0005/2025 - Teorização sobre a gestão da saúde bucal no cenário da COVID-19: estudo qualitativo nos municípios de Minas Gerais, Brasil Gestão da saúde bucal na COVID-19
Theorizing oral health management in the COVID-19 scenario: a qualitative study in the municipalities of Minas Gerais, Brazil Management of oral health in the COVID-19
Autor:
• Leiriane Alves de Souza - Souza, L.A - <leiriane.souza@ufu.br>ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0301-0189
Coautor(es):
• Lorena Maria Evangelista Leonel - Leonel, L.M.E - <lorena_leonel1@hotmail.com>ORCID: https://orcid.org/0009-0004-0983-1086
• Jaqueline Vilela Bulgareli - Bulgareli, J.B - <jaqueline.bulgareli@ufu.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7810-0595
• Álex Moreira Herval - Herval, A.M - <alexmherval@ufu.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6649-2616
Resumo:
O estudo buscou construir uma teorização sobre a gestão dos serviços de saúde bucal no contexto da pandemia de COVID-19, a partir dos significados produzidos pelos gestores de saúde bucal. Realizou-se um estudo qualitativo em municípios mineiros com serviços odontológicos primários e especializados. A coleta dos dados se realizou por meio de entrevistas semiestruturadas, no formato remoto. Esses dados foram analisados a partir da Teoria Fundamentada de Dados e teorizados com base na Política Nacional de Humanização. A teorização emergente do estudo permitiu compreender que a crise sanitária atuou como um fenômeno desestabilizador do processo de gestão tradicional, promovendo modificações na compreensão de si mesmo no papel de gestor. Entretanto, os aprendizados desse período foram relacionados à aquisição de nossos conhecimentos, mas não às mudanças no modelo verticalizado de gestão. Esse resultado se evidenciou pela ausência de participação social, sendo considerada somente a falta de ouvidorias de reclamações. Além disso, compreendeu-se que os gestores se mostraram empenhados no reconhecimento político-institucional da Odontologia, mas não houve o mesmo empenho no reconhecimento da relevância social da Saúde Bucal nos serviços públicos de saúde.Palavras-chave:
Serviços de Saúde Bucal; Assistência Odontológica; Especialidades Odontológicas; Gestão em Saúde; COVID-19.Abstract:
The study sought to build a theorization on the management of oral health services in the context of the COVID-19 pandemic, based on the meanings produced by oral health managers. A qualitative study was carried out in municipalities in Minas Gerais with primary and specialized dental services. Data was collected through semi-structured remote interviews. The data was analyzed using Grounded Data Theory and theorized based on the National Humanization Policy. The theorizing emergingthe study made it possible to understand that the health crisis acted as a destabilizing phenomenon in the traditional management process, promoting changes in the understanding of oneself in the role of manager. However, the lessons learned during this period were related to the acquisition of our knowledge, but not to changes in the verticalized management model. This result was evidenced by the absence of social participation, with only the lack of complaints ombudsmen being considered. In addition, it was understood that managers were committed to the political-institutional recognition of dentistry, but there was not the same commitment to recognizing the social relevance of oral health in public health services.Keywords:
Dental Health Services; Dental Care; Specialties, Dental; Health Management; COVID-19.Conteúdo:
A crise sanitária da COVID-19 afetou fortemente os serviços odontológicos devido à transmissibilidade do vírus1. Houve, desse modo, a suspensão dos atendimentos eletivos e a manutenção dos atendimentos de urgências/emergências2,3, o que gerou uma diminuição dos atendimentos odontológicos4 nos dois primeiros anos da pandemia. Na Atenção Primária à Saúde, as consultas de urgência reduziram em 42,5% e as especializadas em 44,1%4, com destaque à tratamentos endodônticos5.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomendou a adoção de estratégias de enfretamento à Pandemia de COVID-19 de acordo com as particularidades de cada país6. Os países sulamericanos desenvolveram diretrizes voltadas aos cuidados odontológicos e protocolos de biossegurança7. No Brasil, as secretarias estaduais e municipais de saúde definiram seus regulamentos se baseado nas normas e protocolos do Ministério da Saúde8,9.
Essa crise sanitária gerou uma demanda acumulada de saúde bucal que se somou ao histórico de demandas reprimidas já existentes no país e evidenciou as desigualdades regionais4, configurando-se como um desafio para gestores públicos do Sistema único de Saúde (SUS). Dessa forma, há um acumulado de expectativas para os gestores, como a ampliação dos recursos humanos, físicos e equipamentos8, implementação de medidas abrangentes de prevenção e controle em cuidados odontológicos2, incorporação de novas práticas como a Teleodontologia10 e os procedimentos minimamente invasivos11.
Esse estudo parte do ineditismo que caracteriza o contexto de restrição/suspensão dos serviços odontológicos e da consequente necessidade de reorganização dos processos de trabalho para a atenção odontológica. No contexto de Minas Gerais, as catorze macrorregiões de saúde tiveram que passar por mudanças nos eixos de estrutura, educação, atendimento e readequação dos serviços durante a pandemia de COVID-1912. Assim, o objetivo desse estudo foi construir uma teorização sobre a gestão dos serviços de saúde bucal no contexto da pandemia de COVID-19, a partir dos significados produzidos pelos gestores de saúde bucal de municípios com serviços odontológicos primários e especializados.
Metodologia
Pesquisa qualitativa com o suporte teórico do Interacionismo Simbólico desenvolvida para responder à questão “Quais os significados produzidos pelos gestores de saúde bucal sobre a adequação da Rede de Atenção à Saúde Bucal (RASB) durante a Pandemia de COVID-19?”. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Uberlândia (CAAE 52461721.6.0000.5152; Protocolo de Aprovação: 5.064.667) e seguiu as recomendações Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ) para apresentação dos resultados.
Participaram do estudo profissionais que estavam em cargo de gestão e assessoramento dos serviços de saúde bucal há pelo menos dois anos em municípios que apresentavam serviços odontológicos primários e especializados, independentemente da categoria profissional. A amostra foi intencional, com convite aos gestores dos municípios-sede das macrorregiões de saúde e/ou cidades polo de Minas Gerais. O recrutamento realizou-se por meio de ligação telefônica para os números institucionais das prefeituras e, posteriormente, os convites foram enviados aos e-mails institucionais dos municípios. No primeiro, realizou-se a apresentação das credenciais da entrevistadora (cirurgiã-dentista atuante no SUS, especialista em gestão em saúde, mestre em saúde ambiental e saúde do trabalhador e doutoranda em odontologia) e foi informado que ela estava na assistência odontológica durante a pandemia. Após aceite no estudo, solicitou-se a resposta a um formulário on-line de caracterização dos profissionais (idade, sexo, escolaridade, tempo no cargo atual e vínculo profissional).
Para as entrevistas semiestruturadas, utilizou-se um roteiro elaborado pelos autores com base no referencial teórico. Esse roteiro abordou os temas: (1) Desafios para adequação da RASB com relação à gestão de pessoas; (2) Estratégias efetivamente implantadas pela RASB no atendimento às demandas da sociedade pela atenção odontológica; (3) Desafios políticos e financeiros enfrentados pela gestão em saúde bucal durante a pandemia da COVID-19; e (4) os direcionamentos prospectivos para o pós-pandemia. Foram realizadas duas entrevistas-piloto com ex-coordenadores de saúde bucal, que não foram incluídas na análise.
As entrevistas foram conduzidas de julho a dezembro de 2022 por uma única entrevistadora (L. A. S.), no formato on-line (vídeo conferência), gravadas em áudio e vídeo (câmera aberta). Após a entrevista, procedeu-se a transcrição dos dados coletados. Não houve devolução das entrevistas ou das análises para validação pelos entrevistados. A quantidade de entrevistas delimitou-se por saturação teórica13.
A análise de dados foi realizada por meio da Teoria Fundamentada de Dados. Para o processamento dos dados empíricos, a autora L. A. S. realizou a codificação aberta e axial, e com o auxílio das notas de campo foram construídos os memorandos. Esta etapa foi revisada pelo autor A.M.H. e discutida com L.A.S. em três rodadas consecutivas. A codificação seletiva foi realizada por L.A.S. e A.M.H e revisadas pela autora J.V.B. Por fim, os diagramas foram feitos para a análise das relações entre as categorias e a construção da categoria principal do estudo14.
Para a teorização foi assumido como referencial a Política Nacional de Humanização do SUS (PHN-SUS), que visa a comunicação horizontal entre trabalhadores, gestores e usuários do SUS e a produção coletiva da saúde pautada em relações afetuosas e humanizadas15. Nesse sentido, a teorização dos dados pautou-se na Tríplice Inclusão: 1) inclusão dos diferentes sujeitos (gestores, profissionais e usuários do SUS); 2) inclusão do coletivo (movimento social organizado ou experiência singular sensível); e 3) inclusão dos fenômenos que desestabilizam os modelos tradicionais de atenção e de gestão, produzindo tensionamentos nos processos de trabalho15,16.
Resultados e Discussão
Participaram do estudo nove gestores, todos cirurgiões dentistas, principalmente mulheres, com idade entre 40-59 anos e com Mestrado e/ou Especialização. A caracterização de cada gestor é apresentada no Quadro 1.
Quadro 1
As entrevistas tiveram uma duração total aproximada de 8 horas, sendo em média 53 minutos para cada uma, sem a necessidade de repetição de nenhuma delas. Dois gestores desistiram de participar do estudo no período de agendamento das entrevistas, pois não ocupavam mais o cargo de gestão. Após a análise dos dados empíricos emergiram 6 categorias, cujos códigos e discursos estão apresentados no Quadro 2.
Quadro 2. Discursos exemplificativos, códigos e categorias construídas a partir da análise dos dados qualitativos.
Quadro 2
A teorização sobre o processo de gestão dos serviços de saúde bucal durante a crise sanitária indicou que a insegurança e os questionamentos permitiram a horizontalização das relações entre gestores e profissionais de saúde bucal. Esse cenário foi modificado apenas com a publicação dos documentos técnicos e com a vacinação. Apesar dos gestores reconhecerem a Ouvidoria (ou a ausência de reclamações) como uma forma participação da população, não houve a efetiva inclusão dos usuários no processo decisório. A postura humanizada entre gestores e profissionais para retomada das atividades, viabilizada por meio de espaços de negociação, não pareceu se constituir como uma prática perene. Por outro lado, foi percebida a necessidade de aprimoramento constante para negociação e gestão de insumos, além da importância de buscar o reconhecimento da Odontologia.
A Figura 1 representa a integração das categorias pautada pela Tríplice Inclusão para a formação da teorização proposta no presente estudo.
Fig.1
“Você tinha que passar segurança para os profissionais, mesmo você sentindo muito medo”.
A primeira categoria parte da reflexão dos gestores sobre o self na fase inicial da crise sanitária, uma vez que eles (gestores) se sentiram no lugar do outro (profissionais da RASB) ao compartilharem da insegurança frente à Pandemia. Assim sendo, com início da crise sanitária, os gestores se mostraram compreensíveis com o risco de contaminação que os profissionais estavam expostos, uma vez que eles também estavam com medo. Entretanto, mesmo com insegurança os gestores tiveram que gerenciar os profissionais, expondo suas fragilidades e enfrentando questionamentos. Esse processo promoveu a desestabilização do modelo tradicional de gestão e da relação hegemônica entre gestor e trabalhadores. A crise sanitária, então, atuou como elementos preconizados pela PNH: a existência de fenômenos tensionadores das relações de trabalho16 que atuem na produção de relações afetuosas e humanizadas17.
Diferentemente de outros paises em que a assistência odontológica é predominantemente privada, no Brasil o cuidado saúde bucal é ofertado pelo sistema público de saúde18. Assim, com a suspensão dos atendimentos odontológicos eletivos, a estratégia brasileira foi atribuir à equipe de saúde bucal ações dos demais membros das equipes primárias de saúde19, como a vacinação, fast track, notificação e monitoramento dos casos de COVID-1920.
A reorientação dos trabalhadores para auxiliarem nos atendimentos relacionados à COVID-19 foi possível a partir do desenvolvimento de práticas colaborativas e o desenvolvimento de novas competências21,22. Essa atuação conjunta, próprias do modelo interprofissional, transcendeu a multiprofissionalidade habitualmente presente nos serviços de saúde, que se limitava ao compartilhamento do ambiente de trabalho23.
Contudo, essas atribuições adicionadas à equipe de saúde bucal constituíram-se em um desafio para os gestores, pois tiveram que lidar com o descontentamento dos profissionais. A resistência dos profissionais de saúde também foi observada na crise do Ebola (Senegal, 2014 a 2016), o que exigiu dos gestores o suporte para enfrentar os medos e engajá-los no enfrentamento da crise24. Mudanças nos processos de trabalho devem resultar da interação dos diferentes sujeitos envolvidos na produção da saúde para construir e propor as adequações necessárias25.
Fatores intervenientes do processo de gestão na Pandemia
A segunda categoria reflete sobre o self dos gestores emergente frente às normativas técnicas. A publicação das diretrizes oficiais e a vacinação trouxeram maior tranquilidade e segurança para os profissionais realizarem os atendimentos. Esses elementos redefiniram o ambiente percebido pelos gestores e modificaram a interação social deles com os profissionais de saúde. Pode-se indicar nesta categoria uma retomada do self mais próximo ao observado habitualmente, com uma gestão verticalizada.
Gestores altamente qualificados e documentos técnicos oficiais também foram apontados como elementos que tranquilizaram e engajaram os profissionais de saúde durante a epidemia do Ebola no Selegal24. Por outro lado, a falta de uma gestão qualificada pode comprometer a capacidade orientadora e a governança quando a intervenção é necessária26.
A aceitação de vacinas contra a COVID-19, também significou para os gestores um fator essencial para minimizar o medo e a insegurança. Estudos apontaram que a decisão de aderir à vacinação estava relacionada, principalmente, com o medo da exposição ao SARS-CoV-227,28, a confiança na eficácia das vacinas29 e na confiança nos Programas de Imunização26. Em contrapartida, as desconfianças sobre as vacinas advieram de informações não embasadas, divulgada nos veículos de comunicação e mídias sociais30.
Participação dos profissionais de saúde na gestão
Com possibilidade de retomada do cuidado em saúde bucal mais próximo ao cenário prévio à pandemia, s gestores atribuíram significados às posturas assumidas pelos profissionais, formando a terceira categoria. Aos profissionais que prontamente se dispuseram a retornar ao atendimento, os gestores atribuíram um comprometimento com o cuidado da população. Por outro lado, àqueles que demonstraram resistência, os gestores atribuíram um perfil de acomodação. Diante dessas posturas, os gestores assumiram uma gestão horizontalizada, criando espaços de diálogo e pactuações para o aumento gradativo do volume de atendimentos, percebendo-se como gestores compreensivos. Uma vez que o uso de dialogia e pactuações coletivas trouxeram resultados positivos, produziu-se um símbolo de compromisso com o cuidado por ambas as partes.
Esse momento dialógico encontra coerência com a PNH, no que a partir do tensionamento do processo de trabalho se pode produzir relações humanizadas15,16. A gestão em saúde abrange a capacidade de mediar conflitos, organizar as opiniões e os interesses dos trabalhadores e construir ambientes participativos para as tomadas de decisões17. Uma gestão verticalizada ocasiona falta de comprometimento e desmotivação dos profissionais31, o que pode comprometer o empenho e o engajamento necessários na execução dos serviços de saúde32.
No âmbito da PNH, advoga-se pela criação de espaços para decisões coletivas permanentes33, com a inclusão e de participação dos sujeitos envolvidos na produção da saúde em diferentes graus34, visando transformações reais e duradouras, diferentemente do modelo de gestão atual33. Assim, compreendeu-se que a crise sanitária foi cenário facilitador da horizontalização da relação entre gestores e trabalhadores. Contudo, não foram produzidos significados que indicariam a manutenção desse modelo. Estudo também realizado no estado de Minas Gerais já havia um apontamento para uma verticalização da gestão em saúde bucal35.
“A população parece que entendeu mais que os profissionais”
A quarta categoria foi formada pelos significados atribuídos pelos gestores às posturas da população. Apesar de existirem pacientes que não aceitaram as desmarcações do serviço, ao que foi atribuído um símbolo negacionista, o comportamento predominante da população foi não procurar as unidades de saúde. Ao interpretarem esse comportamento, os gestores geraram significados de conformidade e compreensão. Para os gestores, então, não procurar as unidades de saúde representou o entendimento das limitações do momento, resultado confirmado pelas poucas manifestações na Ouvidoria.
Ao analisar a relação entre gestão e população, cuja estratégia proposta pela PNH é o fortalecimento das instâncias de controle e participação popular36, compreendeu-se que os gestores reconheceram a Ouvidoria como elemento a ser considerado pela gestão, mas não buscaram incluir a população na tomada de decisão.
A gente teve que se transformar, se reestruturar, se reorganizar
Na quinta categoria, analisou-se como a desestabilização do modelo tradicional de gestão exigiu dos gestores a otimização de habilidades e a aquisição de novos conhecimentos sobre os processos gerenciais. Essa redefinição do ambiente promoveu uma reflexão sobre si mesmo como gestor, modificando o self. O principal significado atribuído a esse processo foi o de incompletude e a necessidade de sair da zona de conforto (modificar o self anterior à pandemia).
Apesar de ser esperado que gestores tenham a capacidade de responder de forma eficiente em contextos desfavoráveis37, a COVID-19 exigiu um elevado nível de reorganização estratégica das redes de atenção à saúde. Tornou-se necessário que os gestores coordenassem seus serviços mediante a definição de novos fluxos e protocolos38 de forma integral e resolutiva. Assim, foram adquiridos aprendizados relativos à ordenação, integração e fortalecimento dos sistemas de saúde e do compromisso político com a garantia de recursos39.
“A Odontologia tem que evoluir igual os outros, tem que andar lado a lado e não atrás”
A sexta categoria traz o significado que os gestores atribuíram à Odontologia, compreendendo-a como pouco reconhecida e com necessidade dessa maior valorização, significado que emergiu da integração no trabalho de outros profissionais. Também foram atribuídos símbolos que se referem à incompletude da Odontologia (necessidade de ampliação da rede e do melhor direcionamento de recursos).
A saúde bucal ainda é periférica nos espaços interfederativos e nas discussões sociais40. Deseja-se uma maior representatividade política nas instâncias decisórias, a fim de alcançar uma rede menos fragmentada e incipiente41. Faz-se necessário, também, o fortalecimento dos mecanismos político-institucionais para a efetiva integração da RASB40.
Como limitações do presente estudo tem-se a realização das entrevistas em formato remoto (on-line). Apesar das entrevistas terem sido realizadas por videochamadas, o que reduz a captação da linguagem não verbal, o cenário da pandemia e a inclusão de gestores de diferentes regiões fez com que essa estratégia fosse adotada. Além disso, o curto tempo de atuação no cargo de gestão e assessoramento pode ter limitado os símbolos e significados atribuídos às adequações para o enfrentamento da crise sanitária. Contudo, acredita-se que os resultados sejam apropriados à realidade de troca de gestores a cada ciclo político. Futuros estudos poderão focar em gestores com mais tempo de atuação nos cargos de gestão e assessoramento, além de avançar sobre os significados atribuídos à relação entre a gestão e a população.
Conclusão
A análise dos significados produzidos por gestores da saúde bucal durante um momento de crise sanitária possibilitou criar uma teorização de que fenômenos que desestabilizam os modelos tradicionais, como proposto para inclusão pela PNH e concretizados no cenário como a Pandemia da COVID-19, têm o potencial de transformar as relações, pois promovem modificações no self dos gestores, que foram traduzidos em interações horizontalizadas de gestão. Contudo, alguns elementos como os documentos técnicos e a vacinação trouxeram conforto aos gestores e possibilitaram, em parte, a retomada de um self de uma gestão verticalizada. Assim, os aprendizados desse período não foram relacionados às mudanças no modelo de gestão, mas, sim, com a necessidade de colocar-se em movimento para a aquisição de conhecimentos de planejamento, licitações e orçamento público. Além disso, os gestores apontaram para a necessidade de uma maior visibilidade da Odontologia. Na relação com a população, os gestores têm as Ouvidorias como espaços de participação popular, mas formas de participação efetiva da comunidade não foram consideradas. Por fim, compreendeu-se que os gestores buscam o avanço da gestão da saúde bucal, através do reconhecimento político-institucional, mas não há empenho pelo reconhecimento social da Odontologia nos serviços públicos de saúde.
Referências
Referências
1. Carrer FCA, Galante ML, Gabriel M, Pischel N, Giraldes AI, Neumann A, et al. A COVID-19 na América Latina e suas repercussões para odontologia. Rev Panam Salud Publica [Internet]. 2020;44:e66. Disponível em: https:// doi.org/10.26633/RPSP.2020.66
2. Guo H, Zhou Y, Liu X, Tan J. The impact of the COVID-19 epidemic on the utilization of emergency dental services. J Dent Sci [Internet]. 2020;15(4):564-567. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.jds.2020.02.002.
3. Xavier TB, Barbosa GM, Silva BBP da, Daroz BG, Pereira Y dos S, Neto NC, Pontes HAR. Protocolo de Tratamento Odontológico na Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial no Contexto do COVID-19. Braz. J. Hea. Ver [Internet]. 2020;3(3):4484-500. Disponível em: https://doi.org/10.34119/bjhrv3n3-047.
4. Cunha AR da, Velasco SRM, Hugo FN, Antunes JLF. The impact of the COVID-19 pandemic on the provision of dental procedures performed by the Brazilian Unified Health System: a syndemic perspective. Rev bras epidemiol [Internet]. 2021;24:e210028. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1980-549720210028
5. Santos LP de S, Lima AMF de S, Chaves SCL, Vilela DMOC, Valente APPC, Rossi TRA. Política de Saúde Bucal no Brasil: transformações e rupturas entre 2018-2021. Ciênc saúde coletiva [Internet]. 2023;28(5):1575–87. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1413-81232023285.14002022
6. Aguirre R; Chu A; Quezada C. Análisis desde la academia del impacto en las dimensiones salud y economía por el COVID-19 en el Ecuador [Internet] .1 ed. Equador. 2023. Disponível em: http://doi.org/10.48190/9789942241689
7. Cruz-Fierro N, Borges-Yáñez A, Duarte PCT, Cordell GA, Rodriguez-Garcia A. COVID-19: the impact on oral health care. Ciênc saúde coletiva [Internet]. 2022;27(8):3005–12. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1413-81232022278.03522021
8. Chisini LA, Sartori LRM, Costa FS, Salvi LC, Demarco FF. COVID-19 pandemic impact on paediatric dentistry treatments in the Brazilian Public Health System. Int J Paediatr Dent [Internet]. 2020;31(01):31-34. Disponível em: https://doi.org/10.1111/ipd.12741
9. Chisini LA, Costa FS, Sartori LRM, Corrêa MB, D'Avila OP, Demarco FF. COVID-19 Pandemic impact on Brazil's Public Dental System. Braz Oral Res [Internet]. 2021;35:e082. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1807-3107bor-2021.vol35.0082
10. Ostrc T, Pavlovi? K, Fidler A. Urgent dental care on a national level during the COVID-19 epidemic. Clin Exp Dent Res [Internet]. 2021;7(3):271-8. Disponível em: https://doi.org/10.1002/cre2.383
11. BaniHani A. Gardener C, Procida Raggio D, Santamaria RM, Albadri S. Could COVID-19 change the way we manage caries in primary teeth? Current implications on Paediatric Dentistry. Int J Pediatr Dent [Internet]. 2020 set;30(5):523-5. Disponível em: https://doi.org/10.1111/ipd.12690
12. Minas. Secretaria Estadual de Saúde. Nota Técnica nº 68 de 20 de julho de 2020. Orientações para o atendimento odontológico no cenário de enfrentamento da COVID-19.2020 [Internet]. Acesso em: 24 de abril de 2021. Disponível em: https://coronavirus.saude.mg.gov.br/images/profissionais-e-gestores/23-07_Nota-Tecnica-COES-MINAS-COVID-19-N68.pdf.
13. Fontanella BJB, Ricas J, Turato ER. Amostragem por saturação em pesquisas qualitativas em saúde: contribuições teóricas. Cad Saúde Pública. 2008;24(1):17–27. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0102-311X2008000100003
14. Strauss A, Corbin J. Técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de Teoria Fundamentada. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2008.
15. Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Humanização, PNH.1?edição, 1?reimpressão. Brasília, 2013.
16. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização. HumanizaSUS: Documento base para gestores e trabalhadores do SUS. 4. ed. 4. reimp. - Brasília, 2010.
17. Pacheco JMC, Gomes R. Tomada de decisão e alta administração: a implantação de projetos de mudança de gestão da clínica em hospitais do SUS. Cienc. Saúde Col [Internet]. 2016; 21(8):2485-95. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1413-81232015218.20012015
18. Chaves SCL, Almeida AMFL, Reis CS, Rossi TRA, Barros TRA. Política de Saúde Bucal no Brasil: as transformações no período 2015-2017. Saude Debate 2018; 42(n. esp. 2):76-91. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0103-11042018s206
19. Medeiros MR de S, Medeiros MR de S, Borges REA, Soares A de A, Silva JA da. Prevention and control of COVID-19 in Primary Health Care: Recommendations for health professionals. RSD [Internet]. 2021;10(6):e58510616173. Disponível em: https://doi.org/10.33448/rsd-v10i6.16173
20. Carletto AF, Santos FF dos. A atuação do dentista de família na pandemia do COVID-19: o cenário do Rio de Janeiro. Physis. 2020;30(3):e300310. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0103-73312020300310
21. Organização Mundial Da Saúde (OMS). Marco para ac?a?o em educac?a?o interprofissional e pra?tica colaborativa. Genebra: OMS, 2010 [Internet]. Acesso em: 20 out. 2022. Disponível em: https://untref.edu.ar/uploads/Marco%20formacion%20interprofesional%20OMS-portugues.pdf.
22. Hessel T, Dallegrave D, Alvarenga LFC. Interprofissionalidade, Ensino E Assistência Em Saúde Na Pandemia De Covid-19: Tempo Perdido Ou De Aprendizado?. Cenas Educacionais [Internet]. 2023;6(e16598):1-29. Acesso em: 20 jun 2024. Disponível em: https://www.revistas.uneb.br/index.php/cenaseducacionais/article/view/16598/11907
23. Peduzzi M. O SUS é interprofissional. Interface [Internet]. 2016;20(56):199–201. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1807-57622015.0383.
24. Abdoulaye B, Moussa S, Daye K, Boubakar BS, Cor SS, Idrissa T, et al. Experience on the management of the first imported Ebola virus disease case in Senegal. Pan Afr Med J [Internet]. 2015;22(Suppl 1):6. Disponível em: https://doi.org/10.11604/pamj.supp.2015.22.1.6109
25. Ferreira LR, Artmann E. Discursos sobre humanização: profissionais e usuários em uma instituição complexa de saúde. Ciênc saúde Coletiva [Internet]. 2018;23(5):1437–50. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1413-81232018235.14162016
26. Pereira Júnior N, Campos GW de S. O apoio institucional no Sistema Único de Saúde (SUS): os dilemas da integração interfederativa e da cogestão. Interface [Internet]. 2014;18:895–908. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1807-57622013.0424
27. Dzieciolowska S, Hamel D, Gadio S, Dionne M, Gagnon D, Robitaille L, et al. COVID-19 vaccine acceptance, hesitancy, and refusal among Canadian healthcare workers: A multicenter survey. Am J Infect Control [Internet]. 2021;49(9):1152-1157. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.ajic.2021.04.079
28. Wang H, Huang YM, Su XY, Xiao WJ, Si MY, Wang WJ, et al. Acceptance of the COVID-19 vaccine based on the health belief model: a multicenter national survey among medical care workers in China. Hum. vaccin. Immunother [Internet]. 2022; 18(5):2076523. Disponível em: https://doi.org/10.1080/21645515.2022.2076523
29. Skirrow H, Barnett S, Bell S, Riaposova L, Mounier-Jack S, Kampmann B, et al. Women's views on accepting COVID-19 vaccination during and after pregnancy, and for their babies: a multi-methods study in the UK. BMC Pregnancy Childbirth [Internet]. 2022; 22(33):1-15. Disponível em:.https://doi.org/10.1186/s12884-021-04321-3
30. AlJamaan F, Temsah MH, Alhasan K, Alenezi S, Alhaboob A, Alrabiaah A, et al. SARS-CoV-2 variants and the global pandemic challenged by vaccine uptake during the emergence of the Delta variant: A national survey seeking vaccine hesitancy causes. J Infect Public Health [Internet]. 2022;15(7):773-780.Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.jiph.2022.06.007
31. Andraus SHC, Ferreira RC, Amaral JHL do, Werneck MAF. Organization of oral health actions in primary care from the perspective of dental managers and dentists: process of work, planning and social control. RGO, Rev Gaúch Odontol [Internet]. 2017;65(4):335–43. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1981-863720170002000083354
32. Flôres GM da S, Weigelt LD, Rezende MS de, Telles R, Krug SBF. Gestão pública no SUS: considerações acerca do PMAQ-AB. Saúde debate [Internet]. 2018;42(116):237–47. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0103-1104201811619
33. Doricci GC, Guanaes-Lorenzi C. Aspectos contextuais na construção da cogestão em Unidades Básicas de Saúde. Saúde debate [Internet]. 2020;44(127):1053-65. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0103-1104202012708
34. Amorim AC de. The SUS' National Humanization Policy (PNH): the word as "gift" in the subjectification of health care and management. RSD [Internet]. 2020;9(12):e46391211370. Disponível em: https://doi.org/10.33448/rsd-v9i12.11370
35. Pinheiro EL, Vasconcelos M, Gomes VE, Mattos F de F, Andrade CPS, Amaral JHL. Teorização sobre os limites à inserção da saúde bucal na Estratégia Saúde da Família. Ciênc saúde coletiva. 2023;28(4):1139–50. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1413-81232023284.12502022
36. Scherer CI, Scherer MD dos A. Advances and challenges in oral health after a decade of the "Smiling Brazil" Program. Rev Saúde Pública [Internet]. 2015;49. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0034-8910.2015049005961
37. Santos AO, Lopes LT, organizadores. Planejamento e gestão. Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS): 2021 [Internet]. Acesso em: 10 abr. 2023. Disponível em: https://www.conass.org.br/biblioteca/volume-2-planejamentoe-gestao/
38. Vasques JR, Peres AM, Straub M, Souza TL. Organização dos sistemas de saúde no enfrentamento à covid-19: uma revisão de escopo. Rev Panam Salud Publica [Internet]. 2023;47:e38. Disponível em: https://doi.org/10.26633/RPSP.2023.38.
39. World Health Organization (WHO). Maintaining essential health services: operational guidance for the COVID-19 context. WHO: 2020 [Internet]. Acessado em 15 de abril de 2021. Disponível em: https://www.who.int/publications/i/item/WHO-2019-nCoV-essential-health-services-2020.
40. Pimentel BV, Carvalho BG, Caldarelli PG, Domingos CM. Atores, espaços e instrumentos de governança na Rede de Atenção à Saúde Bucal. Interface [Internet]. 2021;25:e210286. Disponível em: https://doi.org/10.1590/interface.210286
41. Bretas Júnior NB, Shimizu HE. Reflexões teóricas sobre governança nas regiões de saúde. Cienc Saude Colet [Internet]. 2017; 22(4):1085-95. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1413-81232017224.30532016