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Homenageada pelo CNPq, pesquisadora emérita da Fiocruz Cecília Minayo

Publicada em 06/06/2019 | Novidades


Homenageada pelo CNPq, pesquisadora emérita da Fiocruz fala sobre violência e saúde

Gustavo Mendelsohn de Carvalho (Agência Fiocruz de Notícias)

 

(foto: Peter Ilicciev)  

O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) concedeu (15/5) Menções Especiais de Agradecimento a diversas a pessoas e instituições com significativos serviços prestados à instituição. Entre os homenageados, estava Maria Cecília Minayo, pesquisadora titular da Fiocruz, coordenadora científica do Centro Latino-Americano de Estudos de Violência e Saúde Jorge Careli (Claves) e detentora de vários prêmios, dentre eles, a Medalha de Mérito da Saúde Oswaldo Cruz do Ministério da Saúde (2009) e o Prêmio de Direitos Humanos (2014) conferido pela Presidência da República. 

Cecília Minayo, é editora chefe da Revista Ciência & Saúde Coletiva da Abrasco, e membro do conselho editorial de 14 revistas científicas nacionais e estrangeiras. Seu livro Novas e Velhas Faces da Violência no Século 21: visão da literatura brasileira do campo da saúde (Editora Fiocruz), organizado em conjunto com Simone Gonçalves de Assis, foi premiado na categoria Ciências Humanas do Prêmio Abeu 2018. No encerramento das comemorações dos 119 anos da Fiocruz (31/5), ela recebeu o diploma de Pesquisadora Emérita da instituição, ao lado de Euzenir Sarno, Alzira de Almeida, Renato Cordeiro e Paulo Marcos Zech Coelho.

Nesta entrevista para a Agência Fiocruz de Nóticias (AFN), Cecília Minayo reflete sobre questões atuais e históricas da violência e sobre sua relação com a saúde das pessoas e perspectivas de atuação na conjuntura brasileira atual.

AFN: Na sua opinião, o que está sendo feito de errado no enfrentamento da violência no Brasil e no mundo?

Maria Cecília Minayo: Por incrível que pareça a violência no mundo está diminuindo, tanto homicídios, como suicídios, acidentes. O lugar onde há um aumento da violência, sobretudo social, é na região das Américas, em contraponto a todo resto do mundo. Nós trabalhamos com o tema da violência há 30 anos, em nosso livro a gente mostra que às vezes vemos a violência como o tiroteio na Maré, em Manguinhos (RJ), ou como a chegada de uma carga de droga na comunidade. Mas o conceito de violência é muito mais complexo e mais amplo, eu sempre digo que ela nasceu conosco. Se você olhar a Bíblia, no mito do nascimento da Humanidade: Adão e Eva saíram do Paraíso, tiveram dois filhos, e o que aconteceu? Caim matou Abel. Isso quer dizer que a violência é um fenômeno social, e diria mais, é impossível acabar com ela. Porque ela atinge a nós todos e nós todos participamos dela de alguma forma. É uma coisa muito geral e o setor saúde tem que trabalhar com isso. No livro, falamos da violência contra a criança e o adolescente, contra a mulher, contra a pessoa idosa, contra a população LGBT, a violência na saúde.

O que está sendo feito de errado nesse momento são as ideias de segurança pública do governo Bolsonaro. Não quer dizer que não se fizesse coisas erradas antes. Aqui no estado do Rio de Janeiro, já foi nomeado um Secretário de Segurança que premiava policiais pelas mortes de bandidos. Mas agora isso está explicito, porque o plano de segurança pública do Bolsonaro é de armar a população, e isso é absolutamente inaceitável do ponto de vista social e da saúde. Se nós temos mais de 70% das mortes por homicídio e suicídios por arma de fogo, como achar que aumentando a quantidade de armas e munições para a população vai trazer algum benefício. A proposta do nosso governador [Wilson Witzel] de abater os criminosos também é absolutamente errada. Isso significa que a área de segurança pública está abrindo mão da inteligência, da sua capacidade de prender e de ressocializar, que é o projeto constitucional. Estou falando de coisas muito concretas que estão erradas, como a mudança do Estatuto do Desarmamento, a licença para matar, tudo isso que está acontecendo quase como uma política de Estado. Mas a fonte disso é uma ideologia que prega que temos que matar as pessoas, e uma involução, porque as polícias foram criadas no mundo pelo Estado moderno para substituir a lógica de que é cada um por si, a vingança pelas próprias mãos, você pode ter uma arma você mata. É uma volta à Idade Média.

A raiz dessa violência terrível que vivemos no país é a extrema desigualdade social, que foi agravada pela crise. Um colega meu dizia que quando você observa um doente terminal, os sinais vitais dele são curvas que nunca sobem, a desigualdade no Brasil é esse doente terminal que nunca se sabe quando será o fim. Tem uma causa social profunda, que envolve a todos, temos que pensar em reformas sociais de maior expansão de igualdade no país.

AFN: O que deveria ser feito, qual é a atuação do Claves nesse sentido?

Maria Cecília Minayo: A mais simples violência que existe está articulada à violência em geral. Então, enquanto a segurança pública está voltada particularmente para prender e tirar de circulação os agressores, o setor saúde está preocupado com as vítimas e com a prevenção, inclusive dos agressores. Em um momento em que a violência estava muito forte aqui, o diretor do [Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos da Fiocruz] Bio-Manguinhos fez uma proposta para trabalharmos lá essa questão, mas na verdade o que ele estava querendo era um projeto de segurança pública, eu não sou capaz. O Claves estuda os efeitos da violência oficial, da violência comunitária, da violência institucional e individual sobre a saúde das pessoas. Segurança pública é uma área especializada, por exemplo, o pessoal do Instituto Igarapé (ONG com sede no Rio de Janeiro) trabalha com isso, assim como o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Nós participamos levando a contribuição do setor saúde, mostrando os dados de mortalidade e morbidade.

Temos que ter uma política de nível federal que articule as informações sobre segurança pública, inclusive isso começou no governo Temer, com o Raul Jungmann. Isso não sei em que ponto está, porque o que aparece agora é o projeto faroeste. Está faltando um programa federal de apoio à formação dos policiais, que tem que ter a questão de segurança pública ligada aos direitos humanos. Outra coisa é a proteção de fronteiras, hoje temos tecnologia para isso. Quando analisamos os dados atuais de mortalidade ou de insegurança pública, vemos que quase 50% da criminalidade se deve ao tráfico de armas e drogas, e brigas entre facções. Não há como colocar um policial agarrado em cada pessoa. Então, é necessário um projeto nacional de inteligência não só para as fronteiras secas, mas também oceânicas e aéreas.

AFN: Como a violência social afeta a saúde das pessoas?

Maria Cecília Minayo: Do ponto de vista da saúde, temos mil coisas que podem ser feitas. Por exemplo, em relação a maus tratos de crianças e adolescentes, hoje sabemos que eles ficam na mentalidade das vítimas na forma de traumas. Isso tem muitas consequências, duas são muito conhecidas: a rebeldia total ou a depressão. Os dois levam a dificuldades na escola, de aprendizagem e socialização. No caso das mulheres, que é muito público, porque as mulheres resolveram botar a boca no mundo, os estudos mostram que 35% das queixas que elas levam ao serviço de saúde se deve a violência que sofrem. Não é só a violência física, o hematoma, o braço quebrado, é também depressão, insônia, problemas de estômago, de envelhecimento precoce.

Sobre os homens, é impressionante quando você vê os dados, eles se cuidam muito pouco, mas são os que morrem mais por homicídio. Nós fizemos aqui um pequeno estudo, uma dissertação de um aluno de mestrado que é policial civil. Ele estudou os dados de um ano recente de mortes por homicídio aqui na cidade do Rio de Janeiro, cada boletim de ocorrência, cada atestado de óbito. Nós estudamos o ‘quem mata’, porque todo mundo fala que quem morre são os negros, os favelados. Mas quem mata? São os mesmos, 96% dos homicídios são cometidos por homens. São aqueles que tem menos escolaridade, que estão desempregados, que tem trabalho informal. As mesmas características. Verificamos que apenas 20% dos casos são elucidados. Os homens são também os que morrem mais em acidentes de trânsito, por suicídio, tem uma coisa de machismo na violência, algo que é pouco analisado, mas que os dados do setor saúdem podem ajudar. Machismo é uma questão cultural, mas está absolutamente implicado com a violência.

A violência afeta profundamente a vida das pessoas, pelos traumas e lesões, o que é mais visível. Mas também por problemas mentais, imagine a mãe de família que tem um filho que foi morto, isso a afeta não só porque o filho morreu, afeta profundamente a família, e afeta a sociedade porque perdeu uma pessoa que poderia estar produzindo. Há um autor francês, o sociólogo Jean Claude Chesnais, que, estudou mais de 200 anos de violência na Europa, do final do século 18 até 1980. Ele mostrou dados só sobre homicídios, que é o indicador universal de violência, porque, mesmo com cemitérios clandestinos, não dá muito para esconder. Dá para esconder que o marido bateu, que o filho foi maltratado, mas homicídio raramente... Ele viu que, quando começou a estudar, as taxas de mortalidade eram em média de 60%. Para se ter uma ideia, aqui no Brasil atualmente é de 23%, na Europa isso baixando e hoje você tem 1 ou 0,5 por 100 mil. Ou seja, lá a violência caiu. No estudo, ele mostrou - acho que hoje as coisas seriam até mais complexas - o que atuou para que a violência diminuísse: melhoria das condições de vida da classe trabalhadora e a educação formal, que nos faz preferir a palavra à arma. Ele diz que esses dois fatores influenciaram muito mais na queda da violência do que as políticas de segurança pública, embora estas sejam superimportantes. Eu costumo dizer que o contrário da violência não é a não violência, o antídoto da violência é a inclusão social, que se dá por meio desses dois fatores. Eu nunca vou conhecer isso, mas eu espero que as gerações futuras trabalhem nessa direção. 

AFN: Uma das muitas homenagens em reconhecimento ao seu trabalho, foi o título Benemérito do Estado do Rio de Janeiro, durante sessão solene na Assembleia Legislativa que celebrou os 209 anos da Polícia Militar em maio de 2018. Como se deu esta homenagem?

Maria Cecília Minayo: Fiquei extremamente honrada com essa homenagem, que se deve muito à pesquisa Missão Prevenir e Proteger: condições de vida, trabalho e saúde dos policiais militares do Rio de Janeiro, alertando para atenção à saúde física, mental e às condições de trabalho, salários e violência as quais os policiais civis e militares do Rio de Janeiro são submetidos. Essa homenagem me engrandeceu, eu pensei: todo mundo fala mal dos policiais, mas o policial é um ser humano, que sofre, que ama, que tem dificuldades, que ganha pouco, que tem família, que tem um trabalho dos mais perigosos. Nossa intenção era falar da pessoa do policial, da saúde dele, dos problemas que ele tem, da família, das condições de trabalho, das dificuldades e das propostas para melhorar. Toda audiência na Assembleia que diz respeito aos policias eles me chamam, e eu vou. Fui convidada para um evento no dia 12 de junho, pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, da [ministra] Damares Alves, para falar sobre a violência contra idosos (15 de junho é o Dia Mundial de Conscientização da Violência contra a Pessoa Idosa), que é um objeto que estou estudando profundamente agora. Querem que a gente faça um manual para formação de cuidadores. Então, fui convidada, eu vou, não sabem o que eu vou falar... Estamos vivendo um momento muito difícil, mas mais forte que os governos é a sociedade brasileira.

Link: https://agencia.fiocruz.br/homenageada-pelo-cnpq-pesquisadora-emerita-da-fiocruz-fala-sobre-violencia-e-saude


Fonte: https://agencia.fiocruz.br/homenageada-pelo-cnpq-pesquisadora-emerita-da-fiocruz-fala-sobre-violencia-e-saude




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