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Artigos

0303/2025 - A força de trabalho farmacêutico no SUS: evoluções e alertas sobre a última década (2014-2023)
The pharmaceutical workforce in the SUS: developments and warnings over the last decade (2014-2023)

Autor:

• Marselle Nobre de Carvalho - Carvalho, MN - <marsellecarvalho@uel.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7338-5448

Coautor(es):

• Bruna Ruzza Monteguti - Monteguti, BR - <bruna_rm@hotmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0009-0001-2382-5182

• Emília Baierle Faraco - Faraco, EB - <emiliabaierle@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9388-353X

• Silvana Nair Leite - Leite, SN - <silvana.nair@hotmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5258-9684



Resumo:

A força de trabalho farmacêutico no Sistema Único de Saúde é responsável pelas ações que materializam a Política Nacional de Assistência Farmacêutica (PNAF), da gestão ao cuidado. Este estudo propõe partir do marco temporal de 2013, período em que se registrava franco crescimento da força de trabalho farmacêutica no SUS, para analisar a sua dinâmica nos últimos 10 anos. São analisados dados registrados no CNES e IBGE, apresentados em taxas de crescimento e taxas populacionais. A força de trabalho farmacêutico total nos serviços que atendem o SUS no Brasil teve um crescimento de 36% entre 2014 e 2023, e nos serviços de APS de 47%. Contudo, 91,96% dos farmacêuticos não estão vinculados a algum tipo de equipe. Os vínculos profissionais que mais cresceram nos últimos dez anos foram os “desprotegidos”, como bolsas, estágios e contratações sem direitos trabalhistas. As maiores taxas populacionais são dos estados do Sul (49,2/100 mil habitantes), e as menores no Nordeste e Centro-oeste (32/100 mil habitantes). O crescimento menor na última década, as disparidades entre estados e regiões e os tipos de contratos de trabalho alertam para a necessidade do contínuo trabalho dos órgãos de classe e do controle social para a defesa da força de trabalho farmacêutico para o avanço da PNAF.

Palavras-chave:

Farmacêuticos; Recursos Humanos; SUS; Atenção Primária à Saúde

Abstract:

The pharmaceutical workforce in the Unified Health System is responsible for the actions that materialize the National Pharmaceutical Policy from management to care. This study sets out to analyze the dynamics of the pharmaceutical workforce in the SUS over the last 10 years, starting from 2013, a period in which there was rapid growth. Data recorded in the CNES and IBGE are analyzed, presented in terms of growth rates and population rates. Between 2014 and 2023, the total pharmacist workforce in the services that serve the SUS in Brazil grew by 36%, and in PHC services by 47%; 91.96% of pharmacists are not linked to any type of team. The types of professional relationship that have shown the most growth in the last ten years have been those characterized as “non-protected”, such as scholarships and internships, or other types of employment that do not guarantee labor rights. The highest population rates are in the southern states (49.2/100,000), and the lowest in the northeast and central-west (32/100,000). The slower growth over the last decade, the disparities between states and regions and the types of employment contracts all point to the need for continuous work by professional bodies and social control to defend the pharmaceutical workforce in order to advance the PNAF.

Keywords:

Pharmacists; Workforce; SUS; Primary Health Care

Conteúdo:

INTRODUÇÃO
Há mais de uma década, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou veementemente que não há saúde sem força de trabalho. Este é um componente central dos sistemas de saúde e condição fundamental para que se atinja acesso universal, qualidade em saúde e desenvolvimento socioeconômico1. No Brasil, são registrados mais de 3 milhões de trabalhadores atuando no Sistema Único de Saúde, em mais de 4,5 milhões de vínculos ativos 2.
A força de trabalho farmacêutico, para a OMS, compreende farmacêuticos, técnicos em farmácia e pessoal assistente, e cada categoria profissional é analisada separadamente. No entanto, no Brasil, não há registros e regulamentações para os profissionais que atuam como técnicos ou assistentes em farmácias, sendo a força de trabalho farmacêutica constituída, então, por farmacêuticos. Os farmacêuticos são auxiliados, mais comumente, por profissionais técnicos em enfermagem. Em todo o mundo, os farmacêuticos vêm crescendo nas últimas duas décadas, em números e em responsabilidades e competências3. Considerando as disparidades significativas entre países de alta e baixa renda, destaca-se a necessidade de políticas transformadoras para aumentar a capacidade da força de trabalho farmacêutica a fim de garantir serviços farmacêuticos de qualidade para alcançar uma cobertura universal de saúde 4, papel reconhecido pela Declaração de Astana, de 20185.
Globalmente, estima-se haver 6 milhões de profissionais entre farmacêuticos e técnicos de farmácia. No entanto há uma grande iniquidade na distribuição desta força de trabalho: países de alta renda apresentavam em 2024 uma média de 2,1 farmacêuticos por 10.000 mil habitantes. Enquanto os países de baixa renda apresentavam uma média de 3,86. O Brasil já ultrapassa a média dos países de alta renda com cerca de 18 farmacêuticos por 10.000 mil habitantes 7. Para além das funções relacionadas à produção e distribuição de medicamentos, diversas atividades têm sido incluídas entre as responsabilidades dos farmacêuticos e os quadros de competências profissionais globais8,9 têm evoluído em complexidade e abrangência, incluindo a clínica, a liderança e gestão de serviços, a promoção da saúde coletiva.
A Política Nacional de Assistência Farmacêutica (PNAF)10, alinhada com a política de saúde, definiu com um dos seus eixos o “desenvolvimento, valorização, formação, fixação e capacitação de recursos humanos” para atender as necessidades do setor. A categoria profissional farmacêutica no Brasil vem evoluindo em responsabilidades e áreas de atuação nas últimas décadas, particularmente avançando nas práticas clínicas e na atuação no sistema único de saúde 11. Recentemente, o profissional farmacêutico foi incluído nas equipes e-Multi, passou a prescrever profilaxia pré-exposição e pós-exposição ao HIV (PrEP e PEP), e tem parte fundamental das equipes clínicas em muitos hospitais35 O profissional farmacêutico foi uma das categorias com maior crescimento nos serviços de atenção primária do SUS entre 2008 e 2013, particularmente associada ao crescimento das responsabilidades gerenciais do setor e atuação no Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) 12, 13. A maioria dos municípios têm farmacêuticos na gestão da assistência farmacêutica municipal e em cerca de 30% das unidades de saúde que dispensam medicamentos. No entanto, esta distribuição é desigual entre as regiões brasileiras 14.
Farmacêuticos são reconhecidos como profissionais críticos para Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) relacionados à saúde, especialmente no uso seguro, responsável e eficaz de medicamentos5. Possuem papel fundamental no acesso aos medicamentos e qualidade dos serviços. E os resultados da atuação dos farmacêuticos neste setor são reconhecidos: mesmo entre aqueles de menor Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), os com maiores taxas de farmacêuticos apresentam melhores condições de acesso e informações aos usuários sobre o uso dos medicamentos15, a capacidade de gestão da assistência farmacêutica municipal também é afetada, apresentando melhores condições entre aqueles com maiores taxas de farmacêuticos 16.
No entanto, no Brasil há falta de conhecimento das necessidades presentes e futuras de profissionais de atenção à saúde 17. O planejamento da força de trabalho em saúde não tem sido baseado em avaliação objetiva com base nas características dos profissionais, seus processos de trabalho (produtividade, carga de trabalho), às características do sistema de saúde em vigor (cobertura e tipo de serviços oferecidos) e as necessidades de saúde da população 18.
Na última década, diversos fatores impactaram a força de trabalho no SUS, inclusive a farmacêutica. O estabelecimento da Emenda Constitucional 95 limitou os investimentos no setor, as políticas públicas foram fortemente ameaçadas, os novos modelos de contratação privatizadores foram implantados, e a pandemia da COVID-19 revelou os valores dos profissionais de saúde, e suas mazelas19. Neste momento de avaliação e celebração dos 20 anos da publicação da PNAF, este estudo inédito se propõe partir do marco temporal de 2013, período em que se registrava franco crescimento da força de trabalho farmacêutica no SUS 13, para analisar a sua dinâmica nos últimos 10 anos.

MÉTODO

A pesquisa é caracterizada como um estudo descritivo-analítico, retrospectivo, de abordagem quantitativa. Os dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) foram obtidos através da plataforma online ElastiCNES, disponibilizada no endereço eletrônico www.elasticnes.saude.gov.br. Em substituição aos relatórios fornecidos pelo CNESNet, a plataforma on-line ElastiCNES disponibiliza painéis estatísticos com possibilidade de uso de dados ajustáveis conforme o uso de cada usuário.
Para a pesquisa em questão foi utilizado o painel Profissionais/Equipes. Neste painel, optou-se pela seleção das seguintes variáveis: competência, região, unidade federativa, profissional atende SUS, profissional Classificação Brasileira de Ocupações (CBO). Foram consideradas as competências de dezembro de 2014 e dezembro de 2023. O recorte temporal levou em consideração a escassez de estudos sobre o tema na última década, sendo os estudos disponíveis relativos ao ano de 201313,14. Optou-se por incluir também na investigação a competência de dezembro de 2019, por contemplar um período pré-pandêmico, como forma de subsidiar a análise na hipótese de possíveis alterações dos dados neste período.
No que se refere às regiões, a investigação considerou todas as unidades federativas do país. Por se tratar da análise da força de trabalho farmacêutica do SUS foram incluídos na pesquisa apenas profissionais farmacêuticos que atuam em serviços que atendem o Sistema Único de Saúde (de administração pública direta, privados ou sem fins lucrativos), vinculados às equipes de saúde ou não, selecionados a partir da classificação brasileira de ocupações (CBO) para todas as denominações de "farmacêutico" e suas variações.
As taxas de farmacêuticos por 100.000 habitantes foram calculadas utilizando a população estimada em cada estado da federação para 2014 e 202320,21. Foram considerados dois grupos de farmacêuticos para esta análise: o total de farmacêuticos registrados em qualquer tipo de estabelecimento em cada estado e, separadamente, o número de farmacêuticos vinculados aos estabelecimentos denominados posto de saúde, centro saúde/UBS, unidade móvel terrestre, unidade fluvial e unidade mista.
A coleta de dados ocorreu no mês de agosto de 2024. Os dados obtidos através da plataforma foram transpostos para planilhas do Microsoft Excel® e analisados, por estatística descritiva, no Software Epi Info.
Por tratar-se de uma pesquisa com fonte de dados secundários, de domínio público e sem a identificação dos participantes, dispensou-se a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CEPSH), conforme resolução nº 510, de 7 de abril de 2016, do Conselho Nacional de Saúde (CNS)22.

RESULTADOS

A força de trabalho farmacêutico nos serviços que atendem o SUS no Brasil teve um crescimento de 36% entre 2014 e 2023. Entre as diferentes denominações dos farmacêuticos registrados, os Farmacêuticos hospitalares clínicos tiveram o maior crescimento em dez anos (734,6%) enquanto os Farmacêuticos Analistas Clínicos tiveram decréscimo de 23,9% no mesmo período (Tabela 1).

Tab.1

A força de trabalho farmacêutica na Atenção Primária em Saúde (APS) cresceu mais expressivamente entre 2019-2023, e 47% nos dez anos, porcentagem semelhante ao crescimento da força de trabalho nos hospitais. Apesar de apresentar grande crescimento percentual, o número de Centrais de Abastecimento que registram farmacêutico responsável ainda é pequeno em 2023 (491), indicando menos de 10% dos municípios brasileiros. Já o número de farmacêuticos registrados em farmácias isoladas (registradas como unidades isoladas, não pertencentes a uma unidade de saúde) apresentou crescimento expressivo e o número de farmacêuticos em Unidades de Apoio Diagnóstico e Terapia apresentou decréscimo.
Os tipos de vínculo profissional que apresentaram maior crescimento nos últimos dez anos foram os caracterizados como "desprotegidos", como bolsas e estágio, ou outras modalidades de contratação que não garantem direitos trabalhistas. Entre os contratados sob regimes com proteções dos direitos trabalhistas, aqueles sem prerrogativas de estabilidade cresceram 46%, sendo mais que o dobro das contratações com estabilidade, como estatutários. Em 2014, os vínculos trabalhistas dos farmacêuticos atuando no SUS eram de tipos "protegidos" para 78,2% deles; em 2023 eram 75,7%.
O vínculo dos farmacêuticos com equipes variou entre NASF em 2014 para e-Multi, Equipes de Atenção Básica (eAB) e outras equipes em 2023, mas o percentual da força de trabalho farmacêutico vinculada a equipes continua abaixo dos 10% do total: de 95,64% para 91,96% sem vinculação a algum tipo de equipe (Tabela 1).
A densidade geral de farmacêuticos atuando no SUS e de farmacêuticos na APS variam expressivamente entre os estados brasileiros. Cinco estados apresentam densidade geral de mais de 50 farmacêuticos por 100.000 habitantes (RR, RN, TO, RS, SC) e outros sete estados apresentam taxas menores que 30. Já a densidade de farmacêuticos atuando em unidades de APS, oito estados apresentam valores iguais ou maiores que 10, enquanto três estados do Nordeste apresentam densidades menores que 3 farmacêuticos a cada 100 mil habitantes (Tabela 2).

Tab.2

A região Norte apresenta situações como a do Pará com baixa taxa, enquanto Roraima e Tocantins apresentam as maiores taxas dos estados brasileiros (Tabela 2). A região Nordeste concentra a maioria dos estados com as menores densidades de farmacêuticos na APS (Figuras 1 e 2).

Figura 1: Mapa de densidade de farmacêuticos cadastrados em serviços da APS no Brasil, 2023.

DISCUSSÃO
A PNAF traz o desenvolvimento, valorização, formação, fixação e capacitação de recursos humanos como eixo estratégico para a consolidação dos seus objetivos maiores de garantir acesso e uso racional de medicamentos. Ainda que não exclusivamente, pois trata-se de uma política que exige ações interprofissionais e intersetoriais, a força de trabalho farmacêutica representa importante expressão da PNAF no cotidiano dos serviços de saúde. Os resultados aqui apresentados são inéditos na literatura e expressam a continuidade do crescimento da força de trabalho farmacêutico na assistência farmacêutica no SUS, mas em menor percentual crescimento na APS nestes últimos dez anos, se comparado com os registros entre 2008 e 201312.
Estudo publicado em 2022, com dados secundários do 2o (2014) e 3o (2017) ciclos do Programa de Melhoria de Acesso e da Qualidade da Atenção Básica demonstra que a disponibilidade de medicamentos nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) aumentou nos dois ciclos avaliativos, sobretudo nos municípios com extremos de porte populacional (?10.000 e >500.000 habitantes), mas a presença do farmacêutico na UBS não apresenta variação importante entre os anos, sendo a média no Brasil de 14,4% em 2014 e de 14,7% em 2017, com maior presença nos municípios com até 10.000 habitantes e com mais de 500.000 habitantes (aproximadamente 30% no 3º ciclo)23, ou seja, a disponibilidade de medicamentos aumentou junto com o aumento da presença do profissional farmacêutico nas UBS. Todavia, mesmo tendo medicamentos na quase totalidade das UBS do país, nem 20% das UBS contam com a presença do profissional, cabendo a entrega de medicamentos a outras categorias profissionais.
Ao redor do mundo, os sistemas de saúde têm o desafio de garantir força de trabalho em saúde no nível de atenção primária em número e qualidade suficiente. As principais barreiras identificadas para tanto incluem desafios financeiros, educacionais, carga de trabalho excessiva, falta de clareza nas responsabilidades e escassez de tecnologia de saúde, que geram dificuldades para atrair e manter os profissionais 24.
Para o cenário deste estudo no Brasil, tais barreiras já foram identificadas para a força de trabalho farmacêutico na APS no SUS25,26,27,28. De forma contundente, no período aqui analisado, a organização e financiamento da APS foram impactos por medidas políticas e econômicas caracterizadas por austeridade e limitações para sua expansão. Há quase uma década, o contexto econômico e a instabilidade política vêm afetando a capacidade de gestão da APS29. No contexto de restrição orçamentária, uma nova revisão da Política Nacional de Atenção Básica foi realizada em 2017, flexibilizando a composição de equipes de ESF, reduzindo requisitos mínimos de profissionais para atender a população num Território30.
No campo da assistência farmacêutica, os municípios foram impactados pelo aumento da demanda e do preço dos medicamentos na APS, sem reajustes de repasse da contrapartida federal, gerando grande aumento da responsabilidade financeira para os municípios. O aumento do gasto próprio para o financiamento dos medicamentos foi proporcionalmente maior entre os municípios de menor IDHM, mesmo com a inclusão deste indicador como parâmetro para o cálculo do valor de Repasse31. Os repasses federais e estaduais mandatórios para a assistência farmacêutica, no entanto, referem-se exclusivamente à compra de medicamentos.
Uma estratégia de repasse de recursos do governo federal para os municípios para estruturação da AF, incluindo para força de trabalho, foi implementada – o Programa QualifarSUS32, que inclui também ações de qualificação profissional e implementação de serviços. No entanto, o Programa não recebeu reajustes ou cadastro para novos municípios entre os anos de 2019 e 2022. Em 2023, o Programa reabriu o cadastro para novos municípios, ampliando a possibilidade de expansão das ações de assistência farmacêutica na APS, proporcionando para os municípios incentivos para qualificar o setor.
A verificação das taxas de farmacêuticos por 100.000 habitantes, demonstradas na Tabela 2, permite identificar as diferenças pronunciadas entre os estados e seu crescimento na década. O cenário de desigualdade regional apresentou poucas modificações neste período, em relação a estudos anteriores14,15.
Além da força de trabalho na APS, a expansão da força de trabalho farmacêutico nos hospitais gerais e especializados no período foi significativa. Este resultado pode estar relacionado à publicação da Lei n. 13.021, de 201433, que estabelece que as farmácias hospitalares, independente do porte do hospital, devem ter farmacêutico responsável em todo o horário de funcionamento. Além da questão legal, os serviços farmacêuticos no âmbito hospitalar ganharam expressão e reconhecimento nos últimos anos, ampliando seu escopo para os serviços clínicos e atuação em equipes34.
Chama a atenção o crescimento do número de farmacêuticos registrados em unidades denominadas "Farmácia". No âmbito do SUS, a organização do acesso aos medicamentos segue, muito frequentemente, a lógica do financiamento para aquisição dos medicamentos e o modelo de atenção, sendo os medicamentos da atenção básica disponibilizados nas unidades de APS. As farmácias isoladas são, muitas vezes, dedicadas à dispensação de outros medicamentos, particularmente do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica. O crescimento observado pode ser resultado do crescimento da demanda deste componente na última década em todo o país. No entanto, pode também refletir um movimento observado em alguns municípios de centralizar a dispensação de medicamentos da APS, retirando a assistência farmacêutica do contexto interprofissional e do modelo de atenção preconizado para a APS.
Os farmacêuticos têm ainda reduzida inserção das equipes de saúde. Até 2019, ainda na vigência do NASF, o vínculo a eles representava 3,5% dos farmacêuticos no SUS. Em 2023, já sob vigência das eMulti, 5% dos farmacêuticos do SUS estão a elas vinculados. De acordo com o painel do MS35, farmacêuticos representam apenas 3,3% dos profissionais vinculados às equipes eMulti, em um cenário em que 31% dos profissionais da APS estão em equipes eMulti. A Portaria GM/MS nº 6.010/2024, que instituiu as equipes eMulti com incentivos pelo Ministério da Saúde, definiu as profissões a serem contratadas, incluindo "farmacêutico clínico".36 Tal adjetivação pode ter criado alguma barreira na interpretação sobre a necessidade de diplomação ou habilitação do farmacêutico e influenciado a definição das equipes pela disponibilidade de profissionais no município. Também é possível supor que a contratação via eMulti tenha privilegiado profissões que não costumam figurar na atenção básica, como fisioterapeutas e psicólogos, que hoje representam as profissões mais frequentes nas eMulti.
O crescimento do número de farmacêuticos atuando no SUS traz consigo, no entanto, o aumento expressivo das formas de contratação sem proteção dos trabalhadores. Um vínculo trabalhista desprotegido pode ocorrer quando o empregador não recolhe o FGTS e o INSS, o que deixa o trabalhador desprotegido. Em caso de dispensa, o trabalhador não terá saldo em conta, nem receberá a multa de 40% e não terá direito ao seguro-desemprego. A precarização do trabalho tem se constituído de várias formas e a mais destacada marca modalidades irregulares de contratação a ponto de ter-se criado uma equivalência entre as ideias de ‘precarização’ e ‘vínculo irregular’37, que se apresenta na forma de bolsas, estágios, plantões e contratos temporários. O trabalho no âmbito do SUS, há duas décadas e meia, disputa com o setor privado as políticas públicas de saúde, simultaneamente à conversão neoliberal do Estado, e parece estar ganhando força e dimensão na atualidade, com a multiplicação das oportunidades de gestão através de Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público.
Há, na atualidade, uma importante discussão sobre carreiras no SUS, incluindo a proposta de uma Carreira Única, Carreira Nacional do SUS, Carreira Inter federativa, e carreiras específicas no âmbito do SUS, como a Carreira da Atenção Primária à Saúde e a Carreira Única de Médico38. A Mesa de Negociação Permanente do SUS voltou a atuar recentemente e é um fórum importante para negociação coletiva, discussão e estabelecimento de protocolos, visando melhorar a qualificação dos serviços prestados. Consensos sobre os desafios para gerenciar a força de trabalho no sistema de saúde com as imensas diversidades e responsabilidade tripartite e gestão descentralizada, no entanto, ainda parecem distantes. Espera-se que soluções inovadoras e uma abordagem integrada possam ser construídas para garantir a sustentabilidade e a eficácia do SUS.

Limitações do estudo
O estudo foi baseado nos dados registrados no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES). O CNES é um dos mais de 400 (quatrocentos) sistemas implantados pelo Ministério da Saúde (MS) e surgiu com o objetivo de ser base para se conhecer a oferta de serviços de saúde instalada em todo o território nacional, contribuir na padronização dos dados para garantia da disponibilidade de informações fidedignas com a realidade, ser ferramenta para uma gestão eficaz e eficiente, proporcionando ao gestor o conhecimento da realidade da rede assistencial e mão-de-obra existente e suas potencialidades auxiliando no planejamento em Saúde39.
A importância do CNES está em reunir os dados dos estabelecimentos de saúde do país. Mais que o amplo escopo de abrangência, pesa a relevância de veiculação de dados de alta qualidade. No entanto, a literatura relata imprecisões no sistema podem distorcer as informações necessárias para a tomada de decisão gerencial e prejudicar a formulação de políticas públicas, particularmente relacionadas a problemas de alimentação dos dados pelos setores responsáveis, de forma descentralizada. Os problemas comuns são de desatualização dos dados40.
Nesse sentido, os resultados aqui apresentados podem conter imprecisões devido aos problemas de preenchimento e atualização pelos gestores dos serviços de saúde. No entanto, esta é a ferramenta disponível e oficial como fonte de informação sobre serviços e profissionais no SUS, em âmbito nacional.

Conclusões
A força de trabalho farmacêutico total nos serviços que atendem o SUS no Brasil teve um crescimento de 36% entre 2014 e 2023, e nos serviços de APS de 47%. O movimento contínuo de crescimento indica a expansão da cobertura de acesso aos serviços farmacêuticos, o reconhecimento da necessidade de ações para promover o acesso e uso adequado dos medicamentos e, pode-se inferir, reflete o processo de consolidação da PNAF. No entanto, a desaceleração do crescimento da força de trabalho farmacêutico na atenção primária, se comparado com período anterior, as grandes diferenças entre os estados e as regiões e o aumento de vínculos trabalhistas “desprotegidos” alertam para os grandes desafios colocados para o setor. Os resultados indicam a necessidade do contínuo trabalho dos órgãos de classe e do controle social para a defesa da força de trabalho farmacêutico para o avanço da PNAF.

Contribuições das autoras:
Todas as autoras participaram da coleta e análise dos dados, contribuindo para a interpretação dos resultados. Além disso, todas participaram da redação, revisão e aprovação final do texto.

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Carvalho, MN, Monteguti, BR, Faraco, EB, Leite, SN. A força de trabalho farmacêutico no SUS: evoluções e alertas sobre a última década (2014-2023). Cien Saude Colet [periódico na internet] (2025/ago). [Citado em 05/12/2025]. Está disponível em: http://cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/a-forca-de-trabalho-farmaceutico-no-sus-evolucoes-e-alertas-sobre-a-ultima-decada-20142023/19779?id=19779&id=19779

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