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Artigos

0139/2024 - Exposição de crianças aos agrotóxicos no Brasil: revisão de escopo
Children\'s exposure to pesticides in Brazil: scope review

Autor:

• Gláucia Carvalho Moraes - Moraes, G. C. - <glauciacarvalhomoraes3@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0687-0387

Coautor(es):

• Nelson Gouveia - Gouveia, N. - <ngouveia@usp.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0625-0265



Resumo:

O estudo dos impactos à saúde associados à exposição aos agrotóxicos requer avaliação da exposição. O presente estudo examinou, por meio de revisão de escopo, como vem sendo avaliada a exposição de crianças aos agrotóxicos no Brasil. A pesquisa bibliográfica foi realizada nas bases de dados: PubMed (MEDLINE), Biblioteca Virtual de Saúde (bvs), Web of Science e FSTA (Food Science and Technology Abstracts). Entre os 34 estudos incluídos nesta revisão de escopo, observou-se que 11 utilizaram questionários para aferir o grau de exposição aos agrotóxicos; 12 fizeram uso de biomarcadores; 04 de análises da presença de resíduos de agrotóxicos em alimentos e 11 de medidas indiretas de exposição da população como informações do consumo per capita de agrotóxicos. Há 04 estudos que utilizaram simultaneamente questionário e biomarcador. Salienta-se a relevância de estudos com uso simultâneo de questionário e de biomomarcadores para o estabelecimento de índice de exposição e para a identificação precoce do potencial agravo à saúde de determinado agente e minimização dos riscos. Como desdobramento deste trabalho, aponta-se o estímulo ao avanço da ciência quanto à avaliação da exposição de crianças aos agrotóxicos.

Palavras-chave:

Exposição, Agroquímicos, Crianças, Brasil, Revisão

Abstract:

The study of health impacts associated with exposure to pesticides requires assessment of exposure. The present study examined, through a scoping review, how children\'s exposure to pesticides has been evaluated in Brazil. The bibliographic research was carried out in the following databases: PubMed (MEDLINE), Biblioteca Virtual de Saúde (bvs), Web of Science and FSTA (Food Science and Technology Abstracts). Among the 34 studies included in this scope review, was observed that 11 used questionnaires to assess the degree of exposure to pesticides; 12 used biomarkers; 04 analyszes of the presence of pesticide residues in food and 11 indirect measures of population’s exposure such as information on per capita pesticide consumption. There are 04 studies that simultaneously used questionnaire and biomarker. The relevance of studies with the simultaneous use of questionnaire and biomarkers is highlighed for the establishment of exposure index and for the early identification of the potential harm to the health of a certain agent and minimization of risks. As result of this work, it encourages the advancement of science regarding the assessment of children\'s exposure to pesticides.

Keywords:

Exposure, Agrochemical, Children, Brazil, Review

Conteúdo:

Introdução
Agrotóxico, defensivo agrícola, pesticida, praguicida, remédio de planta, veneno são denominações relacionadas a grupos de substâncias químicas utilizadas no controle de pragas e doenças de plantas1. Sendo usados, em larga escala, na agricultura2.
Os agrotóxicos são classificados de acordo com o grupo químico, o uso, a toxicidade, a periculosidade ambiental e o modo de ação. De acordo com a classificação quanto à classe química a que pertencem, os agrotóxicos são agrupados conforme a semelhança das estruturas moleculares do princípio ativo que os constituem. As principais classes de agrotóxicos utilizadas na agricultura, segundo a estrutura química, são organoclorados, organofosforados, carbamatos e piretroides3.
Os agrotóxicos podem causar efeitos agudos e crônicos à saúde humana como alergias, distúrbios gastrintestinais, respiratórios, cardiovasculares, geniturinários, endócrinos, reprodutivos, neurológicos, musculares, de pele e olhos, neoplasias, alterações hematológicas, transtornos mentais e mortes por intoxicação, além de defeitos teratogênicos e genéticos4.
De acordo com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no ano de 2017, foram registrados 4.003 casos de intoxicação por exposição aos agrotóxicos no Brasil, quase 11 por dia. Em uma década a ocorrência praticamente dobrou, pois, foram 2.093 casos em 2007. Em 2017, 164 pessoas morreram em decorrência do contato com agrotóxicos e 157 ficaram incapacitadas para o trabalho, além das intoxicações que evoluíram para doenças crônicas, como câncer. Deve-se considerar também o cenário de subnotificação no Brasil, com falta de informações oficiais quanto à ocorrência de intoxicação exógena5.
O Brasil tem uma das maiores produções de commodities agrícolas no mundo e ocupa desde 2008, em volume de produto, o primeiro lugar no consumo de agrotóxicos com consequências drásticas para a saúde humana e animal, o meio ambiente e os agrossistemas como um todo6.
Na relação entre o uso dos agrotóxicos, a saúde e o meio ambiente, a avaliação da exposição humana a estes agentes é um tema controverso, mal compreendido e dinâmico. Não é possível desenvolver um método único e universal que seja capaz de indicar a exposição a todo e qualquer agente utilizado com o propósito de controlar e/ou eliminar pragas7.
A avaliação da exposição humana é um processo que demanda recursos humanos e materiais, e tem por objetivo barrar o desenvolvimento de agravos à saúde7.
O conceito de exposição envolve 2 aspectos: o primeiro refere-se ao contato de uma substância química com as barreiras externas do indivíduo (pele, trato digestivo, trato respiratório, transplacentária) e o segundo é a estimativa qualitativa e quantitativa desse contato. Os dados qualitativos são obtidos por meio de questionários e os dados quantitativos através de indicadores8.
A avaliação da exposição inclui 3 fases: caracterização da fonte; identificação dos meios (ar, água, solo, alimentos, produtos) e das vias (dérmica, oral, inalatória); e quantificação da exposição8.
A análise da presença de resíduos de agrotóxicos em alimentos é relevante para a avaliação da exposição humana9. Deve-se considerar que as crianças são mais suscetíveis aos agrotóxicos, porque seu metabolismo não é eficiente para sua proteção10,11.
A quantificação da exposição pode também ser realizada por meio da estimativa da dose potencial de contato, determinada por indicadores internos (biomarcadores de efeito e dose interna)8.
O diagnóstico laboratorial ou indicador demonstra a exposição a determinado agente, que pode se traduzir em aumento da concentração deste no organismo em relação à população em geral - indicador de dose interna - ou disparar um quadro de alterações bioquímicas e metabólicas sem desenvolver comemorativos clínicos perceptíveis - indicador de efeito7.
Expostos são aqueles que têm ou tiveram contato com determinado agente. A avaliação da exposição deve priorizar os indivíduos com maior probabilidade de estarem excessivamente expostos7. Alguns grupos populacionais podem estar sob maior risco por possuírem maior suscetibilidade, como crianças e gestantes8.
Em gestantes expostas, pode haver contaminação do feto pela placenta e, posteriormente, pela amamentação12.
Entre 2010 e 2019, 3.750 crianças de 0 a 14 anos foram intoxicadas com agrotóxicos no Brasil. Dentre estas crianças intoxicadas, 542 eram bebês de 0 a 12 meses13.
A realidade das crianças residentes em áreas rurais é particular pela exposição múltipla e contínua aos agrotóxicos. Em geral as residências se situam no meio das lavouras e as escolas se encontram muito próximas a estas áreas. As crianças são expostas por vias ambientais, por água e alimentos contaminados e por vias ocupacionais12.
Uma via de exposição somatória, denominada paraocupacional, em que os agrotóxicos são transportados para o interior dos domicílios por meio de roupas e acessórios dos trabalhadores rurais, contribui para a contaminação residencial. Dessa maneira, as crianças cujos familiares são trabalhadores rurais podem sofrer maiores riscos que as da população geral12.
No Brasil 85,5% das crianças de 5 a 9 anos em situação de trabalho infantil estão em atividades agrícolas14. A grande maioria das crianças exerce atividade na área rural, acompanhando os pais na agricultura e se expondo aos efeitos nocivos dos agrotóxicos. A questão remete para as situações de alto risco de exposição e contaminação por agrotóxicos de crianças12.
Os neonatos, as crianças e os adolescentes destacam-se como populações vulneráveis, visto que os agrotóxicos, considerados disruptores endócrinos à medida que modulam a ação hormonal, podem afetar o desenvolvimento dos tecidos e órgãos. A exposição a esses compostos precocemente potencializa o risco de desenvolvimento de doenças em função da imaturidade dos sistemas fisiológicos15.
A infância representaria um período durante o qual a exposição a químicos, possivelmente atuando como disruptores endócrinos, pode levar a afecções de curto prazo, bem como a doenças no adulto15.
Malformação fetal, puberdade precoce, asma não controlada, rinite alérgica, efeitos neurológicos, alteração na tireoide, câncer infantojuvenil são algumas das consequências que o uso de agrotóxicos pode acarretar em crianças13.
Deve-se considerar que o estudo dos impactos à saúde associados à exposição aos agrotóxicos, requer avaliação da exposição15. Quanto às diferentes abordagens utilizadas na avaliação da exposição de crianças aos agrotóxicos no Brasil, há necessidade de síntese do conhecimento produzido por meio de mapeamento dos achados, porque não há estudo secundário realizado sobre o assunto até o momento. Estudo que sintetiza a literatura que descreve a exposição de crianças aos agrotóxicos no Brasil é relevante para nortear o desenvolvimento de projetos e indicar novos rumos para futuras investigações. O presente estudo examinou, por meio de revisão de escopo, como vem sendo avaliada a exposição de crianças aos agrotóxicos no Brasil.

Método
A pesquisa bibliográfica foi realizada nas seguintes bases de dados: PubMed (MEDLINE), Web of Science e FSTA (Food Science and Technology Abstracts). A Biblioteca Virtual de Saúde (bvs) foi empregada para acessar os dados das bases SciELO e LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde).
Os vocabulários controlados DeCS/MeSH foram utilizados com a seguinte estratégia: (Agrochemical* OR Agrotoxic* OR "Pesticide Exposure" OR Fungicides OR Herbicides OR Insecticides OR Organophosphate* OR Carbamate* OR Organochlorine* OR Pyrethroid* OR Glyphosate OR Paraquat OR Atrazine) AND (Brazil) AND (Chil* OR Infant OR "Child, Preschool" OR Adolescent*) OR ("Maternal exposure" OR "Exposure, Maternal" OR "Exposures, Maternal" OR "Maternal Exposures").
Os critérios de elegibilidade foram os recomendados na estratégia PCC (acrônimo para População, Conceito e Contexto):
• População: crianças brasileiras do nascimento aos 18 anos, bem como o período intrauterino, sem restrição com relação ao sexo e ao tempo de exposição.
• Conceito: grupo de substâncias químicas utilizadas no controle de pragas e doenças de plantas (agrotóxico, defensivo agrícola, pesticida, praguicida, remédio de planta, veneno).
• Contexto: exposição de crianças aos agrotóxicos reportada por questionários; biomarcadores; análises da presença de resíduos de agrotóxicos em alimentos; medidas indiretas de exposição da população como informações do consumo per capita de agrotóxicos.
Estudos que examinaram a exposição aos agrotóxicos de crianças brasileiras do nascimento aos 18 anos, bem como no período intrauterino, foram incluídos. Estudos sem texto completo disponível foram excluídos. Estudos de revisão, metanálises e estudos em animais foram excluídos porque a busca foi por estudos primários que avaliaram especificamente a exposição de crianças aos agrotóxicos no Brasil.
Foi realizada a eliminação de duplicidades e feita a leitura, com base nos critérios de inclusão e exclusão, dos títulos e resumos dos estudos de cada uma das referências identificadas na literatura. Os estudos elegíveis foram avaliados na íntegra.
As seguintes variáveis, correspondentes aos critérios de elegibilidade e referentes aos indivíduos envolvidos, foram extraídas dos estudos incluídos na pesquisa: autor e ano; número de indivíduos/amostras avaliadas; local; tipo de estudo (transversal, caso-controle, coorte, ecológico, ensaio clínico); procedimento para análise de efeito à saúde; composto e grupo químico de classificação de agrotóxicos; método de avaliação da exposição.
Para mitigação de ameaças à validade desta revisão de escopo, a string de busca foi validada por especialistas da área de exposição humana aos agrotóxicos e o Protocolo da Revisão de Escopo foi validado por especialista em revisão sistemática.


Resultados
Na etapa de Identificação, as buscas nas bases de dados recuperaram 1.010 referências, sendo removidos 314 estudos por estarem repetidos. Na etapa de Seleção, 696 estudos foram triados por título, resumo & palavras chaves, sendo excluídos 662 estudos por serem de outros países, não abordarem a exposição aos agrotóxicos, não examinarem a exposição aos agrotóxicos especificamente de crianças, se tratarem de revisão sistemática e estudo em animais. Nas etapas de Elegibilidade e Inclusão, 34 estudos elegíveis foram analisados com os textos completos, sendo todos incluídos (Figura 1).

Fig. 1

O Quadro 1 traz informações sobre os estudos incluídos nesta revisão de escopo e apresenta os métodos empregados de avaliação da exposição de crianças aos agrotóxicos. Entre os 34 estudos incluídos nesta revisão de escopo, observou-se que 11 utilizaram questionários para aferir o grau de exposição aos agrotóxicos; 12 fizeram uso de biomarcadores; 04 de análises da presença de resíduos de agrotóxicos em alimentos e 11 de medidas indiretas de exposição da população como informações do consumo per capita de agrotóxicos (Figura 2). Há 04 estudos que utilizaram simultaneamente questionário e biomarcador.

Fig.2

Questionários para avaliar a exposição aos agrotóxicos foram utilizados, sendo que em 06 estudos utilizou-se questionário para coleta de informações sobre exposição de gestantes e lactantes para investigação da contaminação no período intrauterino e pela amamentação e em 05 estudos foram utilizados questionário com variáveis de exposição aos agrotóxicos de crianças e adolescentes. Através da combinação de informações sobre exposição ambiental e ocupacional aos agrotóxicos, as respostas dos questionários foram usadas para o estabelecimento de um índice de exposição, sendo atribuída pontuação a cada participante e o índice médio de exposição foi calculado. A pontuação do índice de exposição para cada um dos participantes permitiu avaliar a associação de exposição aos agrotóxicos e efeitos à saúde em alguns estudos.
A exposição aos agrotóxicos de gestantes e lactantes foi avaliada em questionários aplicados a moradoras da zona urbana e rural dos locais dos estudos, recorrendo a informações como: proximidade da moradia das regiões de cultivo ou viver em área agrícola com uso de agrotóxicos; pulverização em aérea próxima ao domicílio; relação da atividade ocupacional com agrotóxicos; uso de agrotóxicos durante os 3 meses antes da gravidez (período periconceptual), ao longo de cada trimestre da gravidez e durante os 3 meses após o nascimento (amamentação); duração e regularidade do uso de agrotóxicos; classe do agrotóxico utilizado por grupamento químico e finalidade de uso (levantada a partir do nome comercial do produto autorreferido). Investigou-se, em 01 estudo, se o trabalho do cônjuge envolve o uso de agrotóxicos. Questões sobre alimentação foram feitas às lactantes, em 01 estudo, abordando sobre o consumo de peixe, na Bacia do Rio Madeira, Amazônia brasileira. Tal avaliação foi feita, considerando-se que o peixe é a principal fonte de proteína alimentar nessa região, e os agrotóxicos tendem a acumular-se em tecidos ricos em lipídios, sendo eliminados na lactação.
Nos questionários com variáveis de exposição aos agrotóxicos de crianças e adolescentes da zona urbana e rural dos locais dos estudos, foram coletadas informações como: trabalho exercido pela mãe durante a gestação; presença de pessoas na residência que trabalham na agricultura; proximidade da moradia de áreas de agricultura e com pulverização aérea. Em 01 estudo, o instrumento de coleta de dados esteve ancorado em questões sobre o reconhecimento da utilização e implica¬ções à saúde decorrentes do uso de agrotóxicos, e foi aplicado em familiares de crianças portadoras de neoplasia. Questionários foram aplicados em crianças e adolescentes que atuam em atividades agrícolas, sendo requeridas informações como: atividades agrícolas realizadas; processo de trabalho; tipos de culturas cultivadas; tempo de trabalho na lavoura; utilização de agrotóxicos; duração e frequência de utilização de agrotóxicos; horas trabalhadas por dia e anos trabalhados na aplicação de produtos químicos; tipo de agrotóxico utilizado. Questões foram feitas sobre a participação e a frequência em que as crianças e adolescentes trabalham/ajudam nas seguintes atividades agrícolas: capinar; cavar; plantar; fertilizar; arar; adubar; remover brotos; colher; preparar produtos químicos agrícolas para aplicação; pulverizar com costal ou mangueira; puxar mangueira para pulverização; lavar costal após aplicação; armazenar produtos químicos agrícolas e lavar roupas usadas no trabalho agrícola.
Indicadores internos (biomarcadores de efeito e dose interna) foram utilizados. Na análise dos resultados dos biomarcadores foram considerados índices, a partir de limites e valores de referência, que determinam a condição de não exposto, exposto e excessivamente exposto. Quanto às matrizes biológicas, nos estudos de biomonitoramento, 07 utilizaram sangue, 01 fez uso de urina, 02 de epitélio oral, 01 de cabelo e 05 de leite humano (Figura 3). Há estudos que utilizaram matrizes concomitantemente, sendo que 02 estudos utilizaram sangue e epitélio oral, 01 fez uso de sangue e urina e 01 usou sangue e cabelo. Foram realizados testes laboratoriais de pesticidas organoclorados e verificação das concentrações elementares do sangue e do cabelo de oligoelementos contidos em agrotóxicos como: arsênio (As), cádmio (Cd), cromo (Cr), manganês (Mn), níquel (Ni) e chumbo (Pb). Como biomarcadores de efeito, verificou-se as atividades da colinesterase eritrocitária (AChE) e sérica (BuChE) e o teste de micronúcleos (MN) foi feito em linfócitos de sangue periférico e em células do epitélio oral para avaliação de alterações a nível celular, que ocorrem no DNA. Os níveis de malondialdeído (MDA), de tiol não proteico e de carbonilas de proteína (PCO), assim como, as atividades das enzimas antioxidantes glutationa peroxidase (GSH-Px) e glutationa S-transferase (GST) foram usados como biomarcadores de dano oxidativo.

Fig.3

A análise da presença de resíduos de agrotóxicos em alimentos foi realizada, com identificação de agrotóxicos em fórmulas infantis à base de soja em 02 estudos, em leite bovino em 01 estudo e em dietas de bebês e crianças (frutas e vegetais) em 01 estudo. Na mensuração da exposição de crianças, através da análise da presença de resíduos de agrotóxicos em alimentos, foram utilizados como referências o valor da Ingestão Diária Estimada – EDI e o percentual da Ingestão Diária Aceitável – ADI16 e a estimativa da Ingestão Diária Infantil – IDI e o percentual da Ingestão Diária Tolerável – TDI17.
Medidas indiretas de exposição de grupos populacionais aos agrotóxicos foram utilizadas, sendo que as vendas per capita de agrotóxicos foram empregadas como uma variável relacionada à exposição aos agrotóxicos (referente ao consumo populacional de agrotóxicos) ou uma variável de exposição foi estabelecida a partir dos dados de produção e venda de defensivos (kg) por área de cultivo (ha).
Quanto ao grupo químico de classificação de agrotóxicos, foram realizados estudos que avaliaram a exposição e a ocorrência de efeitos à saúde decorrentes do uso de carbamatos, organoclorados, organofosfatos, organofosforados e piretroides.
Em relação aos locais de realização dos estudos, foi feito 01 estudo no Estado do Amazonas, 01 estudo na Bahia, 01 estudo no Ceará, 01 estudo no Espírito Santo, 03 estudos no Mato Grosso, 02 estudos em Minas Gerais, 03 estudos no Paraná, 02 estudos em Pernambuco, 07 estudos no Rio de Janeiro, 07 estudos no Rio Grande do Sul, 02 estudos em Santa Catarina, 05 estudos em São Paulo e há 06 estudos de abrangência nacional (Figura 4).

Fig.4

Discussão
O uso de questionários traz vantagens como fácil execução, agilidade e baixo custo18. Grande parte dos estudos avaliou a exposição aos agrotóxicos utilizando questionários, por meio de detalhamento das características dos processos de trabalho na agricultura, que se trata da atividade em que a exposição se dá de forma mais acentuada. Deve-se considerar que ao abordar questões relacionadas ao uso de substância tóxica para a saúde humana e ambiental, há constrangimentos por parte dos participantes dos estudos ao responder perguntas como idade de início de contato, doses administradas e nome comercial dos produtos utilizados, podendo ocasionar omissão de respostas ou falsas informações. Como consequência, a exposição é subestimada com ausência ou fraca associação entre exposição aos agrotóxicos e agravos à saúde19. A inexatidão das respostas pode explicar o resultado encontrado no estudo de ECKERMAN et al., 2007 (E3) em que adolescentes de 10 a 11 anos de idade demonstraram maior exposição aos agrotóxicos do que os de 12 a 18 anos de idade de uma mesma localidade, considerando as respostas do questionário que foi usado para atribuir um índice de exposição aos participantes.
A exposição por agrotóxicos pode acarretar alterações bioquímicas no organismo humano, tais como variações nas atividades hormonais, nos parâmetros oxidativos, na ativação ou inibição enzimática e ocasionar danos ao DNA20.
O teste de micronúcleos é um biomarcador de dano genotóxico e consiste na análise de células previamente expostas a agentes químicos com o intuito de identificar, a partir de teste citogenético, possíveis alterações cromossômicas. Trata-se de um ensaio de genotoxicidade para avaliação de danos do DNA, fundamenta-se em alterações a nível celular que ocorrem no gene da célula e detecta dano não reparável e permanente. Tal biomarcador de efeito pode sugerir condições internas alteradas de maior risco para o desenvolvimento de câncer19.
No estudo de SILVA et al., 2019 (E6), o teste de micronúcleos em linfócitos de sangue periférico e em células do epitélio oral foi feito com o objetivo de analisar se a exposição ambiental ou ocupacional aos agrotóxicos causa alterações patológicas em gestantes residentes nas zonas urbana e rural de um município. Como resultado, 100% das lâminas continham células com dois micronúcleos, o que demonstra lesões ao DNA de maior intensidade, e eleva as chances de ocorrência de efeitos mutagênicos.
No estudo de NASCIMENTO et al., 2021 (E25), o stress oxidativo foi avaliado por meio de biomarcadores de lipoperoxidação, de status antioxidante e de genotoxicidade, através de teste de micronúcleos em células do epitélio oral. Foi demonstrado que xenobióticos, como agrotóxicos, ao prejudicar o sistema celular de defesa antioxidante, podem causar danos oxidativos ao organismo. Os agrotóxicos podem diminuir o nível de compostos antioxidantes, especialmente enzimas, provocar lipoperoxidação e danos ao DNA. Portanto, biomarcadores, como níveis de antioxidantes e danos oxidativos a diferentes componentes das células, são usados para quantificar efeitos. Os resultados do estudo demonstraram desequilíbrio nos antioxidantes endógenos, contribuindo para a genotoxicidade e a lipoperoxidação, em crianças que vivem em comunidades agrícolas, provavelmente em resposta à exposição aos agroquímicos, especialmente elementos carcinogênicos (arsênio, cromo e níquel).
Nos estudos de NASCIMENTO et al., 2021 (E25) e NASCIMENTO et al., 2017 (E26), o malondialdeído (MDA) foi usado como biomarcador de dano oxidativo, por se tratar de um dos principais produtos de lipoperoxidação, sendo usado em biomateriais como um indicador de lesão da membrana celular 21.
Os biomarcadores incluem a determinação de metabólitos de xenobióticos, a verificação de danos ao material genético e a mensuração da atividade de enzimas22.
A enzima colinesterase eritrocitária (AChE) é encontrada nos glóbulos vermelhos, sistema nervoso central e músculos esqueléticos, e a colinesterase sérica (BuChE) no fígado, músculos lisos, adipócitos, soro e plasma23,24. Alterações nas atividades dessas enzimas devido à exposição aos agrotóxicos poderão ser usadas como biomarcadores de exposição24,22.
No estudo de NASCIMENTO et al., 2018 (E8), avaliações de biomarcadores de efeito com determinação das atividades da colinesterase eritrocitária (AChE) e sérica (BuChE) foram empregadas. Não houve diferença significativa na atividade da AChE entre os períodos de baixa e alta exposição aos agrotóxicos. A atividade da BuChe no período de alta exposição aos agrotóxicos foi significativamente menor, comparando-se ao período de baixa exposição, e os níveis de glicose foram inversamente associados a BuChE. Como resultado, crianças ambientalmente expostas a uma mistura de xenobióticos, em uma comunidade agrícola, podem ter problemas na homeostase da glicose.
Com relação ao uso de indicadores de dose interna, estudos dosaram metabólitos de ingredientes ativos de agrotóxicos em fluidos corporais. As avaliações de biomarcadores de dose interna com determinação das concentrações elementares do sangue e do cabelo de oligoelementos contidos em agrotóxicos como: arsênio (As), cádmio (Cd), cromo (Cr), manganês (Mn), níquel (Ni) e chumbo (Pb) foram também empregadas no estudo de NASCIMENTO et al., 2018 (E8).
Paralelamente à urina e ao sangue, que são classicamente usados para o biomonitoramento da exposição, tem sido observado interesse crescente pela análise do cabelo. Mais recentemente, modelos animais demonstraram que a concentração de produtos químicos no cabelo foi significativamente associada ao nível de exposição, o que reforça ainda mais a relevância do cabelo para avaliar a exposição15.
As amostras de cabelo são coletadas de maneira não invasiva e facilmente armazenadas. A principal vantagem dessa matriz reside na possibilidade de alcançar janelas estendidas de detecção, que podem representar vários meses de exposição. Ao contrário dos fluidos biológicos como sangue e urina, a concentração de produtos químicos detectados no cabelo não é influenciada por variações de curto prazo na exposição. Ao invés disso, a concentração corresponde à média do nível de exposição de um indivíduo, que é a informação mais relevante para investigar possíveis ligações com efeitos biológicos15.
Considerando-se a importância do leite materno na alimentação dos infantes, os riscos da exposição aos agrotóxicos, através da ingestão de leite materno, devem ser avaliados25. O uso de leite humano para biomonitoramento reflete a carga real do corpo e a coleta não é invasiva26. No estudo de AZEREDO et al., 2008 (E33), os resultados demonstraram considerável contaminação por organoclorados e que os agrotóxicos, como DDT, tendem a se acumular em tecidos ricos em lipídios e ser eliminados por processos como a lactação.
Animais produtores de leite, como vacas, acumulam resíduos de agrotóxicos, sendo que a contaminação desses animais ocorre através de rações contaminadas, grama e ar inalado. Tal fato é preocupante, considerando a importância do leite para nutrição humana, especialmente para as crianças. O leite bovino tem sido usado como um indicador da persistência de substâncias químicas no ambiente27.
Os Limites Máximos de Resíduos (MRL) quanto ao consumo de vegetais, frutas e cereais por crianças são sustentados por legislação estabelecida para adultos no Brasil, desconsiderando a vulnerabilidade das crianças aos compostos químicos devido às taxas metabólicas28.
Foi realizada uma revisão de escopo, considerando que o estudo de escopo mapeia os principais conceitos que apoiam determinada área de conhecimento, fornece visão descritiva dos estudos revisados e atende às demandas de sintetizar evidências de questões de pesquisa amplas. Ressalta-se que os estudos científicos avaliados nesta revisão de escopo são limitados quanto à análise de possíveis efeitos tóxicos decorrentes de exposições mistas de agrotóxicos. Os estudos não foram capazes de avaliar os efeitos sinérgicos decorrentes de mais de um ingrediente ativo e outros compostos químicos nos produtos formulados.

Conclusão
Este mapeamento sistemático não esgota as evidências científicas referentes ao tema, porém fornece indícios de que a avaliação da exposição aos agrotóxicos de crianças é complexa, considerando-se o maior risco de crianças e gestantes por possuírem maior suscetibilidade a substâncias tóxicas, e envolve aspectos como frequência, duração, magnitude, fonte e vias de exposição; número de expostos e níveis de exposição, bem como confiabilidade das informações e incertezas associadas.
Os estudos incluídos nesta revisão de escopo fizeram uso de diversos métodos de avaliação e de procedimentos para análise de efeito à saúde, para levantamento de informações sobre exposição e realização de correlações entre exposição aos agrotóxicos e efeitos à saúde nas populações estudadas.
No sentido de ampliação da vigilância da exposição, salienta-se a relevância de estudos com uso simultâneo de questionário e de biomomarcadores para o estabelecimento de índice de exposição e para a identificação precoce do potencial agravo à saúde de determinado agente e minimização dos riscos.
Aponta-se para a necessidade de fortalecimento das políticas públicas de proteção e atenção à saúde das populações expostas aos agrotóxicos, com aprimoramento de ações regulatórias a fim de que procedimentos de avaliação de risco e de regulamentação considerem as diferenças na exposição e toxicidade relacionadas à idade.
Como desdobramento deste trabalho, aponta-se o estímulo ao avanço da ciência quanto à avaliação da exposição de crianças aos agrotóxicos, bem como que o aprofundamento do conhecimento científico gere evidências contundentes para que os tomadores de decisão considerem a vulnerabilidade das crianças aos compostos químicos nas políticas de regulamentação.












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Moraes, G. C., Gouveia, N.. Exposição de crianças aos agrotóxicos no Brasil: revisão de escopo. Cien Saude Colet [periódico na internet] (2024/Abr). [Citado em 06/10/2024]. Está disponível em: http://cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/exposicao-de-criancas-aos-agrotoxicos-no-brasil-revisao-de-escopo/19187?id=19187

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