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Artigos

0330/2024 - TRANSTORNOS MENTAIS COMUNS EM ADULTOS E IDOSOS DURANTE A PANDEMIA DE COVID-19: Estudo transversal – EpiCOVID-Piauí, 2022.
COMMON MENTAL DISORDERS IN ADULTS AND THE ELDERLY DURING THE COVID-19 PANDEMIC: Cross-sectional study – EpiCOVID-Piauí, 2022

Autor:

• Vanessa da Silva do Nascimento - Nascimento, V.S - <vanessanascimentox10@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5404-0134

Coautor(es):

• Márcio Dênis Medeiros Mascarenhas - Mascarenhas, M.D.M - <mdm.mascarenhas@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5064-2763

• Paulo Víctor de Lima Sousa - Sousa, P.V.L - <paulovictor.lima@hotmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1486-0661

• Bruna Grazielle Mendes Rodrigues - Rodrigues, B.G.M - <mendesbrunag@hotmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0190-4138

• Poliana Cristina de Almeida Fonseca Viola - Viola, P.C.A.F - <polianafonseca.nutri@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8875-5154

• Karoline de Macêdo Gonçalves Frota - Frota, K.M.G - <karolfrota@ufpi.edu.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9202-5672



Resumo:

Com o objetivo de analisar a prevalência de transtornos mentais comuns (TMC) em adultos e idosos em Teresina, Piauí, realizou-se inquérito de base domiciliar (EpiCOVID-Piauí), de março a novembro de 2022, incluindo adultos e idosos. O desfecho TMC foi analisado segundo variáveis sociodemográficas, situação de saúde, consumo alimentar e estilo de vida. A prevalência de TMC foi de 31,3% (IC95% 27,9-34,9), associada a sexo feminino (RP= 3.77; IC95% 1,40-10,12) e consumo regular de bebidas alcoólicas (RP= 4.54; IC95% 1,16-17,8). Um terço da população do estudo apresentou TMC, com maior prevalência no sexo feminino entre quem relatou consumo regular de bebida alcoólica. A adoção de comportamentos saudáveis, como mudanças de estilo de vida, são recomendações sugeridas para atenuar possíveis impactos da pandemia em relação aos TMC, refletindo, uma readaptação na vida pessoal e social dos indivíduos no pós-pandemia.

Palavras-chave:

covid-19; transtorno mental comum; hábito alimentar; consumo alimentar; atividade física.

Abstract:

Aiming to analyze the prevalence of Common mental disorders (CMD) in adults and elderly people in Teresina, Piauí, a home-based survey (EpiCOVID-Piauí) was carried out from March to November of 2022, including groups of adults and elderly people. The CMD outcome was assessed according to sociodemographic variables, health status, food consumption and lifestyle. The predominance of CMD was numbered in 31.3% (95%CI 27.9-34.9), associated with female gender (RP= 3.77; 95%CI 1.40-10.12) and regular consumption of alcoholic beverages (RP= 4.54; 95%CI 1.16-17.8). One third of the study population had CMD, with a higher prevalence in females, among those who reported regular alcohol consumption. The espousal of healthy habits, such as lifestyle changes, are recommendations addressed to mitigate possible impacts of the pandemic in relation to CMD, reflecting a readjustment in personal and social lives of individuals in post-pandemic.

Keywords:

covid-19; common mental disorders; food habit; food consumption; physical activity

Conteúdo:

INTRODUÇÃO
No final do ano de 2019, a Organização Mundial de Saúde (OMS) foi alertada sobre o surgimento de uma nova variação de coronavírus (denominada mais tarde de covid-19), até então nunca identificada em seres humanos, na cidade de Wuhan, na China. Um mês depois a OMS declarou que o surto causado pelo novo vírus (SARS-CoV-2) constituía uma emergência de mais alto nível de alerta para a Saúde Pública, sendo de importância internacional 1.
Em virtude da inexistência de medidas preventivas em um primeiro momento, umas das ações com maior taxa de adesão pela maioria da população, foi o isolamento social, como sendo a forma mais eficiente para o achatamento da curva epidêmica de contaminação por covid-19. Contudo, observou-se que esse distanciamento entre as pessoas e as incertezas com relação ao futuro trouxeram fortes impactos para a vida da população, apresentando potenciais repercussões clínicas e comportamentais 2.
Além do medo de adquirir a covid-19, a doença provocava a sensação de insegurança em vários aspectos da vida, sendo importante dizer que, no que se refere à saúde mental, as sequelas de uma pandemia são preocupantes, tendo em vista a gravidade de suas repercussões na saúde da população3. Estudos demonstram que pessoas em isolamento social podem experimentar sentimentos e emoções negativas. Ademais, tem-se que, a população, de modo geral, por estar exposta ao risco de contaminação pelo novo coronavírus, compartilhava dos mesmos sentimentos, tornando-se mais vulnerável para o desenvolvimento de problemas relacionados à saúde mental 4.
Além disto, outro campo influenciado pela pandemia da covid-19, foi o consumo alimentar. Visto que com o fechamento de bares, restaurantes e a maior permanência das pessoas nos domicílios, aliado ao estresse causado pelo isolamento e distanciamento social, observou-se um crescimento tanto no volume de compras de alimentos prontos para o consumo (ultraprocessados), os quais apresentam maior durabilidade e maior facilidade de preparo/consumo, como na ingestão de alimentos ricos em açúcar e gorduras, que atuam positivamente no humor 2;5.
Em relação aos estilos de vida, variável importante na saúde e bem-estar das pessoas, observou-se que a prática de atividade física, no contexto da pandemia, se tornou um desafio. A restrição social levou a redução do comportamento ativo e, em contrapartida, um aumento de comportamentos sedentários, afetando negativamente a qualidade de vida das pessoas 6.
Nesta perspectiva, acredita-se que a emergência da covid-19 mudou drasticamente a vida da população, uma vez que sentimentos de medo, incertezas, estresse e o distanciamento social possam ter contribuído para um impacto negativo na saúde mental e nos estilos de vida da população, tornando necessária essa investigação, a fim de compreender o impacto psicossocial da crise global na saúde mental da sociedade. Com isso, embora tenha sido realizado outros inquéritos na pandemia, este é o primeiro estudo domiciliar que aborda a prevalência de TMC e a associação com fatores sociodemográficos, econômicos, situação de saúde, estilo de vida e consumo alimentar durante a pandemia de covid-19 na cidade de Teresina-PI, contribuindo de forma relevante para a identificação de grupos de maior risco para TMC, o que permite direcionar ações preventivas de forma mais eficaz e orientar intervenções específicas para mitigar os efeitos adversos da pandemia na saúde mental. Além disso, contribui com o avanço do conhecimento nessa área, fornecendo dados para a realização de futuras pesquisas bem como para a elaboração de políticas públicas, alocação de recursos e criação de medidas de intervenção no contexto pós pandêmico.
Assim, o objetivo deste estudo foi analisar a prevalência de transtornos mentais comuns em adultos e idosos em Teresina, capital do Piauí em 2022.

MÉTODOS
Trata-se de um estudo transversal analítico, de base populacional, domiciliar, e que integra uma pesquisa mais ampla, conduzida por meio de um inquérito sorológico seriado, em todo o Estado do Piauí, denominada “Inquérito sorológico de infecção pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2) e fatores associados em diferentes grupos etários - EpiCOVID-Piauí”.
O presente estudo refere-se aos dados coletados no munícipio de Teresina, capital do estado do Piauí, cuja população foi estimada em 868.075 mil habitantes, 957 setores e 210.093 domicílios. A população do estudo foi composta por pessoas a partir de 20 anos de idade e residentes em domicílios particulares permanentes da zona urbana de Teresina.
Foi adotado o processo de amostragem por conglomerado em três estágios, no qual foram sorteados os setores censitários (primeiro estágio), as quadras (segundo estágio) e os domicílios de cada quadra sorteada (terceiro estágio). Em seguida foi sorteado os domicílios a serem visitados. A seleção dos setores censitários foi realizada por meio de amostragem com probabilidade proporcional ao tamanho do conglomerado, medido pelo número de domicílios particulares permanentes, a partir da malha de setores censitários de 2019, elaborada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística para todo o território brasileiro (IBGE, 2019). Em Teresina foram sorteados 50 setores.
Os setores censitários foram ordenados segundo código do IBGE. Setores com mais ou menos 2 desvios-padrões (DP) em relação à média de domicílios foram divididos ou agrupados, respectivamente, respeitando-se a continuidade desses setores na cidade de Teresina.
Para estimar a prevalência de infectados por SARS-COV-2 no Estado do Piauí, o tamanho amostral para cada domínio foi calculado na plataforma OpenEpi® por meio da equação:
n = [EDFF*Np(1-p)]/[(d2/Z21-?/2*(N-1)+p*(1-p)]
Sendo N=tamanho da população de cada domínio; p=prevalência de infectados estimada em 50%; EDFF=efeito de desenho por conglomerado igual a 2,0; d=erro tolerável de 4,5%; e Z=escore padrão de distribuição normal de 1,96 (delimita 95% do nível de confiança). Assim, o número mínimo para compor a amostra, após os ajustes, foi de 950 indivíduos.
O percentual de perdas devido a recusas e existência de domicílios fechados durante as visitas (no domínio Teresina) foi de 36,1%, o que foi compensado com o acréscimo de domicílios sorteados, não comprometendo o tamanho mínimo da amostra.
Em cada setor censitário/agrupamento de setores, foram sorteadas duas quadras a partir de amostragem com probabilidade proporcional ao tamanho. Em cada quadra, foram sorteados seis domicílios, totalizando 600 unidades domiciliares a serem visitadas.
Nos setores censitários selecionados foi realizado o arrolamento dos setores previamente à visita aos domicílios sorteados. Em cada domicílio amostrado, todos os moradores foram convidados a participar do estudo. Caso um dos moradores estivesse ausente por ocasião da visita, o entrevistador retornaria ao domicílio em data e horário agendado e se, mesmo assim, o morador estivesse ausente na data e horário agendado, ele seria excluído da pesquisa. Em caso de recusa do domicílio como um todo, outros domicílios, já previamente listados (domicílios reserva), foram inseridos na amostra.
Foram incluídos indivíduos adultos (20 a 59 anos) e idosos (? 60 anos), residentes na área urbana e em domicílios particulares, localizados no município de Teresina-PI. Foram excluídos indivíduos que residiam na área rural, em domicílios coletivos e que possuíam alguma incapacidade e/ou deficiência que dificultasse a aplicação do questionário, como incapacidade cognitiva.
A detecção de transtornos mentais comuns (TMC) foi a variável dependente. As variáveis independentes foram: sexo, faixa etária, raça, escolaridade, estado civil, renda familiar, atividade remunerada, IMC, situação de saúde, ingestão de bebidas alcóolicas, tabagismo, consumo alimentar e prática de atividade física.
Os dados foram coletados no período de março a novembro de 2022, por meio de um formulário digital padronizado, usando o programa EpiCollect 5® instalado em tablets. Os entrevistadores eram profissionais de saúde, alunos de graduação e pós-graduação da área de saúde, previamente submetidos a capacitação de 80 horas durante duas semanas.
O primeiro formulário era composto por perguntas relativas aos dados sociodemográficos, econômicos e ocupacionais do entrevistado. Para a avaliação da saúde mental, durante a pandemia por covid-19 (desde março de 2020), foi utilizado o questionário Self Report Questionnaire (SRQ- 20) desenvolvido por Harding 7 e validado em São Paulo 8, que buscou identificar a presença de TMC, com respostas objetivas (sim ou não). A prevalência de TMC foi estimada mediante o número de respostas positivas para os sintomas. O ponto de corte para a classificação de casos suspeitos de TMC se deu quando 8 ou mais itens foram positivos8.
Para a avaliação da prática de atividade física, foram considerados suficientemente ativos os indivíduos que reportarem um mínimo de 150 minutos de atividade física por semana, segundo os critérios da WHO 9. Com relação ao comportamento sedentários, foi avaliado a mediana (percentil 50) das horas dispendido diante da TV e do computador/tablete/celular no tempo livre, durante a pandemia por covid-19, de forma que foi considerado adequado o tempo abaixo da mediana e, excessivo, o tempo acima da mediana.
Os dados sobre ingestão de bebida alcoólica durante a pandemia foram coletados por meio da resposta à pergunta: “Durante a pandemia (desde março/2020), em quantos dias da semana você costumava ingerir bebida alcoólica?” com respostas do tipo “Não consome”, “Um dia”, “De 2 a 4 dias” e “5 dias ou mais”. Do mesmo modo, os dados sobre tabagismo foram obtidos por meio da pergunta: “Durante a pandemia (desde março/2020), quantos cigarros você passou a fumar por dia?”, com respostas do tipo “Não fuma”, “De 1 a 19 cigarros por dia” e “20 ou mais cigarros por dia”, categorizados em “Sim” e “Não”.
Com relação a avaliação do consumo alimentar foi utilizado um questionário simplificado, que é uma adaptação dos instrumentos utilizados na ConVid, pesquisa de comportamentos, conduzida pela Fundação Instituto Oswaldo Cruz - Fiocruz 2 e na Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), do IBGE 10.
O instrumento da ConVid foi utilizado como base para a construção do presente questionário. Contudo, devido à ausência de algumas classes importantes de alimentos, houve a necessidade de verificar o instrumento utilizado na POF e acrescentar alimentos como: suco de fruta natural, arroz e macarrão, cereais e pães, embutidos processados, biscoito salgado, sorvetes, gelatinas, pudim e bebidas açucaradas; a fim de que a lista ficasse mais completa. De forma que o questionário indagou aos participantes sobre a indicação do consumo de determinados alimentos: “Durante a pandemia da covid-19 (desde março/2020) você passou a consumir esses alimentos em quantos dias da semana?”.
Para essas questões, foram apresentadas as seguintes opções de alimentos: vegetais; frutas; suco de fruta natural; feijão e outras leguminosas; arroz e macarrão; cereais, pão francês/pão massa fina da padaria; pão de forma, pão doce, pão bisnaguinha, pão de cachorro quente ou pão de hambúrguer (pacote); leites e derivados; ovos; carne vermelha; frango; peixe; embutidos processados; alimentos congelados prontos; lanches do tipo fast food; salgadinhos “de pacote”; biscoito salgado; chocolates, sorvetes, gelatinas, biscoitos doces, pudim, bolos doces com recheio ou outras sobremesas industrializadas; achocolatado; refrigerante e suco artificial. As alternativas de resposta para cada opção foram: 5 dias ou mais, de 2 a 4 dias, um dia ou não consome.
Para fins de análise, os alimentos foram agrupados nas seguintes variáveis: FVL (vegetais, frutas e suco de frutas naturais); feijão e outras leguminosas; grupo dos cereais; leites e derivados; ovos; carne vermelha; carnes brancas (frango e peixe); AUP (pão de forma, pão doce, pão de cachorro-quente ou de hambúrguer (em pacote), embutidos processados, alimentos congelados prontos, lanches do tipo fast food, salgadinhos “de pacote”, biscoito salgado, chocolates, sorvetes, gelatinas, biscoitos doces, pudim, bolos doces com recheio ou outras sobremesas industrializadas, achocolatado, refrigerante e suco artificial).
Com base nas respostas dadas pelos participantes, para alimentos saudáveis (vegetais; frutas; suco de fruta natural; feijão e outras leguminosas; arroz e macarrão; cereais, pão francês/pão massa fina da padaria; leites e derivados; ovos; carne vermelha; frango; peixe), foi considerado como consumo regular o consumo de 5 ou mais dias da semana. Para alimentos não saudáveis (pão de forma, pão doce, pão bisnaguinha, pão de cachorro quente ou pão de hambúrguer (pacote) embutidos processados; alimentos congelados prontos; lanches do tipo fast food; salgadinhos ”de pacote”; biscoito salgado; chocolates, sorvetes, gelatinas, biscoitos doces, pudim, bolos doces com recheio ou outras sobremesas industrializadas; achocolatado; refrigerante e suco artificial), foi considerado como inadequado o consumo em 2 ou mais dias na semana, tendo em vista não ser recomendado o consumo desses alimentos em qualquer quantidade 2.
Os dados coletados foram organizados no Excel®, em forma de planilha, para cálculos de percentuais e elaboração de tabelas. Ademais, as análises dos dados foram realizadas no software Stata® (Statacorp, College Station, Texas, USA), versão 14, utilizando-se o módulo survey, considerando análise de dados para amostra complexas. O modelo de análise do estudo contou com análise bivariável e multivariável.
Para a análise dos dados, primeiramente, foi utilizado o método rake para construção dos pesos de pós-estratificação em cada região (capital e interior), de forma que a distribuição da amostra após a ponderação fosse idêntica à da população11. Para tanto, foram utilizadas estimativas da população residente, segundo sexo, faixa etária e escolaridade máxima do domicílio, a partir de dados do quarto trimestre da PNAD Contínua de 2022, realizada pelo IBGE12.
Utilizou-se o teste qui-quadrado de Pearson para avaliar a associação entre as variáveis independentes e presença de TMC. Calculou-se a estimativa de prevalência da TMC e a razão de prevalência (RP) com intervalo de confiança de 95% (IC95%) por meio da regressão de Poisson, para medir a força de associação entre as variáveis de estudo com a presença TMC. Foram estimadas as RP brutas e ajustadas por faixa etária, sexo, estado civil, renda e presença de sequelas de Covid-19. O nível de significância adotado para os testes foi de p < 0,05.
Esta pesquisa faz parte do projeto EpiCOVID-Piauí, o qual foi aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), da Universidade Federal do Piauí (UFPI), sob o parecer Nº 4.644.991 e CAEE: 42625321.7.0000.5214. Todos os participantes foram informados quanto aos objetivos da pesquisa, podendo, inclusive, solicitar sua desistência a qualquer momento. Após aceitarem participar do estudo, os indivíduos foram convidados a assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para fazer parte da amostra.

RESULTADOS
Participaram do estudo 833 indivíduos, sendo 614 adultos e 219 idosos. Observou-se que a maioria era do sexo feminino (56,2%), de raça parda (65,4%), com escolaridade até o ensino superior (39,8%) e sem companheiro (51,9%). Em relação aos dados socioeconômicos, a maioria tinha renda a partir de dois salários mínimos (56,7%), com atividade remunerada antes da pandemia de covid-19 (58,6%) e sem desemprego durante a pandemia (59,1%). Quanto ao estado nutricional, a maioria apresentou excesso de peso durante a pandemia de covid-19 (58,9%).
Ao verificar as caraterísticas sociodemográficas dos participantes por faixa etária, observou-se proporções estatisticamente significativas maiores na raça parda em idosos (p=0,005), ensino superior em adultos (p<0,001), estado civil “com companheiro” em idosos ((p<0,001), renda ?2 salários mínimos em idosos (p=0,023) e atividade remunerada antes da pandemia Covid-19 em adultos (p<0,001) A prevalência total de TMC foi de 31,3%, variando de 33,6% em adultos a 22,3% em idosos (Tabela 1).
A prevalência de TMC em mulheres foi 3,77 vezes (RP: 3,77; IC95%: 1,40-10,12) a observada no sexo masculino (Tabela 2).
A soroprevalência total de covid-19 foi aproximadamente 37% na população estudada. Indivíduos que não apresentaram sintomas ou sequelas após a covid-19 apresentaram prevalência de TMC 42% menor quando comparados aos que tiveram sequelas ou sintomas após a Covid-19 (RP: 0,58; IC95%: 0,36-0,94), na análise bruta. Além disso, indivíduos que não tiveram as atividades diárias limitadas pelos sintomas/sequelas da covid-19 também apresentaram prevalência de TMC 50% menor em relação aos indivíduos que tiveram limitações das atividades diárias devido a covid-19 (RP: 0,50; IC95%: 0,30-0,84), após ajustes (Tabela 3).
A Tabela 4 apresenta a prevalência de TMC segundo as características de estilo de vida durante a pandemia da covid-19. Contudo, apenas o álcool apresentou associação estatisticamente significativa, após os ajustes, de modo que os indivíduos que consumiam bebidas alcóolicas, em 5 dias ou mais na semana, apresentaram prevalência de TMC 4,54 vezes a observada entre os que não consumiam tais bebidas (RP: 4,54; IC95%: 1,16-17,8).
A Tabela 5 apresenta a prevalência e razão de prevalência de TMC segundo consumo alimentar. Observou-se associação estatisticamente significativa entre o consumo de Frutas, Verduras e Legumes (FVL) e TMC. De forma que os indivíduos que consumiam FVL de 1 a 4 dias por semana apresentaram prevalência de TMC 65% menor (RP: 0,35; IC95%: 0,14-0,86) em relação aos que que não consumiam FVL, após o ajuste.
A prevalência de TMC em pessoas que consumiam leite e derivados em 5 ou mais dias foi 39% (RP: 0,61; IC95%: 0,40-0,91) menor em relação ao grupo que não consumia esse grupo alimentar. Ademais, observou-se associação estatisticamente significativa entre o consumo de ovos durante 1 a 4 dias na semana e TMC. A prevalência de TMC foi 48% (RP: 0,52; IC95%: 0,28-0,98) menor nesse grupo em relação aos indivíduos que relataram não consumir ovos na semana.
Também se observou associação estatisticamente significativa entre o consumo de carnes brancas e TMC. Aqueles que consumiam esse alimento de 1 a 4 dias, obtiveram prevalência de TMC 62% (RP: 0,38; IC95%: 0,21- 0,71) menor do que aqueles que não consumiam. Ademais, indivíduos que consumiam carnes brancas com uma frequência maior que 5 vezes por semana, apresentaram prevalência de TMC 56% (RP: 0,44; IC95%: 0,22-0,90) menor em comparação aos que não consumiam, na análise ajustada.

DISCUSSÃO
Dentre as características encontradas no presente estudo, ser do sexo feminino e consumo regular de bebidas alcoólica, podem estar associados ao aumento da prevalência de TMC na população estudada.
No que se refere aos TMC, o presente estudo demonstrou prevalência 31,3% na amostra. Em outro Inquérito de Saúde Domiciliar - realizado no Piauí antes da pandemia (ISAD - PI) - observou-se prevalência de 27,5% de TMC, demonstrando que houve um aumento, e que possivelmente isso tenha sido em decorrência dos impactos da pandemia na população 13.
Além disso, observou-se que a prevalência de TMC foi maior dentre os adultos (33.6%), diferente do que a literatura aponta 14. Uma possível explicação é que essa maior prevalência de TMC nos adultos possa estar associada à presença da infecção por covid-19, que pode ter contribuído para o desenvolvimento de maiores prevalências de TMC nessa população.
Outro aspecto observado na população estudada é que os maiores percentuais de TMC foram verificados nas mulheres (41,2%). Outros estudos também verificaram resultado semelhantes 15;16. Pereira et al. 17, ao avaliarem a saúde mental de estudantes de graduação durante o bloqueio da pandemia de covid-19 verificaram que o amostra feminina apresentava escores do SRQ-20 mais altos do que os homens (68,8%), com diferenças estatisticamente significativas (p < 0,001), demonstrando que alguns subgrupos pareceram lidar melhor com esse cenário.
No que concerne ao impacto da covid-19 em pacientes que tiveram a doença, a literatura demonstra um impacto de logo prazo nesses pacientes, incluindo não apenas sintomas relacionados a infecção, mas também impactos mais amplos na qualidade de vida dos indivíduos, refletindo por sua vez na saúde mental 18. Corroborando isso, o presente estudo demonstra que aqueles que não tiveram sintomas ou sequelas ou mesmo limitação da realização das atividades diárias devido as sequelas, apresentaram efeito protetor no que diz respeito a prevalência de TMC.
Outro ponto importante a ser mencionado como um considerável preditor de TMC são os comportamentos de estilo de vida. Alguns estudos verificaram uma maior tendência a beber menos durante a pandemia 19;20. Estudo mostra que, a resposta mais comum para o consumo de álcool foi 'permaneceu o mesmo' (41%), e números semelhantes relataram aumentos (28%) e reduções (30%). De acordo com o autor, comportamentos que protegem a saúde, como limitar o consumo de álcool pode ter sido mais difícil de alcançar durante a pandemia para alguns 21.
Outra variável de estilo de vida importante a ser considerada em relação aos TMC é o consumo alimentar. De acordo com o presente estudo, verificou-se que o consumo de FVL, leites e derivados, ovos e carnes brancas foram fatores protetores para TMC, ou seja, a adesão de uma dieta saudável esteve associada positivamente a menores chances de desenvolvimento de TMC na amostra estudada.
Vários mecanismos biológicos têm sido propostos para explicar a associação entre a qualidade da dieta e a saúde mental. Estudos apontam que a qualidade da dieta pode desempenhar um papel na inflamação sistêmica e na redução do dano neuronal do estresse oxidativo, que afeta a depressão e a saúde mental 22. Em vias gerais, a relação positiva entre padrões alimentares pouco saudáveis e sofrimento mental pode ser explicada pelo fato de que alimentos disponíveis como açúcar, baixos níveis de antioxidantes naturais, fibras e ácidos graxos ômega-3 ativam vias inflamatórias nesse padrão 23.
Diante de tal discussão, percebe-se que a crise da covid-19 possivelmente tenha tido um fardo considerável na saúde mental. No presente estudo, fica evidente que níveis mais altos de estresse e estilo de vida não saudável, principalmente durante o bloqueio social, foram preditivos para sofrimento psicológicos e declínios na saúde mental da população. Desse modo, tais descobertas destacam necessidade de um apoio especializado para que pessoas em risco durante a crise da covid-19 possam ser alcançadas.
O presente estudo conta com algumas limitações que necessitam ser consideradas. Primeiramente, trata-se de uma pesquisa transversal, não sendo possível realizar inferências causais sobre a ocorrência de TMC na população pesquisada. Outra limitação possível é o viés de informação, que podem ser influenciadas pela falta de memória, necessidades de aprovação e receio de críticas quanto aos seus hábitos alimentares, saúde mental e hábitos vida. Além disso, os resultados do estudo não foram controlados para outras variáveis de confundimento também potencialmente relevantes, como histórico de transtornos mentais pré-existentes, eventos de vida estressantes recentes, acesso a serviços de saúde mental, presença de comorbidades e uso de medicamentos. Ademais, é importante mencionar às limitações quanto ao detalhamento isolado dos alimentos, tendo em vista que não houve a determinação dos padrões alimentares e no presente estudo foi utilizado questionário de frequência alimentar, impossibilitando assim a análise quantitativa dos alimentos ingeridos pela população estudada.
Por outro lado, como pontos fortes, foram utilizados dados de estilo de vida, aliados a prevalência de TMC em uma amostra representativa da população urbana de Teresina, este estudo contribui de maneira importante para traçar um panorama sobre os TMC e hábitos de vidas na população durante o período pandêmico.
Diante desses resultados, o que se conclui é que embora os TMC não sejam tão graves como os distúrbios psicóticos, as dificuldades decorrentes de sofrimento mental, mesmo não patológicas, podem representar um importante problema de saúde pública, devido aos seus graves efeitos sobre o bem-estar pessoal, familiar, trabalho e uso de serviços de saúde, levando ao comprometimento da qualidade de vida da população exposta a pandemia de covid-19, além de aumentar sua exposição às morbidades psíquicas.
Em virtude desses fatos, mais pesquisas são necessárias para explicar os mecanismos plausíveis, bem como as consequências a longo prazo desse impacto na relação entre a saúde mental e o declínio da qualidade de vida, decorrentes da pandemia da covid-19. Além disso, a adoção de comportamentos saudáveis, como mudanças no estilo de vida, em especial, o consumo alimentar saudável e a realização de atividade física, são recomendações sugeridas para atenuar o impacto da pandemia em relação aos TMC, refletindo, entre outros aspectos, em uma readaptação na vida pessoal e social dos indivíduos no contexto pós pandemia.

Referências
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Nascimento, V.S, Mascarenhas, M.D.M, Sousa, P.V.L, Rodrigues, B.G.M, Viola, P.C.A.F, Frota, K.M.G. TRANSTORNOS MENTAIS COMUNS EM ADULTOS E IDOSOS DURANTE A PANDEMIA DE COVID-19: Estudo transversal – EpiCOVID-Piauí, 2022.. Cien Saude Colet [periódico na internet] (2024/set). [Citado em 22/12/2024]. Está disponível em: http://cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/transtornos-mentais-comuns-em-adultos-e-idosos-durante-a-pandemia-de-covid19-estudo-transversal-epicovidpiaui-2022/19378?id=19378

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