Violência obstétrica prejudica o bebê e sua mãe
Violência obstétrica prejudica o bebê e sua mãe
Maria Cecília de Souza Minayo, Editora-chefe da Revista Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
Luiza Gualhano, Editora assistente da Revista Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
Apesar de todos os esforços dos movimentos feministas a favor da igualdade de gênero, a violência contra meninas e mulheres continua escancaradamente presente no Brasil, como um antivalor de longa duração, como diria Fernand Braudel (1989). Contra todas as expetativas, essa violência ocorre eventualmente também nos serviços de saúde – que deveriam primar pelo cuidado e respeito à dignidade humana.
Neste press release, analisam-se os abusos e desrespeitos que ocorrem antes, durante e depois do parto, a partir do artigo Epidemiologia da violência obstétrica: uma revisão narrativa do contexto brasileiro de Leite, et al., publicado em Ciência & Saúde Coletiva (vol. 29, no. 9, 2024). O termo “violência” deixa clara a ocorrência de violação dos direitos humanos e reprodutivos. E o termo “obstétrico” refere-se ao ciclo gravídico – pré-parto, parto e pós-parto – abrangendo, inclusive, maus-tratos às mulheres em situação de aborto (Katz, et al., 2020). As evidências apresentadas pelas autoras destacam a urgência de enfrentar esse tipo de agravo como problema de saúde pública.
O artigo cita várias pesquisas nacionais. O primeiro inquérito que abarcou a violência obstétrica foi o “Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado”, realizado pela Fundação Perseu Abramo (2010). Essa pesquisa contemplou 1.466 mulheres que relataram ter tido algum tipo de abuso em pelo menos uma gestação prévia.
A pesquisa “Nascer no Brasil I” (Leal. et al., 2012) mostrou os cenários das mulheres brasileiras que se sentiram desrespeitadas durante todo o processo de nascimento (d’Orci, et al, 2014): 24,5% não tinham acompanhante durante o parto; 56,1% foram submetidas a episiotomia e 37,3% à manobra de Kristeller. No total, 45% delas relataram pelo menos um ato de violência obstétrica durante o parto, incluindo violência física ou psicológica, falta de informação, ausência de privacidade e de autonomia (Leal, et al., 2014).
Outra pesquisa, a Coorte de Nascimentos de Pelotas (RS) coletou informações sobre violência obstétrica até três meses após o parto. A amostra incluiu 4.275 puérperas e mostrou que 10% delas sofreram abuso verbal (5%) e físico (6%), tendo sido submetidas a procedimentos inapropriados e 6% tiveram algum tipo de cuidado negado. No total, 18,3% das mulheres relataram maus-tratos no último parto (Mesenburg, et al., 2018). A violência obstétrica é maior entre mulheres que passaram por demanda de procedimentos para aborto quando comparadas com as que tiveram parto normal. O julgamento moral, muito forte socialmente está arraigado também na mentalidade e na prática dos profissionais de saúde (Perseu Abramo, 2010; Madeiro, et al., 2016).
Nos últimos cinco anos, aumentou a produção acadêmica sobre as consequências da violência obstétrica na saúde das mulheres e dos recém-nascidos. Os primeiros estudos exploraram os efeitos da violência obstétrica na saúde mental da mãe, focando na depressão e no transtorno de estresse pós-traumático no pós-parto (TEPT).
A pesquisa “Nascer no Brasil I” mostra que o aumento da depressão pós-parto ocorre com todas as mulheres que sofrem violência obstétrica, independentemente de terem tido parto vaginal ou cesariana, em serviços públicos ou privados (Leal, et al., 2024). A Coorte de Nascimentos de Pelotas corrobora essa afirmação. E estudiosos de uma coorte em Ribeirão Preto observam que o risco de sofrer depressão pós-parto aumenta concomitantemente ao número de atos de violência obstétrica sofridos. Essa associação é mais relevante entre mulheres negras e adolescentes (Dornellas, et al., 2022).
Embora a maior parte da literatura esteja centrada em desfechos relacionados à saúde mental há outros transtornos provocados pela violência obstétrica, dentre as quais: o afastamento das mães dos serviços de saúde; dificuldades na amamentação (Leite, et al., 2023) e maior probabilidade de morte materna e neonatal (Leite, et al., 2024).
Assim, o empoderamento da mulher e de seu nível de exigência em relação um tratamento digno e respeitoso, a formação e capacitação dos profissionais de saúde sobre o tema, a vigilância epidemiológica, a denúncia dos maus-tratos e o amparo legal são hoje as principais recomendações em relação ao melhor atendimento possível às mulheres antes, durante e depois do parto.
Os bebês agradecem com um saudável crescimento e desenvolvimento por toda a vida.
Para ler o artigo, acesse
LEITE, T.H., et al. Epidemiologia da violência obstétrica: uma revisão narrativa do contexto brasileiro. Ciênc. saúde coletiva [online]. 2024, vol. 29, no. 9, e12222023 [viewed 18 October 2024]. https://doi.org/10.1590/1413-81232024299.12222023. Available from: https://www.scielo.br/j/csc/a/LbMdhqnGHfRRhNfJWJgpPjd
Referências
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LEITE, T.H., et al. The Effect of Obstetric Violence during Childbirth on Breastfeeding: Findings from a Perinatal Cohort “Birth in Brazil.” The Lancet Regional Health – Americas [online]. 2023, vol. 19, 100438 [viewed 18 October 2024]. https://doi.org/10.1016/j.lana.2023.100438. Available from: https://www.thelancet.com/journals/lanam/article/PIIS2667-193X(23)00012-1
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Fonte: Scielo