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Artigos

0056/2025 - “A consulta em 7 passos: o que aprendemos e como melhorar?”

Autor:

• Victor Manuel Borges Ramos - Ramos, V.M.B - <vramos@ensp.unl.pt>
ORCID: 0009-0007-2235-3287

Coautor(es):

• Eunice Isabel do Nascimento Carrapiço - Carrapiço, E.I.N - <eunicecarrapico@gmail.com>
ORCID: 0000-0002-2703-0563



Resumo:

Em 2008 foi editado em Portugal o livro “A Consulta em 7 passos”. Nesta obra, propõe-se para efeitos de treino e aprendizagem, a estruturação das consultas médicas em três fases e sete passos: preparação; primeiros minutos; exploração; avaliação; plano; encerramento; e reflexão final.
Este artigo pretende fazer um breve balanço “do que aprendemos e do que consideramos poder melhorar”.
Os autores recolheram ao longo dos anos em dezenas de reuniões e sessões de formação com perceptores e residentes novas ideias, críticas e sugestões sobre a aplicação do método. Destacam as mais importantes: o método deve ser aplicado com flexibilidade; a consulta deve ser considerada apenas uma peça do mosaico mais amplo e complexo que é a atenção de saúde a cada pessoa; é importante dar ênfase à perspetiva do encontro de pessoas, agendas e objetivos; a existência de um prontuário clínico pessoal, unificado e integrador; o aproveitamento otimizado das tecnologias de informação e comunicação; necessidade de desenvolver o “plano pessoal/individual de cuidados” e o conceito de “autogestão pessoal de saúde”; incluir o método clínico centrado na pessoa num modelo sistémico mais abrangente (o “modelo clínico integrado”); desenvolver inteligência e ação colaborativas nas equipes multiprofissionais dedicadas aos cuidados a cada pessoa e família, incluindo estes como membros ativos e centrais dessa equipe.

Palavras-chave:

consulta médica, cuidado centrado no paciente, cuidados de saúde primários, autogestão pessoal de saúde.

Abstract:

In 2008, the book A Consulta em 7 passos was published in Portugal. This work proposes, for training and learning purposes, the structuring of medical consultations into three phases and seven steps: preparation; first minutes; exploration; evaluation; plan; closing; and final reflection.
This article aims to briefly assess “what we have learned and what we believe can be improved”.
Over the years, the authors have gathered new ideas, criticisms and suggestions on the application of the method in dozens of meetings and training sessions with interns and residents. They highlight the most important ones: the method should be applied with flexibly; the consultation should be considered just one piece of the broader and more complex mosaic that is healthcare for each person; it is important to emphasize the perspective of the meeting of people, agendas and objectives; the existence of a personal, unified and integrative clinical record; the optimal use of information and communication technologies; the need to develop a “personal/individual care plan” and the concept of “personal self-management of health”; include the person-centered clinical method in a more comprehensive systemic model (the “integrated clinical model”); develop collaborative intelligence and action in multidisciplinary teams dedicated to caring for each person and family, including them as active and central members of that team.

Keywords:

Medical Consultation, Primary Health Care, Patient-Centered Care, Personal Health Management.

Conteúdo:

Introdução
Entre 2003 e 2007, foi delineado no âmbito da residência de medicina geral e familiar no Centro de Saúde de Cascais, em Portugal, por iniciativa e com a participação de residentes e de perceptores desse centro de saúde, um exercício reflexivo e prático dedicado especificamente ao treino prático da realização de consultas médicas. Este exercício tinha como base teórica uma seleção da literatura disponível, com destaque para as obras de Pendleton e de outros autores.1-7
Porém, a bibliografia então consultada, sendo fundamental, era insuficiente para responder e superar muitos dos desafios pragmáticos enfrentados pelos jovens médicos nas consultas. Também os percetores tomaram consciência de que, apesar da sua experiência prática de consultas em medicina de família, beneficiariam de um quadro de orientação prática, que os ajudasse a apoiar os residentes e, também, a aprimorar criticamente as suas próprias competências reflexivas e práticas nas consultas.
Assim, para responder às perguntas e necessidades sentidas, iniciaram um processo de reflexão e análise crítica do que faziam há anos, de modo intuitivo e repetitivo. Aperceberam-se da necessidade de detalhar e de tornar mais claro o que decorria em cada consulta: no conteúdo, na estrutura, no processo e quanto aos resultados. Iniciaram, então, um processo iterativo de cocriação, em função das dificuldades e necessidades sentidas tanto pelos residentes como pelos perceptores.
Desse trabalho resultaram seis fichas práticas de orientação, organizadas do seguinte modo: um texto-resumo de enquadramento geral e cinco fichas relacionadas com os então definidos cinco passos da consulta. Os passos eram: 1. Os primeiros minutos; 2. Exploração; 3. Avaliação; 4. Plano; 5. Conclusão | Encerramento da consulta.
Este exercício tornou-se conhecido por colegas residentes e perceptores de outros centros de saúde que convidaram o grupo inicial a organizar sessões de formação em vários locais para apresentação e debate do que estava a ser feito no Centro de Saúde de Cascais. Ao longo dessas sessões foram feitas várias modificações. Isso permitiu aperfeiçoar e desenvolver as fichas iniciais. Foi deste modo e ao longo de várias sessões com colegas de outros locais que se chegou ao modelo “7 passos”. Aos cinco passos iniciais foram acrescentados os passos “Preparação” e “Reflexão final”.
A divulgação deste trabalho ganhou visibilidade, a ponto de a Direção da Associação Portuguesa dos Médicos de Clínica Geral (designada deste 2011 por Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar – APMGF) propor a edição em livro do conjunto dos materiais já desenvolvidos e passados a escrito.8 É de referir que a especialidade de MGF, em Portugal, pode considerar-se equivalente à especialidade de Medicina de Família e Comunidade, no Brasil.
Para criar um corpo de livro e melhorar o impacto didático das fichas práticas já existentes, foram desenvolvidos parágrafos explicativos e reunidos testemunhos de breves vinhetas e situações clínicas marcantes, ilustrativas, por vezes com bastante humor. Participaram neste processo, mais de trinta médicos de família de várias regiões de Portugal. Seguidamente, foram inseridas diversas ilustrações. O livro foi editado em 2008 e, desde então, ficou em acesso aberto e gratuito em várias localizações, designadamente em:
https://apmgf.pt/wp-content/uploads/2020/06/A-Consulta-7-passos.pdf
No ano seguinte, foi publicado na Revista Portuguesa de Clínica Geral (atual Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar) um artigo que resume o conteúdo essencial do livro.9 Este artigo tem sido amplamente acedido no Brasil, em Portugal e noutros lugares do mundo.
Entretanto, o método dos “7 passos” tem sido utilizado em vários locais onde se realizam residências de especialização em Medicina de Família e Comunidade (em Portugal, a especialidade é denominada Medicina Geral e Familiar) e, também, em alguns programas de formação médica pós-graduada em várias escolas médicas de língua portuguesa. A partir da proposta inicial, vários autores fizeram estudos empíricos exploratórios e até uma adaptação para aplicação a distância, durante a pandemia COVID-19.10,11
Passados quinze anos, e após recolha em várias reuniões e sessões de formação de novas ideias, críticas e sugestões sobre a aplicação do método, faz-se agora um breve balanço do que foi aprendido e do que consideramos poder melhorar relativamente ao método em si, bem como aos modos de como pode ser utilizado na prática do dia-a-dia.
Ponto de partida
Acreditamos ser útil recapitular resumidamente as fases e passos de uma consulta em medicina geral e familiar, especialmente para quem não leu o livro e o artigo já citados.8,9


FASES E PASSOS DA CONSULTA
O método proposto em 2008 incluía três fases e sete passos para execução e análise crítica de cada consulta (Figura 1 e Quadro I).
Fase inicial – preparação e primeiros minutos
Esta fase visa preparar o que se vai seguir. Requer concentração e focalização. Atenção e seletividade crítica. Compreende dois passos:
Passo 1 – Preparação – onde se reveem: a situação e condições do médico, do contexto (consultório, domicílio ou outro) e da pessoa que solicitou a consulta, antes de esta estar presente e ser entrevistada;
Passo 2 – Os primeiros minutos – onde se procede à chamada, ao encontro, ao cumprimento e ao acolhimento da pessoa, bem com à identificação de indícios físicos e emocionais, de motivos de consulta e ao acerto de agendas entre o médico e o paciente.

Fase intermediária– exploração, avaliação e plano (EAP)
Esta fase corresponde ao desenrolar da consulta. Nela se procede à colheita sistematizada de dados e de informação, subjetivos e objetivos. É também nesta fase que decorrem as interações centrais da consulta, se validam entendimentos mútuos, e se processam intelectualmente indícios, dados, informação e conhecimentos recolhidos. O objetivo essencial é o de chegar, sempre com a participação e envolvimento do paciente, a uma avaliação e a um plano de ação, mutuamente acordado. Embora os passos devam ser sequenciais, na prática sempre ocorre alguma multidireccionalidade entre estes três passos. Pode acontecer, por exemplo, que certos dados só se apurem ao discutir o plano, o que se traduz, depois, em algum movimento «de diante para trás» e vice-versa. É, assim, necessário manter alguma estrutura e disciplina flexível na condução do processo, permitir a indispensável abertura. Esta fase compreende três passos:
Passo 3 – Exploração – onde se coletam, analisam e contextualizam dados e informação (subjetivos, objetivos e contextuais);
Passo 4 – Avaliação – onde se fazem a interpretação, os diagnósticos, as explicações, as previsões (prognósticos) e se avaliam e antecipam impactos na qualidade de vida;
Passo 5 – Plano – onde se preparam as decisões relacionadas com a presente consulta e a sua integração no plano individual de cuidados em curso, se este existir. É a fase das propostas, da negociação, dos acordos e dos compromissos de ação, incluindo a prevenção.
Fase final – encerramento e reflexão final
É o momento de recapitular e de resumir o que se passou. Primeiro com a pessoa que consultou o médico, depois em registo de autorreflexão. Serve para avaliar como decorreu a consulta, para refletir sobre se se chegou ao ponto desejado, que não ficou nada de importante para trás, e pensar nas próximas etapas.
Nesta fase foram considerados dois passos:
Passo 6 – Encerramento – onde se verifica se subsistem dúvidas, se revê o plano acordado e se procede ao cumprimento de despedida;
Passo 7 – Reflexão e notas finais – uma breve reflexão crítica sobre o que se passou.

Esta organização em 3 fases e 7 passos, aparentemente fragmentária, pode e deve, com treino, decorrer com fluidez e celeridade. Tem objetivos de treino e de aprendizagem e pode ser adaptada e aplicada de múltiplos modos. Pode servir, por exemplo, para aperfeiçoar atitudes e comportamentos clínicos apenas em um ou em vários passos e fases propostos.
Muitos dos tópicos que aqui se analisam parecem coisas óbvias, executadas na prática em frações de segundo, de modo automático, ágil e intuitivo por um médico experiente. Mas os automatismos, a agilidade e a intuição requerem um longo processo de aprendizagem e de treino. A finalidade deste exercício é ajudar e acelerar a obtenção de níveis elevados de qualidade do desempenho clínico. Infelizmente, muitos dos detalhes abordados são frequentemente ignorados ou deficientemente executados, com prejuízo tanto para os pacientes, como para o próprio médico ou para a relação médico-paciente.
É nos primeiros anos da prática clínica que se constrói “o modo de fazer a consulta”. Prática muitas vezes repetida centenas e milhares de vezes de forma acrítica nos anos seguintes, com base numa amálgama de influências. Sejam os exemplos de colegas com mais anos de experiência, que o médico mais jovem tende a imitar, especialmente os médicos que mais nos mais nos marcaram, sejam as características da personalidade própria. Assim, parece importante, sobretudo nos anos dedicados à residência da especialidade, o treinamento e aperfeiçoamento de atitudes e comportamentos específicos de forma a construir e a consolidar um modo adequado de estruturar a consulta e de atingir melhores resultados: eficiência técnica, satisfação do paciente e satisfação profissional.
Por exemplo, pode recorre-se à aplicação de uma tabela de avaliação de atitudes e comportamentos ao longo de cada consulta. São dados exemplos no final do livro e do artigo anteriormente citados.8,9
O estudo, o treino e o aperfeiçoamento de técnicas de condução e de análise crítica nas consultas são absolutamente essenciais como alicerces para a proficiência profissional clínica. São exemplos, a capacidade de manter uma estrutura de consulta, bem como de desenvolver competências de tomar consciência dos próprios comportamentos, atitudes e competências técnicas e relacionais, designadamente de comunicação interpessoal e de construção de uma relação de confiança mútua, em contexto profissional. Porém, não devemos esquecer que por detrás de todos os possíveis métodos, técnicas e competências deverá existir um genuíno interesse em ajudar o outro. O inverso também é verdadeiro, ou seja, apesar de nos mover uma intensa vontade de ajudar o outro, podemos não atingir os resultados pretendidos por escassa atenção à aquisição e aprimoramento contínuo das necessárias competências técnico-profissionais. 11,12

O que aprendemos?
Ao longo dos últimos quinze anos temos vindo a aferir e a apurar em Portugal a utilidade e as limitações percebidas, quer por residentes em Medicina Geral e Familiar (MGF), quer por médicos de família, seus percetores de formação. Foram realizadas, anualmente, reuniões e sessões de formação. Para além das apreciações orais, eram habitualmente solicitadas apreciações escritas através de um pequeno questionário com perguntas abertas para apreciação crítica e sugestões de melhoria.
Paralelamente á utilidade formativa e prática, reconhecidas por unanimidade quanto ao que parece óbvio para todos, foram explicitados reparos e alertas quanto aos riscos de uma utilização acrítica do método dos “7 passos”, bem como sugestões para os evitar, para os superar e, também para aprimorar o método.
De entre os erros, percalços e inconvenientes mais referidos destacam-se:
- Aplicação do método em qualquer ato ou interação médico-paciente
O método foi delineado especialmente para as situações em que é o usuário/paciente que procura ativamente ajuda médica. Noutras situações, por exemplo, quando a consulta, entrevista ou interação ocorre por iniciativa do profissional ou da equipe, o método pode ter pouca utilidade. É aplicável sobretudo nos casos em que uma pessoa consulta o médico por algum ou alguns motivos específicos (sintomas, sinais, receios, dúvidas, preocupações, pedidos de ajuda, entre outros). Isto leva-nos à discussão sobre quem consulta quem? Dado que na gíria médica designam-se e contabilizam-se estatisticamente como “consultas” todos os encontros profissional-usuário. Nos atos de seguimento de consultas anteriores, de programas de vigilância com prodecimentos estandardizados, entre outros é, em geral, inadequado e pode até ser contraproducente aplicar o método.
- Rigidez linear na execução dos “passos” e perda de centragem na pessoa
A aplicação rígida dos “passos”, com excessiva focalização na técnica, reduz e prejudica a atenção aos modos de ver, preocupações e expectativas da pessoa que procura ajuda e orientação.
- Risco de desligar o episódio de consulta da necessária continuidade de cuidados,
Tem sido referido poder ocorrer a tendência de isolar e desligar o episódio de consulta da linha de continuidade de cuidados à pessoa em concreto. Uma analogia que começou a ser utilizada foi que cada episódio de consulta poder ser “visto” como um fotograma de um filme, no tempo dos suportes em celuloide. Um fotograma, isolado, não permite apreender o enredo, a narrativa em causa. Assim, este questionamento deve estar sempre presente na mente do médico durante a consulta. Também a adequada execução do “passo 1” pode evitar este risco.
- Importância de explorar, logo no início, a “agenda” de quem consulta
Foi referido por alguns residentes e perceptores que uma das mais importantes aprendizagens a ter em conta é a de ser capaz de “esgotar a agenda do paciente no início da consulta” de modo sistemático e sensível, perguntando e listando motivos da consulta, preocupações, medos e expectativas logo na fase inicial. A omissão, ou escamoteamento desta prática por parte do médico pode levar à perda de foco e de tempo ao longo das restantes fases da consulta e, até, ao seu insucesso. A deficiente execução desta prática, recomendada no “passo 2” da consulta, pode levar muitas vezes a “andar para trás e para a frente” nas restantes fases e passos.
- Evitar confundir os esquemas de apoio com a realidade e suas complexidades
Um dos riscos a evitar, sobretudo por parte de médicos com reduzida experiência, é a de adotarem e recorrerem a modelos, a métodos e a técnicas que podem afastá-los da realidade e circunstâncias humanas singulares. Podem tender a seguir representações e caminhos simplistas e redutores, perdendo abertura, visão abrangente e perspicácia para indícios, detalhes e profundidade sobre as pessoas que solicitam ajuda médica. Incluindo as razões expressas, ocultas ou até menos conscientes que trazem consigo.
- Dificuldades práticas dos residentes e dos médicos de família e comunidade que se sobrepõem muitas vezes aos elementos essenciais do método
O método dos “7 passos” foi criado como instrumento auxiliar para superar dificuldades práticas no processo de consulta e tornar este processo mais eficaz e eficiente. No entanto, essas mesmas dificuldades, se não forem previamente equacionadas, prejudicam a aplicação do método. Assim, a aplicação do método pode ficar prejudicada por constrangimentos-base major, tais como:
? Tempo - escassez do tempo disponível para as consultas – levando a dificuldades de “gestão do tempo” ou, melhor dizendo, na difícil escolha do que fazer e do que não fazer nos limitados minutos de cada consulta;
? Tecnologia informática pouco amigável - que, por vezes, inferniza o trabalho dos profissionais, em vez de o facilitar e apoiar, ao mesmo tempo que os equipamentos se interpõem entre o médico e a pessoa que a consulta, levando o médico a prestar mais tempo e atenção ao ecrã e ao computador do que a ver, ouvir, compreender e responder às necessidades da pessoa;
? Burocracias - quer administrativas (atos e procedimentos pouco racionais e até inúteis), quer técnicas (aplicações pouco inteligentes, sem automatismos, sem alarmística adequada, com codificações de atos e de diagnósticos morosos, por exemplo);
? Contextos sociais desfavoráveis – que levam, algumas vezes, a situações de hostilidade e conflito entre cidadãos e os profissionais dos serviços públicos, vistos como agentes do sistema de poder que associam aos seus problemas sociais e económicos;
? Crescente diversidade de singularidades humanas, incluindo de natureza etnocultural – envolvendo dificuldades linguísticas, de compreensão mútua quanto aos diferentes modos de ver o mundo, de crenças, de valores, de expectativas, entre outros;
? Emaranhados complexos de problemas e de necessidades sociais e de saúde – que requerem a existência de competências bastante sofisticadas e de equipes multiprofissionais e multidisciplinares para abordar e lidar com estas situações;
? Entre outros...

- Implicar e envolver a equipe multiprofissional e ver a própria pessoa, com ou sem doença(s), como a principal protagonista do seu processo de saúde
Constata-se, frequentemente, a tendência redutora de adotar uma abordagem centrada no médico e no tempo e espaço de cada consulta. Porém, o universo da saúde pessoal de cada pessoa singular inclui e está muito além desse pequeno mundo. Requer uma atenção permanente a toda a “orquestra” de recursos de saúde e bem-estar, começando pela própria pessoa e suas circunstâncias e incluir a equipe multiprofissional que lhe está mais próxima. Estas atitudes devem estar sempre presentes no desenrolar das consultas médicas.

Como melhorar?
Como já foi referido, autores têm recolhido regularmente ideias, críticas e sugestões da parte de residentes e de perceptores de formação sobre o método dos “7 passos”. Apesar das limitações identificadas e da necessidade de manter atitudes críticas na sua aplicação, têm confirmado a sua utilidade prática no treino da execução e análise crítica de consultas médicas. Quer no caso de estudantes de medicina durante estágios clínicos práticos, quer, em especial, para residentes de pós-graduação em especialidades médicas generalistas, como é o caso da MGF / MFC, mas também de outras especialidades médicas.
Acreditamos que as melhorias possíveis do método estão, em primeiro lugar, ao alcance de qualquer profissional de saúde. Dependem, essencialmente da liberdade, da flexibilidade e da criatividade de quem o quiser aproveitar como ponto de partida e de apoio para fins didáticos ou como exemplo simples de um guia prático estruturante para conduzir um episódio de consulta. Parece-nos poder contribuir para uma prática médica mais reflexiva, mais crítica e continuamente adaptativa às circunstâncias sempre em mutação das pessoas, da sociedade e das inovações tecnológicas.
Ainda assim, foram identificadas áreas de melhoria, tais como as que a seguir se exemplificam.
• O método dos “7 passos” é uma sugestão, a aplicar com flexibilidade
O método dos “7 passos” é apenas uma sugestão. Deve ser aplicado com flexibilidade para responder à necessidade de estruturar o universo complexo de elementos, interações e desafios presentes em cada consulta.
• A consulta médica deve ser considerada apenas uma peça do mosaico mais amplo e complexo que é a atenção de saúde a cada pessoa singular
Parece-nos útil considerar cada consulta apenas como uma peça de um mosaico mais amplo e complexo na narrativa pessoal e no percurso clínico e de saúde de cada pessoa.14,15 De igual modo a atividade “consulta” podendo ser uma atividade central nas especialidades médicas generalistas, é um instrumento auxiliar de um processo mais transversal e continuado, no tempo e no espaço, que transcende cada consulta e a sequência de várias consultas. Relativamente a esta abordagem, ver mais adiante as notas referidas ao “plano pessoal/individual de cuidados” e ao processo capacitador que pode designar-se por “autogestão pessoal de saúde”.
• Ênfase no encontro entre pessoas, seus papéis, modos de ver, agendas e objetivos
Embora esta abordagem tenha estado presente desde o início da construção e aplicação do método “A consulta em 7 passos”, a verdade é que, estando frequentemente distante da cultura e práticas ainda dominantes na maior parte dos serviços de saúde, deve ser objeto de uma atenção especialmente reforçada (Figura 2).
• Importância de um prontuário clínico unificado, integrador da informação clínica de uma pessoa, suportado por tecnologia digital adequada
O método “7 passos” beneficiará da existência de um prontuário clínico e de saúde, pessoal, unificado, integrador da informação clínica de cada pessoa e suportado por tecnologia digital adequada, designadamente uma interoperabilidade digital segura e que gaqranta a confidencialidade da informação. Este, pode ser considerado o eixo central de um sistema de informação de saúde ao serviço das pessoas.16 Um prontuário que possa ser facilmente utilizado, no qual cada um possa exercer um nível de autodeterminação em linha com os seus direitos e conhecimentos. O acesso à informação pessoal de saúde deve ser autorizado pelo seu titular aos profissionais que lhe prestem cuidados segundo perfis de acesso e utilização específicos, ajustados às competências do profissional e aos objetivos dos cuidados. Uma transição digital adequada é indispensável para o máximo aproveitamento das possibilidades que a chamada “inteligência artificial” pode oferecer. Tanto para facilitar como para otimizar várias componentes e processos que integram a consulta médica. Destacam-se como exemplos: escrita automática a partir de linguagem natural; codificações automáticas de atos e de diagnósticos; sistema de aviso e alarme quando a iminência de riscos, contraindicações e interações relativas a intervenções diagnósticas e de tratamento; análise 3D das constelações de fatores protetores, fatores de risco, clusters de problemas e clusters presentes em cada situação e momento referidos a cada pessoa singular; realização de sínteses e de resumos concisos, validáveis por profissional humano; apoio no processo de diagnóstico diferencial; entre muitas outras.
• Aproveitamento otimizado das tecnologias de informação e comunicação
Os sistemas de informação, de gestão do conhecimento e de comunicação em saúde e as tecnologias digitais associadas são poderosos instrumentos facilitadores dos processos de saúde pessoal e coletiva. Eles abrangem o universo designado por telesaúde, incluindo as teleconferências e as teleconsultas. A nível pessoal, servem para apoiar a avaliação e a decisão clínica, bem como promover a integração, a continuidade e a coordenação do cuidado. Estas funções são especialmente críticas para as pessoas que vivem com doenças de evolução prolongada, frequentemente múltiplas, independentemente dos serviços e instituições que lhes prestem os cuidados.
• Plano pessoal/individual de cuidados e autogestão pessoal de saúde
O desenvolvimento do método clínico centrado na pessoa17,18 beneficia de dois processos transversais, continuados e de capacitação pessoal: a) desenvolvimento teórico, metodológico e prático do “plano pessoal/individual de cuidados”; b) “autogestão pessoal de saúde”. O primeiro deve ser visto como um instrumento pessoal, associado ao percurso assistencial geral, integrado e transversal de cada pessoa. Para ser efetivo, deve estar permanentemente atualizado. Isto é, ser revisto e ajustado em cada momento em que houver qualquer acontecimento de saúde ou intervenção profissional num serviço ou instituição de saúde. Convém distinguir este “plano-base” do plano pontual que decorra de uma consulta num dado momento, a propósito de uma situação específica. O primeiro existe antes, durante e depois de cada consulta e deve estar sempre presente e acessível para a boa condução desta consulta. Deve ser componente essencial do prontuário clínico pessoal já referido. Relativamente ao processo de autogestão pessoal de saúde, este pode ser visto como o corolário de um processo continuado de literacia e de capacitação de cada pessoa para que, progressivamente, seja cada vez mais capaz de assumir a condução e controle dos seus próprios cuidados de saúde. Estes dois elementos podem melhorar e enriquecer o método dos “7 passos” e melhorar o processo e os resultados de cada consulta mas, sobretudo, os resultados do processo continuado e integrado dos cuidados de saúde a cada pessoa ao longo do seu percurso de vida.
• Incluir o método clínico centrado na pessoa num modelo mais abrangente que inclua o ecossistema da atenção à saúde a cada pessoa
Um dos desafios da prática médica é o de manter o seu núcleo essencial de atitudes e valores humanistas e acertar o passo com as mudanças constantes do seu contexto. Mudanças que são de sempre, mas que agora nos parecem ser de outras naturezas e com maior aceleração. Mudanças globais e mudanças locais. Mudanças dos sistemas de saúde, dos contextos geodemográficos, sociais, económicos, bem como mudanças ambientais e epidemiológicas, intensificação dos movimentos migratórios e maior diversidade etnocultural local, inovação tecnológica em vários domínios essenciais para a prática da medicina. Assim, os médicos e as equipes de saúde da família devem ser capazes de ampliar a abrangência do seu ângulo de visão, sem perder, no entanto, o foco da centralidade da pessoa ao seu cuidado. Temos designado esta abordagem por “modelo clínico integrado” - um desafio humano, profissional e técnico que requer adaptabilidade constante da arte, ciência e técnica milenar da medicina (Figura 3).

• “Gestão do tempo”, ação criteriosa, processos colaborativos, e trabalho em equipe
O maior constrangimento habitualmente referido pelos médicos em treinamento é o da dificuldade de “gerir o tempo”. Sendo impossível manipular cada unidade de tempo, uma vez que ninguém consegue “guardar tempo para o dia seguinte” ou dar ou emprestar tempo a qualquer outra pessoa, a “gestão do tempo” é irrealizável. Porém é possível escolher e decidir o que deixar de fazer, o que fazer e o como fazer, no tempo disponível, ainda que tenha duração mais ou menos flexível. A consideração mais detalhada, criteriosa, seletiva e rigorosa em cada um dos passos de uma consulta são um dos desafios mais fundamentais que podem ajudar a melhorar os resultados das consultas. Associados a esta questão de base, seguem-se os aspetos de como desenvolver inteligência e ação colaborativas com adequada distribuição de responsabilidades e tarefas entre todos os membros da equipe multiprofissional dedicada aos cuidados a cada pessoa e família, incluindo estes como membros ativos e centrais dessa equipe.

Nota conclusiva
O método “A consulta em 7 passos” tem sido utilizado em vários locais onde se realizam residências de pós-graduação e especialização em medicina de família e em alguns programas de formação médica pós-graduada em várias escolas médicas de língua portuguesa. Ao recapitular o método dos “7 passos” os autores reiteram que este deve ser visto como uma sugestão de trabalho e aplicado com sentido crítico e com flexibilidade.
As apreciações críticas de numerosos residentes e perceptores da especialidade de medicina de família têm levado os autores a equacionar recomendações adicionais quando apresentam e discutem o método em reuniões e sessões de formação. Têm vindo a utilizar abordagens mais abrangentes a propósito da consulta médica, designadamente: a importância do “prontuário clínico pessoal”, integrado, unificado, suportado por tecnologias digitais adequadas, incluindo interoperabilidade; o “plano pessoal/individual de cuidados”, como componente essencial do referido prontuário; o conceito e práticas de “autogestão pessoal de saúde”; e o significado e modos de aplicação prática do “modelo clínico integrado”. São desafios que contribuem para ampliar e enriquecer a formação e treino dos futuros médicos de família e comunidade.




Referências
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Citar

Ramos, V.M.B, Carrapiço, E.I.N. “A consulta em 7 passos: o que aprendemos e como melhorar?”. Cien Saude Colet [periódico na internet] (2025/mar). [Citado em 06/03/2025]. Está disponível em: http://cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/a-consulta-em-7-passos-o-que-aprendemos-e-como-melhorar/19532?id=19532&id=19532

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