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INTRODUÇÃO

Sistemas de saúde vêm sendo diretamente impactados pela tecnologia digital, resultando em mais saúde e bem estar para as pessoas1. A revolução digital catalisa mudanças em vários setores da sociedade. Na saúde, a tecnologia digital agrega valor, ao promover o acesso autorizado às informações nos pontos de prestação de cuidados. Expande horizontes que dão suporte à qualificação da assistência com funcionalidades de apoio à decisão, favorecendo a gestão da saúde baseada em informações confiáveis e engajando as pessoas no autocuidado2. Alinhado à visão da estratégia global para a Saúde Digital proposta pela Organização Mundial da Saúde3, o Brasil se destaca por uma trajetória consistente rumo à adoção de soluções digitais centradas nas pessoas, escaláveis e acessíveis para todos e em todos os lugares, na busca pela transformação digital do seu Sistema Único de Saúde (SUS)4,5.

Um conjunto de políticas públicas historicamente alinhadas proporcionaram estratégias e ações pactuadas entre o Ministério da Saúde, estados e municípios, as quais tornaram as informações da Atenção Primária à Saúde (APS) brasileira um dos exemplos bem sucedidos de organização e gestão da informação aliada à interoperabilidade de dados sobre saúde. A Estratégia e-SUS APS representou um marco histórico ao direcionar a reestruturação da informação em nível nacional, formalizando um modelo de gestão da informação. O Registro Eletrônico em Saúde acessível através do Prontuário Eletrônico e-SUS APS teve início em 2013, conquistando a adesão da maioria dos municípios brasileiros6. O prontuário eletrônico é oferecido sem custos, em módulos que se adequam às necessidades dos pontos de assistência e aos diversos níveis de maturidade digital e infraestrutura das 47.847 unidades de saúde que o utilizam7. Adicionalmente, um conjunto de aplicativos para dispositivos móveis, que são sincronizados com o Prontuário Eletrônico e-SUS APS através da internet, facilita a comunicação entre os profissionais da equipe de saúde da família, estruturando atividades que ocorrem fora do contexto das unidades de saúde8. Segundo dados analíticos de acessos de julho de 2025, o aplicativo e-SUS Território contabiliza 133.175 usuários ativos e 460.027 downloads; o aplicativo e-SUS Vacinação, 58.562 usuários ativos e 511.581downloads; o aplicativo e-SUS Atividade Coletiva, 7.487 usuários ativos e 44.305 downloads; o aplicativo e-SUS Atenção Domiciliar, 726 usuários ativos e 7.631downloads e o aplicativo e-SUS Gestão, 5.911 usuários ativos e 32.921 downloads9. Tais recursos digitais buscam atender as demandas da APS e incorporam novas tecnologias capazes de vencer distâncias, como a videochamada e a receita digital, a funcionalidade para gestão de filas, que busca maior resolubilidade das equipes de saúde da família, e a possibilidade de georreferenciamento das famílias, que aprimora o conhecimento sobre o território.

Em paralelo ao desenvolvimento tecnológico, a educação digital é essencial para disseminar o conhecimento necessário para o uso equitativo da tecnologia, promovendo uma participação cívica e culturalmente adaptada para evitar riscos de exclusão de pessoas aos serviços estruturantes da Saúde Digital10. As inovações, mesmo que necessárias e úteis, exigem um esforço de preparação dos usuários dos sistemas digitais para que sejam adotadas com sucesso e utilizadas em todo seu potencial. Promover e facilitar a aquisição de competências em saúde digital de todos os profissionais que utilizam os sistemas é um desafio global. O letramento digital com foco na utilização eficiente, responsável e ética da tecnologia faz parte do contexto que permite que os sistemas digitais avancem em seu papel de transformação social3. A Saúde Digital é um campo multidisciplinar de conhecimento e práticas, que determina diferentes visões de um mesmo sistema nacional de informação. O conjunto de usuários dos softwares que compõem a Estratégia e-SUS APS é estimado em mais de um milhão de pessoas, que exercem diferentes papéis na implementação e manutenção do parque tecnológico, na vigilância, gestão e assistência à saúde. Os vários usuários são representados nos sistemas digitais por perfis de acesso, os quais possuem formação de base e atuações distintas. A formação para Saúde Digital tem, portanto, diferentes frentes para proporcionar um aprendizado significativo a profissionais de saúde, profissionais de tecnologia digital de informação e comunicação, pessoas na gestão das unidades de saúde entre outros públicos interessados11. Cada grupo de utilizadores necessita de orientações contínuas e específicas para execução de suas tarefas, atendendo compromissos relacionados às suas funções, como, por exemplo, Agentes Comunitários de Saúde (ACS) que atuam fora das unidades de saúde, gestores locais e municipais da tecnologia que devem estar atentos ao planejamento, implantação e monitoramento da tecnologia e diferentes profissionais de saúde da APS que demandam módulos de ensino alinhados com suas práticas.

Uma oportunidade formativa de interesse crescente em todo o mundo tem sido a oferta online massiva de cursos abertos (massive open online courses - MOOCs). Características como um amplo alcance geográfico, autonomia para os cursistas e o acesso simultâneo por um grande número de pessoas têm revolucionado a educação de adultos12. É uma modalidade de ensino à distância alinhado aos princípios da educação aberta, provendo um ambiente autoinstrucional acessível pela internet, que compartilha conhecimento de forma livre, mitigando restrições geográficas, econômicas e demográficas 13. No Brasil, a educação permanente é uma política pública que busca a qualificação e transformação das práticas em saúde, para fortalecimento dos princípios do SUS14. O seu potencial na formação de recursos humanos é enorme e vai de encontro à indução do desenvolvimento de trabalhadores na área da saúde e do processo de aceleração digital. O presente estudo tem como objetivo apresentar a estratégia inédita de Oferta Nacional de Educação Permanente em Saúde Digital para APS implementada em 2023, as inovações tecnológicas utilizadas no ensino na modalidade MOOC e os resultados alcançados.

METODOLOGIA
A elaboração do presente artigo seguiu as diretrizes internacionais para publicação de estudos que avaliam aplicações de Informática em Saúde, STARE-HI15. O artefato digital apresentado é a plataforma de ensino MOOC denominada Educa e-SUS APS.

Contexto do estudo
Estudo observacional exploratório e quantitativo que apresenta uma plataforma de ensino com seus recursos tecnológicos e os resultados alcançados nos primeiros 20 meses da Oferta Nacional de Educação Permanente em Saúde Digital. O projeto é o resultado de uma parceria entre a Secretaria de Atenção Primária à Saúde do Ministério da Saúde (Saps-MS) e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), celebrada através do Termo de Execução Descentralizada 31/2022. O objetivo é oferecer educação permanente para profissionais da APS e demais interessados em letramento digital contextualizado no ambiente dos softwares da Estratégia e-SUS APS. Os dados são apresentados em formato agregado e foram obtidos através de relatórios automatizados de gestão da plataforma de ensino, em conformidade com as normas da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) brasileira, garantindo uso das informações exclusivamente para fins educacionais e para execução de políticas públicas previstas em lei. A política de privacidade16 e os termos de uso do MOOC Educa e-SUS APS17, encontram-se acessíveis na plataforma virtual18.

O ambiente de oferta aberta de ensino à distância Educa e-SUS APS

O processo de desenvolvimento da plataforma MOOC Educa e-SUS APS envolveu uma equipe transdisciplinar experiente no ensino, pesquisa e desenvolvimento de recursos de tecnologia digital aplicada à saúde. O ambiente de ensino é acessível pela internet e foi desenvolvido com base em software livre, Sistema de Gestão do Aprendizado - Moodle. Foram adicionados plugins para proporcionar interatividade, monitorar o progresso dos cursistas, emitir certificado de conclusão, comportar ilustrações personalizadas, recursos de mídias e para prover tela responsiva adaptável para dispositivos móveis. Quanto ao webdesign, os vários grupos profissionais da APS foram representados por personas para promover um ambiente educacional inclusivo que incorpora a diversidade dos biotipos brasileiros, sem discriminação por idade ou gênero.

Uma interface web, landing page, foi preparada para permitir a visualização geral da oferta de cursos, direcionar os interessados para trilhas formativas, gerenciar matrículas e exibir indicadores de gestão em tempo real. Sete trilhas formativas foram criadas para que o público alvo dos cursos se identifique com seu perfil profissional e encontre conteúdos, ilustrações e exercícios específicos de sua àrea de atuação. As trilhas foram organizadas em: Profissionais de Saúde, Profissionais de Saúde Bucal, Profissionais de Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação, Pessoas na Gestão de Saúde, Agentes da APS, Técnicos da APS e Técnicos da APS Saúde Bucal. A plataforma MOOC Educa e-SUS APS fica hospedada em servidor de dados da Faculdade de Medicina da UFMG, protegida por boas práticas de informática, incluindo as de segurança digital18. O acesso é realizado através da conta GOV.BR, uma plataforma digital segura que oferece aos cidadãos um login único e protegido para todos os serviços do governo federal, evitando a necessidade de criação e gerenciamento de outra senha específica.

Na página de acesso, EDU, agente conversacional inteligente, fornece informações abrangentes sobre os cursos oferecidos, suas durações, processos de inscrição e certificação. Seu treinamento é baseado num conjunto de perguntas e respostas de usuários, coletadas e atualizadas ao longo do tempo, as quais foram parafradeadas de forma a con templar diversas maneiras de se formular uma mesma indagacão, com distintos estilos de (in)formalidade. Esse conjunto foi expandido por meio de um modelo generativo de linguagem uma com arquitetura sofisticada para indexação e processamento de consultas, oferecendo respostas assertivas e roteamento eficiente de usuários. A abordagem fornece respostas em linguagem coloquial e melhora a experiência do usuário ao integrar tecnologias avançadas de Inteligência Artificial19. A Figura 1 ilustra a landing page com as trilhas formativas e o acesso ao EDU.

Figura 1. A plataforma Educa e-SUS APS

Recursos de mídias no formato de podcast e minivídeos instrucionais de curta duração utilizados nos cursos são produzidos com apoio de ferramentas digitais na versão sem custos, Spreaker® e Capcut®. As mídias são armazenadas no Youtube® com backup nos servidores de dados da UFMG, que provê um link de acesso permanente, cujo conteúdo pode ser periodicamente atualizado.

Premissas educacionais e definição de conteúdo

A equipe de conteudistas é composta por especialistas de diferentes unidades acadêmicas: medicina, enfermagem, odontologia, computação e letras, além de técnicos e técnicas da SAPS-MS, conforme detalhado na Plataforma MOOC Educa e-SUS APS18, em Equipe. Profissionais da APS recebem convites para participar da elaboração dos cursos, de acordo com sua disponibilidade e cronograma de execução. Reuniões regulares envolvem docentes, pesquisadores, estudantes de pós-graduação e técnicos empregando-se metodologia ágil20. O aprimoramento e atualização contínuos do conteúdo se alinham ao versionamento dos softwares da Estratégia e-SUS APS e contemplam muitas das sugestões dos cursistas, coletadas através de questionários, nos procedimentos finais de certificação de cada curso.

As competências em Saúde Digital a serem desenvolvidas nos cursos seguem valores alinhados aos princípios da qualificação em saúde pública, no sentido de promover a capacidade de comunicação em meio digital, o profissionalismo e as habilidades de trabalho colaborativo com suporte de recursos digitais. Um conjunto de competências foi definido com base na revisão de Jimenez et al., 202021, posteriormente discutidas em conjunto entre as equipes acadêmicas e da SAPS-MS, sendo definidas lacunas do conhecimento que foram sumarizadas na Tabela 1.
Tabela 1. Lacunas de conhecimento a serem exploradas no contexto do letramento digital na Atenção Primária à Saúde


Ofertas e público-alvo
Cada Oferta Nacional de um curso é aberta após um processo de curadoria realizada com apoio de 14 municípios brasileiros, que atuam na validação piloto dos softwares da Estratégia e-SUS APS, definidos por pactuação entre o Ministério da Saúde, estados e municípios. O processo de avaliação-piloto de cada curso provê sugestões de ajustes e melhorias no conteúdo, ilustrações, recursos de mídia e exercícios práticos, que são aprimorados antes da ampla abertura nacional. A primeira Oferta Nacional ocorreu em novembro de 2023, seguindo-se a abertura progressiva por trilhas que se alinham aos perfis profissionais da APS, apresentados na Tabela 2. As trilhas são compostas por cursos de livre escolha e sem ordem sequencial. O certificado de conclusão é emitido por curso.
Tabela 2. Trilhas formativas da plataforma Educa e-SUS APS, duração e público-alvo, por data de abertura
A divulgação dos cursos é realizada através das mídias oficiais da universidade e da SAPS-MS. Outras oportunidades de disseminação e incentivo para o engajamento nos cursos têm sido reuniões com gestores municipais, congressos de sociedades científicas e de Saúde Digital.
Sob influência direta do envolvimento da Faculdade de Medicina da UFMG na gestão da plataforma MOOC Educa e-SUS APS, uma disciplina obrigatória foi criada em 2023 para estudantes do curso de medicina: Iniciação à Atenção Primária à Saúde II, realizada no terceiro período do curso, com 60 horas no semestre. A ementa envolve teoria e prática em Saúde Digital para os estudantes em laboratórios de informática, baseadas nos cursos da trilha formativa Profissionais de Saúde e acesso ao prontuário eletrônico e-SUS APS, em modo treinamento. Além disso, engloba a participação do estudante em atividades extensionistas em unidades básicas de saúde22.

Estratégias de avaliação e monitoramento dos cursistas

Rotinas automatizadas de monitoramento individual de cursistas foram desenvolvidas a partir do seu progresso na execução de tarefas no ambiente Moodle de ensino. Os dados armazenados são utilizados para sinalizar o percurso do cursista, ao longo da duração planejada, habilitando a emissão do certificado de conclusão. Adicionalmente, há rotinas que sinalizam a ausência de progresso quando completam-se 90 dias sem qualquer atividade de um cursista.

Para minimizar o número de pessoas que abandonam um curso, o ambiente MOOC incorporou o uso de Inteligência Artificial em estratégias de reengajamento, as quais incluem: a identificação de cursistas que iniciaram um curso e fizeram pelo menos a primeira aula, mas deixaram de acessá-lo por 90 dias; a extração individualizada de dados sobre o uso da plataforma, identificando as tarefas que foram executadas e o ponto do abandono; o uso de Large Language Models (LLM) para personalizar uma mensagem de reengajamento. Para isso, desenvolvemos engenharia de prompt que demanda o primeiro nome do cursista, o cargo que declarou exercer na APS, o ponto do percurso formativo onde abandonou e a indicação dos próximos conteúdos ainda não visualizados. A mensagem de incentivo customizada é então enviada automaticamente para o e-mail pessoal cadastrado do cursista23.

Em relação ao processo de avaliação do cursista, um conjunto de tarefas obrigatórias devem ser executadas ao longo do percurso. Elas são elaboradas com base no levantamento das responsabilidades ou tarefas que devem ser realizadas nos cenários da APS com apoio da tecnologia digital. Essas tarefas podem ser simples ou complexas, mas caracteristicamente devem ser realizadas com segurança, seguindo as recomendações das Atividades Profissionais Confiáveis24. As atividades práticas buscam verificar a capacidade do cursista em lidar com acontecimentos de sua rotina profissional e também os inesperados, que envolvam o uso dos softwares da Estratégia e-SUS APS. Estruturadas com recursos avançados de plugins para Moodle, as atividades práticas dos cursos têm por objetivo proporcionar a experiência de aprender fazendo, em situações que simulam as práticas no ambiente de trabalho. Buscam aplicar conceitos fundamentais da literacia digital no ambiente digital, demonstrar e dar ciência da importância das interações mediadas por tecnologia, nos contextos profissionais, sociais e culturais, centradas nas pessoas. Os minivídeos oferecem interatividade através de uma pergunta que surge durante sua execução.

Métricas de avaliação e métodos de análise

Ao final de cada curso, um questionário de avaliação dos recursos de ensino disponibilizados na plataforma MOOC Educa e-SUS APS e da relevância do conteúdo para as práticas profissionais é respondido pelo cursista (Anexo 1). A base de dados completa e desidentificada resultante dos primeiros 20 meses do projeto foi utilizada para demonstrar o desempenho da Oferta Nacional de Educação Permanente Educa e-SUS APS na forma contabilização dos acessos, matrículas, certificados de conclusão emitidos, município de procedência e trilha cursada que também são de acesso público na Plataforma MOOC Educa e-SUS APS18, em Educa em Números. Os meios de acesso aos cursos e o desempenho das estratégias de ensino à distância utilizadas são também verificadas através de perguntas específicas do questionário.

Pessoas que acessaram o ambiente educacional são definidas como cursistas quando se registram na plataforma e fazem pelo menos uma atividade, podendo se inscrever em vários cursos. As matrículas abrangem o número total de inscritos nos cursos, independentemente de estarem ou não executando as atividades. O tempo médio de permanência dos usuários em um curso da plataforma é obtido somando os tempos médios de permanência em cada acesso, calculados pelo Google Analytics. A conclusão dos cursos é calculada a partir dos certificados emitidos como numerador e a quantidade de cursistas como denominador, enquanto a taxa de abandono é calculada pela razão entre o número de cursistas que não acessam um curso há mais de 90 dias pelo número de cursistas. Variáveis quantitativas foram descritas em termos de medianas e intervalos interquartis e as variáveis qualitativas foram apresentadas por sua frequência absoluta e relativa.

RESULTADOS

Alcance da Oferta Nacional de Educação Permanente Educa e-SUS APS

Entre novembro de 2023 e novembro de 2025, foram contabilizadas 236.309 matrículas de 84.408 cursistas, alcançando 5.111 municípios de todos os estados brasileiros. O número de certificados de conclusão foi 60.887, sendo a disseminação de conteúdos através da plataforma Educa e-SUS APS apresentada na Figura 2, na forma de distribuição geográfica, onde a intensidade da cor representa a densidade de pessoas matriculadas em algum curso, ajustada para a população do estado.

Figura 2. Distribuição das matrículas plataforma Educa e-SUS APS, por estado

Entre os grupos profissionais da APS matriculados nos cursos, os mais frequentes foram os ACS (n=12.835, 28%), enfermeiro(a)s (n=4.061, 8,9%) e médico(a)s (n=3.576, 7.8%). Entre pessoas sem vínculo profissional com a APS, 5.219 (29.3%) procuraram os cursos como formação complementar. Destacamos ainda que a grande maioria dos 5.111 municípios alcançados (96,5%) têm população inferior a 20.000 habitantes.

O perfil do cursista por porte populacional do município foi apresentado na Tabela 3. Na maioria das trilhas formativas, os cursistas estavam na faixa de idade inferior a 40 anos, a não ser na trilha 5 dedicada aos ACS. Quanto à escolaridade, chama atenção o fato da trilha 1, dedicada aos profissionais de saúde de nível superior, ter atraído 7.065 (29,0) com ensino médio completo, entre os quais em grande parte são estudantes de graduação.

Tabela 3. Perfil do cursista da plataforma Educa e-SUS APS

O modo de acesso mais frequente à plataforma MOOC Educa e-SUS APS foi o computador pessoal (n=24.629, 41,1%), seguido de dispositivos móveis (n=23.251, 38,8%).

A qualidade percebida dos cursos

As características das sete trilhas, segundo monitoramento automatizado do percurso dos 60.887 cursistas que receberam certificado de conclusão, são apresentadas na Tabela 4. O número de pessoas que abandonaram os cursos foi de 15.292 (18,1%).

Tabela 4. Qualidade dos cursos Educa e-SUS APS, por data de abertura da trilha formativa


Estratégias de engajamento e disseminação

O agente conversacional inteligente EDU realizou 7.899 interações com visitantes, entre as quais 1.195 (15,1%) foram convertidas para suporte humano. As dúvidas mais frequentes foram relacionadas a como se matricular, como gerar certificado e consultas sobre os cursos como: quais cursos existem, quando começa um curso específico, até quando é possível acessar um curso.

Quanto à estratégia automatizada de mitigação do abandono de um curso com texto gerado por inteligência artificial, 38.335 e-mails foram enviados para cursistas que deixaram de usar a plataforma MOOC Educa e-SUS APS por 90 dias ou mais. O número de cursistas recuperados, isto é, que voltaram a interagir com o ambiente digital de ensino, foi 4.498 (11.7%).

Um conjunto de seis e-Books foram publicados, para ampliar o acesso aberto aos conteúdos dos cursos das trilhas Profissionais de Saúde11,25,26, Profissionais de Saúde Bucal27, Profissionais de TDIC e Pessoas na Gestão de Saúde28,29. Encontram-se acessíveis na Biblioteca Virtual em Saúde e podem ser utilizados mesmo fora do ambiente MOOC. São amplamente ilustrados e possuem links de acesso às mídias digitais como podcasts e minivídeos instrucionais.

DISCUSSÃO

O modelo de ensino-aprendizagem adotado na plataforma MOOC Educa e-SUS APS tem buscado fortalecer competências que aprimoram o desempenho profissional, ao mesmo tempo que proporcionam uma oportunidade de reflexão e adoção de boas práticas no ambiente digital que apoia a APS. Os resultados obtidos demonstram o caráter inovador da iniciativa que contribui para o avanço do conhecimento sobre a Saúde Digital no país e destacam a importância de plataformas MOOC na disseminação do letramento digital. O déficit no letramento digital de profissionais de saúde é uma realidade em cenários nacionais e internacionais. Um estudo envolvendo especialistas de domínio de 14 países europeus destacou a falta de oportunidades formativas que promovam as competências digitais dos profissionais de saúde, com 39,6% de relatos de ausência de treinamento formal, ainda que 95,8% dos respondentes informem a utilização soluções digitais na prática diária30. No Brasil, a pesquisa anual por amostragem TIC-Saúde tem destacado avanços na adoção das tecnologias digitais ao mesmo tempo que aponta desafios na formação dos profissionais da saúde, sendo que apenas 23% dos médicos relataram algum tipo de treinamento em informática, em 202431. Em um país tão vasto e heterogêneo em recursos, a oferta de educação permanente Educa e-SUS APS tem, como seu maior público, os municípios menores, onde inferimos que as oportunidades de letramento digital para profissionais de saúde é menor em relação aos municípios mais populosos. Além disso, o ambiente virtual de ensino vem sendo utilizado por estudantes de graduação, que entrarão no mercado de trabalho com letramento digital.

No SUS brasileiro, há uma premissa de que envolver atores do cotidiano do trabalho é pedagógico por si, valoriza o conhecimento prévio e proporciona uma escola permanente que fortalece o sistema de saúde32. Interpretamos o amplo alcance da educação permanente à distância, aberta e acessível como o resultado de um conteúdo elaborado e validado com apoio do público alvo e do uso combinado de recursos didáticos reconhecidos para estimular a aprendizagem de adultos33, como: a flexibilidade no acesso, o autodirecionamento e o conteúdo significativo com um design motivacional. Importante destacar que o interesse pelos cursos, avaliado pelo número de municípios alcançados, ultrapassou os locais que utilizam o prontuário eletrônico e-SUS APS, o que se percebe também pelos 5.219 cursistas que buscaram uma formação complementar em Saúde Digital. Quanto às experiências internacionais, um estudo realizado em Portugal destaca a importância do uso de ferramentas digitais em estratégias nacionais de promoção da saúde, destacando o investimento em um repositório digital de recursos e conteúdos, disponibilizados para o profissional de saúde e para o cidadão34. Vale ressaltar que nos alinhamos a esta mesma premissa, oferecendo um material de consulta permanente que traz os conteúdos e acesso às mídias utilizadas nas trilhas formativas da plataforma MOOC Educa e-SUS APS na Biblioteca Virtual de Saúde do Ministério da Saúde11,25–29.

Um outro elemento relevante foi o desenvolvimento de um ambiente digital com visual agradável e motivador. A tecnologia digital tem modificado a própria maneira de disseminar conhecimentos, em especial na modalidade de ensino à distância e de aprender. O internauta lê rapidamente as informações apresentadas em uma interface online e está menos disposto à leitura aprofundada, comportamentos estes estudados na área de interação humano computador35, considerados desde a elaboração dos cursos. A hierarquia visual em interfaces considera a percepção humana favorável ao recebimento de informações baseada em códigos visuais que se expressam na definição da tipografia, escolha das cores e negritos, na disposição visual entre texto e os elementos complementares como imagens, quadros, legendas e infográficos29. Neste sentido, criamos ilustrações customizadas e alinhadas com cenários e personas próprios da APS, infográficos, podcasts e minivídeos, textos mais objetivos com destaques em cor, apresentando, preferencialmente, exemplos que traduzem conceitos em práticas. A própria interface do prontuário eletrônico e-SUS APS é utilizada em muitas oportunidades ao longo das trilhas formativas conferindo significado ao conteúdo apresentado. Os recursos midáticos e de design, além de destacarem os elementos essenciais do letramento digital em saúde, foram criados para despertar o interesse do cursista em resolver problemas do seu cotidiano profissional, como o da qualidade de dados, segurança digital e interoperabilidade entre sistemas.

O estímulo à permanência de cursistas no ambiente mostrou-se promissor, atingindo valor médio de 60,6 minutos por acesso e retenção de 81,9% (abandono, 18,1%), um valor elevado em comparação aos 10% de retenção encontrados em outras plataformas MOOC profissionalizantes bem estabelecidas36. Ainda que os MOOCs sejam considerados por muitos uma revolução na educação, eles enfrentam inúmeros desafios além da baixa permanência. Barreiras tecnológicas, organização do tempo para estudo por parte do cursista, ausência de interação direta com o tutor, questões ergonômicas associadas à usabilidade das plataformas37. Ainda é escassa a evidência que demonstre o aprendizado ao longo do tempo e seus impactos no ambiente profissional13, uma limitação também da análise realizada em nosso estudo.

A utilização de recursos de inteligência artificial em MOOCs tem se mostrado uma alternativa para promover uma maior interação do ambiente educacional com os seus usuários, em especial as abordagens que envolvem o processamento de linguagem natural como os LLMs38. A tecnologia tem modificado a maneira como as pessoas interagem em MOOCs, em especial quando são treinadas para se comunicar em linguagem natural como os agentes conversacionais inteligentes39. Os resultados do assistente virtual EDU para orientar os visitantes na plataforma MOOC Educa e-SUS APS surpreendem pela capacidade de gerar uma resposta sem apoio direto de humanos em 85,8% das interações. Em um público-alvo grandioso e com matrículas sempre abertas e em números crescentes, a linha de frente potencializada com modelo de linguagem traz a vantagem de responder prontamente as dúvidas mais simples, reservando apenas as respostas insatisfatórias para o suporte humano. Uma limitação atual do assistente virtual EDU é que não foi preparado com a base de conhecimento dos cursos, portanto não é capaz de tirar dúvidas conceituais ou práticas relacionadas ao ambiente e-SUS APS. Envolvendo um grande esforço transdisciplinar, um agente conversacional com maiores capacidades de inteligência para suporte às dúvidas relacionadas aos softwares da estratégia e-SUS APS está sendo desenvolvido40.

A utilização de modelos de aprendizado de máquina para predizer a evasão em MOOC tem sido noticiada na literatura científica39. No entanto, a estratégia de elaborar mensagens personalizadas com apoio de LLM para mitigar os índices de evasão é um tema pouco explorado. Ainda será necessário um tempo de seguimento maior da plataforma MOOC e um aprofundamento nas causas de abandono que muitas vezes estão associadas ao acesso limitado às tecnologias digitais, tempo insuficiente no ambiente de trabalho, falta de motivação entre outros41.

Os resultados obtidos demonstram o amplo alcance desta estratégia formativa, estruturada em apoio à aceleração digital na APS a partir de uma parceria entre a Academia e o Governo, com apoio direto de gestores dos municípios envolvidos na curadoria. O alcance de profissionais da APS na grande maioria dos municípios brasileiros, já nos primeiros 24 meses da abertura nacional dos cursos, demonstra como os ambientes de MOOCs podem contribuir para o desenvolvimento profissional em larga escala no setor da saúde.

Financiamento
Termo de Execução Descentralizada 31/2022 entre a Secretaria de Atenção Primária do Ministério da Saúde e a Faculdade de Medicina da UFMG.

Contribuições dos autores
Z.S.N.R: concepção, supervisão do projeto, obtenção de financiamento, curadoria de dados, análise de dados, redação do manuscrito, revisão crítica do manuscrito.
A.S.P.: concepção, curadoria de dados, análise de dados, redação do manuscrito, revisão crítica do manuscrito.
A.D.M.: supervisão do projeto, redação do manuscrito, revisão crítica do manuscrito.
I.J.R.O.: concepção, supervisão do projeto, curadoria de dados, análise de dados, redação do manuscrito, revisão crítica do manuscrito.
J.L.O.: supervisão do projeto, redação do manuscrito, revisão crítica do manuscrito.
F.W.A.P.: concepção, supervisão do projeto, análise de dados, redação do manuscrito, revisão crítica do manuscrito.
R.A.C.G.: concepção, supervisão do projeto, obtenção de financiamento, análise de dados, redação do manuscrito, revisão crítica do manuscrito.
A.L.F.R.C.: supervisão do projeto, obtenção de financiamento, revisão crítica do manuscrito.

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