS estão organizadas nos domínios ‘conceito’, ‘transmissão’, ‘prevenção’, ‘vulnerabilidade’ e ‘tratamento’, os quais apresentam como resposta as alternativas verdadeiro, falso e não sei. Na seção final do instrumento, há perguntas que incluem a AIDS como um castigo divino, o conhecimento de alguma pessoa infectada pelo HIV, a utilização de preservativo e a realização de teste anti-HIV.
RESULTADOS
A amostra (510 integrantes) foi composta por 89 homens (17,5%) e 421 mulheres (82,5%), com idade média de 69 anos e desvio-padrão de 6,29 anos (variação entre 60 e 90 anos). Quase a metade (48,4%) dos participantes relatou ter cursado de 4-7 anos de estudo, seguida de 30,4% com 1 a 3 anos. A renda mensal de 52,2% foi de 1 a 3 salários mínimos e 32,5% recebia até 1 salário mínimo. As principais religiões citadas foram a católica, 69,4% e a evangélica, 21,8%; quanto a parceiro (a) fixo, 55,3% não possuía companheiro (a) (Tabela 2).
Tabela 2: Características gerais dos participantes da pesquisa (n = 510)
% Freqüência
Sexo Masculino 17,5 89
Feminino 82,5 421
Idade > 60 anos 100 510
Escolaridade1 Nenhuma 5,1 26
1 a 3 anos 30,4 155
4 a 7 anos 48,4 247
8 ou mais anos 13,9 71
Renda mensal2 Até 1 salário mínimo 32,5 166
1 a 3 salários mínimos 52,2 266
4 a 6 salários mínimos 10,2 52
Mais de 7 salários mínimos 2,6 13
Religião3 Católica 69,4 354
Evangélica 21,8 111
Outras 2,7 14
Nenhuma 0,2 1
Companheiro (a)4 Sim 43,9 224
Não 55,3 282
1 2,2% (11) não informou a resposta; 2 2,5% (13) não informou a resposta;
3 5,9% (30) não informou a resposta; 4 0,8% (04) não informou a resposta.
Na amostra estudada, 20,6% (105) julgava a AIDS como um castigo divino para aqueles que cometeram pecados, 31% (158) conhecia alguma pessoa infectada pelo HIV, 86,3% (440) não usava preservativo e apenas 11% (56) já tinha realizado o teste anti-HIV. Os resultados referentes aos domínios estão descritos nas Tabelas 3 e 4.
Tabela 3: Conhecimentos gerais sobre a AIDS dos participantes do estudo (n=510)
Verdadeiro Falso Não Sei
n % n % n %
Domínio ‘Conceito’
O vírus HIV é o causador da AIDS1 396 77,7 17 3,3 93 18,2
A pessoa com o vírus da AIDS sempre apresenta os sintomas da doença2 252 49,4 107 21 149 29,2
O vírus da AIDS é identificado através de exames de laboratório3 432 84,7 25 4,9 52 10,2
Domínio ‘Transmissão’
O vírus da AIDS pode ser transmitido por sabonetes, toalhas e assentos sanitários4 107 21 315 61,8 86 16,8
O vírus da AIDS pode ser transmitido por abraço, beijo no rosto, beber no mesmo copo e chimarrão5 112 22 332 65,1 65 12,7
O vírus da AIDS pode ser transmitido por picada de mosquito6 211 41,4 186 36,5 111 21,7
Domínio ‘Prevenção’
A pessoa que usa camisinha nas relações sexuais impede a transmissão do vírus da AIDS 412 80,8 58 11,4 40 7,8
Existe uma camisinha específica para as mulheres 363 71,2 17 3,3 130 25,5
O uso da mesma seringa e agulha por diversas pessoas transmite AIDS 481 94,3 18 3,5 11 2,2
Domínio ‘Vulnerabilidade’
A AIDS é uma doença que ocorre somente em homossexuais masculinos, prostitutas (os) e usuários (as) de drogas 188 36,9 276 54,1 46 9
Os indivíduos da terceira idade não devem se preocupar com a AIDS, pois ela atinge apenas os jovens 122 23,9 357 70 31 6,1
Domínio ‘Tratamento’
A AIDS é uma doença que tem tratamento7 406 79,6 62 12,2 39 7,6
A AIDS é uma doença que tem cura8 67 13,1 343 67,3 96 18,8
1 0,8% (04) não informou a resposta; 2 0,4% (02) não informou a resposta
3 0,2% (01) não informou a resposta; 4 0,4% (02) não informou a resposta
5 0,2% (01) não informou a resposta; 6 0,4% (02) não informou a resposta
7 0,6% (03) não informou a resposta; 8 0,8% (04) não informou a resposta
Tabela 4: Principais perguntas e percentuais de erro
Participantes n = 510
Pergunta Percentual de Erro
Indivíduos HIV+ sempre apresentam os sintomas da doença 49,4
A AIDS pode ser transmitida por mosquito 41,4
A AIDS é doença característica de homossexuais masculinos, prostitutas (os) e usuários (as) de drogas 36,9
A AIDS atinge apenas os jovens 23,9
DISCUSSÃO
No domínio ‘conceito’, quase a metade dos participantes considerou que a pessoa infectada pelo HIV sempre apresentará os sintomas da AIDS. Quando a pessoa com HIV estiver apresentando algum sintoma, seu sistema imunológico já está debilitado, com contagens de T CD4+ abaixo de 500 células/μL[12,13].
No domínio ‘transmissão’, observou-se que ainda há dúvida em relação às formas de transmissão do HIV, as quais se constituem através das vias sexual, parenteral e vertical, pois 41,4% dos indivíduos acreditava que a picada de mosquito transmite o vírus da AIDS. Estudos realizados com os moradores de uma favela do Rio de Janeiro em 1992[14] e 1998[15] indicaram que 45,2% e 41,1% acreditavam que a picada do mosquito poderia transmitir o HIV. Desde 1985[16] e 1986[17, 18] sabe-se que o mosquito não pode ser considerado vetor na transmissão do HIV. Os principais fatores são a ausência do antígeno T4 na superfície celular dos artrópodes (impedindo desta forma a sua replicação no mosquito), a baixa infectividade e a curta sobrevivência do vírus no mosquito[19].
No domínio ‘prevenção’, a maioria da amostra estudada sabia que o uso do preservativo impede a transmissão do HIV; porém, mais de 80% não o utilizava durante as relações sexuais. Uma provável explicação é a predominância de mulheres nos grupos pesquisados e, como já estão no período pós-menopausa, e sem apresentarem risco de engravidar, acreditam que não necessitam de proteção, não insistindo com seu parceiro para o uso do preservativo [3, 20, 21]. Por outro lado, a resposta do não uso de preservativo, pode refletir o fato dos indivíduos que responderam o questionário não apresentarem atividade sexual. Entre os idosos infectados pelo HIV, a transmissão heterossexual é um fator importante, existindo a necessidade de prevenção e testagem anti-HIV para a população da terceira idade[22]. A principal forma de prevenção da infecção pelo HIV é a utilização do preservativo, tanto masculino como o feminino, os quais são distribuídos gratuitamente através das unidades básicas de saúde de cada município[23].
A epidemia da AIDS descrita inicialmente na década de 80, em grupos específicos, como homossexuais masculinos[24], e rotulada como específica de certos grupos de pessoas, ajudou na discriminação com os portadores do HIV. Do total de participantes, aproximadamente 37% ainda considerava a AIDS uma síndrome de grupos específicos como homens que fazem sexo com homens, usuários de drogas e profissionais do sexo; no entanto, 70% acreditava que os indivíduos da terceira idade deveriam se preocupar com ela. Enfatiza-se que não há grupos de risco, mas situações de risco, nas quais todos os indivíduos estão expostos à infecção pelo HIV[2].
Quando se avaliou a AIDS no contexto religioso, aproximadamente 21% a considerou um castigo divino para aqueles que cometeram pecados. Lagarde et al.[25] avaliaram a associação entre religião e fatores relacionados às doenças sexualmente transmissíveis, evidenciando que, tanto homens quanto mulheres, consideravam-se incólumes ao risco de infecção pelo HIV. Os indivíduos não citaram a AIDS como um problema de saúde pública e não manifestaram interesse na mudança comportamental para sua prevenção. Estes relatos indicam a necessidade da participação de autoridades religiosas na política de prevenção ao HIV/AIDS e em outras IST.