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Artigos

0423/2024 - Ambiente alimentar escolar, comportamento alimentar e consumo de alimentos in natura e minimamente processados por adolescentes
School food environment, eating behavior and consumption of in natura and minimally processed foods by adolescents

Autor:

• Juliana Lopes Pimentel - Pimentel, J.L - <julopespimentel@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0009-0005-6557-355X

Coautor(es):

• Vivian Siqueira Santos Gonçalves - Gonçalves, V.S.S - <vivian.goncalves@unb.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6893-8263

• Ariene Silva do Carmo - Carmo, A.S - <arienecarmo@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3421-9495

• Maurício Teixeira Leite de Vasconcellos - Vasconcellos, M.T.L - <mautlv@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1658-2589

• Natacha Toral - Toral, N. - <natachatoral@hotmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0297-2340



Resumo:

Avaliou-se a associação do ambiente alimentar escolar e padrões de comportamento alimentar com o consumo de alimentos in natura e minimamente processados (AIMP) por adolescentes de escolas públicas e privadas. Participaram 499 escolares do nono ano do Ensino Fundamental. Utilizou-se questionário autoaplicável sobre aspectos demográficos e socioeconômicos, consumo de AIMP no dia anterior e da merenda escolar, compra de AIMP na cantina e no entorno e comportamentos alimentares individuais (número de refeições, comer na presença de telas e alimentação em companhia). Realizou-se Análise de Componentes Principais para identificar padrões de comportamento. Modelos de Regressão de Poisson avaliaram a associação do padrão de comportamento e da compra e consumo de AIMP no ambiente escolar com o consumo de 5 ou mais AIMP. Apenas 35,6% consumiram 5 ou mais AIMP no dia anterior. A prevalência foi maior entre alunos de escola pública com padrão de comportamento saudável (RP: 1,48; IC 95%: 1,01-2,21) e entre aqueles com consumo de merenda em mais de 3 vezes na semana (RP: 3,42; IC 95%: 1,41-8,28). Aqueles que compram AIMP no entorno também apresentaram maior prevalência. Os achados reforçam a importância de políticas públicas que promovam a alimentação saudável na adolescência.

Palavras-chave:

Adolescentes, consumo alimentar, escola, hábitos alimentares, ambiente alimentar.

Abstract:

The study aimed to evaluate the association between the school food environment and patterns of eating behavior with the consumption of in natura and minimally processed foods (AIMP) by adolescentspublic and private schools. 499 adolescents9th grade of elementary school participated. A self-administered questionnaire with demographic and socio-economic aspects, consumption of AIMP in the previous day and of school meals, purchase of AIMP in the canteen and the surroundings and individual eating behaviors (number of meals, eating in the presence of screens and eating in company) was used. Principal Component Analysis was carried out to identify patterns of behavior. Poisson Regression models assessed the association between patterns of behavior and the purchase and consumption of AIMP in school environment with the consumption of 5 or more AIMP. Only 35.6% consumed 5 or more AIMP in the previous day. The prevalence was higher in studentspublic schools with a healthy pattern of behavior (PR: 1.48; 95% CI: 1.01-2.21) and who consume school meals more than 3 times a week (PR: 3.42; 95% CI: 1.41-8.28). Those who buy AIMP in the school surroundings also had a higher prevalence. The findings reinforce the importance of public policies that promote healthy eating in adolescence.

Keywords:

Adolescent, food consumption, school, eating behaviors, food environment.

Conteúdo:

INTRODUÇÃO
A adolescência é uma fase crítica para a formação de hábitos alimentares 1. Esse período é caracterizado pela baixa ingestão de frutas e hortaliças, entre outros alimentos in natura e minimamente processados (AIMP), e por um elevado consumo de alimentos ultraprocessados (AUP)2. Este cenário é contrário às recomendações do Guia Alimentar para a População Brasileira, que apresenta como regra de ouro “fazer dos alimentos in natura e minimamente processados a base da alimentação”3.
Fazem parte do grupo de AIMP as frutas, grãos, raízes, tubérculos, farinhas, hortaliças, castanhas, leite, ovos e carnes3,4. São alimentos ricos em micronutrientes, fibras e compostos bioativos benéficos5. O consumo de AIMP está associado negativamente ao excesso de peso e à obesidade em adolescentes6,7. No entanto, menos da metade das calorias consumidas por adolescentes brasileiros é de AIMP8. Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) de 2019 somente 59,0% dos escolares apresentaram consumo de feijão em 5 ou mais dias da semana anterior e um valor ainda menor para frutas (26,9%) e hortaliças (28,8%)9.
Práticas alimentares de adolescentes são influenciadas pelo ambiente em que estão inseridos, como o ambiente escolar, onde passam grande parte do seu dia10,11. Esse ambiente é definido como todo espaço, infraestrutura e condições tanto dentro como fora da escola onde os alimentos estão disponíveis para serem obtidos e consumidos pelos estudantes12. Enquanto o ambiente interno permite maior controle da instituição, o entorno pode ser formado por estabelecimentos como lanchonetes e restaurantes ou pelo comercio informal13. A interação do entorno imediato com a alimentação já é evidenciada14.
As transformações globais, ligadas à urbanização, promovem maior disponibilidade de alimentos não saudáveis no ambiente escolar, com destaque para AUP15,16, cujo consumo excessivo está associado às doenças crônicas não transmissíveis (DCNT)7. A venda de AUP dentro e no entorno das escolas está associada ao maior consumo desses alimentos17,18 e com a obesidade, e a disponibilidade de alimentos saudáveis nesse ambiente pode se caracterizar como um fator protetor10,16,19. Comportamentos alimentares não saudáveis prevalentes nesse público, como o hábito de omitir o café da manhã20, realizar refeições em frente a telas21 e não realizar refeições em companhia22,23, favorecem um consumo alimentar inadequado. Pouco se sabe sobre o efeito combinado desses comportamentos e a associação entre padrões de comportamento alimentar e o consumo de alimentos24.
Em relação aos AIMP, são escassos os estudos que mostram a influência do ambiente escolar no seu consumo por adolescentes, com maior discussão sobre fatores demográficos, socioeconômicos e de estilo de vida21,25, bem como a influência do entorno escolar16,17 e de padrões comportamentos alimentares individuais23. Além disso, evidências que exploram esses aspectos de forma conjunta são limitadas. O presente estudo tem como objetivo investigar a associação entre fatores do ambiente alimentar escolar e padrões de comportamento alimentar com o consumo de AIMP por adolescentes de escolas públicas e privadas do Distrito Federal (DF). Esperava-se que os adolescentes que apresentassem um padrão de comportamento mais saudável, com hábito de compra e consumo de AIMP no ambiente escolar, apresentassem maior consumo de AIMP.
MÉTODOS
Delineamento do estudo e amostra
Trata-se de um estudo transversal, realizado com alunos do 9º ano do Ensino Fundamental de escolas públicas e privadas do DF, aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília sob protocolo CAAE nº 17780819.4.0000.0030.
O tamanho da população foi definido a partir dos dados do Censo Escolar 202126. Foram identificadas 346 escolas do DF com turmas do 9º ano, com total de 38.439 matrículas, que correspondem às unidades primárias de amostragem. As escolas foram estratificadas em públicas e privadas.
Considerou-se uma proporção mínima estimável de 3%, com erro relativo de 60% e coeficiente de confiança de 95%. Para uma amostra aleatória simples, esses parâmetros resultaram numa amostra mínima de 346 alunos. Por se tratar de uma amostra complexa (estratificada e conglomerada), consideraram-se os efeitos deste plano amostral no seu dimensionamento27, o que conduziu a uma amostra de 900 alunos, distribuídos em três turmas de 20 escolas, supondo-se, em média, 15 alunos por turma.
Em cada estrato, as escolas foram selecionadas com probabilidade proporcional ao número de alunos matriculados no 9º ano pelo método de Pareto28. A seleção das turmas foi realizada por meio de planilha pré-programada que assegurava equiprobabilidade entre elas. Todos foram convidados a participar. Foram considerados elegíveis os alunos que assinaram o Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE), cujos pais ou responsáveis assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
No entanto, diversas situações (ausências no dia da coleta, recusa das escolas e dos adolescentes em participar) impediram que a amostra atingisse os 900 alunos previstos. Duas escolas recusaram participar, as quais não foram substituídas em decorrência do prazo para finalização do estudo. Assim, participaram 18 escolas, sendo 9 públicas e 9 privadas. Dos 1744 TCLEs entregues, 618 aceitaram participar e 119 estavam ausentes no dia da coleta. Para mitigar efeitos da não resposta e assegurar que as estimativas pudessem ser extrapoladas para o total da população por sexo e idade, realizou-se a calibração de pesos amostrais. O peso calibrado correspondeu ao peso natural do desenho multiplicado por um fator de calibração definido para cada pós-estrato de sexo e idade do aluno. Os fatores de calibração foram definidos pela razão entre a população de cada pós-estrato (obtida no referido Censo Escolar) e a estimativa gerada pelo peso natural do desenho, que é igual ao produto dos inversos das probabilidades de inclusão na amostra29,30.
A coleta foi realizada entre novembro de 2022 e maio de 2023, em horário de aula com smartphones com aplicativo que apresentava o questionário autoaplicável. Cada adolescente dispôs de um aparelho para responder ao questionário, com duração média de 30 minutos. A equipe estava presente para orientar sobre o preenchimento e dúvidas que os alunos pudessem apresentar. O questionário investigava as variáveis descritas a seguir.
Aspectos demográficos e socioeconômicos
Foram coletadas características sobre o sexo (masculino e feminino), idade (em anos), raça/cor (brancos e não brancos) e Região Administrativa (RA) de residência do adolescente. Cada umas das 35 RAs do DF, que são divisões geográficas que determinam a atuação governamental, foram classificadas segundo seu Índice de Vulnerabilidade Social (IVS)31,32 em: muito baixo (<0,2), baixo (? 0,2 e < 0,3), médio (? 0,3 e < 0,4) e alto (? 0,4)33.
Consumo de alimentos saudáveis
O consumo de AIMP foi avaliado por 16 subgrupos de AIMP adaptados do questionário simplificado de diversidade alimentar, validado para população adulta brasileira, o qual é composto por 13 itens34. Como adaptação, avaliou-se o consumo de vísceras e miúdos e o consumo de peixe em um item separado dos demais tipos de carnes, seguindo proposta da FAO35. Adicionou-se um item para suco de fruta 100% natural, devido ao seu maior consumo por adolescentes, conforme dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF)8.
O adolescente selecionou na lista de alimentos aqueles consumidos no dia anterior e foram atribuídas pontuações, sendo 0 para “não consumiu” ou 1 para “consumiu”. Os 16 alimentos foram, posteriormente, alocados em 10 grupos de alimentos: 1- grãos, raízes, tubérculos; 2- leguminosas; 3- carnes, aves e peixes; 4- ovos; 5- leite; 6- hortaliças folhosas verde-escuras; 7- frutas e hortaliças ricas em vitamina A; 8- nozes e sementes; 9 - outras hortaliças; 10- outras frutas. Foi gerado um escore para a presença de cada um dos 10 grupos de alimentos, portanto, variando de zero a dez, seguindo o proposto por Sattamini34. Posteriormente, os adolescentes foram classificados em duas categorias (variável dependente do estudo): aqueles com consumo inferior a 5 grupos de AIMP e aqueles com consumo igual ou superior a 5 grupos de AIMP no dia anterior, considerado adequado36.
Compra e consumo de alimentos no ambiente escolar
Investigou-se a frequência de consumo da merenda escolar para adolescentes de escola pública, a frequência de consumo de AIMP adquirido na cantina da escola para escolas privadas (tendo em vista que não há cantinas em funcionamento nas escolas públicas do DF37) e a frequência de consumo de AIMP adquiridos no entorno (camelôs, ambulantes, mercados, padarias) em ambos os tipos de escola. As perguntas foram adaptadas com base em inquérito nacional9. Foram apresentadas as opções de resposta: nunca, 1 a 2 vezes na semana, 3 a 4 vezes na semana e 5 vezes na semana/todos os dias.
Para aqueles que relataram a compra de alimentos na cantina e/ou no entorno ao menos uma vez ao dia, perguntou-se: “O que você costuma comprar?”. Para caracterizar o consumo de AIMP comprados, foi apresentada uma lista composta por alimentos saudáveis comumente vendidos no ambiente escolar (material suplementar)9,38. O aluno visualizava também uma lista de AUP, que não serão explorados neste estudo. Alunos que relataram consumo de ao menos um dos alimentos apresentados foram considerados como alunos com costume de comprar AIMP. Posteriormente, adotou-se a categorização dos participantes como: “Nunca compra”, “Compra 1 ou mais vezes na semana/sem o costume de comprar AIMP”, “Compra 1 ou mais vezes na semana/com o costume de comprar AIMP”.
Comportamento alimentar
Avaliou-se o número de refeições diárias realizadas; a frequência em que realizam refeições assistindo TV, mexendo no celular, tablet ou outro aparelho eletrônico; e a frequência em que costumam fazer alguma das refeições em companhia dos pais ou responsáveis. Para o número de refeições, perguntou-se o costume de realizar 6 refeições diárias (café da manhã, lanche da manhã, almoço, lanche da tarde, jantar e ceia), categorizadas em: realiza entre 0 a 3 refeições por dia e realiza 4 ou mais refeições por dia. A frequência em que realiza refeições assistindo TV ou outros aparelhos eletrônicos e a frequência em que costuma fazer alguma das refeições em companhia foram classificadas em: “raro ou nunca”, “1 a 4 dias na semana” e “5 ou mais dias na semana”.
Estado Nutricional
Realizou-se avaliação antropométrica com medidas de peso e altura aferidos por avaliadores treinados, seguindo procedimentos padrão39. Foi realizado cálculo do índice de massa corporal (IMC)/idade, com base no escore Z no software WHO Anthro Plus versão 3.2.2. Os alunos foram classificados como: baixo peso (< escore-z -2), eutrofia (?escore-z -2 e ? escore-z +1), sobrepeso (> escore-z +1 e ? escore-z +2) e obesidade (> escore-z +2)40.
ANÁLISES ESTATÍSTICAS
Realizou-se análise descritiva dos dados com base em cálculos de prevalências, médias e seus respectivos intervalos de confiança (IC 95%). Os testes Qui-quadrado e T de Student foram utilizados para comparar prevalências e médias, respectivamente.
Para identificar os padrões do comportamento alimentar foi realizada a análise de componentes principais (PCA), que consiste em método analítico exploratório que condensam as informações originais (observadas) em um menor número de variáveis, com a mínima perda de observação42. As variáveis observadas utilizadas nas análises foram: número de refeições (0: 0 a 3 refeições por dia; 1: 4 ou mais refeições por dia), comer em frente a telas (0: Raro ou nunca; 1: 1 a 4 vezes na semana; 2: 5 ou mais vezes na semana) e comer em companhia dos pais ou responsáveis (0: Raro ou nunca; 1: 1 a 4 vezes na semana; 2: 5 ou mais vezes na semana).
Aplicou-se o método de rotação ortogonal varimax e o índice Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) foi utilizado como medida de adequação da análise fatorial, adotando valores entre 0,5 a 1,0 como aceitáveis41. Na análise das estimativas padronizadas, considerou-se carga fatorial superior a 0,4 para a construção das variáveis latentes, como indicativo de que a correlação entre a variável observada e o construtor foi moderadamente alta em magnitude42. O número de padrões a serem extraídos foi definido por autovalores > 1,041.
A análise sugeriu a formação de apenas um componente principal, que contribuiu em 43,9% de variância na informação total (Eigenvalue= 1,3). O índice KMO foi de 0,507, o que indica que a análise fatorial foi apropriada e as cargas fatoriais de todas as variáveis foram satisfatórias (número de refeições = 0,595; comer na presença de telas = -0,413; comer em companhia = 0,689). Todas as variáveis compuseram a variável latente denominada “padrão de comportamento alimentar saudável”, em que quanto maior o escore nesta variável, mais saudável é o comportamento alimentar. A variável latente formada foi categorizada segundo o percentil 75 da amostra. Escores maiores ou iguais ao percentil 75 representam os padrões mais saudáveis conforme o comportamento alimentar.
Para avaliar os fatores associados ao consumo de AIMP, realizou-se análise de Regressão de Poisson com variância robusta. As variáveis previsoras foram inseridas pelo método backward no modelo multivariado, sendo que aquelas com menor significância (maior valor p) foram retiradas uma a uma do modelo. O procedimento foi repetido até que todas as variáveis presentes no modelo possuíssem significância estatística (p<0,05). As análises foram estratificadas segundo o tipo de escola. No modelo de escolas públicas, foram consideradas como variáveis explicativas o padrão de comportamento alimentar, o hábito de consumir a merenda e a compra de AIMP no entorno. No modelo de escolas privadas, foram consideradas como variáveis previsoras o padrão de comportamento alimentar, a compra de AIMP na cantina e no entorno. Em ambos os modelos, considerou-se como ajuste as variáveis sexo, idade, raça/cor, estado nutricional e IVS da região de moradia. Utilizou-se, para verificação do ajuste do modelo final, o teste de Hosmer & Lemeshow. A razão de prevalência (RP) com IC 95% foi utilizada como medida de efeito. As estimativas levaram em conta a complexidade de seu desenho amostral. Os dados foram analisados com auxílio do software Stata versão 17.0. Para todas as análises, adotou-se valor de significância de 5% (p<0,05).
RESULTADOS
Foram avaliados 499 adolescentes, sendo 52,5% do sexo masculino, idade média de 15,0 anos (IC 95%: 14,7-15,3) e maioria não brancos (69,5%)(Tabela 1). Observou-se elevada prevalência de excesso de peso (13,9% de sobrepeso e 3,9% de obesidade) e residência em RAs de IVS médio (49,1%) ou alto (41,2%). Em escolas públicas, quando comparado com as privadas, houve maior prevalência de alunos que se autodeclaram como não brancos (72,5% vs. 49,3%, p=0,007), maior média de idade (15,1 anos vs. 14,5 anos, p<0,001) e maior frequência de estudantes que residiam em regiões de IVS alto (p=0,011).
(TABELA 1)
Cerca de um terço dos adolescentes consumiram 5 ou mais grupos de AIMP no dia anterior (35,6%), sendo que os de escola privada apresentaram maior consumo (51,7% vs. 33,2%, p=0,017). Menos da metade dos adolescentes de escolas públicas consumiam a merenda escolar ao menos uma vez na semana, com apenas 26,6% com relato de consumo em 3 ou mais vezes na semana. Nas escolas privadas, observou-se que 44,6% não compravam alimentos nas cantinas e cerca de um terço compravam pelo menos uma vez na semana, com o costume de comprar AIMP (32,5%). A maioria relatou nunca consumir alimentos comprados no entorno (54,6%) e 22,4% compravam pelo menos uma vez na semana, com costume de comprar AIMP. Não houve diferença entre a compra de alimentos no entorno e o tipo de escola (p>0,05) (Tabela 1).
Quanto ao comportamento alimentar, 68,6% dos adolescentes realizavam mais de 4 refeições diariamente, 57,9% apresentavam o hábito regular de realizar refeições em companhia e 68,3% relataram realizar refeições em frente às telas em 5 ou mais dias da semana, sendo este último comportamento mais frequente em estudantes de escolas públicas quando comparados com aqueles de escolas privadas (71,9% vs. 44,1%, p=0,004).
Os adolescentes que consumiram 5 ou mais grupos de AIMP no dia anterior apresentaram menor média de idade (Tabela 2). Não houve diferenças estatisticamente significantes entre o consumo de AIMP e as características sociodemográficas (p>0,05). A prevalência de consumo de 5 ou mais grupos de AIMP foi maior entre aqueles que compram uma ou mais vezes na semana AIMP no entorno da escola e que realizam 4 ou mais refeições no dia (p<0,05).
(TABELA 2)
Considerando a análise multivariada e ajustada, observou-se que os fatores independentemente associados com o consumo de 5 ou mais AIMP no dia anterior entre alunos de escolas públicas foram: o consumo de merenda escolar, a compra de alimentos no entorno e o padrão de comportamento saudável. A prevalência de maior consumo de AIMP em alunos de escolas públicas foi maior entre aqueles que consomem a alimentação ofertada pela escola 3 ou mais vezes na semana (RP: 3,42; IC 95%: 1,41-8,28), entre aqueles que compravam AIMP no entorno (RP: 1,39; IC 95%: 1,03-1,86) e entre aqueles que apresentavam maiores escores para o padrão de comportamento alimentar saudável (RP: 1,48; IC 95%: 1,01-2,21) (Tabela 3). Entre estudantes de escolas privadas, apenas a compra de alimentos no entorno esteve associada com o consumo de AIMP (RP: 1,77; IC 95%: 1,17-2,67).
(TABELA 3)
DISCUSSÃO
O presente estudo apresenta análise conjunta dos hábitos de compra e consumo de alimentos no ambiente escolar, o padrão de comportamento alimentar e sua associação com o consumo de alimentos saudáveis em uma amostra de adolescentes. O padrão de comportamento alimentar caracterizado como saudável, assim como a consumo de merenda escolar foi associado a maiores prevalências de consumo desses alimentos por alunos de escolas públicas, e a compra de AIMP no entorno por alunos de escolas públicas e privadas.
Os comportamentos alimentares apresentam forte influência no consumo alimentar. Nosso estudo foi pioneiro ao explorar um padrão de comportamento alimentar saudável entre escolares e permitiu avaliar de forma conjunta a sua influência na alimentação dos adolescentes.
É importante destacar que as comparações na literatura são limitadas, visto que poucos estudos têm uma abordagem simultânea. Encontraram-se maiores prevalências de consumo de 5 ou mais AIMP em alunos de escola pública com maiores escores de padrão de comportamento saudável.
Os achados vão ao encontro dos resultados de um estudo brasileiro que avaliou o conjunto das variáveis “consumo de refeições em companhia com pais e responsáveis”, “consumo usual de café da manhã” e “alimentação enquanto assiste televisão ou estuda”, através da variável latente comensalidade24, termo que caracteriza prática saudável e recomendada pelo Guia Alimentar para a População Brasileira3. Esse estudo avaliou a relação da comensalidade e o padrão de consumo saudável e não saudável entre adolescentes, estratificado por sexo, utilizando a técnica de modelação de equações estruturais. O padrão saudável foi avaliado pelo consumo de feijão, legumes e frutas, através de questionário de frequência alimentar. Nesse estudo, esse comportamento saudável também foi associado a um maior consumo dos marcadores de alimentação saudável avaliados24.
Outros trabalhos também avaliaram variáveis de comportamento de forma conjunta, porém na perspectiva do contexto alimentar e do consumo de AUP43,44. Enquanto contextos representados por comportamentos inadequados foram associados a um maior consumo de AUP, em nosso estudo, o padrão de comportamento alimentar saudável foi associado ao maior consumo de AIMP, reforçando as recomendações do Guia Alimentar brasileiro3.
Fatores comportamentais são geralmente avaliados de forma individual45, o que ressalta o caráter inovador deste estudo. Em relação a cada componente do padrão alimentar, nossos achados são coerentes com a literatura ao passo que realizar as três refeições principais (café da manhã, almoço e jantar) já foi associado a melhores perfis alimentares7,46. Não omitir refeições e realizá-las de forma regular favorece uma alimentação saudável em adolescentes46. O maior número de refeições pode contribuir em um aumento de oportunidades para o consumo de AIMP. Da mesma forma, o hábito de realizar refeições com os pais está relacionado a maior probabilidade de consumo de alimentos saudáveis, como frutas e hortaliças, por adolescentes47–49. Além de servirem como modelos, os pais são provedores e reguladores da alimentação familiar49 e compartilhar refeições tem impacto positivo na alimentação47. Em contrapartida, realizar refeições em frente às telas está associado a menor qualidade da dieta nessa fase da vida22,50.
Menos da metade dos adolescentes referiram consumir 5 ou mais grupos de AIMP no dia anterior, com consumo maior em escolares de escola privada. Considerando o tipo de escola como proxy do nível socioeconômico51 e que alunos de escola privada apresentam melhores condições socioeconômicas11, nosso resultado vai ao encontro de estudos que observaram maior consumo de AIMP por adolescentes de família com maior renda25,52, o que pode ser explicado pelo maior acesso aos alimentos saudáveis em casa.
No Brasil, escolas públicas oferecem alimentação gratuita por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que tem como objetivo oferecer refeições saudáveis, priorizando AIMP53, o que fundamenta os resultados encontrados. Neste trabalho, a prevalência de consumo de 5 ou mais AIMP no dia anterior é mais que o triplo entre os alunos que consumiam regularmente as refeições ofertadas pela escola, reforçando a importância desse programa nas escolhas alimentares dos escolares. O efeito protetor na alimentação entre alunos que consomem regularmente a merenda escolar é evidenciado em estudos brasileiros, com destaque para a melhor qualidade da dieta e maior consumo de AIMP54–56.
Compreender o ambiente alimentar escolar é fundamental, visto que a literatura indica influência significativa do comércio de alimentos, tanto no interior como no entorno, sobre a alimentação dos estudantes57,58. A venda de AUP é predominante no entorno, sendo sua comercialização significativamente maior que de AIMP, o que favorece o estímulo ao consumo desses alimentos16,59. Souza et al.58 encontraram uma baixa disponibilidade de alimentos saudáveis, como frutas, em pontos alternativos de venda no entorno das escolas. Em nossa pesquisa, para alunos de escolas públicas e privadas, a prevalência de consumo de AIMP foi, respectivamente, 1,39 e 1,77 vezes maior entre aqueles que responderam comprar esses alimentos no entorno, reforçando a importância da disponibilidade desses alimentos nesses espaços, visto que a escolha por alimentos in natura depende da sua acessibilidade no ambiente escolar16. Quanto maior a oferta de certos alimentos, maior será a sua demanda17 e a presença de alimentos saudáveis poderia reduzir a atração pelos não saudáveis10.
O DF apresenta lei que aborda aspectos relacionados ao ambiente escolar, incluindo o entorno, para o consumo de alimentos pelos estudantes60,61. Essa lei estabelece diretrizes para a oferta de alimentos saudáveis, o que pode servir como exemplo para outras regiões do país, destacando a necessidade de abordagens regulatórias que também contemplem o entorno. Também foi publicado recentemente no Brasil um decreto presidencial visando promover a oferta de alimentos saudáveis no ambiente escolar, alinhado com o Guia Alimentar e priorizando a oferta de AIMP62. Destaca-se a importância de futuros estudos que explorem diferentes contextos regionais com e sem a presença de medidas regulatórias do ambiente escolar.
Não foi encontrada associação com a compra de alimentos na cantina e com padrão de comportamento em alunos de escola privada. A ausência dessa associação pode ser justificada pelo fato de a cantina não ser a única fonte de aquisição desses alimentos. Os alunos podem trazer alimentos de casa, adquirir de colegas ou comprar em aplicativos de delivery, o que não foi explorado no presente estudo. No entanto, é importante ressaltar a relevância desses espaços como ambientes promotores de escolhas alimentares saudáveis, visto que a presença de cantinas está associada ao maior consumo de AUP17 e poucos estudos exploram o comércio de alimentos saudáveis nesse ambiente10.
A não associação com padrão de comportamento pode ser explicado pela possibilidade de se tratar de uma complexa relação com maior influência de fatores socioeconômicos. Assim, há a necessidade de melhor investigação de como esses comportamentos influenciam as escolhas alimentares em alunos de escolas privadas. Para aqueles de escolas públicas, a influência do PNAE, que também objetiva a construção de hábitos alimentares saudáveis por meio de ações de educação alimentar e nutricional53, pode contribuir com escolhas alimentares positivas, reforçando sua importância como política pública.
Como limitações, identificamos o método para coletar o consumo de AIMP. Com uma lista pré-definida de alimentos, não há como abranger todos os alimentos consumidos ou estimar o tamanho das porções, o que pode levar à subestimação. Não é possível afirmar que estes dados refletem o consumo alimentar usual, visto que a informação foi referente somente ao dia anterior. No entanto, essa forma de avaliação é adequada para uso em nível populacional, além de ser simples e de baixo custo63.
Outra limitação do estudo foi seu desenho transversal, que não permite inferir causalidade nos resultados. Alguns resultados significativos devem ser interpretados com cautela, pois nossa amostra é constituída apenas por adolescentes do 9º ano de escolas do DF, o que limita a extrapolação para aqueles de outras idades e municípios brasileiros. Destaca-se também a dificuldade encontrada em alcançar o número amostral calculado. Entre os pontos fortes, estão a análise que explora o efeito combinado das características do comportamento alimentar e o uso da classi?cação NOVA dos alimentos4, além do reforço dos princípios descritos nas diretrizes alimentares brasileiras3.
CONCLUSÃO
O presente estudo evidenciou a associação do ambiente alimentar escolar e de um padrão de comportamento alimentar com o consumo de AIMP por adolescentes de escolas públicas e privadas do DF, constatando-se maior consumo entre os escolares com padrão de comportamento alimentar caracterizado como saudável, assim como entre aqueles que consumiam merenda escolar em escolas públicas e aqueles que compravam AIMP no entorno de ambos os tipos de escola. Nossos achados são relevantes para o delineamento de políticas públicas, considerando que reforçam a necessidade de ações de promoção da alimentação saudável nessa fase da vida e da garantia de ambientes escolares saudáveis, inclusive no entorno.
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Pimentel, J.L, Gonçalves, V.S.S, Carmo, A.S, Vasconcellos, M.T.L, Toral, N.. Ambiente alimentar escolar, comportamento alimentar e consumo de alimentos in natura e minimamente processados por adolescentes. Cien Saude Colet [periódico na internet] (2024/dez). [Citado em 28/12/2024]. Está disponível em: http://cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/ambiente-alimentar-escolar-comportamento-alimentar-e-consumo-de-alimentos-in-natura-e-minimamente-processados-por-adolescentes/19471?id=19471

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