0055/2025 - REDE DE CUIDADO FORMAL E INFORMAL DO FAMILIAR QUE CUIDA DO PACIENTE EM CUIDADOS PALIATIVOS ONCOLÓGICOS NO DOMICÍLIO
NETWORK OF FORMAL AND INFORMAL CARE PROVIDED BY FAMILY MEMBERS FOR CANCER PATIENTS RECEIVING PALLIATIVE CARE AT HOME
Autor:
• Luísa Cavalcanti Martinho Moraes - Moraes, L.C.M - <luisacavalcanti.96@gmail.com>ORCID: https://orcid.org/0009-0003-6629-1402
Coautor(es):
• Audrei Castro Telles - Telles, A.C - <audreitelles@gmail.com>ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1191-5850
• Nair Caroline Cavalcanti de Mendonça Bittencourt - Bittencourt, N.C.C.M - <ncarolinne@yahoo.com.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4451-6258
• Beatriz Barboza Fernandes - Fernandes, B.B - <beatrizbarbozafernandes@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0009-0001-7789-1548
• Beatriz Brandão do Santos - Santos, B.B - <beatrizbrandaodossantos02@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0009-0000-0241-5865
• Cristina Rosa Soares Lavareda Baixinho - Baixinho, C.R.S.L - <crbaixinho@esel.pt>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7417-1732
• Andreia Cátia Jorge Silva da Costa - Costa, A.C.J.S - <andreia.costa@esel.pt>
ORCID: https://orcid.org/ 0000-0002-2727-4402
• Marcelle Miranda da Silva - Silva, M.M - <marcellemsufrj@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4872-7252
Resumo:
Introdução: Diante da doença oncológica avançada em cuidados paliativos no domicílio, os cuidadores são majoritariamente familiares que fazem parte do sistema informal. A falta de orientação e suporte social expõem ao estresse e sobrecarga que podem afetar sua saúde, bem estar, qualidade de vida, e contribuir para falhas no cuidado. Objetivos: Conhecer as redes de cuidado em torno do cuidador principal no contexto dos cuidados paliativos domiciliares e descrever as implicações da disponibilidade dessas redes na atenção à saúde desse cuidador. Método: Estudo descritivo e qualitativo, desenvolvido em Instituto referência nacional em oncologia no Rio de Janeiro, Brasil. Foram entrevistados dezoito cuidadores informais de pacientes com câncer avançado hospitalizados na enfermaria clínica de cuidados paliativos especializados. Obteve-se aprovação ética. Resultados: Emergiram três categorias: Rede de apoio formal; Rede de apoio informal; e Sobrecarga do cuidador principal. Conclusões: A abordagem qualitativa foi fundamental para a compreensão de que o familiar apresenta suas próprias demandas frente ao processo de cuidado. Este estudo contribui para discussões referentes ao papel da enfermagem na promoção da transversalização do cuidado ao cuidador.Palavras-chave:
Cuidadores; Fardo do Cuidador; Apoio Social; Serviço de Assistência Domiciliar; Cuidados Paliativos.Abstract:
Introduction: In the face of advanced oncological disease in palliative care at home, caregivers are mostly family members who are part of the informal system. The lack of guidance and social support exposes them to stress and overload that can affect their health, well-being, quality of life, and contribute to failures in care. Objective: To understand the care networks around the main caregiver in the context of home palliative care and describe the implications of the availability of these networks on the health care of this caregiver. Method: Descriptive and qualitative study, developed at a national reference institute in oncology, in Rio de Janeiro, Brazil. Eighteen informal caregivers of patients with advanced cancer hospitalized in the specialized palliative care clinical ward were interviewed. Ethical approval was obtained. Results: Three categories emerged: Formal support network; Informal support network; and overload of the main caregiver. Conclusions: The qualitative approach was fundamental for understanding that family members present their own demands in the care process. This study contributes to discussions regarding the role of nursing in promoting the transversalization of care to caregivers.Keywords:
Caregivers; Caregiver Burden; Social Support; Home Care Services; Palliative Care.Conteúdo:
O diagnóstico de uma doença grave como o câncer, capaz de provocar sofrimentos em todas as suas fases, demanda investimentos em Cuidados Paliativos (CP), que incluem desde abordagens iniciais que podem ser conduzidas por profissionais não especializados, até cuidados mais complexos, a depender de cada caso, que requerem atuação de equipe multidisciplinar especializada em CP¹.
De acordo com a Resolução brasileira nº 41, de 31 de outubro de 2018, que dispõe sobre as diretrizes para a organização dos CP, à luz dos cuidados integrados, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), os CP devem ser ofertados em qualquer ponto da Rede de Atenção à Saúde (RAS), incluindo a Assistência Domiciliar (AD), contribuindo para que a casa do paciente também seja um local preparado e principal locus de cuidado no fim de vida, sempre que desejado e possível². O domicílio possibilita a convergência entre algumas intervenções de assistência à saúde e o contexto de vida das pessoas em CP e seus familiares³.
Os cuidadores domiciliares majoritariamente são familiares que fazem parte do sistema informal, motivados por relações de afeto e compromisso?. Diante da doença oncológica avançada, estes precisam mobilizar recursos a fim de manejar mudanças e reorganizar papéis para o cuidado ao paciente?. Isso pode gerar sobrecarga e refletir em sua própria saúde, bem estar e qualidade de vida?. Portanto, na filosofia dos CP, o familiar/cuidador precisa ser cuidado por toda a equipe, face às demandas que apresenta, em cada dinâmica familiar.
Além do cuidado profissional, a presença de suporte social contribui para o bem estar individual, sentimentos de autoestima e adaptação do cuidador, modificando o contexto situacional?. Ademais, o conhecimento acerca da rede social do cuidador permite ampliar a visibilidade dos aspectos envolvidos na sua vivência e auxilia os profissionais de saúde a direcionar as estratégias para minimizar a sobrecarga e desenvolver as habilidades de enfrentamento?.
Tendo em vista que os cuidadores domiciliares são preponderantemente familiares, a realização desse estudo se justifica pelo reduzido aporte teórico na literatura sobre a rede de apoio de quem cuida no domicílio. Desse modo, questiona-se qual a rede de cuidado formal e informal em torno do cuidador principal do paciente em cuidados paliativos oncológicos no domicílio? E quais são as implicações da disponibilidade dessas redes na atenção à saúde desse cuidador? Objetiva-se conhecer a rede de cuidado formal e informal em torno do cuidador principal no contexto dos cuidados paliativos oncológicos no domicílio e descrever as implicações da disponibilidade dessas redes na atenção à saúde desse cuidador.
MÉTODO
Estudo descritivo com abordagem qualitativa, apresentado segundo critérios do Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ). Optou-se pela abordagem qualitativa com o intuito de melhor conhecer a rede de cuidados, face os aspectos subjetivos envolvidos nas relações interpessoais.
A pesquisa foi desenvolvida em um Instituto Federal, no Rio de Janeiro, Brasil. O Instituto é composto por unidades hospitalares de média e alta complexidade, referência nacional no atendimento a pacientes com câncer.
Apresenta-se como cenário específico dentro do Instituto a unidade hospitalar de CP especializados, que conta com atendimento ambulatorial, AD e internação hospitalar. Neste estudo, os participantes foram captados durante a internação nas enfermarias clínicas. São ao todo quatro andares com enfermarias clínicas de CP oncológicos exclusivos, que dispõem ao todo de 56 camas.
A decisão por captar os participantes nas enfermarias e não no domicílio, face o objeto de estudo, se deu devido à não autorização de saída das estudantes de licenciatura à casa dos pacientes. Somam-se a isto as questões logísticas e de cobertura do seguro estudantil, limitado aos espaços das unidades de saúde e ensino. No entanto, considerando o perfil dos pacientes, a internação é um evento comum e recorrente, mesmo durante a AD.
Foram participantes da pesquisa cuidadores que tiveram, no mínimo, uma experiência de atendimento pela AD. Os cuidadores se encontraram em condições de acompanhantes ou visitantes aos pacientes internados no momento da coleta de dados.
Os critérios de inclusão foram cuidadores informais de pacientes com câncer avançado internados na enfermaria clínica de CP especializados, que já foram atendidos pela AD, que possuíam nível de consciência e orientação para responder às perguntas no momento da coleta de dados, e tinham idade igual ou superior a 18 anos.
Dentre os critérios de exclusão estavam os cuidadores ausentes no momento da abordagem, os cuidadores formais remunerados, e os cuidadores que se encontravam dormindo ou abalados emocionalmente, em respeito à natureza da situação.
A captação dos cuidadores foi orientada pela enfermeira diarista da enfermaria, a partir do acesso aos prontuários eletrônicos dos pacientes atendidos pela AD em situação de hospitalização, e posterior visita aos leitos para verificação da presença e disponibilidade do cuidador no momento. Tentou-se contato com 29 cuidadores, dos quais sete estavam ausentes, quatro eram cuidadores formais remunerados, assim, participaram 18 cuidadores.
As entrevistas foram conduzidas por três alunas da licenciatura em enfermagem e uma doutoranda enfermeira tecnologista da unidade hospitalar em questão. As entrevistas foram realizadas entre janeiro e junho de 2023. Os cuidadores foram abordados pessoalmente e, previamente à coleta de dados, foi realizada uma breve apresentação sobre as entrevistadoras, o motivo do contato, os objetivos da investigação e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Foi realizado um teste piloto para nortear a duração das entrevistas, e avaliar a qualidade e adequação dos termos adotados, e assim, tentar garantir a compreensão das perguntas. O teste piloto não gerou alteração estrutural no roteiro, porém demonstrou a necessidade de realizar a entrevista fora das enfermarias, em salas de acolhimento familiar, devido a presença de ruídos ambientais que interferiram na qualidade do áudio. O teste piloto não foi incluído na análise.
Foi empregado instrumento de caracterização de perfil, que coletou dados como “grau de parentesco com o paciente”, “idade”, “gênero”, “raça/cor autodeclarada”, “estado civil”, “nível de escolaridade”, “se deixou de ter vínculo empregatício para assumir o papel de cuidador principal?”, “se tem alguma doença e/ou condição hereditária?”, “se utiliza algum medicamento?” e “renda do núcleo familiar por mês”, com o intuito de identificar fatores biosocioeconômicos relevantes para os resultados da investigação.
Empregou-se o instrumento de entrevista semiestruturada com as seguintes perguntas: "Como é para você ser atendido em casa pela Assistência Domiciliar Especializada?”, “Quais são as suas necessidades como cuidador ao estar em um programa de assistência domiciliar?”, “Quais são as pessoas envolvidas no cuidado?”, “Quem é o cuidador principal?”, “Você recebe algum apoio externo?”, “Como você obtém informações relacionadas à saúde?”, “Você possui alguma dificuldade para entender e implementar as informações em saúde em sua rotina diária?”, “Você consegue identificar quais serviços de saúde estão disponíveis e como vocês (núcleo familiar) conseguem acessá-los?” e “Como você procede em caso de emergência em saúde?”.
As respostas foram registradas por dispositivo gravador de áudio digital e, posteriormente, transcritas na íntegra. As entrevistas tiveram duração média de 12 minutos. Foi alcançado o grau de saturação temática na 12a entrevista, mas na discussão em grupo decidiu-se avançar até a 18a. As entrevistas foram realizadas uma única vez com cada participante e as transcrições não foram devolvidas aos mesmos para comentários ou correção devido ao curto período de internação dos pacientes e consequente impossibilidade de promover o reencontro entre entrevistadoras e entrevistados.
Os dados coletados foram transcritos em arquivos digitais de texto e, posteriormente, organizados e analisados manualmente. A análise manual se justificou pela necessidade de a primeira autora, em formação graduada, desenvolver a perícia e aumentar a capacidade de imersão no contexto do estudo.
O método utilizado foi o de análise de conteúdo na modalidade temática, que destaca as principais percepções dos entrevistados, para caracterizar os temas mais frequentes e categorizá-los?. A pré-análise consistiu na leitura flutuante das entrevistas transcritas e formulação de hipóteses e objetivos. Posteriormente, houve a exploração do material, a qual se deu pela codificação das unidades de registro e de contexto, categorização temática dos indexadores definidos a priori e a posteriori. Os códigos foram agrupados por similaridade e procedeu-se a análise categorial. A discussão dos dados foi conduzida a partir da revisão de literatura e bases conceituais que discutem a temática, bem como de acordo com a visão crítica das autoras.
O projeto foi aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa das instituições proponente e coparticipante, respectivamente, em 26 de abril de 2022 (CAAE 57858322.9.0000.5238) e 05 de junho de 2022 (CAAE 2022 57858322.9.3001.5274).
O TCLE foi elaborado e assinado pelas partes em duas vias, e uma via foi entregue a cada participante. Os participantes foram informados que, todos os dados coletados permanecerão de posse da autora principal por um período de cinco anos, em arquivo pessoal protegido por senha, e depois desse período serão descartados. O nome e qualquer dado que identifique os participantes foram mantidos em sigilo e identificados por códigos alfanuméricos: CUID1, CUID2, CUID3, etc. A participação não conferiu nenhum benefício direto ou remuneração.
RESULTADOS
Dos 18 cuidadores entrevistados, destacou-se um grupo de perfil heterogêneo no que se refere à idade, estado civil e escolaridade. No entanto, 12 eram do gênero feminino e todos tinham grau de parentesco primário ou secundário com o paciente. Em relação à raça/cor, sete se autodeclararam pretos, nove pardos e dois brancos. Dez viviam com renda de até dois salários-mínimos - no período de coleta de dados o salário mínimo variou entre R$1.302,00 e R$1.320,00 - por núcleo familiar, sete deixaram de ter vínculo empregatício e/ou educacional para assumir o papel de cuidador principal, e oito possuíam comorbidades ou condições hereditárias. Surgiram três categorias (Quadro 1).
Quadro 1. Categorias e principais inferências.
A categoria “Rede de apoio formal ao cuidador” demonstra que os cuidadores receberam instruções técnicas do Instituto para a realização dos cuidados ao paciente.
“Em relação à curativo, desde que ela fez a traqueostomia, de imediato as profissionais me ensinaram. Nas primeiras horas [...] elas pegaram uma boneca e disseram ‘[...] venha cá, [...] vamos orientar o senhor sobre o que fazer e como fazer’. Me orientaram a fazer tudo isso em casa, a troca, a limpeza, todos os cuidados” (CUID26)
É perceptível que a AD do Instituto afeta o acesso do núcleo familiar aos CP.
“O atendimento domiciliar [...] é bom. Você evita se deslocar com a pessoa, às vezes você não tem carro, não está com dinheiro para pagar um motorista por aplicativo para trazer a pessoa.” (CUID7)
“No começo era assistente social para dar uma ajuda [...] e a enfermeira. Aí começou a ir fisioterapeuta também [...]. Toda semana acontece de aparecer sintomas diferentes, às vezes ela fica até meio assustada e a gente também, porque a gente não entende direito. E aí para gente é muito bom ter esse acompanhamento em casa.” (CUID8)
Ao lidar com um familiar com doença avançada emerge a necessidade de buscar informações e se comunicar com a equipe de saúde.
“A gente tira toda dúvida com os enfermeiros ou com o médico que vão em casa, e também minha mãe fala com o portal daqui [...]. Minha mãe entra em contato toda segunda, eles pedem relatório dela no final de semana, como foi em casa, se sentiu dores. [...] Tem um sistema novo e a gente manda para esse sistema. Aí dá para enviar foto, a gente manda tudo por lá.” (CUID8)
Quando questionados acerca das próprias necessidades, os cuidadores demandaram apoio psicológico.
“Eu acho que o psicólogo, hoje em dia, é a melhor base para poder dar continuidade. Porque se a gente não cuidar do nosso psicológico, como é que a gente vai ajudá-la?” (CUID8)
Os cuidadores relataram dificuldades no acesso à Atenção Primária à Saúde quando se trata do próprio cuidado.
“É muito difícil eu procurar a Clínica da Família.[...] É muita demora [...] é sempre marcação de três, quatro meses. Nem sempre você pode esperar esse tempo.” (CUID26)
“Eu não tenho Clínica da Família, pelo menos onde moro, não tem. A Clínica da Família, que eu saiba, está suspensa.” (CUID25)
A categoria “Rede de apoio informal ao cuidador” apresenta, como um de seus pontos, o suporte de familiares, amigos e vizinhos.
“Tem uma vizinha que me ajuda a tomar conta da casa e lavar roupas, porque como eu estou aqui, ela pega todas as roupas e lava. Isso já é uma ajuda fantástica.” (CUID26)
“Meus irmãos vão domingo, ficam conversando. Se precisar de ajuda para trocar ou para ir ao banheiro, meu cunhado ajuda a colocar na cadeira para levar para o banheiro, porque precisa de dois para dar banho nela.” (CUID18)
No que concerne à espiritualidade, os cuidadores afirmaram receber apoio de suas comunidades religiosas.
“Nós somos cristãos e estamos sempre recebendo visitas. Ontem tivemos visita de alguns irmãos e do pastor. Então fomos sempre bem apoiados [...] pelo espiritual. [...] Quando não podem, estão sempre mandando mensagem e perguntando por ela. Isso que me ajuda.” (CUID26)
Os cuidadores relataram limitações para compartilhar tarefas com terceiros.
“Sua família pode ser enorme, mas cada um tem a sua ocupação: é casado, tem filho, tem emprego. [...] Você vai pagar o aluguel deles? Pagar as contas deles?” (CUID7)
A categoria “Sobrecarga do cuidador principal” expõe a alta demanda de atividades e cuidado em tempo integral.
“Em termos braçais “eu vou lá, conta comigo”, sou eu mesma, minha filha. Se não for eu, eu não tenho ninguém, não. Você acha que eu sequei, por quê? Do manequim 48, agora eu estou aqui com, acho que, 42, ou 40, sei lá. O negócio só está diminuindo. A gente se doa, a gente se entrega em prol de uma vida” (CUID25)
Ao serem questionados sobre os cuidados com a própria saúde, os cuidadores relatam:
“Eu vou ser sincera, eu quase não vou ao médico, ainda mais agora que eu fiquei e estou cuidando dela sempre, eu quase não tenho tempo.” (CUID29)
Além disso, uma parcela significativa relata não saber quais serviços de saúde estão disponíveis para o próprio cuidado e cuidado do paciente.
“Eu desconheço. Não costumo usar.” (CUID1)
“Vou te dizer que eu não sei bem, não.” (CUID27)
DISCUSSÃO
O perfil dos participantes expõe o predomínio de mulheres com raça/cor autodeclaradas pretas e pardas, baixa renda e com comorbidades como cuidadoras principais. O grupo de participantes que deixou de ter vínculo empregatício e/ou educacional para cuidar do familiar é composto integralmente por mulheres negras. Esses dados em consonância com a literatura, confirmam a predominância das atribuições culturalmente designadas ao gênero feminino e reforçam que as cuidadoras negras são atravessadas por condicionantes de classe, raça e gênero que se sobrepõem e geram desvantagens em relação à sua própria saúde e sobrecarga de atividades?.
Os resultados demonstram que os profissionais da unidade hospitalar especializada em CP utilizaram diferentes estratégias para orientação dos cuidadores durante o processo de desospitalização. Estudos realizados por Silva et al. (2020) demonstram que, após a simulação para o cuidado em domicílio, os cuidadores expressaram confiança, segurança, empoderamento e maior preparo para o cuidado após a alta hospitalar?.
Outro ponto relacionado à rede formal de cuidado é o acesso aos CP. Estudos baseados em experiências de cuidadores informais de pessoas com câncer na África Subsaariana apontam a distância do serviço de saúde como uma barreira de acesso aos CP. O custo com o transporte também é relevante, visto que muitos cuidadores não possuem veículos, e solicitar um transporte afeta significativamente a renda familiar¹?. Tal realidade é compartilhada por boa parte dos participantes dessa investigação.
A partir da análise dos discursos, observou-se que a assistência multidisciplinar, as orientações de cuidado e o manejo de sintomas pela AD do Instituto foram essenciais para a redução das iniquidades em saúde e melhoria do acesso do núcleo familiar aos CP.
Outro fator relevante são os meios utilizados para sanar dúvidas e comunicar. Os cuidadores relataram que uma alternativa utilizada pelo Instituto para a prestação de assistência de forma remota e segura é a utilização de uma aplicação de comunicação, cujo intuito é facilitar o apoio e o monitoramento dos pacientes. Com esta ferramenta pacientes e cuidadores podem contactar os profissionais de saúde em tempo real, realizar relatos semanais, enviar fotos e outros arquivos que facilitem a comunicação.
O teleatendimento é uma ferramenta para o suporte à qualidade de vida dos pacientes e cuidadores em CP, pois combina a capacidade de evitar que pacientes mais debilitados precisem sair do domicílio para receber assistência e reduz o tempo de resposta no gerenciamento de sintomas e metas de cuidado¹¹.
Os participantes apontaram o apoio psicológico como principal necessidade para dar continuidade ao cuidado do paciente e para gestão do autocuidado. Familiares que testemunham o sofrimento do paciente podem experienciar angústia e culpa por não conseguirem confortá-los ou obter a assistência necessária¹². Os benefícios da psicoterapia para os familiares permite a validação dos sentimentos vivenciados, acolhimento?, melhor gerenciamento de conflitos e decisões, auxílio no luto, redução de sintomas psicopatológicos existentes, e/ou prevenção de incidência de sintomas futuros diante da perda iminente¹³.
Quando questionados acerca da utilização da Atenção Primária à Saúde para a gestão da própria saúde, os cuidadores relataram dificuldade no acesso, o que ratifica dados da literatura que afirmam que as experiências nem sempre são positivas devido à barreiras, como filas para marcação de consulta, demora no atendimento, baixa resolutividade e falta de informação sobre a disponibilidade de serviços¹?. Esses fatores podem levar à negligência dos cuidados com a própria saúde, e intensificar experiências emocionais difíceis¹?.
No que tange a rede de apoio informal, foi observado que a presença de familiares, amigos e vizinhos afetou positivamente o bem estar do cuidador. As tarefas práticas envolveram a realização de atividades instrumentais da vida diária, de cuidados com o paciente, e apoio emocional por meio de visitas e conversas.
Foi observado que, dentre os cuidadores que associam a sua espiritualidade às crenças e práticas religiosas, ter o apoio espiritual, as visitas em suas casas e oferta de recursos materiais de suas comunidades religiosas, foram resultados positivos. De acordo com a literatura, esse suporte pode auxiliar a enfrentar os dias difíceis, pois, para muitos, a fé é um mecanismo para aliviar as tensões do fim de vida¹?.
Alguns cuidadores, porém, relataram dificuldade em compartilhar tarefas devido à alta demanda de atividades e questões socioeconômicas de familiares e amigos. Observou-se a presença de dinâmicas familiares que inviabilizam a alternância no cuidado devido ao distanciamento emocional, tensões pré-existentes, e distâncias geográficas que dificultam o suporte aos cuidadores, o que demonstra consonância com dados da literatura¹?.
Uma forma de ampliar as redes de suporte aos cuidadores seria o estímulo à formação de Comunidades Compassivas. Apesar dessa ferramenta ainda estar em processo de implementação no Brasil, a literatura aponta alguns exemplos bem sucedidos em que se utilizam abordagens de desenvolvimento comunitário para aumentar a conscientização sobre o morrer e desenvolver a capacidade das pessoas cuidarem umas das outras¹?.
Outro ponto abordado foi a sobrecarga do cuidador principal. Muitos participantes relataram ofertar cuidados em tempo integral e como isso os afeta física, psicológica, social e financeiramente. Estudos apontam que conciliar as responsabilidades de cuidados com as suas próprias atividades, vida familiar e trabalho tem um custo, e muitos cuidadores precisam fazer mudanças significativas em suas vidas, como desistir dos estudos, emprego ou transferir oportunidades de carreira, especialmente por cuidadores jovens. Isto tem repercussões na situação financeira, com consequências, por vezes, para a família em geral¹?.
Os participantes relataram alterações significativas de peso corporal, ciclo de sono-vigília e impacto na saúde mental como as principais alterações fisiológicas que afetam a qualidade de vida. Os cuidadores podem apresentar condições de saúde, secundárias à ausência das suas atividades normais no processo vital¹? e podem agravar comorbidades preexistentes pela falta ou reduzida autogestão do cuidado.
Uma significativa parcela dos participantes afirmou não saber quais serviços de saúde são oferecidos pela RAS. Segundo a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB, 2012), a atenção primária no Brasil caracteriza-se pela descentralização na prestação do serviço, ofertando acesso o mais próximo da vida das pessoas¹?,¹?. No entanto, os participantes só relataram receber apoio formal da unidade hospitalar especializada. É preciso educação em saúde para superar o desconhecimento e suas consequências, como a inequidade de acesso.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A abordagem qualitativa foi fundamental para observar que para além das dificuldades inerentes ao papel de cuidador principal, existem determinantes sociais e interseccionalidades que potencializam a sobrecarga e afetam a saúde e bem estar.
O enfermeiro como profissional deve direcionar a atenção também aos cuidadores, utilizando comunicação efetiva, ajudando-os a identificar suas necessidades, reconhecer suas redes de apoio, delegar tarefas, navegar pela rede de atenção à saúde e identificar serviços disponíveis para a família.
Como limitação deste estudo destaca-se a escolha de um cenário particular, que pode não estar em consonância com a realidade de outras unidades de saúde, visto que é referência nacional em cuidados paliativos especializados. Ter realizado a coleta de dados no ambiente hospitalar também foi uma limitação, visto que adentrar no ambiente domiciliar poderia ter contribuído com diferentes oportunidades para explorar os conhecimentos dessas redes formais e informais de cuidado, onde de fato elas estão vivas e em movimento.
Os resultados contribuem para discussões referentes ao papel da enfermagem na promoção da transversalização do cuidado, acesso às redes de apoio formal e informal, comunicação dos profissionais de saúde com o núcleo familiar, itinerário terapêutico do cuidador na rede de atenção à saúde, e novos modelos de gestão do cuidado, principalmente que integre o cuidado paliativo especializado com os serviços da atenção primária.
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Contribuições dos autores:
Concepção do estudo: LCMM, MMS. Coleta de dados: LCMM, BBF, BBS. Análise dos dados e interpretação dos resultados. LCMM, ACT, NCCMB, BBF, BBS, CRSLB, ACJSC, MMS. Redação e revisão crítica do artigo. LCMM, ACT, NCCMB, BBF, BBS, CRSLB, ACJSC, MMS. Aprovação da versão final a ser publicada. LCMM, ACT, NCCMB, BBF, BBS, CRSLB, ACJSC, MMS.