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Medidas de distanciamento social no controle da pandemia de COVID-19: Potenciais impactos e desafios no Brasil

Publicada em 21/04/2020 | Novidades


Autor:

• Estela Aquino - Aquino, E - <estela@ufba.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8204-1249 
 

Coautor(es):

• Ismael Henrique Silveira - Silveira, I.H - <ismaelhsilveira@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4793-3492

• Julia Pescarini - Pescarini, J - <jpescarini@yahoo.com.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8711-9589

• Rosana Aquino - Aquino R. - <aquino@ufba.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3906-5170

• Jaime Almeida Souza-Filho - Souza-Filho, J.A - <j.souzafilho@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6397-8952


 

Resumo:

A pandemia de COVID-19 tem desafiado pesquisadores e gestores a encontrar medidas de saúde pública que evitem o colapso dos sistemas de saúde e reduzam os óbitos. Esta revisão narrativa buscou sistematizar as evidências sobre o impacto das medidas de distanciamento social na epidemia de COVID-19 e discutir sua implementação no Brasil. Foram triados artigos sobre o efeito do distanciamento social na COVID-19 noPubMed, medRXiv e bioRvix, eanalisados atos do poder público nos níveis federal e estadual para sumarizar as estratégias implementadas no Brasil. Os achados sugerem que o distanciamento social adotado porpopulação é efetivo, especialmente quando combinado ao isolamento de casos e à quarentena dos contatos. Recomenda-se a implementação de medidas de distanciamento social e de políticas de proteção social para garantir a sustentabilidade dessas medidas. Para o controle da COVID-19 no Brasil, é imprescindível que essas medidas estejam aliadas ao fortalecimento do sistema de vigilância nos três níveis do SUS, que inclui a avaliação e uso de indicadores adicionais para monitorar a evolução da pandemia e o efeito das medidas de controle, a ampliaçãoda capacidade de testagem, e divulgação ampla e transparente das notificações e de testagem desagregados. 
 

Palavras-chave:

COVID-19, pandemias, distanciamento social, vigilância epidemiológica. 
 

Abstract:

COVID-19 pandemic has challenged researchersand policymakers to seek public health measures to prevent the collapse of health systems and reduce deaths. This narrative review sought to summarize the evidence on the impact of social distancing in the course of the COVID-19 epidemic and to discuss its implementation in Brazil. We searched papers describing the effects of social distancing on COVID-19 in PubMed, medRXiv and bioRvix databases. Federal and stateslegislation were analyzed to summarize the strategies implemented in Brazil.This review suggests that social distancing in the entire population is effective, especially when combined with the isolation of cases and the quarantine of contacts. We recommend the implementation of social distancing, and social protection policies to ensure the sustainability of these strategies. For the control of COVID-19 in Brazil, it is essential that these measures are combined with the strengthening of the epidemiological monitoringin the three levels of SUS, which include the evaluation and use of additional indicators to monitor the unfolding of the pandemic and the effect of control measures, the expansion of testing capacity, and the wide and transparent availability of disaggregated case and testing registries. 
 

Keywords:

COVID-19, pandemics, social distancing, epidemiological monitoring. 
 

Conteúdo:

Introdução
Desde a emergência, na China, em dezembro de 2019, do novo coronavírus (SARS-CoV-2), responsável pela pandemia de COVID-19, a humanidade tem enfrentado uma grave crise sanitária global. Novos e numerosos casos surgiram rapidamente em países asiáticos, tais como Tailândia, Japão, Coreia do Sul e Singapura, seguindo para a Europa e demais continentes, o que levou a Organização Mundial de Saúde (OMS) a decretar uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional, em 30 de janeiro de 20201 e uma pandemia no dia 11 de março de 20202. Segundo dados disponíveis em 16de abril deste ano, 210 países e territórios em todo o mundo relataram um total de 2,1 milhão de casos confirmados de COVID-19 e um número de mortes que já passava a cifra de 144mil3.
Apesar da letalidade da doença causada pelo SARS-CoV-2 ser mais baixa do que aquelasdoenças causadas porse comparada a outros coronavírus, como o SARS-CoV e o MERS-CoV (2% versus 10% e 34%, respectivamente), sua alta transmissibilidade tem ocasionado um maior número absoluto de mortes do que a combinação das epidemias produzidas pelos outros dois vírus 4. Como grande parte das doenças infecciosas respiratórias, aSARS-CoV e o MERS-CoV4. A transmissão do SARS-CoV-2 se dá, predominantemente, por meio de gotículas contaminadas de secreções da orofaringe de uma pessoa infectada para uma pessoa livre da infecção, apesar do papel ainda desconhecido da transmissão por aerossóis, pelo contato com superfícies e objetos contaminados, onde o vírus pode permanecer viável por até 72 horas 5horas5, ou por transmissãovia fecal-oral 6oral6,7. Além disso, a transmissão do SARS-CoV-2 é agravada pelo elevado tempo médio de incubação, de aproximadamente 5-6 dias (variando de 0 a 24 dias)8-10, e devido a pessoas sem sintomas, pré-sintomáticas ou com sintomas leves poderem transmitir a doença 11doença11-13. 
Um aspectoAlgo, que se soma às características anteriores, diz respeito ao fato de que, embora 80% dos casos apresentem infecções respiratórias e pneumonias mais leves, as formas severas acometem mais pessoas idosas e portadoras de doenças crônicas subjacentes 14subjacentes14, que requerem hospitalização, cuidados intensivos e uso de ventiladores mecânicos.
Dessa forma, oO ainda escasso conhecimento sobre os modos de transmissão e o papel dos portadores assintomáticos na difusão do SARS-CoV-2, aliado à inexistência de vacinas e alternativas terapêuticas específicas, têm desafiado pesquisadores, gestores da saúde e governantes na busca de medidas de saúde pública não farmacológicas, que reduzam o ritmo de expansão, de modo a evitar o esgotamento dos sistemas de saúde e permitir o tratamento oportuno de complicações graves, bem como evitar mortes. 
A China, primeiro epicentro da epidemia daCOVID-19, implementou, até início de março desse ano,Muitos países implementaramuma série de intervenções que têm demonstrado sucesso no controle da epidemia no país 15, as quais foram posteriormente adotadas por muitos países na tentativa depara reduzir a transmissão do vírus e frear a rápida evolução da pandemia. As diferentespandemia15. Tais medidas empregadas têm incluído:incluemo isolamento de casos, implementado, geralmente, com estratégias de detecção precoce pela testagem de indivíduos suspeitos ou em larga escala; o incentivo à higienização das mãos, à adoção de etiqueta respiratória e ao uso de máscaras faciais caseiras; e medidas progressivas de distanciamento social, com o fechamento de escolas e universidades, a proibição de eventos de massa e de aglomerações, a restrição de viagens e a suspensão de transportes públicos, a conscientização da população para que permaneça em casa,e até a completa proibição da circulação nas ruas, exceto para a compra de alimentos e medicamentos ou a busca de assistência à saúde. Essas medidas têm sido implementadas de modo gradual e distinto nos diferentes países, com maior ou menor intensidade, e seus resultados, provavelmente, dependem de aspectos socioeconômicos, culturais, de características dos sistemas políticos e de saúde, bem como dos procedimentos operacionais na sua implementação.
Um aspecto fundamental para aA sustentabilidade e a efetividade destas medidas consiste nodependem do estabelecimento de um conjunto de políticas de proteção social e apoio a populações em situação de vulnerabilidade, que garantam a sobrevivência dos indivíduos e das famílias enquanto perdurem as restrições para o desenvolvimento de atividades econômicas. No Brasil, um país comas imensas desigualdades sociais e regionais, cerca de 6,5% e 25,3% da população, respectivamente, vive em situação de pobreza extrema e de pobreza, o que representa um contingente de cerca deas 66 milhões de pessoas pobres e extremamente pobres,segundo dados do IBGE. Além disso, destaca-se o grande número de trabalhadores em situação de informalidade, uma característica histórica do mercado de trabalho brasileiro, ou seja, trabalhadores que não têm acesso aos mecanismos de proteção social vinculados à formalização do vínculo trabalhista,e osquais representam cerca deapenas40% da população brasileira ocupada16. Assim,formalmente16exigemmedidas econômicas urgentes para a garantia de renda mínima para osaos mais vulneráveis e de proteção ao trabalho para osdos assalariados são imprescindíveis para,de modo a garantir a adesão de uma relevante parcela da população às medidas de distanciamento social.
O objetivo deste estudo foi analisar o impacto dessasdas políticas de distanciamento social no curso da epidemiana pandemia de COVID-19, a partir da sistematização e os desafios para sua implementação no Brasil,de informações científicas sobre o impacto de medidas de controle, tendo-se como fim forma aampliar a divulgação das mesmas e suacompreensão da sua necessidade, por parte da população,bem comoe propiciar subsídios à tomada de decisão por gestores e o debate sobre os desafios dasua implementação no Brasil. 

Métodos
Esta revisão narrativa partiu da triagemde 2771 artigos sobre a COVID-19 publicados até 06 de abril de 2020 nas bases PubMed. Além disso, foram levantados manuscritos em fase de pré-publicação (preprints) disponíveis nas bases do medRXiv e bioRvix e a literatura cinza. Devido à rapidez daspublicações no presente momento, outros artigos, publicados após essa data, mas de grande relevância para o contexto brasileiro,publicados após essa data, foram incluídos a posteriori nesta revisão. Foram selecionados 21artigosoriginais ou de revisão enfocando estratégias e medidas de controle, especialmente as de distanciamento social nos maisem variados países. Além de artigos científicos, para sumarizar as estratégias de distanciamento social implementadas no Brasil desde o início da epidemia, foram analisados atos do poder público (decretos e decisões judiciais) federais e estaduaispostosimplementados no país, bem como nos Estados e Distrito Federal,especificamente sobre distanciamento social,até o dia 16 de abril de 2020.
A revisão narrativa foi elaboradacom a finalidade de diferenciar as distintas medidas de controle (isolamento, quarentena e distanciamento social), contextualizar sua introdução e sua efetividade até o momento nos diferentes países e introduzir o que está sendo implementado no Brasil. É importanteCabe notarque esta revisão de literatura foi realizadacom base em estudos publicados (ou em fase de pré-publicação) até este momento e que uma grande quantidade de novos estudos continua sendo produzida todos os dias. Dessa forma, e que as recomendações apresentadas estão sujeitas a mudanças conforme surjamsejam produzidas novas informaçõesevidências.

O que são medidas de distanciamento social e o que sabemos sobre seu efeito no curso da epidemia?
Com aArecentedescoberta do SARS-CoV-2, que até dezembro de 2019 era desconhecido, tem havidogeradoum esforço muito grande de médicos, epidemiologistas e outros profissionais de saúde em classificar as pessoas que apresentam sintomas como febre, tosse, dificuldade de respirar, redução do paladar e do olfato, como casossuspeitos da doença ou não. EssaAdefinição de caso é muito importanterelevante para monitorar a evolução de uma epidemia e fundamental para estudar o efeito de estratégias de controle da doença na população. Diferentes critérios, com maior ou menor precisão, devem ser adotados, dependendo do objetivo que se quer atingir. Sabendo-se da alta transmissibilidade das pessoas infectadas pelo SARS-CoV-2 (sintomáticas, pré-sintomáticas e assintomáticas), idealmente, o sistema de vigilância deve adotar uma definição mais sensível, ou seja, com maior capacidade de detectar o universo de casos que estão ocorrendo na população. É importante destacar que, porPor se tratar de uma nova doença,à medida em que vá se dispondodisponha deinformações mais detalhadas acerca dos casos investigados, as definições de caso devem ser revistas 17revistas17. No Brasil, deve-se considerar que uma grande parte das infecções sintomáticas pelo SARS-CoV-2 não está sendo diagnosticada oportunamente, e, assim, para o monitoramento damonitorar a evolução da epidemia, tem sido sugerido que sejam incluídas definições de caso mais abrangentes, bem como análises do excesso de internações e de óbitos por doenças respiratórias agudas.
Alguns termos têm sido frequentemente usados para se referir às ações de controle da epidemia de COVID-19. Esses termos não são novos e dizem respeito a medidas de saúde pública não farmacológicas, tradicionalmente adotadashistoricamente, consagradas para o controle de epidemias ao longo da história, especialmente, em especial na ausência de vacinas e medicamentos antivirais. Dentre elas, destacamDestacam-se o isolamento, a quarentena, o distanciamento social e as medidas de contenção comunitárias 18.comunitárias18.
O isolamento é a separação das pessoas doentes daquelas não infectadas com o objetivo de reduzir o risco de transmissão da doença. Para ser efetivo, o isolamento dos doentes requer que a detecção dos casos seja precoce e que a transmissibilidade viral daqueles assintomáticos seja muito baixa. No caso da COVID-19, em que existe um maior período de incubação, se comparado a outras viroses, a alta transmissibilidade da doença por assintomáticos limita a efetividade do isolamento de casos, como única ou principal medida 18medida18. De fato, há evidências de que indivíduos assintomáticos com SARS-CoV-2 têm carga viral semelhante aos pacientes sintomáticos 19sintomáticos19, o que é corroborado com relatos de pessoas assintomáticas e com sintomas leves envolvidas na transmissão da doença 20doença20. Dessa forma, a aplicação massiva de testes diagnósticos, que permite a identificação dos indivíduos infectados, como adotado na Alemanha e na Coréia do Sul, é essencial para a efetividade do isolamento.
A quarentena, uma das mais antigas medidas de saúde pública, é a restrição do movimento de pessoas que se presume terem sido expostas a uma doença contagiosa, mas que não estão doentes, ou porque não foram infectadas, ou porque ainda estão no período de incubação ou mesmo porque, na COVID-19, permanecerão assintomáticas e não serão identificadas. Pode ser aplicada no nível individual ou de grupo, mantendo as pessoas expostas nos próprios domicílios, em instituições ou outros locais especialmente designados. A quarentena pode ser voluntária ou obrigatória. Durante a quarentena, todos os indivíduos devem ser monitorados quanto à ocorrência de quaisquer sintomas. Se tais sintomas aparecerem, as pessoas devem ser imediatamente isoladas e tratadas. A quarentena é mais bem-sucedida em situações nas quais a detecção de casos é rápida e os contatos podem ser identificados e rastreados em um curto espaço de tempo 18.
O distanciamento social envolve medidas que têm como objetivo reduzir as interações em uma comunidade, que pode incluir pessoas infectadas, ainda não identificadas e, portanto, não isoladas. Como as doenças transmitidas por gotículas respiratórias exigem certa proximidade física para ocorrer o contágio, o distanciamento social permite reduzir a transmissão. Exemplos de medidas que têm sido adotadas com essa finalidade incluem: o fechamento de escolas e locais de trabalho, a suspensão de alguns tipos de comércio e o cancelamento de eventos para evitar aglomeração de pessoas. O distanciamento social é particularmente útil em contextos com transmissão comunitária, nos quais as medidas de restrições impostas, exclusivamente, aos casos conhecidos ou aos mais vulneráveis são consideradas insuficientes para impedir novas transmissões. O caso extremo de distanciamento social é a contenção comunitária ou bloqueio (em inglês,lockdown) que se refere a uma intervenção rigorosa aplicada a toda uma comunidade, cidade ou região através daproibição de que as pessoas saiamdos seus domicílios – exceto para a aquisição de suprimentos básicos ou ida a serviços de urgência – com o objetivo de reduzir-se drasticamente o contato social 18. 
Quais as medidas adotadas pelos diferentes países e em quais contextos?
Os primeiros casos da nova doença começaram a surgir em dezembro de 2019 na cidadechinesa de Wuhan. Eles tinham uma exposição comum, um mercado atacadista de frutos do mar que também comercializava animais vivos 21. O sistema de vigilância epidemiológica foi acionado e várias providências começaram a ser tomadas no sentido de identificar o agente etiológico da doença. Em 31 de dezembro do mesmo ano, a China notificou o surto à OMS e, no dia seguinte, fechou o mercado de onde se originaram os casos 22casos22. A partir de então, tudo se desenrolou de modo muito veloz, comhouveo aumento exponencial de casos e a constatação detransmissão comunitária. Intensos fluxos migratórios, durante o ano novo chinês, expandiram a epidemia, rapidamente, para diferentes províncias da China e para outros países asiáticos, como Tailândia, Japão e Coreia do Sul. Em pouco tempo, foram sendo adotadas medidas de restrição de viagens e circulação de pessoas, incluindo o controle de sintomas entre viajantes, até que, em 23 de janeiro, foi decretado o bloqueio total (lockdown) em Wuhan, com restrição absoluta de entrada e saída da região 23região23. 
Tais medidas localizadas foram sucedidas pela implementação de ações semelhantes nas outras províncias chinesas afetadas e em diversos países asiáticos, bem como em outros países ao redor do mundo, onde chegavam viajantes de áreas epidêmicas.. As medidas iniciais tinham grande ênfase no controle de passageiros, em um momento em que a maioria de casos era importada, mas foram sendo ampliadas, conforme ia se confirmando a transmissão comunitária. 
O registro dos primeiros três casos de COVID-19 na Europa ocorreu na França, em 24 de janeiro, onde também foi reportado, em 15 de fevereiro, o primeiro óbito naquele continente 24.continente24. Uma semana mais tarde, outros oito países– Alemanha, Bélgica, Finlândia, Reino Unido, Rússia, Suécia, Espanha e Itália – já tinham casos registrados.A expansão da epidemia assumiu contornos dramáticos na Itália, na Espanha e na França. Nesses países, o quadro epidemiológico, onde rapidamente evoluiu para uma grave crise sanitária, com muitos casos graves e mortes e o consequente esgotamento de recursos do sistema de saúde. Isso acelerou a adoção de medidas de controle, que não se deu de forma simultânea e variou muito entre os países e entre regiões de um mesmo país, ainda que, ao longo do tempo todos tenham sido obrigados a ampliá-las e intensificá-las a medida em que a situação sanitária se deteriorava.
A Tabela 1 sumariza as principais medidas adotadas por países europeus selecionados a partir de uma publicação do Imperial College London que buscou avaliar seu impacto. É possível perceber que, emboraEmbora com aspectos comuns, a implantação das diferentes medidas variou, inclusive em relação ao período transcorrido desde a primeira iniciativa até a decretação decompleto bloqueio ou lockdown.
Alguns países tiveram como primeira iniciativa a proibição de reuniões de mais de 1000 pessoas, e, a seguir, reduziramesse número, sucessivamente, para 500 e para 50. Outros determinaram o fechamento de cinemas, restaurantes, academias e locais de culto. A Alemanha fechou a maioria das lojas não essenciais e estendeu o horário dos supermercados para reduzir o número de compradores ao mesmo tempo. Em alguns países, as lojas reservaram as primeiras horas do dia para clientes mais velhos com alto risco de doença grave 25. 
Uma das medidas que merece destaque é oO fechamento das escolas, que foi adotadomedida adotada por todos os países e que, tem sido muito debatidodebatida. As crianças raramente adoecem por COVID-19 e não está claro com que frequência elas desenvolvem infecções assintomáticas e transmitem o vírus. Embora o fechamento das escolas possa ter o benefício adicional de contribuir para manter os pais em casa, esse efeito pode dificultar a atuação de pais que são profissionais de saúde e que são extremamente necessários nos serviços de saúde neste momento. Além disso, outros efeitos negativos seriam o aumento do número de crianças cuidadas pelos avós idosos, a interrupção de programas gratuitos de merenda escolar para crianças vulneráveis e, evidentemente, os meses que as crianças ficariam sem educação formal 25formal25. Por essas razões, cabe distinguir as formas de implementação das medidas. Nana Áustria, Holanda e Inglaterra, as escolas foram fechadas, exceto para filhos de trabalhadores em setores essenciais, como os profissionais de saúde 25saúde25,26. Na Inglaterra, as crianças em situação de vulnerabilidade (beneficiárias de programas de assistência social) também foram excluídas da proibição. Além disso, o governo decidiu que as escolas poderiam fornecer refeições para aquelas que habitualmente as recebem gratuitamente e anunciou na mídia a criação de um programa nacional de tíquetes alimentação 26.alimentação26. Em Singapura, embora as escolas tenham permanecido abertas, foram implementadasadotaram-se medidas de prevenção comoa redução do tamanho das turmas e, das atividades interclasses e entre escolas, medidas rigorosas de higiene e o escalonamento dos períodos de intervalo e de refeição para reduzir o contato 25refeição25,27. 
É importante notar que algunsAlguns países, inicialmente, relutaram em adotar medidas de distanciamento social, como o Reino Unido, a Holanda, a Suécia e os EUA 28EUA28,29, propugnando o isolamento de casos confirmados e de grupos de maior risco. Entretanto, com a evolução da epidemia e o agravamento dos indicadores epidemiológicos, esses países foram obrigados a rever suas políticas e adotar medidas restritivas, tal como os demais. Em cenários de acelerado crescimento da epidemiapandemia, quando os números de casos e de mortes continuam aumentando em muitos países, fica evidente a necessidade de medidas de distanciamento social e de restrição à circulação de pessoas, chegando-se até mesmo a ser necessário o bloqueio total 30total30. Medidas dessa natureza permitemque se ganhetempo para a organização de recursos de assistência à saúde e de vigilância epidemiológica, de modo a controlar a COVID-19. Países com dimensões continentais como a Índia e o Brasil, onde a população é numerosa, há grandes desigualdades sociais e os recursos de atenção à saúde são cronicamente deficitários e desigualmente distribuídos, a adoção de medidas mais rigorosas de distanciamento social será determinante para minimizar o colapso iminente dos serviços de saúde e evitar milhares de mortes decorrentes da falta de assistência aos casos graves da doença.

Quais as evidências científicas do impacto das medidas de controle na epidemia?
Devido à rápida emergência da epidemia de COVID-19, grande parte dos países tiveram que introduzir uma série de muitas dasmedidas de controle da epidemia foram introduzidas de uma só vez, medidas as quaise tiveram graus variados de adesão. Dessa forma nos diferentes países. Assim, é difícil avaliar a efetividade das diferentes intervenções isoladamente. De um modo geral, as informações os estudosdisponíveis na literatura científica, até o momento, envolvem estudos dea modelagem matemática da dinâmica de transmissão da doença, com base em dados observados e estudos deasimulação de cenários hipotéticos, segundo os quais as intervenções adotadas seriam capazes de reduzir a transmissão do vírus. Os estudos de simulação são úteis para avaliar respostas associadas a diferentes contextos e, assim, orientar a alocação de recursos e a tomada de decisões para maximizar as estratégias de intervenção. Poucos estudos conseguiram avaliar a efetividade real de algumas dessas medidas na dinâmica da transmissão do SARS-CoV-2.
Em meados de março, um relatório elaborado por pesquisadores do Imperial College London,“Impact of non-pharmaceutical interventions (NPIs) to reduce COVID-19 mortality and healthcare demand”, utilizouutilizaram modelagem matemática para simular o efeito de uma série de medidas de controle da epidemia de forma isolada e conjunta no contexto do Reino Unido (especificamente a Grã-Bretanha) e dos EUA. O estudo sugeriu que a efetividade de qualquer intervenção isolada é limitada, aconselhando que múltiplas intervenções sejam combinadas para que haja um impacto substancial na redução da transmissão do vírus 31. Segundo o estudoosautores, a combinação de medidas de controle menos restritivas (isolamento de casos suspeitos, quarentena dos contatos e distanciamento social de idosos e pessoas com maior risco de doença grave) pode reduzir o pico da demanda de assistência médica em dois terços, diminuindo também as mortes pela metade. Mesmo assim, apontaram queTodavia, com este tipo de estratégia, a epidemia de COVID-19 resultaria em centenas de milhares de mortes e na sobrecarga dos sistemas de saúde, e principalmente,de unidades de terapia intensiva. OsPor isso, os autores defenderam que as medidas drásticas de distanciamento social, estendidas a toda população, devem ser a opção política preferencial, apesar dessa escolha depender da viabilidade de sua implementação e dos contextos sociais 31.
A China iniciou uma forma de isolamento com hospitalização de todos os casos (não apenas daqueles que necessitavam de cuidados hospitalares) e, ao mesmo tempo, implementou o distanciamento social em toda a população, o que resultou em redução da transmissão. Vários estudos estimaram que essas intervenções diminuíramo a taxa média de transmissão do COVID-19 (medida pelo “número básico de reprodução (R0” ou R032) para menos de 1, ou seja, mostrando que uma pessoa infectada pode infectar em média menos de uma outra pessoa, o que é necessário para obter o rápido decréscimo da incidência de casos 31. Os resultados do relatório citado indicam que o distanciamento social aplicado atoda a população teria o maior impacto, e, em combinação com outras intervenções, principalmente o isolamento doméstico de casos e o fechamento de escolas e universidades, teria o potencial de suprimir a transmissão do víruscasos31.
Um estudo sobre o surto emWuhan, que utilizou dados de COVID-19 associados aos registros de smartphones, concluiu que a mobilidade das pessoas foi o principal fator de propagação do SARS-CoV-2, tantonaquela cidade, como para outras províncias, antes da implementação do cordão sanitário 10sanitário10. Nesse sentido, a redução da mobilidade de pessoas pode contribuir para retardar o pico da epidemia, para reduzir o número de casos dentro de uma cidade e para evitar a transmissão para outros locais 10locais10,23,32,33.
,34.Medidas que envolveram a restrição de viagens a partir de Wuhan, a quarentena para contatos domiciliares e o distanciamento social foram responsáveis por um aumento do tempo de duplicação do número de casos da doença, e por uma reduçãopela difusão mais lentada transmissãodoença, medida pelo R0 (número de reprodução) da doençaque reduziude 0.98 para 0.91; ou seja, fizeram com que a doença se espalhasse de forma mais lenta 339134. 
Outro estudo que avaliou as medidas dea restrição de viagens, em Wuhan, utilizando dados de COVID-19 dentro e fora desse centro, entre dezembro de 2019 e fevereiro de 2020, verificou uma redução da transmissão, no final de janeiro de 2020, coincidindo com a introdução da restrição de viagens 34viagens35. Além disso, foi estimado que o fechamento dos aeroportos na China, que ocorreu cerca de dois meses após o início da epidemia, promoveu um retardo na ocorrência de novos casos fora de Wuhan, tanto no resto da China, quanto internacionalmente 23.internacionalmente23. No entanto, estimou-se que reduções de até 90% no número de voos só diminuiria o número de casos em outros países sea detecção precoce, o isolamento e mudanças comportamentais na população (comolavaras mãos, evitar aglomerações, entre outras) fossem implementados e incentivados de forma conjunta 23conjunta23.
A redução da epidemia na China, atribuída em parte ao distanciamento social, desencadeou a implementação de medidas com essa finalidade em outros locais. Um primeiro estudo, utilizando dados de localização desmartphones para avaliar o impacto do distanciamento social na Itália, observou uma redução de cerca de 40% nas viagens entre províncias e uma redução de 17% da taxa de contato social (o número de pessoas que se cruzam a pelo menos 50 metros de distância num período de uma hora) após o bloqueio total (lockdown) do país 35país36. Nas províncias do Norte, em regiões mais afetadas pela doença, buscando-se controlar seu contágio, as medidas alcançaram uma redução de até 30% na taxa de contato social3536.
Alguns autores objetivaram, de forma mais abrangente, modelar o curso da epidemia em vários países do mundo. Um exemplo é o relatório elaborado pelo Imperial College London 36, que utilizou osfoi o uso dedados da China e de outros países de alta renda para modelar o impacto de três intervenções na mortalidade por COVID-19, em comparação1937, que os comparou com um cenário sem distanciamento social, mas com a realização intensa de testes para COVID-19, incluindo o isolamento dos casos e quarentena entre os contatos (medidas já amplamente divulgadas como essenciais). Estimou-se que, ao proteger os idosos, reduzindo em 60% os seus contatos sociais, e diminuir em 40% os contatos sociais na população geral, há um grande decréscimo das infecções, hospitalizações e morte. Além disso, foi encontrada uma queda de até 67% nas mortes por COVID-19 (mediana:49%, min.--máx.: :23-67%), representando 20 milhões de vidas salvas. No entanto, essas estratégias podem ter menos impacto na redução do número de infecções em países de baixa e média renda, já que, nesses, os idosos têm mais contato com indivíduos jovens. De forma geral, o estudo é cauteloso ao inferir o real impacto dessas intervenções na redução do número de casos de COVID-19 nesses países. Se, por um lado, sua estrutura demográfica caracteriza-se pelo maior percentual de pessoas mais jovens, por outro lado um grande contingente da população vive em condições de vulnerabilidade social, em ambientes e domicílios com maior aglomeração e é composto por portadores de morbidades crônicas. Em contextos onde a organização e a capacidade do sistema de saúde são precárias, esses fatores podem contribuir para elevar a mortalidade. 
O únicoUm estudo identificado quebrasileiro utilizou modelagem matemática para estimar o efeito das medidas de distanciamento social no Brasil foi conduzido na Região Metropolitana de São Paulo. O estudoEle demonstrou que, sem a adoção das medidas de distanciamento social, a capacidade de UTIs para COVID-19 seria superada em 130% no primeiro mês e em 14 vezes no segundo mês. Também sugeriu que o conjunto das medidas de distanciamento social implementados (e sua manutenção no presente momento) poderão evitar a sobrecarga do sistema de saúde (mantendo a ocupação em 76%) e a morte de quase 90 mil pessoas ao longo da epidemia 37epidemia38. Adicionalmente, o estudo recomendou a utilização de dados de hospitalização de Síndromes Respiratórias Agudas Graves (SRAG) para o monitoramento do impacto das medidas de distanciamento social 3738. Além desse, um outro estudo brasileiro também mostrou que, no momento atual, a manutenção e fortalecimento das atuais medidas de distanciamento social, quarentena e isolamento de casos é absolutamente necessário para evitar o não colapso dos sistemas de saúde no país 3839.
Outros estudos, ainda em fase de pré-publicação, descrevem achados semelhantes, defendendo que quanto mais restritivas, maior a capacidade dessas medidas de reduzirem o número de indivíduos afetados e mais rapidamente alcançar o fim da epidemia 39,40,41. 
UmaFinalmente, umarevisão sistemática rápida, elaborada pela Cochrane, para verificar o quão efetivas são as medidas de quarentena para evitar mortes pelo COVID-19, incluiu 22 artigos de epidemias como SARS, MERS e COVID-19 publicados até 12 de março, dos quais dez tratavam da epidemia atual 41atual42. A síntese dos estudos incluídos, em sua maioria utilizando modelagem matemática, indica que a quarentena é uma medida efetiva para reduzir o número de casos de COVID-19, mas que para obter o controle efetivo da doença, ela deve ser combinada com outras medidas de controle 41controle42.
Dessa forma, há fortes indicações de que as estratégias de controle da expansão da epidemia são efetivas quando o isolamento de casos e a quarentena dos contatos são combinados com um conjunto de medidas de distanciamento social que abranja toda a população 41população42. Em geral, há poucos achados quanto à efetividade das medidas isoladas 31isoladas31, porém é pouco provável que isso se comprove, uma vez que indivíduos assintomáticos, incluindo crianças e adultos, contribuem para a cadeia de transmissão da doença. Além disso, é de extrema importância que as medidas de distanciamento social sejam acompanhadas pelo fortalecimento do rastreio e isolamento de casos e contatos 3334. A Tabela 2 sumariza as principais medidas avaliadas nos estudos incluídos neste texto e seus respectivos impactos.
Qual a situação epidemiológica atual do Brasil e quais as medidas adequadas ao controle da epidemia?
O Brasil registrou o primeiro caso da América Latina em 25 de fevereiro de 2020: um homem paulista de 61 anos que havia retornado de uma viagem à Lombardia, na Itália. Após a confirmação laboratorial da COVID-19, o paciente, que apresentava sintomas leves da doença, recebeu os cuidados padronizados pela vigilância epidemiológica e manteve-se em isolamento domiciliar enquanto eram investigados os contatos comos familiares, no hospital onde foi atendido e no voo de retorno da Itália.
Desde então, a epidemia tem se expandido no país, e, em 16 de abril de 2020, já tinham sido confirmados 30.718 casos e 1.926 mortes, em todas as unidades federadas, com uma incidência de 14,51 por 100 mil habitantes42habitantes43 e mobilizado a comunidade acadêmica nacional, com a criação de várias redes nacionais de combate ao COVID-19 43. Há44.Ogrande número de amostras para exames laboratoriais sem ser processadas, vistoque não tem sido possível a realização de testagem mais ampla, sugerindo a ocorrência de grande subnotificação. A intensidade e a velocidade da disseminação se dão de diferentes formas entre os estados. A situação é particularmente crítica em São Paulo. Esse estado se apresenta como epicentro da epidemia e concentra 38% dos casos e 44% das mortes, com incidência de 24 por 100 mil habitantes. Após São Paulo, os estados com mais casos são o Rio de Janeiro, o Ceará, e o Amazonas42sugere a ocorrência de grande subnotificação.
Ainda que a Lei nº 13.979/2020, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da COVID-19 no país, esteja em vigor desde 7 de fevereiro deste ano, ou seja, desde antes do início oficial da epidemia, o presidente Jair Bolsonaro tem minimizado sua importância, mantendo-se como um dos poucos dirigentes mundiais que se recusam a reconhecer a ameaça que ela constitui. São inúmeras as matérias jornalísticas divulgando suas posições públicas contrárias às medidas implementadas nos estados e municípios e o incentivo aos seus seguidores nas redes sociais ao descumprimento das recomendações de distanciamento social. Um conflito político aberto se inaugurou entre o presidente e o então Ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, que vinha defendendo as medidas preconizadas pela OMS e apoiando, até recentemente, as iniciativas locais e regionais mais rigorosas de medidas de controle da COVID-19. No início deste mês de abril, após ampla divulgação nos meios de comunicaçãorumores de sua iminente demissão, que se concretizou em 16 de abril, Mandetta passou a recomendar a flexibilização das medidas de distanciamento social nos estados e municípios – a partir do dia 13 de abril, como será comentado mais adiante. 
Nesse cenário político, no qual se soma, à crise sanitária, uma grave crise política, a implementação das medidas de controle, incluindo o distanciamento social, tem sido assegurada pelos governadores e prefeitos (e, por vezes, pelo Judiciário), principalmente nos estados mais afetados. A autonomia administrativa dos estados e municípios em áreas como saúde, educação e comércio, prevista na Constituição Federal, restringe a possibilidade de interferência direta do governo federal em decisões de governos locais. Isso tem sido objeto de discussão pelo Supremo Tribunal Federal e até o momento tem prevalecido o reconhecimento da autonomia de estados e municípios quanto à adoção de medidas de emergência que digam respeito àsaúde pública.
Na Tabela 3, encontram-se descritas as medidas adotadas no Brasil, em São Paulo, Rio de Janeiro, Espirito Santo, Distrito Federal, Ceará, Amazonas, Amapá e Roraima –alguns dosestados onde a epidemia tem se expressado com maior gravidade –,e na Bahia, um dos primeiros a adotar as medidas de distanciamento social (A tabela completacom todos os estados os brasileiros encontra-secomonomaterial suplementar - Tabela S1).Dessa forma, observaObserva-se que, em grande medida, os Estados e o Distrito Federal já colocaram em prática algumas medidas para limitar a circulação e a aglomeração de pessoas, principalmente através da proibição de eventos, do fechamento de escolas e faculdades, do trabalho remoto de servidores públicos, da suspensão de transportes intermunicipais e interestaduais, e da interdiçãoem maior ou menor grau de atividades presenciais de comércio e de serviços.
.Contudo, muito embora os Estados e oDistrito Federal, tenham colocado medidas conjuntas dessa natureza em prática, a adesão da população a esse tipo de medida, pode estar ameaçada, em grande parte peloGoverno Federal.Isso porque, este, aominimizara importânciado distanciamento social e contrapor-se, publicamente,às práticas de distanciamento socialmedidasadotadas pelos Estados e municípios, minimizando sua importância, tem grande potencial para minar a adesão da populaçãoàs medidasde distanciamento social ao longo do tempo.a elas.
Embora não tenham sido ainda identificados estudos para avaliar o grau de adesão da população brasileira a essas medidas, uma pesquisa Datafolha entrevistou uma amostra de 1.511 pessoas, entre 1 e 3 de abril, e constatou que 76% são favoráveis à manutenção do distanciamento social para controlar a epidemia, mesmo que isso signifique prejuízos econômicos. O apoio foi maior no Nordeste (81%) e menor no Sul (70%) (Figura 1). Entretanto, um quarto delas relataram que necessitam sair para trabalhar e realizar outras atividades.
Alguns indicadores, fornecidos pelo Google, construídos a partir de registros em celulares, sugerem que, de fato, houve redução da mobilidade no país, tal como é possível visualizar naFigura 2. Houve houve redução de 70% da ida a parques, de 71% do engajamento em atividades de comércio e recreação e de 64% na circulação em estações de transporte. (Figura 2). Contudo, tal como evidenciado pela pesquisa Datafolha, uma parte significativa da população não tem possibilidade de deixar de trabalhar ou de fazer o trabalho em casa e, nesse aspecto, a redução da mobilidade foi de 34%.
Em que pese o apoio da população às medidas de distanciamento social, mesmo queinsuficientes, o Ministério da Saúde, em 6 de abril, portanto, na gestão de Mandetta, expressou a intenção de flexibilizá-las44las45, em um momento em que a epidemia ainda se encontrava em plena expansão, não tendo atingido seu pico, nem mesmo em São Paulo, que registrou os primeiros casos em território brasileiro. O documento recomenda que asunidades federadas façam a transição para o distanciamento seletivo se o número de casos confirmados não tiver ocupado mais de 50% da capacidade instalada dos serviços de saúde existente antes da pandemia. Além disso, preconizaPreconiza que os locais que apresentarem coeficiente de incidência 50% superior ao nacional devem manter as medidas de distanciamento social ampliado até que o suprimento de equipamentos (leitos, equipamentos de proteção individual, respiradores e testes laboratoriais) e equipes de saúde estejam disponíveis em quantitativo suficiente, de forma a promover, com segurança, a transição para a estratégia de distanciamento social seletivo..
A decisão de flexibilizar as medidas de distanciamento social e os critérios adotados pelo Ministério da Saúde devem ser discutidos à luz das informações disponíveis na literatura científica sobre as experiências de outros paísesinternacional, que, ao contrário do proposto para o Brasil, têm balizado suas decisões no monitoramento da velocidade da transmissão da epidemia e, por conseguinte, da magnitude dos números de infectados, casos de doença e óbitos.
A flexibilização ou o fim das medidas de distanciamento social é uma questão que tem sido bastante discutida, em vários países do mundodelicada, pois manter o controle da pandemia até que uma vacina esteja disponível pode exigir o bloqueio das atividades cotidianas da sociedade por muitos meses, com impactos econômicos e consequentes altos custos para a vida das populações. Em contrapartida, tem suscitado muitas críticas,-se sugerido a propostapossibilidade de renunciar a medidas de distanciamento mais rigorosas, permitindo que algumas infecções ocorram, de preferência em grupos de baixo risco, como crianças ou adultos jovens, para que uma grande parte da população ganhe imunidade (fenômeno chamado de “imunidade de grupo”). 
O governo do Reino Unido, inicialmente, sugeriu a possibilidade de medidas mais flexíveis com esse propósito, mas recuou diante das reações contrárias e dos resultados de um estudo de modelagem de pesquisadores do Imperial College London, publicado em 16 de março, que concluiu que a pandemia sobrecarregaria os sistemas de saúde e causaria pelo menos 250.000 mortes no Reino Unido e mais de 1,1 milhão nos Estados Unidos 25.
A principal limitação dos critérios adotados pelo Ministério da Saúde para propor a flexibilização das medidas de distanciamento social é que esses estão baseados unicamente na capacidade dos serviços de saúde – medida por indicadores de oferta e de estrutura dos serviços– e não em. Desconsideram, dessa forma, os indicadores de vigilância e monitoramento da pandemia,em cada um dos municípios brasileiros, como, por exemplo,o número de casos suspeitos e confirmados, hospitalizaçãoas hospitalizações por síndrome respiratória aguda, a mortalidade, o número de reprodução eo tempo de duplicação. Além disso, deve-se considerar que a evolução da epidemia encontra-se em momentos distintos em cada local do país. Como sugerido pela Comissão Européia46, critérios para flexibilização das medidas de distanciamento social devem incluir i. a redução e estabilização sustentadado número de casos e hospitalizações pela doença; ii. a capacidade suficiente de leitos, equipamentos e suprimentos no sistema de saúde; e iii. a capacidade adequada de monitoramento da epidemia, incluindo testagem para identificação e isolamento dos casos e para quarentena dos contatos, e, se possível, a aplicação de testes rápidos para acompanhar a imunidade adquirida da população.
Adicionalmente, até o momento, o Ministério da Saúde não esclareceu o que deve ser considerado na mensuração da capacidade dos serviços, embora sejam cotados os leitos, os equipamentos de proteção individual (EPI), os respiradores e os testes laboratoriais, o que parece indicar a priorização dos serviços mais especializados. Em muitos países, além dos serviços hospitalares, toda a rede de atenção entrou em colapso, incluindo os serviços de atenção primária, deixando grande parte da população desassistida mesmo em casos graves. Finalmente, dadoDado que o Brasil apresenta marcantes desigualdades sociais e regionais na distribuição e no acesso aos serviços de saúde, especialmente, àqueles de maior complexidade, sabemos que nem todas as pessoas que necessitarem alcançarão ser atendidas. Dessa forma, poderemos ver o colapso não só dos serviços hospitalares, mas de toda a rede de atenção.
Cabe ressaltar que aA implementação do distanciamento social não pode prescindir da análise da evolução da doença, monitorada por medidas de vigilância. Só dessa forma, é possível definir o momento de iniciar o relaxamento temporário das intervenções, em janelas de tempo relativamente curtas, para o caso de ser necessária a reintrodução de medidas se ou quando o número de casos voltar a aumentar 31aumentar31. Os critérios adotados por diversos países para flexibilização do distanciamento social têm priorizado o monitoramento da velocidade da transmissão da epidemia e, por consequência, o número de infectados e de casos existentes. 
Uma proposta apresentada em relatório do Imperial College London é incluir, sistematicamente, nos sistemas de vigilância, dados de hospitalizações que orientem decisões de ativar e desativar o distanciamento social, ao invés de optar por intervenções de duração fixa, que podem ser adaptadas para uso regional e estadual. Dado que a pandemia não ocorre de forma sincronizada, as políticas locais podem ser mais eficientes e atingir níveis comparáveis de supressão nacionalmente, mesmo que vigorando por um período menor. As estimativas para a Grã-Bretanha apontam que estratégias nacionais de distanciamento social precisariam se manter em vigor por, pelo menos, dois terços do tempo até a disponibilização de uma vacina 31.
As experiências na China e da Coréia do Sul têm mostrado que a supressão da epidemia é possível, a curto prazo, mas não se sabe se isso se mantém a longo prazo e se os custos sociais e econômicos das intervenções adotadas até agora podem ser reduzidos. A China, que, com medidas de distanciamento social associadas ao isolamento de casos, conseguiu reduzir o R0 para abaixo de 1, evidência de quefrear a evolução daepidemia começou a diminuir, iniciou a flexibilização dessas medidas depois de três meses de vigência. Essa flexibilização está sendo acompanhada de um monitoramento rigoroso da situação epidemiológica, de modo a permitir sua rápida reversão caso o número de casos volte a crescer. Isso, sem dúvida, ajudará a informar estratégias em outros países 31.
Ainda persistem grandes incertezas em relação à transmissão desse vírus, à efetividade das medidas, e até que ponto a população adotará, espontaneamente, comportamentos redutores de risco. Assim, não é possível estabelecer, precisamente, qual a sua duração das medidas, exceto que, provavelmente, sua duração será de vários meses. Todavia, a única certeza que se tem é de que as decisões futuras sobre o momento e a duração da flexibilização de modo seguro precisarãoser informadosinformadaspor uma vigilância epidemiológica contínua e rigorosa 31.

Considerações finais e recomendações
A epidemia do COVID-19 ainda está em fase ascendente em todos os estados brasileiros, e a crise política, agravada pela troca do Ministro da Saúde, coloca mais incertezas quanto às políticas que serão adotadas pelo Governo Federal. Os achados científicos apresentados na presente revisão sugerem, fortemente, que a conjugação de isolamento dos casos, quarentena de contatos e medidas amplas de distanciamento social, principalmente aquelas que reduzem em pelo menos 60% os contatos sociais, têm o potencial de diminuir a transmissão da doença. Apesar da ainda escassa literatura sobre o tema no contexto brasileiro, a experiência prévia de países asiáticos e europeus recomenda que as estratégias de distanciamento social devem ser fortalecidas e realizadas de forma intersetorial e coordenada entre as diferentes esferas governamentais e regiões para que seja alcançado o fim da epidemia o mais brevemente possível, bem comopara evitar ondas de recrudescimento do contágio da doença.

Sua implementação na realidade brasileira é sem dúvida um grande desafio. As marcantes desigualdades sociais do país, com amplos contingentes em situação de pobreza e a parcela crescente de indivíduos vivendo em situação de rua, aliados ao grande número de pessoas privadas de liberdade, podem facilitar a transmissão e dificultar a implementação do distanciamento social. Além disso, a grande proporção de trabalhadores informais exige que, para assegurar a sustentabilidade e a efetividade das medidas de controle do COVID-19, sejam instituídas políticas de proteção social e apoio a populações em situação de vulnerabilidade. Políticas de renda mínima para todos e políticas que garantam a proteção ao trabalho daqueles que têm vínculos formais são fundamentais para garantir a sobrevivência dos indivíduos, não apenas, mas especialmente enquanto perdurarem as restrições para o desenvolvimento dasatividades econômicas.

Finalmente, é imprescindível fortalecer o sistema de vigilância nos três níveisdo Sistema Único de Saúde, incluindo: o desenvolvimento de indicadores para avaliar a evolução da epidemia e a divulgação sistemática dos dados de notificação, desagregados por município e distritos sanitários; a ampliação da capacidade de testagem para identificar indivíduos infectados com formas assintomáticas,pré-sintomáticas e sintomáticas, hospitalizações e óbitos em decorrência da COVID-19; a definição precisa dos casos suspeitos e confirmados, baseada em critérios clínicos e laboratoriais; a avaliação permanente da implementação, efetividade e impacto das estratégias de controle. Só assim será possível subsidiar a tomada de decisões quanto à manutenção de medidas de distanciamento social eo momento oportuno para flexibilizá-las.

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Fonte: http://www.cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/medidas-de-distanciamento-social-no-controle-da-pandemia-de-covid19-potenciais-impactos-e-desafios-no-brasil/17550




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