Leia o artigo sobre Violência obstétrica
Violência obstétrica: influência da Exposição Sentidos do Nascer na vivência das gestantes
Ciênc. saúde coletiva vol.24 no.8 Rio de Janeiro ago. 2019 Epub 05-Ago-2019
Sônia Lansky1
http://orcid.org/0000-0001-5533-4858
Kleyde Ventura de Souza2
http://orcid.org/0000-0002-0971-1701
Eliane Rezende de Morais Peixoto2
http://orcid.org/0000-0003-2179-6071
Bernardo Jefferson Oliveira2
http://orcid.org/0000-0002-9528-9147
Carmen Simone Grilo Diniz3
http://orcid.org/0000-0002-0069-2532
Nayara Figueiredo Vieira2
http://orcid.org/0000-0001-6218-1394
Rosiane de Oliveira Cunha2
http://orcid.org/0000-0002-6442-3358
Amélia Augusta de Lima Friche2
http://orcid.org/0000-0002-2463-0539
1Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte. Av. Afonso Pena 2336, Funcionários. 30130-170 Belo Horizonte MG Brasil. sonialansky@gmail.com
2Escola de Enfermagem, Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte MG Brasil.
3Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo. São Paulo SP Brasil.
O excesso de intervenções no parto no Brasil tem sido reportado como violência obstétrica e contribui para os índices elevados morbi-mortalidade materna e neonatal. A exposição Sentidos do Nascer busca incentivar o parto normal para promover a saúde e melhorar a experiência de parir e nascer no País. Este artigo analisa o perfil e a experiência de parto de 555 mulheres que visitaram a exposição durante a gestação, com enfoque na percepção sobre violência obstétrica. A violência obstétrica foi reportada por 12,6% das mulheres e associada ao estado civil, à menor renda, à ausência de companheiro, ao parto em posição litotômica, à realização da manobra de Kristeller e à separação precoce do bebê após o parto. Predominaram nos relatos de violência obstétrica: intervenção não consentida/aceita com informações parciais, cuidado indigno/abuso verbal; abuso físico; cuidado não confidencial/privativo e discriminação. A visita à exposição aumentou o conhecimento das gestantes sobre violência obstétrica. Entretanto, o reconhecimento de procedimentos obsoletos ou danosos na assistência ao parto como violência obstétrica foi ainda baixo. Iniciativas como esta podem contribuir para ampliar o conhecimento e a mobilização social sobre as práticas na assistência ao parto e nascimento.
Palavras-chave Violência contra a mulher; Parto; Saúde materno-infantil Educação em saúde
Excessive interventions during labor in Brazil have been reported as disrespect and abuse and contribute to neonatal and maternal morbidity and mortality. The Senses of Birth exhibition aims to encourage normal birth to promote health and improve the experience of childbirth in the country. This article describes the characteristics of 555 women who visited the exhibition during pregnancy and their perception of obstetric violence in childbirth. Obstetric violence was reported by 12.6% of the women, mostly low-income and unmarried. It was associated to lithotomic position and Kristeller maneuver during childbirth and non-immediate skin-to-skin contact with the baby. The main categories of obstetric violence reported were: not accepted interventions /accepted interventions on the basis of partial information (36.9%), undignified care / verbal abuse (33.0%); physical abuse (13.6%); non-confidential / non-privative care (2.9%) and discrimination (2.9%). Visiting the exhibition significantly increased pregnant women’s knowledge about obstetric violence. However, recognition of obsolete or harmful practices as obstetric violence was still low. Initiatives such as Senses of Birth may contribute to increase knowledge and social mobilization to disseminate good practices in childbirth care.
Key words Violence against women; Parturition; Maternal and child health; Health education
INTRODUÇÃO
O conceito disrespect and abuse during childbirth tem sido internacionalmente utilizado para designar o que no Brasil é denominado violência obstétrica (VO), violência no parto, violência institucional ou estrutural na atenção ao parto1-4. Esta terminologia foi proposta para a identificação de qualquer ato de violência direcionado à mulher grávida, parturiente ou puérpera ou ao seu bebê, praticado durante a assistência profissional, que signifique desrespeito à sua autonomia, integridade física e mental, aos seus sentimentos, opções e preferências. A violência obstétrica foi recentemente reconhecida pela Organização Mundial da Saúde, em 2014, como uma questão de saúde pública que afeta diretamente as mulheres e seus bebês5.
Considera-se como violência obstétrica desde demoras na assistência, recusa de internações nos serviços de saúde, cuidado negligente, recusa na administração de analgésicos, maus tratos físicos, verbais e ou psicológicos, desrespeito à privacidade e à liberdade de escolhas, realização de procedimentos coercivos ou não consentidos, detenção de mulheres e seus bebês nas instituições de saúde, entre outros5,6. Abrange a não utilização de procedimentos recomendados, assim como a utilização de procedimentos desnecessários, não recomendados e/ou obsoletos e que podem causar dano. Procedimentos não justificados podem gerar conseqüências e iatrogenias, com efeitos evitáveis sobre a saúde da mulher e a do bebê, como a distócia no parto, hemorragias e hipóxia neonatal, além da insatisfação da mulher e a depressão pós-parto5-7.
A violência obstétrica é considerada como violência de gênero, por se dirigir especificamente a mulheres e permear relações de poder desiguais na nossa sociedade8,9. Em países como a Venezuela e a Argentina, por exemplo, a VO foi tipificada em legislação nacional como violência contra a mulher4.
No Brasil, a pesquisa Mulheres brasileiras e gênero nos espaços públicos e privados10 verificou que uma em cada quatro mulheres sofre algum tipo de violência durante o parto, desde gritos, procedimentos dolorosos sem consentimento ou informação, falta de analgesia e até negligência. Na pesquisa Nascer no Brasil, inquérito nacional realizado com 23.940 puérperas, identificou-se excesso de intervenções no parto e nascimento, apontando um modelo assistencial marcado por intervenções desnecessárias e muitas vezes prejudiciais, expondo mulheres e crianças a iatrogenias11. Mais da metade das mulheres tiveram episiotomia, 91,7% ficou em posição de litotomia no parto, quando as evidências recomendam posições verticalizadas; a infusão de ocitocina e ruptura artificial da membrana amniótica para aceleração do trabalho de parto foi utilizada em 40% das mulheres e 37% foram submetidas à manobra de Kristeller (pressão no útero para a expulsão do bebê), procedimento agressivo e que traz consequências deletérias para a parturiente e seu bebê11.
A hipermedicalização da assistência ao parto no Brasil, ilustrada pelas taxas elevadas de cesariana (56,9% em 2015)12, o uso abusivo de ocitocina e da episiotomia, entre outros, tem sido associada a efeitos iatrogênicos e aumento da morbidade materna e infantil, como a prematuridade iatrogênica, a internação de bebês em UTI, a hemorragia e infecção maternas13,14. Há um distanciamento das evidências científicas disponíveis desde 198515 e recentemente atualizadas nas Diretrizes de Assistência ao parto normal do Ministério da Saúde16,17, o que demanda mudanças no modelo assistencial para a promoção da saúde e prevenção quaternária, fundamentada no princípio da bioética de não maleficência: primeiro não lesar13. Para além da universalização do cuidado à saúde, é necessário avançar na qualidade e na segurança da assistência, uma vez que o cuidado desrespeitoso ou abusivo pode ter efeitos negativos na saúde18.
A repercussão da violência obstétrica sobre a utilização de serviços de saúde é uma preocupação, na medida em que a qualidade da assistência afeta a experiência de parir das mulheres, a experiência de nascer das crianças e a cultura da sociedade sobre o nascimento, e pode comprometer a credibilidade dos serviços de atenção ao parto6.
O excesso de mortes infantis evitáveis e o ritmo lento de queda da mortalidade materna no Brasil tem sido ressaltado como efeito, em parte, do excesso de intervenções sem indicação no parto e nascimento, com a persistência de mortes preveníveis pela atenção de saúde11,13,14. A taxa de mortalidade infantil (TMI) de 14/1000 no Brasil é considerada elevada se comparada aos índices de países com nível igual ou inferior de desenvolvimento econômico e tecnológico como Chile, Costa Rica ou Cuba, que já atingiram 1 dígito de TMI.119-21. Para a morte materna seria recomendada uma razão < 20 óbitos por 100.000 nascidos vivos, enquanto o Brasil apresenta índices de 60/100.00022.
A violência obstétrica é, portanto, tema de relevância para a política pública de saúde da mulher e da criança no Brasil, assim como para a formação dos profissionais e gestores de saúde, tendo em vista a necessidade de mudança das práticas assistenciais e do sistema de atenção ao parto e nascimento. No contexto brasileiro há grande influência cultural sobre a percepção do nascimento na sociedade relacionado ao excesso de utilização de procedimentos. A solidão da mulher sem acompanhante no parto, as interferências na fisiologia do trabalho de parto que aumentam o seu desconforto, a falta de privacidade e o controle profissional e institucional sobre o processo de parir tem sido considerado como fatores contribuintes para o excesso de cesarianas no Brasil4. Assim, na perspectiva das mulheres, a cesariana se tornou uma alternativa à violência ou maus tratos durante o parto4,10.
Com o intuito de contribuir para a mudança da cultura da sociedade, com a valorização do parto normal e redução de intervenções desnecessárias, em 2015 foi estruturada a Sentidos do Nascer23, uma iniciativa de mobilização e divulgação das práticas baseadas em evidências na atenção ao parto e nascimento. Trata-se de uma exposição inovadora em educação em saúde que, por meio de instalações interativas visando a implicação dos sujeitos, conjuga diferentes linguagens (arte-digital com técnicas teatrais) e suportes (vídeos e fotografias, cenários, painéis), de forma a envolver e emocionar o visitante e provocar reflexões, além de disponibilizar informação atualizada e baseada em evidências científicas. Entre março de 2015 a janeiro de 2017 foram realizadas 11 montagens, em espaços públicos de ampla circulação em cinco municípios brasileiros, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Niterói, Ceilândia e Brasília, e recebeu 36.444 visitantes. Durante o seu desenvolvimento foram avaliados os efeitos da exposição no conhecimento e na percepção dos visitantes sobre o parto normal e outros aspectos relativos à assistência ao parto, os riscos da cesariana e de procedimentos recomendados e os não recomendados pelo conhecimento científico, os direitos da mulher e do bebê, entre outros, com o intuito de dimensionar seu alcance em termos de transformação cultural, mobilização social e empoderamento da mulher no parto e nascimento. O objetivo deste artigo é analisar o perfil das gestantes que visitaram a Sentidos do Nascer, a sua percepção sobre violência no parto e nascimento e os fatores socioeconômico-demográficos e assistenciais associados ao relato de VO.
MÉTODO
Estudo transversal multicêntrico e multimétodos com componente quantitativo e qualitativo, integrante da pesquisa Sentidos do Nascer. Foram utilizados os dados coletados em entrevistas após o parto, entre junho de 2015 a janeiro de 2017, com 555 (43%) das 1290 gestantes que visitaram a exposição entre março 2015 e março de 2016 e aceitaram participar da pesquisa.
Foi utilizado questionário semiestruturado aplicado imediatamente após a sua participação na exposição, com a coleta de dados socioeconômico e demográficos, dados das gestações anteriores e da gestação atual, além de perguntas relativas ao conhecimento da gestante, sua informação e percepção sobre temas relacionados ao parto e nascimento, com o objetivo de mensurar o impacto da exposição na mudança da informação, conhecimento e percepção sobre o tema. O questionário pós-parto foi aplicado por meio telefônico ou respondido por meio eletrônico pelas mulheres, contendo perguntas sobre a sua experiência no parto. O evento de interesse deste estudo foi a percepção da mulher sobre violência obstétrica, obtida por meio da pergunta “Você considera ter vivido violência/maus tratos no parto/cesariana/nascimento do bebê? Sim/Não/Não sei”. O objetivo dessa pergunta foi avaliar a percepção da mulher sobre a experiência de violência/ maus tratos e analisar as variáveis associadas.
As variáveis explicativas foram divididas em quatro grupos: (1) Características sociodemográficas: idade (≤ 19 anos,20 a 34 anos e ≥ 35 anos), cor da pele (negra [parda/preta], branca ou outras [amarela e indígena]), estado civil (solteira e separada ou casada e em união estável), escolaridade (ensino fundamental e médio/ ensino superior e mais), renda familiar (< 2 salários mínimos (SM), 2 a 5SM, e 5 a 10SM/≥ 10SM), se possui plano de saúde (sim/não); (2) Informações sobre o parto: local do parto (SUS/ Saúde Suplementar/ domicilio), tipo de parto (cesárea/ vaginal e vaginal com fórceps ou vácuo extrator), satisfação do parto (péssimo/ ruim/ indiferente e bom/ótimo); (3) Marcadores assistenciais no parto e nascimento: posição no parto (supina/litotômica e não supina), realização da manobra de Kristeller durante o parto, episiotomia e episiotomia informada (sim, não, não sabe), utilização de métodos não farmacológicos para alívio da dor durante o trabalho de parto, acompanhante em todo o período de internação para o parto, contato pele a pele com o bebê imediatamente após o nascimento e contato pele a pele com o bebê durante a 1ª hora após o nascimento (sim ou não); (4) conhecimento sobre VO antes e após a participação na Sentidos do Nascer (nenhum/ pouco/ razoável e bom/ muito bom).
As categorias de escolaridade incluem os níveis completos (concluídos) e os incompletos (em curso). A renda familiar foi estratificada em faixas de valores múltiplos do salário mínimo da época da pesquisa (R$788,00). Para a variável satisfação no parto, a entrevistada avaliou o seu parto numa escala entre 1 (péssimo) e 5 (ótimo). Para a análise, as avaliações de 1 a 3 foram agrupadas na categoria “péssimo/ruim/indiferente”, e 4 e 5, na categoria “bom/ótimo”. Os indicadores assistenciais do parto e nascimento foram: posição no parto (cócoras, no banquinho, semi-sentada, de quatro ou outra) consideradas para a categoria “não supina”, e a posição deitada na categoria “supina ou litotômica”; a pergunta “na hora do parto, alguém apertou/subiu na sua barriga para a saída do bebe”, avaliou a realização da manobra de Kristeller; e “foi realizado um corte na vagina na hora do bebe nascer?” para avaliar se realizada episiotomia; caso afirmativo, a pergunta “você foi informada que esse corte seria feito?” avaliou se a realização da episiotomia foi informada. Para o cálculo das proporções das variáveis “posição no parto”, “Kristeller”, “episiotomia” e “episiotomia informada” foram consideradas apenas as mulheres que tiveram parto vaginal. Para a variável “oferta de métodos não farmacológicos para alívio da dor” foram consideradas todas as mulheres que passaram pelo trabalho de parto. Foi considerado contato pele a pele o contato entre mãe e bebê sem roupas ou panos envolvendo o seu corpo.
Foi criada uma variável numérica identificadora para cada caso nos bancos de dados de gestantes e do pós-parto e realizada a junção dos dois bancos de dados por meio da ferramenta do programa “Merge Files”. Foi realizada análise descritiva por meio do cálculo de frequência dos dados categóricos e análise univariada, sendo realizado o teste qui-quadrado de Pearson e o cálculo do valor de p.
Para avaliar o efeito independente das variáveis de exposição foi realizada análise multivariada por regressão logística. Foram construídos dois modelos iniciais de regressão: Modelo 1 - considera a subamostra de mulheres que tiveram parto vaginal/vaginal com fórceps e as variáveis: posição no parto, Kristeller, episiotomia, episiotomia informada; Modelo 2 - considera todas as mulheres participantes do estudo: inclui a variável “Tipo de parto” e exclui as variáveis relativas exclusivamente ao parto normal.
A regressão logística foi feita em duas etapas em cada um desses modelos. Inicialmente as variáveis que obtiveram valor de p igual ou menor que 0,20 na análise univariada foram avaliadas separadamente para cada bloco de variáveis: sócio-econômico demográficas/informação sobre o parto e marcadores assistenciais no parto. A estratégia de deleção sequencial foi aplicada e apenas as variáveis com valor de p igual ou menor que 0,10 permaneceram no modelo intermediário. Todas as variáveis que permaneceram no modelo intermediário formaram um modelo multivariado geral, e a mesma estratégia de deleção sequencial foi utilizada. Apenas as variáveis com valor de p menor que 0,05 permaneceram no modelo final de cada grupo. A qualidade do ajuste do modelo final foi avaliada pelo teste Hosmer-Lemeshowe e o poder de explicação do modelo foi avaliado pelo pseudo-R2 de Nagelkerke. Para o cálculo do odds ratio (OR) a categoria “Não sei” (25 mulheres, 4,5%) do evento percepção de VO foi definida como perda. Optou-se pela exclusão no modelo de regressão logística da variável explicativa satisfação no parto, já que essa variável expressa conteúdo similar ao da variável resposta VO (Quem considera que sofreu VO provavelmente estará insatisfeita com o parto)e episiotomia informada, devido ao pequeno de informações disponíveis e consequente efeito de instabilidade do modelo.
Os dados coletados em cada fase do estudo foram compilados em bancos separados e utilizou-se o programa estatístico IBM SPSS Statistics 20R.
Para análise da percepção das mulheres sobre a vivência de violência obstétrica foram utilizadas as categorias de VO elaboradas por Bower & Hill3 e sintetizadas no Brasil por Tesser et al.24. A partir da resposta afirmativa à questão: “Você considera ter vivido violência/maus tratos no parto/cesariana/no nascimento do bebê?” e os relatos à pergunta aberta “Você considera ter vivido violência/maus tratos no parto/cesariana/no nascimento do bebê - Por favor, comente”. 64 relatos foram organizados por meio de frequência simples nas categorias propostas: abuso físico; imposição de intervenção não consentidas/intervenções aceitas com base em informações parciais ou distorcidas; cuidado não confidencial ou não privativo; cuidado indigno e abuso verbal; discriminação baseada em certos atributos; abandono, negligência ou recusa de assistência, detenção nos serviços. Entre as 70 respostas afirmativas sobre a percepção de VO, seis (6) foram excluídas: uma (01), por não haver o relato e cinco (05) por não apresentarem no conteúdo elementos que possibilitassem seu enquadramento na categorização proposta.
Exemplos de relatos das situações de violência obstétrica foram selecionados em forma de fragmentos para ilustrar as vivencias das participantes com sua respectiva categorização segundo a proposta de Tesser et al.24.
Este estudo constitui parte da pesquisa “Sentidos do Nascer: Efeitos de uma exposição interativa na transformação da percepção sobre o parto e nascimento” aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais. Todas as participantes assinaram termo de consentimento livre e esclarecido, de acordo com a Resolução 412/2012 do Conselho Nacional de Saúde.
RESULTADOS
O perfil do grupo em estudo é predominantemente de mulheres jovens com idade entre 20 e 34 anos (77,3%); 16,8% das mulheres tinham 35 anos ou mais e 5,9% eram adolescentes (Tabela 1). A maioria (51,8%) se identificou como negra (pardas/pretas), casada ou com união estável (84,5%) e 77,4% tinha ensino superior. A maior parte das mulheres declarou ter renda familiar acima de 2 salários mínimos (80,2%), 21,6% tinha renda acima de 10 salários mínimos e 78,8% relataram ter plano de saúde.
Tabela 1 Características das mulheres entrevistadas no pós-parto de acordo com o relato de violência obstétrica, Sentidos do Nascer,Brasil, 2015-2017.
Características | Violência Obstétrica | Valor-p | Total (N = 530)* n(%) |
|
---|---|---|---|---|
Sim (N = 70)* n(%) |
Não (N = 460)* n(%) |
|||
Idade | ||||
≤19 | 2 (2,9) | 29 (6,4) | ** | 31 (5,9) |
20-34 | 59 (84,3) | 347 (76,3) | 0,136 | 406 (77,3) |
≥35 | 9 (12,9) | 79 (17,4) | 88 (16,8) | |
Cor da Pele | ||||
Negra (Parda/preta) | 44 (62,9) | 230 (50,1) | 0,047 | 274 (51,8) |
Outras | 3 (4,3) | 8 (1,7) | 0,165 | 11 (2,1) |
Branca | 23 (32,9) | 221 (48,1) | 244 (46,1) | |
Estado civil | ||||
Solteiro/separado | 19 (27,1) | 63 (13,7) | 0,004 | 82 (15,5) |
Casado/ união estável | 51 (72,9) | 397 (86,3) | 448(84,5) | |
Escolaridade1 | ||||
Ensino Fundamental /Médio | 12 (17,1) | 106 (23,5) | 0,240 | 118 (22,6) |
Ensino Superior ou + | 58 (82,9) | 346 (76,5) | 404 (77,4) | |
Renda familiar2 | ||||
< 2 SM | 14 (23,0) | 84 (19,4) | 0,509 | 98 (19,8) |
2 a <5 SM | 25 (41,0) | 136 (31,3) | 0,132 | 161 (32,5) |
5 a 10 SM | 17 (27,9) | 112 (25,8) | 0,731 | 129 (26,1) |
≥ 10 SM | 5 (8,2) | 102 (23,5) | 107 (21,6) | |
Plano de Saúde | ||||
Não | 21 (30,0) | 91 (19,8) | 0,052 | 112 (21,2) |
Sim | 49 (70,0) | 368 (80,2) | 417 (78,8) | |
Local do parto | ||||
SUS | 32 (45,7) | 160 (34,9) | 0,078 | 192 (36,3) |
Domicilio | 1 (1,4) | 23 (5,0) | ** | 24 (4,5) |
SS3 | 37 (52,9) | 276 (60,1) | 313 (59,2) | |
Tipo de parto | ||||
Cesárea | 39 (55,7) | 206 (44,8) | 0,087 | 245 (46,2) |
Vaginal/ Vaginal com fórceps ou vácuo extrator | 31 (44,3) | 254 (55,2) | 285 (53,8) | |
Satisfação no parto | ||||
Péssimo/ruim/indiferente | 55 (78,6) | 63 (13,7) | <0,001 | 118 (22,3) |
Bom/Ótimo | 15 (21,4) | 397 (86,3) | 412 (77,7) |
*O totais variam de acordo com os dados perdidos.
1Considerado ensino completo ou incompleto (em curso).
2Salario mínimo em 2015: R$788,00.
3SS: Saúde Suplementar.
**Cálculo do X2 não é possívelpois não foi atingido o número de indivíduos esperado para a célula..
A maioria das mulheres teve parto em hospital do Sistema de Saúde Suplementar (59,2%), 36,3% utilizaram o SUS e 4,5% tiveram parto domiciliar (Tabela 1). A proporção de cirurgia cesariana no grupo estudado foi de 46,2%, 53,8% das mulheres tiveram parto vaginal e o índice de satisfação com o parto (bom/ótimo) foi de 77,7%.
Entre o grupo de mulheres que teve parto vaginal, 46,4% ficaram na posição litotômica no momento do parto, em 23,7% foi realizada a manobra de Kristeller, em 30,4% foi realizada a episiotomia, e a realização desse procedimento não foi informada para 35,6% das mulheres (Tabela 2). Dentre aquelas que tiveram trabalho de parto, 82,4% informaram ter tido acesso a algum tipo de método não farmacológico para a dor. A presença do acompanhante em todo o período de internação foi relatada por 85,2% das mulheres entrevistadas, 70,1% tiveram contato pele a pele imediato com o seu bebê e 57,3% tiveram contato pele a pele na primeira hora de vida.
Tabela 2 Conhecimento sobre violência obstétrica(VO) antes e depois da participação na exposição Sentidos do Nascer e marcadores assistenciais no parto versus relato de violência obstétrica. Brasil, 2015-2017.
Características | Violência Obstétrica | Valor-p | Total geral (N = 530)* n(%) |
|
---|---|---|---|---|
Sim (N = 70)* n(%) |
Não (N = 460)* n(%) |
|||
Conhecimento de violência obstétrica antes da visita a Exposição Sentidos do Nascer | ||||
Nenhum/pouco/ razoável | 40 (58,0) | 230 (50,7) | 0,258 | 270 (51,6) |
Bom/ Muito bom | 29 (42,0) | 224 (49,3) | 253 (48,4) | |
Conhecimento de violência obstétrica apos da visita a Exposição Sentidos do Nascer | ||||
Nenhum/pouco/ razoável | 6 (8,8) | 58 (12,7) | 0,366 | 64 (12,2) |
Bom/ Muito bom | 62 (91,2) | 400 (87,3) | 462 (87,8) | |
Posição no parto1 | ||||
Supina/litotômica | 25 (83,3) | 105 (42,0) | < 0,001 | 130 (46,4) |
Não supina | 5 (16,7) | 145 (58,0) | 150 (53,6) | |
Kristeller1 | ||||
Sim | 17 (56,7) | 50 (19,8) | < 0,001 | 67 (23,7) |
Não sabe | 0 (0,0) | 1 (0,4) | ** | 1 (0,4) |
Não | 13 (43,3) | 202 (79,8) | 215 (76,0) | |
Episiotomia1 | ||||
Sim | 17 (54,8) | 69 (27,4) | 0,002 | 86 (30,4) |
Não sabe | 1 (3,2) | 3 (1,2) | ** | 4 (1,4) |
Não | 13 (41,9) | 180 (71,4) | 193 (68,2) | |
Episiotomia informada1 | ||||
Não | 11 (57,9) | 25 (30,5) | 0,025 | 36 (35,6) |
Não sabe | 1 (5,3) | 4 (4,9) | ** | 5 (5,0) |
Sim | 7 (36,8) | 53 (64,6) | 60 (59,4) | |
Oferta de métodos não farmacológicos para alivio da dor2 | ||||
Não | 10 (20,4) | 55 (17,2) | 0,582 | 65 (17,6) |
Sim | 39 (79,6) | 265 (82,8) | 304 (82,4) | |
Acompanhante em todo o período de internação | ||||
Não | 17 (25,4) | 59 (13,3) | 0,009 | 76 (14,8) |
Sim | 50 (74,6) | 386 (86,7) | 436 (85,2) | |
Contato pele a pele com o bebê imediatamente após o nascimento | ||||
Não | 37 (54,4) | 119 (26,3) | <0,001 | 156 (29,9) |
Sim | 31 (45,6) | 334 (73,7) | 365 (70,1) | |
Contato pele a pele com o bebê na 1ª hora após o nascimento | ||||
Não | 37 (55,2) | 184 (40,9) | 0,027 | 221 (42,7) |
Sim | 30 (44,8) | 266 (59,1) | 296 (57,3) |
*O totais variam de acordo com os dados perdidos.
1Populaçãode mulheres que responderam ter tido parto vaginal.
2População de mulheres que responderam ter tido parto vaginal ou ter tido cessaria durante o trabalho de parto.
**O calculo do X2 não é possível pois não foi atingido o numero de indivíduos esperado para a célula.
Entre as 555 mulheres entrevistadas na gestação e após o parto, 70 (12,6%) responderam que sofreram violência no parto e nascimento e 25 (4,5%) relataram não saber se houve violência.
Em relação à informação sobre violência obstétrica, 48,4% das mulheres relataram que tinham conhecimento bom ou muito bom antes de participarem da exposição Sentidos do Nascer e essa proporção aumentou para 87,0% após a visita à exposição; a diferença encontrada foi estatisticamente significativa (X2 = 54,34; p < 0,001) (dados não apresentados). Houve também aumento da proporção de mulheres com conhecimento bom/muito bom sobre VO antes e depois de participarem da exposição (de 42,0% para 91,2%) entre as mulheres que reportaram VO na entrevista após o parto (Tabela 2). Entretanto, não houve associação entre conhecimento sobre VO e relato de VO antes e depois da visita, e esta variável não foi considerada para o modelo de análise multivariada.
Considerando a significância estatística p≤0,20 na análise univariada, as variáveis idade, cor da pele, estado civil, renda familiar, plano de saúde, local do parto, tipo de parto, posição no parto, manobra de Kristeller, episiotomia, acompanhante, contato pele a pele imediato e contato pele a pele na primeira hora de vida foram associadas ao relato de VO pela mulher e consideradas para os modelos de regressão logística multivariada. (Tabelas 1 e 2). Após a etapa intermediária da análise de regressão logística, as seguintes variáveis foram selecionadas para o modelo multivariado geral: Modelo 1 - Estado civil, renda, posição no parto, Kristeller; contato pele a pele imediato; Modelo 2 - Estado civil, renda, contato pele a pele imediato. Todas as variáveis dos modelos intermediários permaneceram associadas de forma independente ao relato de violência obstétrica em cada modelo (p < 0,05) - (Tabela 3). O Modelo final 1 e 2 apresentaram bom ajuste (p = 0,59 e p = 0,76) e explicaram 34% e 11% da variabilidade no relato de VO, respectivamente. (Valor de pseudo-R2 de Negelkerke)
Tabela 3 Modelos de regressão logística multivariada: fatores associados à violência obstétrica. Sentidos do Nascer, 2015 - 2017.