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0092/2024 - Custos da Saúde Pública no Brasil: Uma análise entre 2004 e 2021
Public Health Costs in Brazil: An analysis between 2004 and 2021

Autor:

• Helen Maria da Silva Gomes - Gomes, H. M. S. - <helensgomes@hotmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1758-9811

Coautor(es):

• Altair Borgert - Borgert, A. - <altair@borgert.com.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002- 0116-8089



Resumo:

Este estudo tem como objetivo analisar o comportamento dos custos públicos em saúde, de municípios brasileiros, no período de 2004 a 2021. Coletou-se 6.388 dados completos e consistentes sobre custos públicos em saúde de 360 municípios brasileiros, selecionados de forma aleatória e corrigidos pela inflação de dezembro de 2022. Os resultados indicam que os custos se apresentam de forma crescente, com máximo em 2020 e mínimo em 2004. A região sudeste apresentou o maior custo total, enquanto a região norte, o menor. Municípios com mais de 50 mil habitantes apresentaram o maior valor gasto com assistência hospitalar e ambulatorial; e municípios com menos de 50 mil habitantes apresentaram valores mais altos em atenção básica. Contudo, quando distribuídos por região e tamanho dos municípios, apresentaram variações significativas e a análise de previsão demonstra que o crescimento dos custos reais ocorre de forma mais rápida e desigual que o estimado. Constatou-se que as diferenças quanto às características demográficas, socioeconômica e epidemiológicas da população impactam na estrutura de financiamento do SUS.

Palavras-chave:

Custos, Saúde Pública, Alocação de Custos

Abstract:

This study aims to analyse the behaviour of public health costs in Brazilian municipalities between 2004 and 2021. We collected 6,388 complete and consistent data on public health costs360 Brazilian municipalities, ed at random and adjusted for inflation as of December 2022. The results indicate that costs are rising, with a maximum in 2020 and a minimum in 2004. The southeast had the highest total cost, while the north had the lowest. Municipalities with more than 50,000 inhabitants spent the most on inpatient and outpatient care, while municipalities with less than 50,000 inhabitants spent the most on primary care. However, when distributed by region and size of municipality, there were significant variations, and the forecast analysis shows that the growth in real costs is faster and more uneven than estimated. It was found that differences in the demographic, socioeconomic and epidemiological characteristics of the population have an impact on the financing structure of the SUS.

Keywords:

Costs and Cost Analysis, Public Health, Cost Allocation

Conteúdo:

Introdução
No Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) propicia acesso gratuito e universal a procedimentos terapêuticos, atendimento hospitalar e ambulatorial, medicamentos, entre outros serviços para a população1,2. No contexto do tratamento de doenças, vários fatores contribuem para as desigualdades de sobrevida, que inclui, mas não se limita a diferenças nos fatores de risco, como o diagnóstico em fase posterior, dificuldades no acesso aos serviços de saúde, maior número de comorbidades e distinções dos procedimentos3. Tratamentos eficazes, diagnóstico precoce, novos medicamentos, insumos e procedimentos para as enfermidades são importantes no manejo das patologias e combinações de intervenções para prolongar a vida4,5.
No entanto, toda tecnologia incorporada pela sociedade exige um sacrifício econômico, porque as necessidades referentes à saúde da população são mais relevantes que os recursos6. Além da priorização do bem-estar dos cidadãos, a saúde é vista como um importante fator para acelerar o crescimento econômico, o que a torna uma prioridade em termos de gasto público7. Nesta direção, os recursos financeiros do SUS são provenientes dos orçamentos da seguridade social e dos governos federal, estadual e municipal, além de outras fontes concedidas por lei, para custear a política nacional de saúde8. Mesmo com tal diversidade de fontes orçamentárias, o SUS ainda é marcado por financiamento insuficiente8.
Portanto, é importante ter estimativas válidas dos gastos relacionados à saúde e seus impulsionadores para auxiliar nos desafios que os tomadores de decisão enfrentam e que impactam a saúde da população9, cujos setores públicos e privados incentivam análises econômicas que permitem alocar recursos de forma eficiente10. Entretanto, essas avaliações apresentam dificuldades, as quais não permitem sua realização, o que reflete na quantidade de estudos de custo-efetividade para propiciar uma visão sobre o crescimento dos gastos públicos e possíveis fontes de desperdícios na prestação de serviços10. Outra limitação é que 59% dos estudos desse tipo são realizados na região Sudeste, enquanto 3% são realizados na região Norte, o que transparece uma carência de dados10. Por fim, a temática de economia da saúde é recente, em que 96% dos estudos foram publicados após 2006; dessa forma, o tema ainda está em processo de consolidação no Brasil10.
Dentro desse contexto, os custos crescentes em termos absolutos e relativos são importantes para as discussões de políticas públicas10. Tais gastos são representados em termos diretos pelo uso de serviços hospitalares, medicamentos, tempo da equipe, ambulâncias e atendimento comunitário e, além desses, outros, indiretamente, incluem redução da oferta de trabalho, mortalidade prematura, redução da qualidade de vida relacionada à saúde, perda de produção, perda de receita tributária, pagamentos de transferências e cuidados não pagos por familiares ou amigos11.
A combinação multifacetada de morbidade, mortalidade e custos atribuíveis às doenças representam dificuldades aos pacientes, seus familiares e cuidadores, profissionais de saúde e pagadores12. Dessa forma, o ônus econômico de doenças é uma parte relevante da tomada de decisão no sistema de saúde13.
Estudos econômicos, que incluem análises de custos e avaliações econômicas, internacionalmente, têm uma base de evidências limitada. No geral, tais estudos são restritos em termos de mensuração de custos, amostras pequenas para estimar a utilidade em saúde e apresentam limitações metodológicas, o que não propicia evidências claras e imparciais do consumo de recursos14,15. Ressalta-se que, no Brasil, em torno de 78% da população depende exclusivamente do SUS; 15,1% possuem plano de saúde corporativo e 6,9% possuem plano de saúde privado. Contudo, há escassez de dados sobre os custos relacionados à saúde, principalmente na rede pública16.
Dado esse contexto, o objetivo do presente estudo é analisar o comportamento dos custos públicos em saúde de municípios brasileiros, o qual é realizado com base nos dados divulgados em orçamentos da área de saúde pública, de uma amostra aleatória e estratificada significativa dos municípios brasileiros, selecionada conforme tamanho populacional e grau de confiança de 95%. As variáveis foram coletadas no intervalo de 2004 a 2021, o que propicia uma visão mais ampla do contexto brasileiro.
Conhecer os custos é essencial para diversas atividades, porque proporciona o planejamento das atividades, é um importante determinante da aceitabilidade e utilização dos serviços de saúde pela sociedade, auxilia na tomada de decisão, bem como fornece informação para discutir e desenvolver políticas públicas e adequação dos valores pagos pelos sistemas públicos de saúde para os procedimentos17,18,19.
Dessa forma, identificaram-se variações nas distribuições de recursos que propiciam direcionamentos para a gestão de custos, apurou-se o comportamento dos custos conforme a classificação por tamanho populacional com a intenção de identificar pontos fortes e fracos em sua distribuição, e relacionaram-se os achados quantitativos com achados qualitativos resultantes de uma busca de alta sensibilidade na literatura.
Métodos
Trata-se de um estudo com o objetivo de analisar o comportamento dos custos públicos em saúde dos municípios brasileiros, entre 2004 e 2021, que compreende a um recorte de 18 anos. O Brasil apresenta 5.568 municípios, mais o Distrito Federal e o Distrito Estadual de Fernando de Noronha, o que totaliza 5.570 locais com competência legislativa municipal. Assim, considerando-se N = 5.570, grau de confiança de 95% e erro padrão de 5%, o tamanho amostral é n = 360. Os municípios foram selecionados de forma aleatória pelo software Statistical Package for the Social Sciences® (SPSS), versão 26.0, de forma estratificada e de maneira uniforme segundo a classificação dos municípios por quantidade de habitantes, em que municípios com menos de 50 mil habitantes foram considerados como pequenos, entre 50 e 100 mil habitantes como médios, e com mais de 100 mil habitantes como grandes. Assim, foram selecionados 120 municípios, em cada estrato, conforme se apresenta na Tabela 1.
Tabela 1. Descrição dos municípios selecionados para o estudo.
Legenda: Nº: número de; qtd: quantidade; hab: habitantes; %: valores percentuais quanto ao total de municípios na classificação.
Fonte: Elaborada pelos autores, 2023.
A delimitação temporal refere-se à disponibilidade de dados pelo Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro (SICONFI), de forma completa e consistente. Ressalta-se que o objeto desta pesquisa apresenta natureza de dados públicos, entretanto, mesmo após a vigência da Lei de Reponsabilidade Fiscal (LRF), alguns municípios podem não apresentar os valores das contas da função saúde a partir da data de início do estudo. Dessa forma, os resultados são originados da coleta de 6.388 informações contábeis.
Informações referentes à subfunção saúde foram coletadas, as quais são representadas por: 301 – Atenção Básica; 302 – Assistência Hospitalar e Ambulatorial; 303 – Suporte Profilático e Terapêutico; 304 – Vigilância Sanitária; 305 – Vigilância Epidemiológica; 306 – Alimentação e Nutrição; FU10 – Administração Geral; e FU10 – Demais Subfunções. Ressalta-se, ainda, que todos os valores foram atualizados pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA/IBGE) por meio do site do Banco Central do Brasil, para o mês de dezembro de 2022, a fim de controlar o efeito da inflação.
Vale destacar que, para a presente pesquisa, os termos “gastos”, “despesas” e “custos” são tratados como sinônimos, sem participar da discussão de nomenclaturas existentes, principalmente na área da contabilidade pública, no Brasil.
Os dados geraram estatísticas descritivas como mínimo, máximo, média e desvio-padrão para as variáveis. Adicionalmente, gerou-se um gráfico para a melhor análise e visualização dos resultados referentes ao comportamento das contas 301 – Atenção Básica e 302 – Assistência Hospitalar e Ambulatorial, conforme tamanho dos municípios. O Teste de Kruskal-Wallis foi utilizado para comparar a distribuição dos valores totais de saúde, a distribuição por região e por tamanho dos municípios.
Por fim, o software IBM SPSS Modeler 142 criou um modelo preditivo dos dados com base no tamanho da população, região e ano, complementado com machine learning, que ponderou e atualizou os custos esperados na área da saúde para resultados mais precisos.
Resultados e Discussão
Na Tabela 2, têm-se informações do Brasil sobre mínimo, máximo, média e desvio-padrão por ano, com base nos valores de cada município, bem como os valores do total observado.
Tabela 2. Análise descritiva dos custos totais em saúde, no Brasil, por município (em reais).
Fonte: Elaborada pelos autores, 2023.
Os custos em saúde são problemas complexos, que se apresentam de forma crescente, conforme, também, a tendência mundial6,20,21, devido a mudanças de tecnologia, crescimento e envelhecimento da população4,22, comorbidades e aumento no uso e valor das medicações20. Todavia, esses não são capazes de atender a todos os indivíduos16. Dessa forma, a carga econômica de doenças no Brasil é considerável e uma ampliação acentuada é esperada para o futuro como resultado do crescimento e envelhecimento da população e, também, devido a melhorias na sobrevida, que exigem tratamentos de longo prazo em alguns pacientes5,22.
À medida que a saúde avança, novas tecnologias e medicamentos surgem, os quais devem ser analisados quanto à inclusão no SUS, conforme seu custo-efetividade23,24, visto que o objetivo do sistema de saúde é melhorar as condições de saúde dos cidadãos19. Ressalta-se que uma das principais razões pelas quais os gastos com saúde estão desequilibrados é o custo com medicamentos, pois a população que necessita de pelo menos uma medicação é crescente20. Dessa forma, deve-se considerar o custo da medicação e o custo da consulta para adquirir a prescrição20.
A presença de uma enfermidade pode resultar em comorbidades, como depressão, ansiedade ou distúrbio do sono o que, consequentemente, aumenta os custos com saúde da população21. Tal fator torna necessário o acompanhamento de pacientes de risco com o estabelecimento de estratégias e intervenções para a prevenção dos referidos e, consequentemente, para a redução dos custos21.
Outro fator está relacionado ao tempo que a inclusão de tecnologias demanda até surtir efeito na redução dos custos16. A redução dessas necessidades de saúde ocorre principalmente nas populações de jovens e adultos; contudo, em idosos permanece alta16. Os altos custos com internação também são relatados; estima-se que mais de 50% dos recursos com Unidade de Terapia Intensiva (UTI) são consumidos pelos pacientes que permanecem por mais de 7 dias, o que faz com que esse seja um importante indicador de eficiência hospitalar23.
Os custos com saúde, de forma generalizada, inferem um aumento de 137,93% no período, no Brasil. Avaliações associadas a doenças com potencial de crescimento auxiliam os tomadores de decisão quanto ao suporte médico, social e financeiro, que deve levar em consideração as características culturais e do contexto de saúde24. Da mesma forma, a preocupação com o surgimento da COVID-19, em 2020, tornou-se destaque no mundo25,26 e no Brasil, que resultou no maior custo anual, possivelmente devido aos altos gastos com tratamento e gestão de pacientes positivos para COVID-19, internações, exames e medicamentos25,26. Estima-se que os custos para diagnóstico e medicações no período representaram, aproximadamente, 80% do total, e em pacientes com comorbidades esse valor foi 6% superior26.
Quanto ao valor mínimo, identificou-se que 22,22% ocorreram em Tocantins (2004, 2011, 2013 e 2017), 11,11% foram observados em Santa Catarina (2005 e 2014), 38,89% em Goiás (2006, 2009, 2012, 2015, 2016, 2019 e 2020), 22,22% em Minas Gerais (2007 e 2018), 5,56% no Rio Grande do Sul (2008), 5,56% na Paraíba (2010) e 5,56% no Piauí (2021). Todos os valores máximos ocorreram no município de São Paulo (Tabela 2).
A Tabela 3 retrata o mínimo, o máximo, a média e o desvio-padrão por região brasileira e por tamanho da população, além do P-valor constatado no Teste de Kruskal-Wallis para verificar a diferença das distribuições de recursos.
Tabela 3. Análise descritiva dos custos por municípios entre 2004 e 2021 com saúde no Brasil, por região e por tamanho da população (em reais).
Fonte: Elaborada pelos autores, 2023.
Na região centro-oeste, o mínimo ocorreu em 2004, no estado de Goiás, e o máximo no Distrito Federal, em 2015. Na região nordeste, o mínimo sucedeu em 2010, na Paraíba, e o máximo em 2020, no Ceará. A região norte apresentou o mínimo em 2011, em Tocantins, e o máximo no Pará, em 2014. Na região sudeste verificou-se o mínimo em Minas Gerais, no ano de 2018, e o máximo em 2021, em São Paulo. A região sul decorreu com mínimo em Santa Catarina, em 2005, e máximo no Paraná, em 2021. A distribuição das médias entre as regiões apresentou variações significativas, conforme o Teste de Kruskal-Wallis (Tabela 3).
As regiões norte e nordeste têm valores máximos em 2020, ano em que ocorreu a COVID-1925,26. Enquanto regiões sul e sudeste constam o valor mais alto em 2021, resultado do crescimento dos gastos na área, que podem corresponder ao aumento dos recursos humanos e à formação profissional27, e a região centro-oeste resulta no máximo em 2015, período em que há aumento da dispensa de medicamentos na região até 2,5 vezes maior de medicamentos antidepressivos, ansiolíticos e hipnótico-sedativos 28.
A dispensação de medicamentos é relacionada ao aumento dos custos em saúde, também, porque o conceito atribuído pelas secretarias de saúde determina que nesse momento deve ser promovido o uso racional de medicamentos27. Contudo, na maioria das vezes, apenas a entrega dos medicamentos ocorre sem abordar aspectos clínicos27. O grupo de ansiolíticos apresentou um aumento de 22,4 vezes quanto ao gasto no período28. O custo para estruturação do serviço é necessário para implementação e é inferior aos valores de procedimentos de diagnósticos e de urgência que ocorrem pelo uso indevido da medicação27, o que indica que há necessidade de voltar a atenção dos gestores sobre como o serviço é efetivado.
As diferentes formas de abordagem de uma enfermidade é outro fator que impacta na estrutura do SUS. Parte das compras realizadas pelo ministério da saúde é representada por medicamentos biológicos obtidos por via judicial, que se apresenta de forma crescente e que usualmente não são disponibilizados pelo SUS4. Consequentemente, podem representar um crescimento de até dez vezes no intervalo de dez anos4. Outras condições apresentam o tratamento de primeira linha por meio de cirurgia, mas são tratadas por meio de medicamentos em países de baixa e média renda devido à indisponibilidade do procedimento, como no Brasil14.
As regiões nordeste e sudeste surgem como as com mais gastos em saúde, o que corrobora outros estudos4,27,28, que são as regiões com maior tamanho populacional brasileiro. Dado esse contexto, a região sudeste teve um custo 8,93 vezes maior que a região norte, assim como a região nordeste teve um custo 3,12 vezes maior que a mesma região; para as regiões sul e centro-oeste esse valor foi de 1,79 e 1,87, respectivamente, maior que a região norte (Tabela 3).
Estudos que discorrem a respeito de doenças específicas por regiões brasileiras apontam a região norte como a que apresenta o menor gasto8 e apresenta a disponibilidade de cuidados de saúde reduzida4. Contudo, diferente do observado exclusivamente por meio das capitais8, os valores não permanecem constantes. Tal condição ressalta a relevância desse estudo, em que há o fornecimento de informações de forma generalizada que permitem orientar estudos futuros para avaliações mais assertivas.
A diferença de distribuição observada por regiões ressalta as desigualdades no acesso à saúde quanto à qualidade e serviços disponíveis. O diagnóstico em fases avançadas das enfermidades devido a uma região com os cuidados de saúde menos desenvolvidos é um importante indicador para o crescimento dos custos, pois há o aumento da quantidade de internações4, que necessitam de intervenções adicionais, além do tratamento tradicional, e não há tempo para implementar procedimentos alternativos16.
Os fatores relacionados podem ser representados por meio das arrecadações estaduais e municipais, gestão dos recursos e disponibilidade de recursos humanos e materiais, que afetam os municípios brasileiros de forma heterogênea8. A organização dos serviços hospitalares em sistemas integrados e coordenados, também, divergiu na implementação do SUS, que ficou como responsabilidade da administração estadual e resultou em diferentes modelos de gestão8.
Em municípios com população grande, o mínimo aconteceu em Minas Gerais (2007); em municípios com população média, o menor valor transcorreu em Pernambuco (2010); e, em municípios com população pequena, ocorreu em Tocantins (2011). Todos os valores máximos foram identificados no estado de São Paulo, em que populações grandes, médias e pequenas apresentaram seus extremos nos anos de 2013, 2014 e 2021, respectivamente. O Teste de Kruskal-Wallis, também, indicou variação significativa quanto ao agrupamento conforme tamanho dos municípios (Tabela 3).
A assistência hospitalar e ambulatorial retrata alto valor em cirurgias, em que a maior média de internação após o procedimento sem UTI é na região sudeste29. Além disso, afirma-se que os custos de internação de todas as doenças têm aumentado entre 2008 e 201630. Por outro lado, o impacto nas contas de atenção básica ocorre, principalmente, por meio da dispensação de medicamentos, em que a população recorre ao SUS para adquirir as terapias31. Assim, o estado de São Paulo se destaca por apresentar os mais altos gastos em saúde com diferentes classificações de tamanho dos municípios. Nesse sentido, as políticas públicas de saúde podem resultar na variação dos custos31.
Apesar da existência de estudos que afirmam que maiores despesas em atenção básica são capazes de reduzir gastos futuros32 e da análise gráfica a respeito do comportamento dos custos entre 2004 e 2021 destacar os maiores gastos com assistência hospitalar e ambulatorial, a metodologia utilizada neste artigo não permite estimar a variabilidade do efeito da atenção básica na assistência hospitalar e ambulatorial. O maior gasto com assistência hospitalar e ambulatorial pode ocorrer devido aos altos valores despendidos em internações33, cirurgias34 e utilização de UTI35. Esse efeito pode ser observado por meio da realização de cirurgias bariátricas, que aumentou 300% entre 2006 e 2015 e busca a remissão de doenças de comorbidades, como diabetes mellitus tipo 2, hipertensão, doenças cardiovasculares e neoplasias; o resultado a longo prazo deve ser observado por estudos futuros29.
Os serviços de urgência retratam outros fatores de aumento dos custos em assistência hospitalar e ambulatorial. Entre os pacientes desse atendimento, as patologias mais frequentes são traumas (20,1%), distúrbios cardiopulmonares (13,8%) e problemas gastrointestinais (13,6%)30. Muitos desses pacientes são internados, submetidos a exames complementares e podem necessitar de cirurgias de emergência, que apresentam um impacto significativo no custo30. Adicionalmente, os procedimentos hospitalares são impactados pelo tratamento de recidivas e complicações, principalmente quando acompanhados de internação31.
Estudos que avaliam a utilização de recursos e os custos associados a uma determinada doença informam aos tomadores de decisão sobre a quantidade de demanda por apoio médico, social e financeiro e que podem mudar ao longo do tempo24. Essas transformações são observadas, principalmente, em municípios menores, que oscilam em seus valores para a saúde, mesmo com a Lei Complementar nº 141 de 2012, que estabelece valores mínimos a serem aplicados, e está em vigor desde então, cujas variações persistem após esse período; enquanto municípios grandes e médios apresentam usualmente aumento de seus valores.
Os municípios considerados grandes apresentam custo total 38,23 vezes maiores que municípios pequenos, e a amostra com municípios médios constam com 3,16 vezes maiores que municípios com menos de 50 mil habitantes (Tabela 3).
O gráfico 1 expressa os valores pelas subfunções “Atenção Básica” e “Assistência Hospitalar e Ambulatorial” da área de saúde em municípios grandes, médios e pequenos.
Gráfico 1. Custo de atenção básica e assistência hospitalar e ambulatorial em municípios grandes, médios e pequenos entre 2004 e 2021.
Legenda: G: Municípios grandes (acima de 100 mil habitantes); M: Municípios médios (entre 50 e 100 mil habitantes); P: Municípios pequenos (menos de 50 mil habitantes); AB: Atenção Básica; AHA: Assistência Hospitalar e Ambulatorial.
Fonte: Elaborado pelos autores, 2023.
Municípios com população acima de 100 mil habitantes, ou seja, considerados grandes, entre 2004 e 2021, gastaram o total de R$ 279.110.489.030,27 em atenção básica, cujo ano de menor valor foi 2005 (R$ 8.971.810.886,43) e de maior foi 2021 (R$ 20.220.553.678,25). No intervalo do estudo apresenta-se aumento de 108,54%. Quanto à assistência hospitalar e ambulatorial, o valor total foi de R$ 541.465.258.618,91, com mínimo em 2004 (R$ 19.694.106.070,04) e máximo em 2021 (R$ 44.876.362.354,51). No período analisado, esse valor cresceu 125,89% (Gráfico 1).
As diferenças observadas nos valores ocorrem tanto pelo tamanho populacional, quanto pelos tratamentos oferecidos em grandes municípios, em que os principais cuidados em saúde podem representar até 50% dos custos totais de saúde33 e diferentes medidas adotadas no sistema de saúde que também impactam nos custos, como mudanças culturais22. No SUS, os procedimentos especializados são realizados em centros de alta complexidade, geralmente localizados em grandes centros urbanos, o que gera problemas de acessibilidade ligados ao número de procedimentos e implicações orçamentárias2.
Em municípios com população entre 50 e 100 mil habitantes, classificados como tamanho médio, a atenção básica apresentou o total de R$ 40.045.120.318,96 entre 2004 e 2021, cujo menor valor ocorreu em 2004 (R$ 1.357.623.344,62) e maior em 2020 (R$ 2.837.409.556,93). A conta variou positivamente em 104,50%, no período. Assistência hospitalar e ambulatorial apresentou o total de R$ 39.917.302.370,31, com mínimo em 2004 (R$ 856.236.595,33) e máximo em 2021 (R$ 3.815.985.320,83). No geral, o valor cresceu 345,67%, conforme consta no Gráfico 1.
A expressividade dos custos de assistência hospitalar e ambulatorial aumentou no decorrer dos anos, o que pode estar representado pelo envelhecimento da população, que acima de 70 anos apresenta maiores condições de risco34,36. Além disso, a hospitalização dessa faixa etária apresenta altos custos de longo prazo37. Conforme a literatura, serviços hospitalares e ambulatoriais compreendem 76,5% dos custos, enquanto consultas médicas representam 14,7%38.
No período de 2004 a 2021, a atenção básica retrata o total de R$ 16.882.408.983,18 em municípios com menos de 50 mil habitantes, categorizados como pequenos, com mínimo em 2004 (R$ 703.177.157,16) e máximo em 2010 (R$ 1.195.868.622,99). O valor aumentou 37,03% ao comparar os anos de 2004 e 2021. Assistência hospitalar e ambulatorial tem o total de R$ 9.438.506.348,77, com valor inferior em 2004 (R$ 350.586.383,48) e superior em 2010 (R$ 716.085.693,94). A conta teve um crescimento de 57,79% durante o intervalo pesquisado, conforme o Gráfico 1.
Municípios com mais de 50 mil habitantes (médios e grandes) apresentam comportamento dos custos similares, em que se destacam municípios médios, que buscam aumentar o valor gasto com assistência hospitalar e ambulatorial, cujo processo reflete uma acessibilidade crescente a serviços de alta complexidade.
Os municípios com menos de 50 mil habitantes diferenciaram-se de todas as análises feitas no estudo, por apresentarem gastos com atenção básica superior aos com assistência hospitalar e ambulatorial. A razão é por conta da estrutura do SUS, em que os centros de alta complexidade ficam localizados em municípios maiores, o que representa maior custo para os outros municípios, além de dificultar o acesso à saúde2, cujas diferenças no acesso são levadas em consideração para a desigualdade do país3.
Adicionalmente, municípios pequenos apresentam custos maiores com atenção básica, diferentemente das demais análises realizadas, que apresentaram maiores gastos com assistência hospitalar e ambulatorial. Referente a tal fato, ressalta-se que a subfunção de assistência hospitalar e ambulatorial representa os serviços de média e alta complexidade, usualmente localizados nos grandes centros urbanos; o que demanda a avaliação da acessibilidade quanto à quantidade de procedimentos e implicações orçamentárias2.
A distribuição dos serviços de atenção básica e assistência hospitalar e ambulatorial, em municípios pequenos e grandes, não tem sofrido grandes impactos no intervalo estudado. Por outro lado, municípios médios apresentam preocupação crescente com serviços hospitalares e ambulatoriais. Nesse contexto, a ferramenta da telemedicina, normatizada em função da pandemia por COVID-19, pode melhorar o acesso ao serviço de saúde e, simultaneamente, não sobrecarregar o SUS em termos de impacto financeiro39.
Possibilitar atendimentos de alta complexidade em todos os municípios pode fazer com que os hospitais fiquem ociosos, o que resulta em maiores custos do SUS para o governo. Portanto, devem-se avaliar estratégias para atendimentos com tecnologia e custos altos. O serviço de telemedicina viabiliza a oferta de atenção primária por meio de tecnologias, oferece oportunidades para melhorar o atendimento, principalmente em casos que a distância é um fator crítico, colabora com o acesso ágil aos centros de alta complexidade e reduz o número de encaminhamentos para atendimentos especializados em outros municípios, o que resulta na redução dos custos simultaneamente à melhora da qualidade, acesso e equidade do serviço38.
No gráfico 2, apresenta-se a relação entre os custos reais e os custos estimados com o auxílio do software IBM SPSS Modeler 142.
Gráfico 2. Relação entre o custo total real e o custo estimado com base no modelo preditivo.
Fonte: Elaborado pelos autores, 2023.
Os dados ausentes na coleta foram estimados durante o processo. Assim, a soma total dos custos reais apresentou 0,30% a mais do que o estimado. O valor mínimo estabelecido pelo modelo foi superior ao valor real em 235,34%. O valor máximo entre os valores reais dos municípios consta com 5,86% a mais em relação ao estimado. Tanto na média, quanto no desvio-padrão, os valores reais são maiores do que o apresentado pelo modelo preditivo, 1,75% e 2,06%, respectivamente. Visto que esses correspondem a variações de R$ 3.461.562,16 e R$ 15.514.378,95, cada, na previsão dos dados tem-se uma distribuição no longo prazo mais uniforme, o que resulta em valores reais superiores aos previstos pelo modelo na disposição temporal.
O Teste de Kruskal-Wallis mostra que há variações nas distribuições de recursos, tanto por região quanto por tamanho da população, o que também é constatado na comparação dos custos estimados com os reais, em que uma distribuição mais uniforme pode resultar em valores inferiores aos reais. As diferenças de distribuição de recursos representam uma das maiores dificuldades em estabelecer o serviço de saúde como universal, integral e de qualidade, que é visualizado na desigualdade dos serviços por regiões e tamanho populacional8.
Essa desigualdade de distribuição resulta em falhas assistenciais no primeiro nível de atenção, que se detectadas e tratadas precocemente, podem reduzir a gravidade do quadro clínico e a probabilidade de necessitar de internações, o que pode ser observado em estados da região sudeste que apresentam menor custo médio com internação do que estados da região norte40.
As desigualdades na distribuição de recursos da saúde pública têm origem na criação do SUS e seu modelo de financiamento inicial, em que não havia distinção no financiamento de atenção básica e da assistência hospitalar e ambulatorial e era baseado conforme o histórico de gastos dos estados, o qual estava relacionado aos procedimentos realizados anteriormente e que mantinham as diferenças regionais41. O atual modelo de financiamento do SUS é redistributivo e busca a expansão da oferta de serviços de saúde41. Dessa forma, a fim de conter a desigualdade na alocação de recursos, ocorre aumento dos gastos e da capacidade de atendimento em todo o país, mas com um incremento maior nas regiões norte, nordeste e centro-oeste, as quais recebiam os menores valores per capita41.
Apesar do avanço, as desigualdades na saúde pública brasileira persistem. A busca por distribuição igualitária de recursos conforme o tamanho populacional não leva em consideração os perfis demográficos, epidemiológicos e socioeconômico da população e não indica as necessidades para o alcance de uma saúde equitativa42, como constatou-se em 2018 que as regiões sul e sudeste dispõem de mais leitos e atendimentos ambulatoriais quanto ao total da população43, a visão dos gestores, em geral, é de que a oferta é insuficiente quanto à demanda e à necessidade da população44 e a região norte apresenta, adicionalmente, dificuldade por sua geografia e dispersão populacional44. Outra dificuldade é referente a disponibilidade de recursos humanos44. Os profissionais, principalmente médicos, dão preferências a locais com maior desenvolvimento econômico e mais oportunidades profissionais, o que dificulta a atração e fixação destes em regiões mais carentes e/ou remotas44.
Por fim, o processo de adaptação do pós-pandemia está presente, cujas mudanças nos protocolos de biossegurança podem impactar os custos futuros em saúde devido à previsão de aumento de quantidade e novos tipos de Equipamentos de Proteção Individual (EPI), além do estabelecimento do uso de protetor facial e uso de máscara N95/FFP2 em procedimentos geradores de aerossóis45. E, isso tudo indica que tais custos devem ser estudados no futuro.
Considerações finais
Conhecer os custos em saúde propicia uma melhor gestão, em que há aplicação adequada de recursos conforme a enfermidade, avaliação da inserção de novas tecnologias e tratamentos, além da diferenciação de municípios com gestão adequada para servir como base para os demais ou identificação de desperdício de recursos. Até o momento, os estudos não apresentam os custos com saúde pública no Brasil para um grande intervalo de tempo, cuja literatura retrata realidades de doenças específicas ou custos de tratamentos recentes. Dessa forma, há a necessidade de aproximação entre governo e pesquisadores para uma melhor gestão dos recursos públicos.
Assim, o presente estudo apresenta como principal resultado a visualização da situação brasileira quanto aos custos com saúde no decorrer de 18 anos (2004 a 2021). Como principais achados, constatou-se que os custos em saúde são crescentes, cujo ano de maior custo foi no período pandêmico de 2020; após tal momento, o custo reduziu discretamente. Em municípios grandes e médios, os custos são maiores com assistência hospitalar e ambulatorial; em municípios pequenos, os custos são maiores com atenção básica. A região norte apresenta o menor gasto com saúde e a região sudeste apresenta o maior. A análise de distribuição dos recursos apresenta variações significativas por regiões e tamanho dos municípios. A análise preditiva estima que se os custos fossem distribuídos de forma mais uniforme, os valores seriam inferiores aos reais.
O estudo orienta pesquisas futuras no sentido de impactar de forma mais significativa para uma gestão mais eficaz e, consequentemente, na efetivação do direito à saúde com o fornecimento de serviços de qualidade. Contudo, apresenta-se como limitação a não visualização de dados sobre custos indiretos devido a problemas de saúde, como absenteísmo por hospitalização, os custos incorridos pela perda de produtividade decorrentes de morte prematura e invalidez e custos de desperdício. Assim, não se podem considerar os valores da amostra selecionada como totais.
Para pesquisas futuras recomendam-se análises que avaliem desfechos de ações em saúde, além do aprofundamento das avaliações dos custos por habitante, investigação para definir se há mais investimento em prevenção, avaliação da qualidade do gasto, com análises de desfechos e identificação do que é capaz de reduzir as internações.
Agradecimentos
O presente trabalho foi realizado com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
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Gomes, H. M. S., Borgert, A.. Custos da Saúde Pública no Brasil: Uma análise entre 2004 e 2021. Cien Saude Colet [periódico na internet] (2024/mar). [Citado em 22/12/2024]. Está disponível em: http://cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/custos-da-saude-publica-no-brasil-uma-analise-entre-2004-e-2021/19140?id=19140&id=19140

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