0340/2022 - Adherence to school meals and co-occurrence of the healthy and unhealthy food markers among Brazilian adolescents
Adesão à alimentação escolar e coocorrência dos marcadores de alimentação saudável e não saudável entre adolescentes brasileiros
Autor:
• Mendalli Froelich - Froelich, M. - <mendalli_f@hotmail.com>ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7024-9886
Coautor(es):
• Bárbara da Silva Nalin de Souza - Souza, B. S.N. - <bnalinsouza@gmail.com>ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4266-7503
• Amanda Cristina de Souza Andrade - Andrade, A. C. S. - <csouza.amanda@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3366-4423
• Paulo Rogério Melo Rodrigues - Rodrigues, P. R. M - <prmr84@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4213-0685
• Diana Barbosa Cunha - Cunha D.B - <dianabcunha@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0900-5628
• Ana Paula Muraro - Muraro, A. P. - <muraroap@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6237-1673
Resumo:
The aim of this study was to analyze the association between adherence to school meals and the co-occurrence of the regular consumption of healthy and unhealthy eating markers among Brazilian adolescents. Data67,881 adolescents in Brazilian public schools who participated in the 2015 National School Health Survey, were used. From the 7-day FFQ, the dependent variable was constructed, co-occurrence of regular consumption (?5x/week) of healthy and unhealthy food markers, which was categorizedas regular consumption of none, one or two, or three eating markers. We performed an ordinal logistic regression with adjustment for sociodemographic, eating habits outside of school, and school characteristics variables. The prevalence of the co-occurrence of the regular consumption of three healthy eating markers was 14.5%, and that of three unhealthy markers was 4.9%. High adherence to school meals (consumption at frequency ?5x/week) was positively associated with regular consumption of healthy eating markers and inversely associated with regular consumption of unhealthy eating markers. The school meals provided by PNAE contribute to the promotion of healthy eating habits among Brazilian adolescents.
Palavras-chave:
School food, Adolescents, Food consumption, Healthy Surveys, Public Policy.Abstract:
Objetivou-se analisar a associação entre a adesão à alimentação escolar e a co-ocorrência do consumo regular de marcadores de alimentação saudável e não saudável entre adolescentes brasileiros. Avaliou-se 67.881 adolescentes de escolas públicas brasileiras participantes da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) de 2015. A partir do QFA de 7 dias construiu-se a variável dependente, co-ocorrência do consumo regular (≥5x/semana) de marcadores de alimentação saudável e não saudável, que foi categorizada em consumo regular de nenhum, um, dois ou três marcadores de alimentação. Realizou-se regressão logística ordinal com ajuste para variáveis sociodemográficas, hábitos alimentares fora da escola e características da escola. A prevalência da co-ocorrência do consumo regular de três marcadores de alimentação saudável foi de 14,5% e de três marcadores de alimentação não saudável foi de 4,9%. A alta adesão à alimentação escolar (consumo na frequência ≥5x/semana) foi positivamente associada ao consumo regular de marcadores de alimentação saudável e inversamente associada ao consumo regular de marcadores de alimentação não saudável. A alimentação escolar fornecida pelo PNAE contribui para a promoção de hábitos alimentares saudáveis entre os adolescentes brasileiros.Keywords:
Alimentação escolar, Adolescentes, Consumo alimentar, Inquéritos epidemiológicos, Política Pública.Conteúdo:
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Adesão à alimentação escolar e coocorrência dos marcadores de alimentação saudável e não saudável entre adolescentes brasileiros
Resumo (abstract):
Objetivou-se analisar a associação entre a adesão à alimentação escolar e a co-ocorrência do consumo regular de marcadores de alimentação saudável e não saudável entre adolescentes brasileiros. Avaliou-se 67.881 adolescentes de escolas públicas brasileiras participantes da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) de 2015. A partir do QFA de 7 dias construiu-se a variável dependente, co-ocorrência do consumo regular (≥5x/semana) de marcadores de alimentação saudável e não saudável, que foi categorizada em consumo regular de nenhum, um, dois ou três marcadores de alimentação. Realizou-se regressão logística ordinal com ajuste para variáveis sociodemográficas, hábitos alimentares fora da escola e características da escola. A prevalência da co-ocorrência do consumo regular de três marcadores de alimentação saudável foi de 14,5% e de três marcadores de alimentação não saudável foi de 4,9%. A alta adesão à alimentação escolar (consumo na frequência ≥5x/semana) foi positivamente associada ao consumo regular de marcadores de alimentação saudável e inversamente associada ao consumo regular de marcadores de alimentação não saudável. A alimentação escolar fornecida pelo PNAE contribui para a promoção de hábitos alimentares saudáveis entre os adolescentes brasileiros.Palavras-chave (keywords):
Alimentação escolar, Adolescentes, Consumo alimentar, Inquéritos epidemiológicos, Política Pública.Ler versão inglês (english version)
Conteúdo (article):
Adesão à alimentação escolar e co-ocorrência dos marcadores de alimentação saudável e não saudável entre adolescentes brasileirosAuthors: Mendalli Froelich1,2, Bárbara da Silva Nalin de Souza2, Amanda Cristina de Souza Andrade2, Paulo Rogério Melo Rodrigues3, Diana Barbosa Cunha4, Ana Paula Muraro2
1 Federal Institute of Mato Grosso - Juína Campus, Mato Grosso, Brazil.
2 Institute of Public Health, Department of Public Health, Federal University of Mato Grosso,
Mato Grosso, Brazil.
4Department of Epidemiology, Social Medicine Institute, State University of
Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brazil
Mendalli Froelich; mendalli_f@hotmail.com, ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7024-9886
Bárbara da Silva Nalin de Souza; bnalinsouza@gmail.com; ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4266-7503
Amanda Cristina de Souza Andrade; csouza.amanda@gmail.co; ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3366-4423
Paulo Rogério Melo Rodrigues; prmr84@gmail.com; ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4213-0685
Diana Barbosa Cunha; dianabcunha@gmail.com;ORCID: 0000-0003-0900-5628
Ana Paula Muraro; muraroap@gmail.com; ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6237-1673
Resumo
Este estudo tem como objetivo analisar a associação entre a adesão à alimentação escolar e a co-ocorrência do consumo regular de marcadores de alimentação saudável e não saudável entre adolescentes brasileiros. Avaliou-se 67.881 adolescentes de escolas públicas brasileiras participantes da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) de 2015. A partir do QFA de 7 dias construiu-se a variável dependente, co-ocorrência do consumo regular (≥5x/semana) de marcadores de alimentação saudável e não saudável, que foi categorizada em consumo regular de nenhum, um, dois ou três marcadores de alimentação. Realizou-se regressão logística ordinal com ajuste para variáveis sociodemográficas, hábitos alimentares fora da escola e características da escola. A prevalência da co-ocorrência do consumo regular de três marcadores de alimentação saudável foi de 14,5% e de três marcadores de alimentação não saudável foi de 4,9%. A alta adesão à alimentação escolar (consumo na frequência ≥5x/semana) foi positivamente associada ao consumo regular de marcadores de alimentação saudável e inversamente associada ao consumo regular de marcadores de alimentação não saudável. A alimentação escolar fornecida pelo PNAE contribui para a promoção de hábitos alimentares saudáveis entre os adolescentes brasileiros.
Palavras-chave: Alimentação escolar, Adolescentes, Consumo alimentar, Inquéritos epidemiológicos, Política Pública.
INTRODUÇÃO
Os adolescentes constituem um grupo populacional nutricionalmente vulnerável devido às maiores exigências de energia e nutrientes nesta fase da vida e sua suscetibilidade a influências externas, como escola, mídia e amizades1. Entretanto, a alimentação desse grupo muitas vezes não é saudável, caracterizada pelo baixo consumo de frutas e hortaliças, e o alto consumo de alimentos ultraprocessados2,3 sendo seu consumo associado a diversas doenças crônicas, como obesidade, doenças cardiovasculares e metabólicas, câncer, depressão e distúrbios gastrointestinais4.
A alimentação inadequada na adolescência é um dos principais fatores de risco para o desenvolvimento precoce de doenças crônicas não transmissíveis, com graves repercussões tanto na adolescência 1 quanto na fase adulta5. Por outro lado, hábitos saudáveis adquiridos e consolidados na adolescência podem se perpetuar fortemente na vida adulta5, sendo a escola um local fundamental para a implementação de estratégias e políticas de promoção de hábitos alimentares saudáveis6.
Diversos países têm implementado programas de alimentação escolar com base na hipótese de que pode ser uma intervenção eficaz para melhorar a qualidade da alimentação dos alunos, com efeitos positivos observados em países de baixa e média renda7. No Brasil, o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) tem como objetivo a construção de hábitos alimentares saudáveis por meio de ações de educação alimentar e nutricional e oferta de alimentação gratuita que atenda a todas as necessidades nutricionais dos alunos da rede pública de ensino fundamental e médio ao longo do ano letivo. Os cardápios elaborados no âmbito do PNAE são planejados com base em alimentos in natura, sendo proibidas as bebidas açucaradas e restrita a oferta de alimentos ultraprocessados ricos em sódio ou gorduras saturadas. Também é obrigatório comprar pelo menos 30% dos alimentos da agricultura familiar8.
Estudos encontraram associação entre a adesão à alimentação escolar e a melhora da qualidade da dieta em escolares brasileiros9–12. No entanto, nenhum deles avaliou a coocorrência do consumo de marcadores saudáveis e não saudáveis associados à adesão à alimentação escolar entre adolescentes de escolas públicas brasileiras.
Portanto, este estudo tem como objetivo analisar a associação entre a coocorrência do consumo regular de marcadores de alimentação saudável e não saudável e a adesão à alimentação escolar entre estudantes brasileiros de escolas públicas.
MÉTODOS
Foram utilizados os dados da terceira edição da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) realizada em 2015, que é um estudo transversal representativo do Brasil, entre alunos do 9º ano matriculados e frequentando escolas públicas e privadas (102.072), abrangendo as 27 unidades federativas, incluindo capitais e municípios. Os dados foram coletados entre abril e setembro de 2015 por meio de um smartphone contendo um questionário estruturado e autoaplicável dividido em módulos temáticos. Informações mais detalhadas sobre o tamanho da amostra podem ser encontradas na publicação da pesquisa13.
Este estudo avaliou apenas alunos de escolas públicas que oferecem alimentação escolar (67.881), considerando que a variável independente de interesse foi a adesão dos alunos à alimentação escolar do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que tem como público todos alunos matriculados em escolas públicas8.
O consumo alimentar foi avaliado por meio de um questionário de frequência alimentar (QFA), no qual o adolescente poderia responder que não consumia nenhum alimento ou indicar a frequência de 1 a 7 dias, considerando os últimos 7 dias antes da entrevista. De um total de 7 grupos de alimentos incluídos no QFA, neste estudo, foram investigados os seguintes grupos de alimentos: feijão, hortaliças, frutas, salgados fritos, refrigerantes e ultraprocessados (ex: hambúrguer, presunto, mortadela, salame, salsichas, salgadinhos embalados, macarrão instantâneo e biscoitos). Os três primeiros grupos de alimentos foram considerados marcadores de alimentação saudável e os outros foram considerados marcadores de alimentação não saudável, conforme classificação adotada pelo IBGE13.
A partir das respostas para cada alimento, o consumo alimentar foi categorizado em regular (≥5 x/semana) e não regular (<5 x/semana). Por fim, foram criados dois escores com base na simultaneidade dos alimentos consumidos por cada aluno, um para o consumo de marcadores de alimentação saudável e outro para o consumo de marcadores de alimentação não saudável, os quais foram categorizados em três categorias: não consome, consumo regular de um ou dois grupos de alimentos ou consumo regular de três marcadores alimentares.
A adesão à alimentação escolar foi avaliada pela questão “Você costuma comer a refeição (lanche/almoço) oferecida pela escola?”, com as respostas categorizadas em (1) alta adesão – considerando a resposta “Sim, todos os dias”; (2) adesão insatisfatória – considerando as respostas “Sim, 3 a 4 dias por semana”; “Sim, 1 a 2 dias por semana” e “raramente” e (3) não adesão – considerando a resposta “Não”. Foram utilizadas as variáveis sociodemográficas, hábitos alimentares fora da escola e características das escolas para descrever a amostra e para ajuste das associações (covariáveis). Em relação às características das escolas e sociodemográficas, as variáveis incluídas foram a macrorregião do município (norte, nordeste, sudeste, sul e centro-oeste), localização geográfica da escola (urbana ou rural), presença de cantina na escola (sim ou não), sexo (masculino ou feminino), faixa etária (categorizada em: ≤13 anos; 14 a 15 anos; ≥16 anos), trabalho remunerado (sim ou não), residir com os pais (ambos, só mãe, só pai, nenhum deles) , raça/cor da pele (branca, preta, amarela, parda e indígena) e nível socioeconômico (tercis – baixo, médio e alto).
A variável nível socioeconômico foi construída a partir dos seguintes itens relatados: possuir telefone fixo, celular, computador, internet, carro, moto, banheiro com chuveiro em casa e empregada doméstica três ou mais dias na semana. A cada item foi atribuído um peso, que foi o inverso da frequência de posse ou presença no total da amostra avaliada. A pontuação de cada adolescente foi obtida pela soma dos pesos dos itens individuais, que posteriormente foram divididos em três tercis14. A imputação múltipla por equações encadeadas (MICE) foi realizada para a variável escolaridade materna, que apresentou 25% de perda de informação, para atribuir valores numéricos à variável15. Foram consideradas as variáveis preditivas para a imputação: gênero, bens do domicílio (carro, telefone fixo, celular, número de banheiros no domicílio) e serviços (empregada doméstica e acesso à internet no domicílio).
Foram consideradas como hábitos alimentares fora da escola as seguintes variáveis: almoçar ou jantar com os pais ou responsáveis, comer assistindo televisão ou estudando, tomar café da manhã e fazer refeições em restaurantes fast-food. Essas variáveis foram dicotomizadas: (1) Não regularmente – considerando as seguintes respostas: não; raramente; 1 a 2 dias por semana; e 3 a 4 dias por semana e (2) Regular – para as respostas: 5 a 6 dias por semana; e todos os dias.
A proporção de coocorrência do consumo regular de marcadores de alimentação saudável e não saudável foi estimada por meio de um diagrama de Venn. Foi realizada análise descritiva das características sociodemográficas, hábitos alimentares fora da escola e características das escolas para a amostra geral. Os percentuais de coocorrência do consumo regular de marcadores de alimentação saudável e não saudável e seus respectivos intervalos de confiança (IC) de 95% foram estimados de acordo com a adesão à alimentação escolar, e a significância estatística foi avaliada por intervalos de confiança não sobrepostos. Modelos de regressão logística ordinal múltipla foram usados para testar a associação entre a coocorrência de marcadores de consumo regular de alimentação saudável e não saudável (desfecho) e adesão à alimentação escolar (exposição), ajustando para potenciais fatores de confusão. As variáveis incluídas no modelo ajustado foram identificadas por meio da construção do gráfico acíclico direcionado (DAG) no programa daggity versão 3.016. O ajuste mínimo identificado incluiu sexo, idade, nível socioeconômico, morar com os pais, ter trabalho remunerado, tomar café da manhã, comer enquanto estuda ou assiste TV, fazer refeições com os pais ou responsáveis, fazer refeições em restaurantes fast-food, macrorregião do município, localização geográfica da escola e presença de cantina (Figura 1).
Foram desenvolvidos modelos múltiplos para a coocorrência do consumo regular de marcadores de alimentação saudável e da coocorrência do consumo regular de marcadores de alimentação não saudável, considerando “não consumir regularmente nenhum alimento saudável/não saudável” como categoria de referência.
A Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) aprovou a PeNSE em 30 de março de 2015 (registro nº 1.006.467). Todas as análises foram realizadas no Stata versão 14.2 para Windows, considerando o desenho complexo da amostra.
RESULTADOS
Aproximadamente 52% dos 67.881 adolescentes que frequentavam escolas públicas eram do sexo feminino, a maioria com idade entre 14 e 15 anos, não exerciam atividade remunerada, residia com os pais, residiam em zona urbana e frequentavam escolas sem cantina. Em relação à adesão à alimentação escolar, 22,0% apresentaram alta adesão à alimentação escolar (≥ 5x/semana), 47,3% adesão insatisfatória e 30,8% não aderiram (Tabela 1).
A prevalência da coocorrência do consumo regular (≥ 5x/semana) dos três marcadores de alimentação saudável e não saudável foi de 14,5% e 4,9% entre os escolares, respectivamente. Pouco mais da metade dos adolescentes (52,6%) relatou não consumir regularmente nenhum dos marcadores de alimentação não saudável e 21,7% relataram não consumir regularmente nenhum dos marcadores de alimentação saudável avaliados (Figura 2).
Menor proporção de adolescentes com alta adesão à alimentação escolar relatou não consumir regularmente nenhum dos marcadores de alimentação saudável avaliados e maior proporção relatou consumir regularmente os três marcadores de alimentação saudável quando comparados aos adolescentes com adesão insatisfatória e não adesão.
Uma proporção maior de adolescentes com adesão alta e insatisfatória à alimentação escolar relatou não consumir nenhum marcador de alimentação não saudável regularmente, e uma proporção menor de adolescentes relatou consumir regularmente três dos marcadores de alimentação não saudável avaliados quando comparados aos adolescentes que não aderiram à alimentação escolar. Não foi encontrada diferença estatisticamente significativa no consumo de um ou dois marcadores de alimentação saudável e não saudável (Figura 3).
Observou-se associação positiva entre alta adesão à alimentação escolar e coocorrência de marcadores de consumo regular de alimentação saudável quando comparada com a não adesão (OR: 1,25; IC 95%: 1,15-1,36) no modelo de regressão logística ordinal ajustada. Em relação à coocorrência de marcadores de consumo regular de alimentos não saudáveis, observou-se associação negativa com alta (OR: 0,78; IC 95%: 0,72-0,84) e insatisfatória (OR: 0,84; IC 95%: 0,79-0,90) adesão à alimentação escolar quando comparado com a não adesão (Tabela 2).
DISCUSSÃO
A associação positiva entre a coocorrência de marcadores de consumo regular de alimentação saudável e adesão à alimentação escolar observada neste estudo sugere que os PNAE estão associados a hábitos alimentares saudáveis entre estudantes brasileiros, semelhante ao encontrado em pesquisas nacionais brasileiras 9,10, 12 e Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil11. Dados de outros países também mostraram que a alimentação escolar gratuita está positivamente associada à qualidade da alimentação dos alunos e à segurança alimentar17. Um estudo brasileiro avaliou 2.500 cardápios da alimentação por um índice de qualidade previamente validado e constatou que apenas 20% apresentavam baixa qualidade18.
Vale ressaltar que no ano da coleta de dados do PENSE 2015 já haviam sido implementadas algumas regras para melhorar os cardápios escolares. Desde 2009, é obrigatório fornecer no mínimo três porções de frutas e hortaliças por semana (200 g/semana), e há limites para as quantidades de açúcar, sódio e gorduras nas preparações diárias da alimentação escolar. Além disso, são proibidas bebidas de baixo teor nutricional (refrigerantes e refrescos artificiais, bebidas ou concentrados à base de guaraná ou xarope de groselha, chás prontos para beber e outras bebidas similares) e alimentos ultraprocessados (enlatados, doces, compostos alimentos, consumo de preparações semi-prontas ou prontas, ou alimentos concentrados) são restritos 8.
Além disso, visando estimular a adoção voluntária de práticas e escolhas alimentares saudáveis dos alunos, a legislação prevê a inclusão de ações de Educação Alimentar e Nutricional no ambiente escolar. Outra regra implementada para melhorar a qualidade dos cardápios escolares foi destinar 30% do orçamento do PNAE para a compra de alimentos in natura e minimamente processados da agricultura familiar 8, apoiando os sistemas alimentares sustentáveis. Assim, os achados do estudo vão ao encontro da legislação do PNAE vigente no ano da coleta de dados e sugerem que os objetivos do PNAE de promoção de hábitos saudáveis entre escolares estão sendo alcançados.
Recentemente, as regras para o planejamento dos cardápios escolares foram atualizadas e tornaram-se mais rigorosas. Foram estabelecidos critérios baseados no processamento de alimentos para a compra de alimentos no âmbito do PNAE, com base no Guia Alimentar para a População Brasileira20, restringindo ainda mais a compra de alimentos ultraprocessados19. Esse é um avanço importante para melhorar a alimentação escolar oferecida pela PNAE e pode resultar em um impacto positivo ainda maior na alimentação dos adolescentes.
Nesse contexto, destacamos que a atualização em relação a aquisição de alimentos pelo PNAE e os resultados deste estudo mostram o importante papel do PNAE para mitigar a sindemia global de obesidade, desnutrição e mudanças climáticas e para atingir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável para 2030, que traça estratégias como a promoção de comportamentos alimentares mais saudáveis e a adoção de sistemas alimentares sustentáveis21, uma vez que a diretriz da merenda escolar incentiva o consumo de alimentos in natura ou minimamente processados provenientes da agricultura sustentável e o desestímulo ao consumo de alimentos ultraprocessados.
Apesar dos achados positivos deste estudo e da gratuidade da alimentação escolar no Brasil, é importante destacar que a proporção de adolescentes que consomem a alimentação escolar 5 vezes/semana é baixa (22,0%), semelhante a outros estudos brasileiros que também observaram baixo consumo de alimentação escolar 12,22–24.
Um dos principais fatores associados ao consumo da alimentação escolar são as condições socioeconômicas, sendo observado maior consumo de alimentação escolar entre os alunos com piores condições socioeconômicas24. Ainda que a alimentação escolar seja oferecida a todos os alunos, a ideia de que seu consumo está relacionado à condição de pobreza ainda persiste no cotidiano das escolas entre toda a comunidade escolar (alunos, professores, diretores, merendeiras e nutricionistas). Dessa forma, atribui-se uma imagem estigmatizada aos alunos que consomem as refeições oferecidas pela escola 25.
Outras questões que envolvem as preferências alimentares dos alunos e a presença de alimentos competitivos dentro da escola também são consideradas fatores principais para a baixa adesão à alimentação escolar24. No Brasil, as escolas públicas podem ter cantinas que, por sua vez, podem ser regulamentadas ou não pelos governos locais26. Além disso, é comum encontrar alternativas de alimentação ao redor das escolas 10,13,27. A presença de cantinas28 e pontos de venda alternativos13 no ambiente escolar está associada ao maior consumo de alimentos ultraprocessados em adolescentes brasileiros e ao menor consumo da alimentação escolar fornecida pelo PNAE22–24. Os alimentos ultraprocessados comercializados por cantinas e pontos de venda alternativos no ambiente escolar10,27 são conhecidos como “alimentos competitivos”, pois competem com a alimentação escolar e são uma barreira para hábitos alimentares saudáveis.
Atualmente, observa-se que a qualidade da alimentação dos adolescentes brasileiros está piorando2,3, agravada pela suspensão das aulas nas escolas devido ao COVID-1929. Múltiplos desafios foram enfrentados na execução do PNAE durante o período da pandemia, resultando em piora dos indicadores de saúde e nutrição e avanço das desigualdades alimentares30,31. Portanto, enfatiza-se a necessidade de os governos planejarem estratégias e direcionarem recursos financeiros que visem mudar esse cenário. Outro ponto que merece destaque é o papel do PNAE na redução de possíveis disparidades no acesso e consumo de alimentos saudáveis, como frutas e hortaliças 11. Isso se torna ainda mais importante em um contexto em que os alimentos saudáveis estão ficando mais caros 32.
A alimentação escolar oferecida pelo PNAE pode ser uma grande aliada para melhorar a saúde dos adolescentes, pois os achados deste estudo demonstram seu potencial na formação de hábitos saudáveis. No entanto, a modificação do ambiente alimentar escolar, como limitar o acesso a alimentos competitivos por meio de regulamentações efetivas e utilizar estratégias para aumentar a palatabilidade das refeições oferecidas pelo PNAE, pode resultar em um impacto positivo nas práticas alimentares de estudantes brasileiros, como já foi observado em outros países33. É necessário também eliminar o estigma associado à alimentação escolar oferecida pelo PNAE, reconhecendo-a como uma política baseada no direito humano à alimentação adequada para todos os integrantes da comunidade escolar.
O questionário da PeNSE 2015 não avaliou as quantidades e o local de consumo dos alimentos, o que pode ser considerado uma limitação deste estudo, pois não se pode afirmar que o consumo de alimentos saudáveis ou não saudáveis é proveniente da alimentação escolar. Apesar disso, o ambiente alimentar escolar é capaz de influenciar o consumo fora da escola10,17, e já foi apontado que o consumo alimentar em dias de aula está associado a hábitos alimentares mais saudáveis34. Além disso, não há informações no instrumento de pesquisa sobre alimentos adquiridos em cantinas e outros locais próximos às escolas por adolescentes, o que seria relevante para este estudo. Como a PeNSE é realizada periodicamente, acreditamos que seria importante investigar mais detalhes sobre o ambiente da alimentação escolar na próxima edição.
Como ponto forte, destaca-se o ineditismo deste estudo ao avaliar a associação entre a coocorrência do consumo regular de marcadores de alimentação saudável e não saudável e a adesão à alimentação escolar em uma amostra representativa de adolescentes escolares brasileiros. A construção do gráfico acíclico direcionado para identificar possíveis fatores de confusão também é um ponto forte do estudo.
Em conclusão, os resultados deste estudo mostraram que a alta adesão foi positivamente associada ao consumo regular de alimentos saudáveis e inversamente associada ao consumo regular de alimentos não saudáveis, reforçando o papel crucial do PNAE no incentivo a hábitos saudáveis entre adolescentes brasileiros e seu potencial para mitigar a sindemia global. Esses dados podem ser úteis na tomada de decisão quanto ao direcionamento de recursos financeiros voltados para a melhoria da saúde do adolescente e prevenção de doenças crônicas por parte dos gestores públicos.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem a todos os alunos e diretores de escolas que participaram da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (2015), contribuindo assim para o desenvolvimento deste trabalho. Também agradecemos o apoio da Universidade Federal de Mato Grosso e do Instituto Federal de Mato Grosso – Campus Juína.
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