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0300/2024 - Validation Process and Methodological Characteristics of Food Insecurity Perception Scales: a Scope Review
Processo de Validação e Caraterísticas Metodológicas de Escalas de Percepção da Insegurança Alimentar: uma Revisão de Escopo

Author:

• Jamila da Silva Sultane Aboobacar - Aboobacar, J.S.S - <jamila.aboobacar@ufv.br>
ORCID: https://orcid.org/0009-0003-8086-0907

Co-author(s):

• Sylvia do Carmo Castro Franceschini - Franceschini, S.C.C - <sylvia@ufv.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7934-4858
• Dayane de Castro Morais - Morais, D.C - <dayanecm@yahoo.com.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6439-7009
• Elizangela da Silva Miguel - Miguel, E.S - <elizangela.miguel@ufv.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2434-5068
• Francilene Maria Azevedo - Azevedo, F.M - <francilene.azevedoufv@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2162-5408
• Aline Carare Candido - Candido, A.C - <alinecarrare@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6259-4786
• Silvia Eloiza Priore - Priore, S.E - <sepriore@ufv.br>
ORCID: https://orcid.org/0000.0003.0656.1485


Abstract:

The objective of this scoping review was to identify the validation process and the methodological characteristics of food insecurity perception scales validated in different parts of the world. A search was carried out in the PubMed, Embase, Scielo, Mediline, Lilacs and Google Scholar databases, in addition to the gray literature. The pre-ion of studies took place by reading the titles and abstracts, followed by reading in full. Of the 828 studies identified, 19 were ed referring to 21 country scales: Colombia; Tanzania; Lebanon; New Zealand; U.S; Ecuador; Sir Lanka; Brazil; Guatemala; Dominican Republic; Haiti; Costa Rica; Venezuela; Mexico; Bolivia; Burkina Faso and the Philippines, as well as the Latin American and Caribbean Scale (ELCSA) and the FAO. Colombia and Ecuador presented two validated scales. The scales varied in relation to the year of validation (2000 to 2020), reference time (last 3 to 12 months), number of questions (7 to 18) and types of households (urban and rural). The validation processes involved qualitative and quantitative phases. Internal validation was performed using Cronbach\'s Alpha coefficient and the Rasch model; and the external one by association and/or correlation with socioeconomic and food consumption variables. Thus, the identified scales presented validation processes and different methodological characteristics, being specific to each country.

Keywords:

Scales; Food Insecurity; Validation

Content:

INTRODUÇÃO
A insegurança alimentar (IA) é definida como o acesso limitado a alimentos nutricionalmente adequados e saudáveis1. Uma pessoa encontra-se nesta situação quando não tem acesso regular a alimentos seguros e nutritivos suficientes para o crescimento e desenvolvimento normal, bem como, para uma vida ativa e saudável2.
A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), utilizando a Global Scale of Experience of Food Insecurity (FIES), mostrou que em 2022 a fome afetou entre 691 e 783 milhões de pessoas no mundo, sendo que, neste mesmo ano, 29,6% da população global (2,4 bilhões de pessoas) estava em IA moderada e grave. Quando se analisou a prevalência entre os continentes, observou-se que a África apresentou 60,9% de IA moderada e grave, América Latina e Caribe (37,5%), Ásia (24,2%) e América do Norte e Europa (8,0%)2. Portanto, existem ainda muitos lugares enfrentando crises alimentares cada vez mais profundas, e há incerteza quanto ao número exato de agregados familiares afetados por este fenômeno2.
Com intuito de mensurar diretamente a IA e a fome, foi desenvolvido na década de 1990, nos Estados Unidos, o primeiro instrumento denominado Household Food Security Survey Module (HFSSM), com 18 questões, que abrange todos os níveis de gravidade da IA observados nos domicílios com e sem crianças3,4. Esta escala possui variantes linguísticas, devido processos de tradução e adaptação transcultural, sendo que diversos países desenvolveram escalas de percepção de IA a partir da experiência dos Estados Unidos5,6.
Assim, estas escalas vêm ganhando notoriedade internacional e se destacam pela sua facilidade no momento da aplicação, baixo custo, e por terem como base as experiências vivenciadas e percebidas pelas famílias7,8,9.
A validação das escalas de percepção é recomendada, uma vez que considera alguns aspectos restritos de confiabilidade e validade na avaliação da situação de segurança alimentar1,10. A Consistência interna da escala é estimada pelo Coeficiente Alfa de Cronbach e modelo Rasch, sendo o Coeficiente Alfa de Cronbach a faceta da confiabilidade mais utilizada10.
Como diversos países tem utilizado e validado as suas escalas para avaliar e medir a situação da IA nos domicílios, torna-se importante desenvolver a presente revisão, uma vez que, pouco se sabe em relação as caraterísticas metodológicas utilizadas durante o processo de validação das mesmas. Esta revisão inova por propor o mapeamento das escalas de IA validadas no mundo em relação ao processo de validação e suas caraterísticas gerais. Por essa razão, o objetivo desta revisão de escopo foi identificar o processo de validação e as caraterísticas metodológicas das escalas de percepção de IA validadas em diferentes partes do mundo.

METODOLOGIA
Protocolo e Registro
Trata-se de uma revisão de escopo com protocolo de pesquisa registrado no Open Science Framework sob o número 10.17605/OSF.IO/HMKYF, desenvolvida e estruturada com base nas recomendações do PRISMA Extension for Scoping Reviews.
Critério de Elegibilidade
Estudos originais e revisões de literatura (narrativa, integrativa, sistemática e com meta-análise), bem como, resumos de conferências, materiais governamentais, cartas ao editor e outros documentos, foram considerados elegíveis para o presente estudo.
Assim, os critérios para não inclusão ou exclusão foram os seguintes: (1) estudos que não utilizavam escalas validadas de percepção para diagnóstico da insegurança alimentar; (2) estudos que utilizavam escalas validadas de percepção para diagnóstico da insegurança alimentar, mas, que não explicavam o processo de validação das mesmas.
Pergunta norteadora da pesquisa
Foi identificada primeiramente a questão norteadora da pesquisa, definindo-se o objetivo do estudo e os descritores, onde estes foram elucidados pela combinação mnemônica PCC: P (População) – Países do Mundo; C (Conceito) – Escalas Validadas; C (Contexto) – Insegurança Alimentar. A pergunta norteadora deste estudo foi: Quais são as caraterísticas do processo de validação das escalas de percepção de insegurança alimentar validadas em diferentes países? E a pergunta complementar foi: Quais são as características metodológicas dessas escalas validadas?
Estratégia de Busca
A estratégia de busca envolveu, a seleção de descritores em pesquisas publicadas e disponíveis na PubMed. Em seguida, os descritores definidos foram indexados no vocabulário controlado do Medical Subject Heading Terms (MeSH) e combinados com seus respectivos vocábulos em Inglês: Escala; Scale; Escala psicométrica; Psicometric Scale; Insegurança Alimentar; Food Insecurity; Estudos de Validação; Validation Study, bem como, os seus sinônimos.
Após a seleção dos descritores, realizou-se a busca na PubMed; Embase; Scielo; Mediline e Lilacs, em Maio e Junho de 2023. Na seleção dos artigos foi empregado o recurso dos operadores booleanos AND e OR, conforme descrito: ((Escala OR Scale OR “Escala psicométrica” OR “Psicometric Scale” OR “Escala de percepção”) AND (“Insegurança Alimentar” OR “Food Insecurity” OR “Inseguridad Alimentaria” OR Fome) AND (“Estudos de Validação” OR “Validation Study” OR Validação OR Validating OR Validate OR Validated)) (Arquivo suplementar 1).
Como PubMed; Embase; Scielo; Mediline e Lilacs possui suas propriedades de busca, adaptou-se a estratégia utilizada, entretanto manteve-se as semelhanças nas combinações de descritores (Apêndice 1). Para literatura cinzenta (dissertações e teses) foram utilizados o Catálogo de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES); Teses e dissertações da América Latina e outros países. Utilizou-se também o Google Acadêmico para identificar outros materiais e estudos não identificados nas bases acima supracitadas.
Além disso, consultou-se as listas de referências dos artigos (busca reversa) e realizou-se a busca manual, a partir dos estudos que foram refenciados, com o objetivo de localizar outros documentos publicados e não identificados nas buscas iniciais. Não se limitou o período de tempo e o idioma de publicação.
Os estudos relevantes foram identificados pela triagem dos títulos, resumos e textos completos. Inicialmente, os resultados da pesquisa de cada banco de dados foram importados para o software Rayyan QCRY® para excluir os estudos duplicados. O processo de seleção dos materiais foi realizado no mesmo software pela dupla de pesquisadores (J. S. S A e E. S. M.), de forma cega, independente e paralela.
Ressalta-se que informações metodológicas adicionais, referentes ao processo de validação das escalas que não estavam presentes nos estudos selecionados, foram pesquisadas em outros materiais relacionados, como relatórios e artigos de revisão.

RESULTADOS
A busca eletrônica identificou incialmente 873 estudos. Destes, foram removidos 45 duplicados. A partir da leitura do título foi realizado o primeiro refinamento da pesquisa, onde foram excluídos 798 estudos que não abordavam sobre o tema de interesse da revisão (como trabalhos que utilizavam escalas não validadas, ou que propunham novos instrumentos de avaliação da IA, ou ainda, os que faziam a comparação entre as escalas). Foram selecionados 30 estudos para leitura do resumo, e outros 13 identificados através da busca reversa. A partir da leitura dos resumos, foram excluídos 5 estudos, sendo 38 selecionados para leitura na íntegra. Após a leitura na íntegra foram excluídos outros 19 estudos que não apresentavam escalas validadas. Assim, ao final, foram incluídos na presente revisão 19 estudos (Figura 1).
Assim, foram selecionados 19 estudos e encontradas 21 escalas de diagnóstico da IA validadas, das quais, as mesmas pertenciam aos seguintes países: Colômbia; Tanzânia; Líbano; Nova Zelândia; Estados Unidos; Equador; Sir Lanka; Brasil; Guatemala; República Dominicana; Haiti; Costa Rica; Venezuela, México, Bolívia, Burkina Faso e Filipinas. Além dessas, foram encontradas também, a Escala Latino-americana e Caribenha (ELCSA) cuja abrangência é regional e da FAO (Food Insecurity Experience Scale – FIES). Cabe ressaltar que, destes países, a Colômbia e Equador foram os únicos que apresentaram duas escalas validadas, diferente de outros com uma única escala por país.
As escalas foram agrupadas e analisadas inicialmente de acordo com o país e ano de validação, tempo de referência, tamanho da amostra, tipos de domicílios, número de questões e classificação da situação de segurança alimentar (Quadro 1 e Figura 2).
Quanto ao ano de validação dos instrumentos, este variou de 2000 (Venezuela)11 à 2020 (Sir Lanka)28. Em relação ao tempo de referência, foi observado que as questões e as respostas dos entrevistados foram apresentadas na maioria das vezes tomando em consideração os últimos 12 meses antes da pesquisa, exceto nos estudos realizados na República Dominicana17 e Colômbia22, que utilizaram o tempo de referência os últimos 30 dias; Venezuela, Colômbia e Líbano11,13,24 apresentaram o tempo de referência os últimos 6 meses; Brasil, ELCSA, Haiti, Guatemala e México12,16,20,21,25,28, utilizaram os últimos 3 meses como tempo de referência (Figura 2).
Além disso, a escala validada para mulheres gestantes do Sri Lanka28, utilizou o tempo de referência como terceiro trimestre de gestação (32 a 36 semanas). Este estudo foi o único com esta caraterística quando comparado aos demais.
Quanto ao tamanho da amostra, foi observada uma variação de 5215 à 265.21221, domicílio. Ressalta-se que, todos os estudos tiveram desenho transversal. De um modo geral, a maioria destes envolveram os dois tipos de domicílios (urbanos e rurais). Porém, observou-se que alguns países incluíram somente domicílios de áreas urbanas, como a Venezuela11 e Costa Rica18 e outros desenvolveram os seus estudos apenas com domicílios rurais, como Equador, República Dominicana, Tanzânia, Guatemala, Líbano e Sri Lanka.15,17,19,21,24,28
Os estudos que não fizeram menção em seus estudos em relação à presença ou ausência de crianças no momento da entrevista foram desenvolvidos nos países: Bolívia14, Burkina Faso14, Filipinas14, FAO23, Líbano24, México25 e Sri Lanka28. Os demais mostraram que desenvolveram seus estudos em domicílios considerando a presença ou ausência de crianças nos domicílios, sendo as questões adaptadas para essas situações específicas (Figura 2). As questões apresentadas nas escalas variaram de 7 à 18 perguntas. Cabe ressaltar que o único país que apresentou no instrumento as 7 questões foi o Líbano24.
A classificação da (in) segurança alimentar foi feita da seguinte forma: segurança alimentar (acesso constante aos alimentos com qualidade e em quantidade suficiente), insegurança alimentar (IA) leve (queda na qualidade ou preocupação com acesso aos alimentos no futuro), IA moderada (falta de acesso consistente aos alimentos, o que diminui a qualidade da dieta e interrompe os padrões normais de alimentação) e IA grave (quando em algum momento do ano, as pessoas ficam sem comida, passam fome e, no caso mais extremo, ficam sem comida por um dia ou mais) (Quadro 1)2.
Assim, a Nova Zelândia7, Venezuela11; Colômbia13, Equador15, República Dominicana17, Costa Rica18 e Tanzânia19, avaliaram a frequência de ocorrência de cada item da seguinte forma: três vezes como “sempre”; dois, “às vezes”; um, “raramente”, e zero, “nunca”, gerando um escore de IA com variação de 0 a 36 pontos, e outros avaliaram as respostas como “Sim” ou “Não” – Brasil12, Bolívia14, Burkina Faso14, Filipinas14, Haiti20, Guatemala21, FAO23, México25, Estados Unidos26 e Equador27.
Os pontos de corte utilizados para a classificação da (in) segurança alimentar foram: segurança alimentar (0 pontos), IA leve (1–5), IA moderada (3–10) e IA grave (7–16) pontos para Costa Rica, Haiti, Guatemala, Colômbia, México e Equador18,20,21,22,25,27.
A Venezuela11 e Colômbia13, apresentaram uma classificação diferenciada em relação ao ponto de corte, onde os domicílios com 0 pontos foram classificados como seguros, 1–12 ou menos (IA leve), 13–24 (IA moderada) e 25 pontos ou mais (IA grave). Diferente dos demais países, Equador15 e Estados Unidos26, foram os únicos que classificaram a (in) segurança alimentar em dois níveis. Para os Estados Unidos a classificação foi realizada da seguinte forma: 0–2 (segurança alimentar) e 3 ou mais respostas afirmativas (IA) e Equador: 1–3 pontos (IA sem fome) e 4 pontos (IA com fome).
Os instrumentos foram caraterizados tendo em conta os padrões de referência para validação e as metodologias utilizadas nesse processo (Quadro 2). Em relação aos padrões de referência para validação das escalas, o Brasil12, Bolívia14, Burkina Faso14, Filipinas14, Equador15, República Dominicana17, Costa Rica18, Líbano24 e Estados Unidos26, utilizaram a HFSSM como modelo padrão. Já as escalas desenvolvidas em Haiti20, Guatemala21, Colômbia22, México25, Equador27 e Sir Lanka28, utilizaram como padrão de referência a ELCSA, durante o processo de validação. Portanto, estas duas escalas foram as mais utilizadas como padrões de referência no processo de validação dos instrumentos (Quadro 2).
Ressalta-se que a FAO23, utilizou tanto a HFSSM quanto a ELCSA como padrão de referência; enquanto a ELCSA16, usou a HFSSM, Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA) e a Escala de Percepción de Seguridad Alimentaria (EPSA), como padrão de referência.
Em relação ao processo de validação das escalas, primeiramente as escalas originais foram traduzidas para a língua local de cada país e as questões adaptadas para o contexto local das regiões por meio de um painel de especialistas, sendo que cada escala apresentou características específicas nesse processo (Quadro 2).
Em todos os estudos realizou-se a validação interna da escala por meio do Coeficiente Alfa de Cronbach, exceto nos estudos realizados na Nova Zelândia7; Equador15; República Dominicana17; Guatemala21; Líbano24; e nos Estados Unidos26 e o desenvolvido pela FAO23, que utilizaram somente o modelo Rasch para avaliar a confiabilidade e a adequabilidade do instrumento. A Colômbia13; Haiti20; Equador27; Sri Lanka28, foram os únicos países que utilizaram tanto o Coeficiente Alfa de Cronbach, como modelo Rasch em seus estudos. Os resultados do Coeficiente Alfa de Cronbach e modelo Rasch foram considerados adequados em todos os estudos (Quadro 2).
Na validação externa, determinou-se a relação da escala com outras variáveis como consumo alimentar; disponibilidade e aquisição de alimentos e renda familiar, fatores sociais e demográficos, associadas à insegurança alimentar, utilizando métodos de análises de correlação e/ou associação (Quadro 2).

DISCUSSÃO
Na presente revisão, observou-se que o tempo de referência mais utilizado durante o processo de validação das escalas estava relacionado aos últimos 3, 6 e 12 meses. Nestas situações, quanto menor for o tempo de referência, mais fácil será para os entrevistados se recordarem dos acontecimentos passados, mas pode também aumentar a carga cognitiva sobre o respondente, levando a respostas menos precisas4,29.
Além disso, os estudos envolveram os dois tipos de domicílios (urbanos e rurais), exceto, em estudos desenvolvidos na Venezuela e Costa Rica, que envolveram domicílios de áreas urbanas, assim como, Sri Lanka, Líbano, Guatemala, Tanzânia, Haiti, República Dominicana e Equador, que utilizaram domicílios rurais. Portanto, o envolvimento na amostra de domicílios urbanos e rurais é de extrema importância, uma vez que representam distintos contextos culturais, sociais e econômicos que podem influenciar a ocorrência da situação de IA8.
Ainda, as questões apresentadas nos instrumentos faziam menção sobre a presença ou ausência de menores de 18 anos nos domicílios, exceto nos estudos realizados na Bolívia, Burkina Faso, Filipinas, Líbano, México, Sri Lanka e pela FAO. Assim, quando na presença de crianças, as questões eram respondidas na totalidade e reduzidas quando os domicílios eram compostos apenas por adultos25,27. Portanto, as questões foram adaptadas para essas situações específicas, uma vez que na presença de menores de 18 anos as chances do domicílio apresentar-se em situação de IA é maior, isto porque os menores não contribuem com a renda familiar. O rendimento familiar possui um papel determinante no acesso aos alimentos, isto é, o aumento no rendimento familiar determina o aumento da participação na dieta mais diversificada e saudável dos domicílios21,30,32.
Além disso, a adaptação de uma versão para famílias com crianças tem sido justificada pelas necessidades nutricionais específicas desta faixa etária em termos de quantidade, qualidade e regularidade da oferta alimentar10. No entanto, Marques e colaboradores salientam a necessidade de se investir no desenvolvimento de mais instrumentos de IA, especialmente concebido para este grupo populacional10, uma vez que também apresentam necessidades nutricionais específicas, como apontado para as crianças. Porém, nenhuma escala incluída no presente estudo fez destaque a esse grupo no processo de construção e validação.
Quanto aos padrões de referência, as escalas HFSSM e ELCSA, foram as mais utilizadas no processo de validação dos instrumentos de outros países. Isso pode-se justificar da seguinte forma, na década de 1990, pesquisadores reunidos pelo United States Department of Agriculture (USDA) desenvolveram uma escala válida de abrangência nacional, a HFSSM, composta por 18 itens. A partir de 1995, esse instrumento passou a ser utilizado em pesquisas americanas, como por exemplo, a National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES)8. Desde então, diversos países realizaram traduções e adaptações transculturais da HFSSM5, com objetivo de avaliar a situação de IA nos domicílios.
A ELCSA foi desenvolvida tendo em consideração as experiências no processo de validação das escalas da Venezuela, Colômbia e Brasil, que contou com o apoio da FAO. Desde sua publicação em 2007, a ELCSA vem sendo utilizada em estudos referentes à segurança alimentar, pesquisas nacionais e em avaliações de políticas e programas sociais1. Ressalta-se que pelas vantagens que a escala apresenta, como ser de baixo custo, fácil aplicação e uniformidade em toda América Latina e Caribe, a mesma tornou-se importante indicador com abrangência regional1. Portanto, com a ELCSA, países Latino-americanos e caribenhos que ainda não possuem as escalas validadas poderão utilizar essa ferramenta, visto que a utilização de um mesmo indicador para toda a região possibilita a comparabilidade entre países, o que poderá contribuir para tomada de decisões políticas8.
Das escalas que utilizaram a ELCSA como modelo padrão, o Sir Lanka foi o único país que validou o seu instrumento com 8 questões denominada ELCSA for pregnant women in Sri Lanka (ELCSA-P-SL), especialmente para mulheres gestantes. Isto porque, pode acontecer que durante o pré-natal não sejam avaliados aspectos econômicos e sociais relacionados ao acesso à alimentação adequada, que se comportam como determinantes na evolução da gravidez. Portanto, utilizando a ELCSA como parte do protocolo de controle pré-natal pode-se identificar situações que requerem acompanhamento e controle da gestação28. Além disso, o uso de menor número de questões em pesquisas desta natureza, na maioria das vezes deve-se as restrições de tempo e recursos que são investidos, sendo esta uma das melhores opções para fazer face a estas questões.
Em relação a EBIA apresentada nesta revisão com 15 questões, destaca-se que esta sofreu modificação em 2009, com exclusão de uma questão referente a perda de peso entre os moradores dos domicílios. Esta exclusão deve-se a elevada prevalência de excesso de peso que tem sido observada com maior frequência no país, inclusive entre as famílias de baixa renda8. Portanto, atualmente no Brasil, a EBIA utilizada apresenta 14 questões, é validada e a mais indicada para avaliar os domicílios brasileiros9.
Importante enfatizar que as escalas apresentaram diferentes métodos de classificação da (in) segurança alimentar. Essas diferenças verificadas estão associadas a diversos fatores de risco observados nas famílias e requerem distintas intervenções políticas governamentais33.
Em relação ao processo de validação das escalas e metodologias utilizadas, os estudos incluídos nesta revisão apresentaram processos e caraterísticas metodológicas que foram além da tradução do padrão de referência utilizado para o idioma de cada país no qual se pretendia desenvolver o instrumento. Além do processo de tradução, os estudos realizaram a validação interna da escala pelo Coeficiente Alfa de Cronbach e modelo Rasch, ambos recomendados para esse tipo de análise pela FAO1.
O Coeficiente Alfa de Cronbach permite avaliar a consistência interna das respostas aos itens da escala e indicar se as mesmas estão correlacionadas entre si, sendo o valor mínimo aceitável de 0,734. Assim, o processo de validação interna de um instrumento, como no caso de escalas de percepção, é essencial para garantir confiabilidade e adequabilidade do mesmo, sendo altamente recomendado, sempre que se pretende realizar estudos desta natureza1,8,10.
Ressalta-se que todas escalas apresentaram valores de Alfa de Cronbach considerados adequados, com destaque para HFSSM, ELCSA e EBIA, que foram as únicas escalas que apresentaram valores superiores (> 0,90), revelando o bom desempenho dos itens componentes.
Quanto ao modelo Rasch, o mesmo pode ser utilizado para verificar a unidimensionalidade do instrumento, isto é, se todos os itens presentes na escala estão mensurando um único constructo ou fator, que para este estudo seria a insegurança alimentar35. Com este modelo, espera-se que as famílias que não vivenciam a situação de IA tenham menor probabilidade de responder positivamente as questões em relação àquelas que experimentaram esta situação8.
Além da validade interna, os estudos realizaram a validação externa dos seus instrumentos. Foi observado que, para o processo de validação das escalas, houve aplicação da mesma em inquéritos populacionais e o uso de métodos de associação e correlação com as variáveis de cada estudo, como socioeconômicas, demográficas e de consumo alimentar para determinar a relação da escala com as variáveis associadas ao fenômeno de IA.
De acordo com o estudo de Vasconcelos (2016), a validade externa em um determinado estudo, permite ao pesquisador generalizar os resultados obtidos a outras populações, em outros contextos36. Assim, a validade externa mostra que os resultados obtidos em uma pesquisa independem da amostra ou da situação particular da pesquisa, mas que suas conclusões são verdadeiras37.
Desta forma, para os estudos que não realizam a validação interna e externa, os seus resultados não devem ser generalizados. Isto porque, a validação interna e externa são práticas metodológicas consagradas e indispensáveis em pesquisas desta natureza para que se tenha um instrumento consistente e confiável, capaz de refletir a realidade do país36.
Considerando as escalas encontradas nesta revisão, a HFSSM e a ELCSA foram as que apresentaram mais pressupostos psicométricos, além de serem as mais utilizadas como modelo padrão no processo de validação das escalas de percepção em outros estudos. Cabe destacar que estas duas escalas foram as únicas que para além da validação interna e externa, explorarão as outras características psicométricas importantes, como por exemplo o posicionamento das questões (dificuldade/intensidade) frente ao traço latente; e a avaliação da invariância da medida (funcionamento diferencial das questões). Estudos anteriores também enfatizaram o destaque do diferencial dessas escalas em relação às questões psicométricas8,10.
Assim, as escalas apresentadas nesta revisão possuem processos de validação com caraterísticas metodológicas semelhantes e adequadas para medir a situação de IA dos domicílios, e que podem servir de incentivo para novos estudos de validação de escalas de percepção, dada a importância da utilização de instrumentos confiáveis e válidos, não apenas em pesquisas epidemiológicas, mas também como ferramentas de triagem e tomada de decisão para orientar ações de enfrentamento de IA em nível local e nacional.
Os pontos fortes desta revisão de escopo se relacionam à ampla busca feita em diversas bases de dados e a inclusão de 19 estudos, desenvolvidos em diversos países do mundo, tornando os resultados mais confiáveis, além da complementação de informações por outros materiais. Além disso, todos estudos realizaram a validação interna e externa dos seus instrumentos, mostrando que as escalas possuem uma consistência e confiabilidade aceitável para cada país.
Uma limitação deste estudo se relaciona as metodologias incompletas que alguns estudos apresentaram durante o processo de validação das escalas, dificultando a compreensão deste processo, sendo necessária a busca complementar de informações em outros documentos e materiais adicionais. Independentemente das limitações mencionadas, os resultados desta revisão sugerem que as escalas de IA validadas são muito úteis para avaliar a situação de IA dos domicílios. Recomenda-se o desenvolvimento de mais estudos desta natureza que explorem de forma exaustiva as caraterísticas psicométricas importantes das escalas de IA além da validade interna e externa.

CONCLUSÃO
A partir da presente revisão foi possível concluir que, as escalas de percepção de insegurança alimentar validadas em diferentes países, apresentam processos de validação e caraterísticas metodológicas que variaram de acordo com o tempo de referência, tamanho da amostra, número de questões, tipos de domicílios (rurais ou urbanos) e os padrões de referência para validação. Além disso, a validação interna e externa são práticas metodológicas consideradas indispensáveis no processo de validação das escalas de percepção. Os resultados deste estudo irão auxiliar na identificação das melhores escalas validadas disponíveis que podem ser utilizadas na tomada de decisões e no desenvolvimento de novas escalas, em diferentes países.

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Aboobacar, J.S.S, Franceschini, S.C.C, Morais, D.C, Miguel, E.S, Azevedo, F.M, Candido, A.C, Priore, S.E. Validation Process and Methodological Characteristics of Food Insecurity Perception Scales: a Scope Review. Cien Saude Colet [periódico na internet] (2024/Aug). [Citado em 27/09/2024]. Está disponível em: http://cienciaesaudecoletiva.com.br/en/articles/validation-process-and-methodological-characteristics-of-food-insecurity-perception-scales-a-scope-review/19348



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