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Artigos

0266/2024 - Estratégias de aconselhamento sobre atividade física recebidas por adultos na Atenção Primária à Saúde
Counseling strategies on the physical activity practice received by adults in Primary Health Care

Autor:

• Letícia Aparecida Calderão Sposito - Sposito, L. A. C - <sposito.ef@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5008-2003

Coautor(es):

• Letícia Pechnicki dos Santos - Santos, L. P. - <letynicki@hotmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4443-5191

• Alice Tatiane da Silva - Silva, A.T - <silva.alice@outlook.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9286-4345

• Paulo Henrique Guerra - Guerra, P.H - <paulo.guerra@uffs.edu.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4239-0716

• Mathias Roberto Loch - Loch, M. R. - <mathiasuel@hotmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2680-4686

• Cassiano Ricardo Rech - Rech, C.R - <crrech@hotmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9647-3448

• Ciro Romelio Rodriguez-Añez - Rodriguez-Añez, C. R. - <ciroanez@utfpr.edu.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8430-7621

• Rogério César Fermino - Fermino, R.C - <rogeriofermino@utfpr.edu.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9028-4179



Resumo:

O objetivo deste estudo foi analisar a associação entre características sociodemográficas, condições de saúde, estágios de mudança de comportamento e as diferentes estratégias de aconselhamento breve sobre a prática de atividade física (AF) recebidas por usuários da Atenção Primária à Saúde (APS) do Sistema Único de Saúde. Realizou-se um estudo transversal com amostra representativa de 779 adultos atendidos nas 15 Unidades Básicas de Saúde de São José dos Pinhais, Paraná. As variáveis foram mensuradas com instrumentos válidos e as estratégias de aconselhamento avaliadas com base no método dos “5 As”. Como principais resultados, as duas estratégias relatadas com maior frequência foram “receber informações sobre os benefícios da AF” (91%) e a “avaliação do nível de AF” (84%). Faixa etária, hipertensão, número de comorbidades e de medicamentos consumidos apresentaram consistente associação com ao menos 50% das estratégias de aconselhamento recebidas (p<0,05). Não foram observadas associações entre as variáveis analisadas e as duas estratégias reportadas com maior frequência. Conclui-se que as estratégias de aconselhamento recebidas variam de acordo com algumas das variáveis analisadas. Os resultados fornecem insights que poderiam ser considerados na implementação de ações integradas com o aconselhamento.

Palavras-chave:

Estratégias de Saúde; Atividade Motora; Controle Comportamental; Ciências Biocomportamentais; Sistema Único de Saúde.

Abstract:

This study analyzed the association between sociodemographic characteristics, health conditions, stages of change behavior, and the different counseling strategies on the physical activity (PA) practice received by users of Primary Health Care (PHC) of the Unified Health System. A cross-sectional study was conducted with a representative sample of 779 adults treated at the 15 Basic Health Units in São José dos Pinhais, Brazil. The variables were measured with valid instruments, and the counseling strategies were evaluated based on the “5 As” method. As main results, the two most frequently reported strategies were “receiving information about PA benefits” (91%) and “assessing the PA level” (84%). Age group, hypertension, number of comorbidities, and the medication consumed were consistently associated with at least 50% of the counseling strategies received (p<0.05). No associations were observed between the variables analyzed and the two most frequently reported strategies. It is concluded that the counseling strategies received vary according to the some analyzed variables. The results provide insights to consider when implementing actions integrated with counseling.



Keywords:

Health Strategies; Motor Activity; Behavior Control; Biobehavioral Sciences; Unified Health System.

Conteúdo:

INTRODUÇÃO
A Organização Mundial da Saúde (OMS) reafirma os diversos benefícios da atividade física (AF) para a manutenção e a melhoria da saúde, assim como na redução dos fatores de risco para doenças crônicas1. Estima-se que, anualmente, 15% das mortes prematuras a nível mundial poderiam ser evitadas com a adoção de um estilo de vida fisicamente ativo2. No Brasil, apesar do elevado reconhecimento da população sobre a importância da AF3, cerca de 59% dos adultos residentes nas capitais são insuficientemente ativos no tempo de lazer4. Muitos fatores podem afetar a realização da AF, o que demonstra que este comportamento é influenciado por razões que vão além da motivação ou do conhecimento sobre os seus benefícios5.

A Política Nacional de Promoção da Saúde destaca a AF como um dos eixos prioritários das ações no Sistema Único de Saúde (SUS)6, tornando necessária a implementação e a ampliação de programas de intervenção comunitária em diferentes grupos populacionais6,7. Atualmente, as intervenções relacionadas a AF são desenvolvidas na Atenção Primária à Saúde (APS), as quais variam desde ações de educação em saúde a programas de exercícios físicos supervisionados7. Algumas intervenções utilizam-se das estratégias de aconselhamento7, o qual tem se mostrado efetivo para o aumento da AF8–10.

No contexto brasileiro, alguns estudos identificaram a prevalência de aconselhamento breve sobre AF realizado por profissionais que atuam na APS, que variaram entre 50-86%11–13. Nestas pesquisas, os profissionais que realizaram aconselhamento com maior frequência foram os médicos, seguidos de enfermeiros e agentes comunitários de saúde11,12. No entanto, os estudos realizados com usuários da APS apontam prevalências de aconselhamento recebido inferiores, as quais variaram entre 35-43%11,12,14. Em outros países, o aconselhamento realizado por profissionais de saúde varia entre 11-95%, enquanto aquele reportado pelos usuários é de 5-62%12, o qual é direcionado às pessoas com doenças crônicas15,16.

Neste sentido, diferentes estratégias de aconselhamento podem ser utilizadas por profissionais da saúde, o que inclui as orientações sobre os benefícios da AF para a manutenção ou a melhoria da saúde, a avaliação do nível de AF dos usuários, a entrega de materiais educativos com orientações sobre as atividades, entre outras17–22. O aconselhamento breve é uma estratégia que pode promover o debate sobre comportamentos saudáveis durante as sessões individuais ou em grupo9,10. Assim, todos os profissionais de saúde poderiam aconselhar os usuários da APS sobre AF e, embora diferentes estratégias possam ocorrer de modo breve ou genérico, alguns autores sugerem que a utilização de intervenções sistemáticas e específicas possuam maior efetividade para o aumento da AF23–25. O modelo dos cinco “As” (5As) é um método de aconselhamento sistemático, fundamentado em teorias de mudança de comportamento, com base em evidências e aplicado para diferentes comportamentos de saúde, o que inclui a AF18,20,23,24,26,27.

O processo de mudança de comportamento inclui etapas relacionadas ao interesse, a disponibilidade e a possibilidade da pessoa em modificar a sua conduta28–30. Neste sentido, as intervenções com aconselhamento deveriam ser específicas ao estágio de mudança de comportamento (EMC) em que as pessoas se encontram23,26,28,29. Por exemplo, estratégias como enfatizar os benefícios da AF, identificar as barreiras e as maneiras para superá-las são mais adequadas às pessoas que se encontram nas etapas iniciais dos EMC (pré-contemplação e contemplação)19,20,23,27,28.

Três pesquisas realizadas no contexto do SUS identificaram as estratégias de aconselhamento utilizadas pelos profissionais na APS; em que as mais frequentes foram “fornecer informações sobre os benefícios da AF”, “avaliar o nível AF”, “recomendar o tipo da AF”, “identificar as barreiras para a AF” e “oferecer soluções para reduzir as barreiras”17,22,31. No entanto, não foram localizados estudos que tenham identificado a percepção dos usuários da APS sobre quais estratégias de aconselhamento foram utilizadas pelos profissionais responsáveis pelo atendimento. Esta avaliação poderia facilitar o diálogo sobre o aconselhamento entre os profissionais e os usuários do SUS, além de possibilitar o direcionamento de informações compreensíveis e com maior alcance com base nas características sociodemográficas, condições de saúde e os EMC para a AF dos usuários da APS18–20,30. Assim, o objetivo deste estudo foi analisar se existem associações entre características sociodemográficas, condições de saúde, EMC e as diferentes estratégias de aconselhamento breve sobre AF recebidas por usuários da APS.

MÉTODO
As informações utilizadas neste estudo fazem parte do projeto “Efetividade de programas comunitários para a promoção da atividade física e redução do comportamento sedentário”14,32. Atendendo a recomendação internacional, o relato do estudo foi desenvolvido a partir dos itens da lista Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology.

Delineamento, local do estudo e aspectos éticos
Entre os meses de abril e outubro de 2019, pré pandemia de COVID-19, foi conduzido um estudo observacional, de delineamento transversal, com abordagem quantitativa de coleta de dados, envolvendo uma amostra representativa de adultos atendidos em todas as Unidades Básicas de Saúde (UBS) da área urbana de São José dos Pinhais, Paraná, Sul do Brasil.

São José dos Pinhais é uma cidade desenvolvida de médio porte localizada na região metropolitana de Curitiba-PR (capital do estado), com área de 946 km² (79% rural); população de 329 mil habitantes; Índice de Desenvolvimento Humano de 0,758 e Índice de Gini de 0,459; os quais são similares as médias nacionais de 0,727 e 0,460; respectivamente33. No ano de 2019, a cidade possuía 413 estabelecimentos de saúde, dos quais 27 eram UBS (56% localizadas na área urbana, n=15). Apesar da maior proporção do território da cidade estar localizado em área rural, 90% da população reside na área urbana. Assim, optou-se por selecionar as 15 UBS localizadas nesta área14,32.

O estudo foi aprovado pelo CEP da PUCPR (parecer #2.882.260/2018) e os participantes foram consultados, esclarecidos sobre a voluntariedade e aceitaram participar da pesquisa mediante a assinatura do termo de consentimento.

Tamanho da amostra e seleção dos participantes
O tamanho da amostra foi estimado com base na média de atendimentos realizados entre os meses de janeiro e fevereiro de 2019 (N=34.275), os quais estavam disponíveis na página “Saúde Transparente”34. Para a representação da amostra, considerou-se a prevalência de aconselhamento sobre AF recebido em UBS35 (30% - com base em revisão da literatura disponível na data do planejamento do projeto, assim como no estudo piloto), nível de confiança de 95%, erro amostral de quatro pontos percentuais e efeito de delineamento de 1,5. O número mínimo de participantes foi estimado em 745 pessoas. Com o acréscimo de 10% para perdas e recusas, estimou-se o mínimo de 820 usuários a serem convidados. No entanto, optou-se por abordar um excedente de 100 pessoas (n=920) para reduzir os erros de estimativa para análises multivariadas em estudos futuros. O tamanho da amostra foi proporcionalmente calculado em função do número de atendimentos em cada UBS, o qual variou entre 31 e 92 usuários.

Somente adultos (?18 anos) foram convidados para participar do estudo. Excluiu-se aqueles que não residiam na cidade, que estivessem na UBS pela primeira vez, apresentassem alguma limitação física que dificultasse ou impossibilitasse a prática de AF no tempo de lazer ou com alguma limitação cognitiva ou fonativa que impedisse a compreensão das perguntas do questionário. No total foram excluídas nove pessoas.

Os participantes foram sistematicamente selecionados com base na posição em que se encontravam na sala de espera das UBS. Os entrevistadores posicionaram-se de frente à porta da UBS para identificar os cinco primeiros indivíduos presentes e, então, contabilizá-los de um a cinco, da esquerda para direita. Desta maneira, o terceiro usuário foi selecionado, abordado e convidado a participar do estudo. Em caso de recusa ou do participante não atender aos critérios de inclusão, foi selecionado a primeira pessoa à esquerda.

Coleta de dados
Dez entrevistadores treinados realizaram as entrevistas face-a-face com os usuários, antes ou após a consulta com os profissionais de saúde, em uma sala individual e reservada para garantir que não houvesse influência externa nas respostas. O tempo médio de aplicação do questionário foi de 18 minutos (±5 min, 9–55 min).

Variável de desfecho
Estratégias de aconselhamento sobre a prática de AF
O aconselhamento breve sobre a prática de AF foi avaliado com base na resposta dicotômica para a questão: Durante o último ano (12 meses), alguma vez que você esteve na UBS, você recebeu algum aconselhamento sobre a prática de AF durante as consultas com algum profissional de saúde? (dicas ou orientações sobre caminhada, exercícios ou esportes para manter ou melhorar a sua saúde) (não, sim). Esta medida foi utilizada em estudos semelhantes e adaptada ao contexto local12,35.

Os usuários que receberam o aconselhamento responderam as questões sobre as estratégias utilizadas pelos profissionais de saúde, as quais foram avaliadas com base no modelo dos 5As (Assess: avaliar/perguntar; Advise: aconselhar; Agree: concordar; Assist: auxiliar; Arrange: organizar)19–21,26,27. Este método foi desenvolvido para identificar o aconselhamento sobre tabagismo; e posteriormente adaptado para outros comportamentos em saúde, como a inatividade fi?sica19,26,27. As questões foram adaptadas e as estratégias de aconselhamento sobre AF, identificadas com resposta dicotômica para oito questões (não, sim)22 independentes (Tabela 2). O número total de estratégias de aconselhamento recebidas foi calculado pela soma das oito opções e classificada em duas categorias (1-3 e ?4 estratégias). Os usuários também reportaram qual profissional realizou e em que momento receberam o aconselhamento (Tabela 2), em que podiam identificar múltiplas opções.

Variáveis independentes (possíveis preditores)
As variáveis independentes foram identificadas e selecionadas com base na revisão da literatura sobre os fatores associados ao aconselhamento breve sobre AF recebido por usuários da APS11,12,14. Estas variáveis estão descritas a seguir.

Características sociodemográficas
O sexo (feminino, masculino) foi identificado com base na observação de características físicas, a idade agrupada em três faixas etárias (18-39 anos, 40-59 anos, ?60 anos) e a situação conjugal classificada em “sem companheiro(a)” (solteiro, divorciado, viúvo) e “com companheiro(a)” (casado, união estável). A cor da pele foi autorreportada, avaliada em cinco categorias (branca, amarela, preta, parda, indígena) e agrupada em branca (branca e amarela) e não branca (preta e parda) para as análises. A escolaridade foi avaliada em cinco opções de ensino (1: analfabeto ou ensino fundamental 1 incompleto, 2: fundamental 1 completo ou fundamental 2 incompleto, 3: fundamental 2 completo ou médio incompleto, 4: médio incompleto ou superior incompleto, 5: superior completo) e, posteriormente, codificadas em três categorias de ensino (fundamental incompleto, fundamental completo, médio completo ou superior). A classe econômica foi avaliada com questionário padronizado36, classificada em sete categorias (A1, A2, B1, B2, C, D, E) e agrupadas em classe inferior (C+D+E) e superior (A+B).

Condições de saúde
O Índice de Massa Corporal (IMC) foi calculado com os dados de massa corporal e estatura autorreportados (massa corporal/estatura2) e classificado em três categorias (baixo peso: ?24,9 kg/m²; peso normal: 25,0-29,9 kg/m²; excesso de peso: ?30,0 kg/m²)37. A presença de morbidades foi avaliada com resposta dicotômica (não, sim) estabelecida pelo diagnóstico médico de hipertensão, diabetes, dislipidemia e doença coronariana4. Os participantes foram classificados em três categorias de acordo com a soma do número de comorbidades apresentadas (0, 1, ?2). Por fim, os entrevistados reportaram o consumo de medicamentos de uso contínuo para doenças crônicas35 e foram classificados em três categorias de acordo com o número de medicamentos (0, 1-3, ?4).

Para caracterizar a amostra, o acesso a serviços de saúde foi estimado com base no número de visitas a UBS nos últimos 12 meses (1-3, 4-7, ?8).

Estágios de mudança de comportamento (EMC) para a prática de AF
Os EMC para a AF realizada no tempo de lazer foi avaliado com questionário padronizado29 e os participantes classificados em cinco categorias com base no algoritmo sugerido28,38: 1) pré-contemplação (não realiza AF regularmente e não pretende fazê-lo nos próximos seis meses), 2) contemplação (não realiza AF regularmente, mas pretende fazê-lo nos próximos seis meses), 3) preparação (não realiza AF regularmente, mas pretende fazê-lo nos próximos 30 dias), 4) ação (realiza AF regularmente, mas há menos de seis meses), e 5) manutenção (realiza AF regularmente nos últimos seis meses ou mais).

O critério para definir “AF regular” foi o de atingir as recomendações estabelecidas pela OMS1,39, há pelo menos seis meses (?150 min/sem de AF de intensidade moderada à vigorosa ou ?75 min/sem de AF de intensidade vigorosa). Foram consideradas apenas as AF intencionais realizadas no tempo de lazer, como atividades recreativas, esportivas ou exercícios físicos29.

Controle de qualidade dos dados
O controle de qualidade dos dados foi assegurado e está descrito em outros estudos14,40.

Análise dos dados
Os dados foram analisados com a distribuição de frequência absoluta e relativa. Utilizou-se a função “select cases” para analisar somente as informações dos participantes que reportaram receber aconselhamento sobre AF. Então, a frequência de cada estratégia de aconselhamento recebida foi determinada entre as categorias das variáveis independentes, as quais foram testadas como possíveis preditores: características sociodemográficas, condições de saúde, EMC. As associações foram analisadas com os testes de qui-quadrado (?2) para heterogeneidade, tendência linear ou exato de Fisher. Utilizou-se o software SPSS 26.0 e o nível de significância foi mantido em 5%.

RESULTADOS
Foram abordados 935 usuários, a taxa de recusa foi de 14% (n=134) e a perda de 2% (n=22), o que resultou em 779 entrevistados. A maior proporção dos participantes era do sexo feminino (69,8%), estavam na faixa etária entre 18-39 anos (45,2%), viviam com companheiro(a) (64,0%), eram de cor de pele branca (73,0%), apresentavam ensino médio completo ou superior (50,5%) e classe econômica inferior (71,2%) (Tabela 1).

Em relação as condições de saúde, 67,3% apresentavam excesso de peso (IMC ?25 kg/m²); 35,9% eram hipertensos; 15,7% diabéticos; 15,9% dislipidêmicos e 6,5% receberam diagnóstico médico de doença arterial coronariana. A maior proporção dos participantes não apresentou comorbidades (54,8%) e consumia um ou mais medicamentos (51,3%). Cerca de seis a cada 10 entrevistados encontravam-se nas etapas iniciais dos EMC para a AF (pré-contemplação, contemplação, preparação – 61,0%) (Tabela 1).

INSERIR TABELA 1

Quarenta e três por cento dos entrevistados relataram ter recebido aconselhamento, em que as estratégias reportadas com maior frequência foram que os profissionais de saúde “comentaram sobre os benefícios da AF” (90,7%) e “perguntaram sobre o nível de AF” (84,2%) (Tabela 2). Cerca de metade dos usuários (51%) recebeu entre 1-3 estratégias de aconselhamento (dados não apresentados em Tabela). O médico foi o profissional mais frequentemente reportado pela realização do aconselhamento (97,3%) e as consultas, o momento mais comum do aconselhamento (98,8%) (Tabela 2).

INSERIR TABELA 2

A prevalência de aconselhamento foi maior entre os usuários classificados nos EMC de preparação, ação e manutenção para a AF (p=0,015) (Figura 1). Entre as pessoas que receberam aconselhamento, o número de estratégias não apresentou associação significante com os EMC (p=0,929) (Figura 2).

INSERIR FIGURA 1

INSERIR FIGURA 2

Em relação a associação entre características sociodemográficas, condições de saúde, EMC e as estratégias de aconselhamento recebidas, o sexo feminino apresentou associação positiva significante com a estratégia dos profissionais em “aconselhar a AF com base nas características individuais” (61,6% versus 49,0%; p=0,033). A “identificação das barreiras para a AF” foi maior entre os usuários classificados nos EMC de pré-contemplação e contemplação (36,7% versus 24,1% e 23,0%; p=0,020). Faixa etária, hipertensão, número de comorbidades e de medicamentos apresentaram consistente associação significante com ao menos 50% (n=4) das estratégias de aconselhamento recebidas (p<0,05) (Tabela 3). Não foram observadas associações significantes entre as variáveis analisadas e as estratégias dos profissionais em “comentar sobre os benefícios da AF” e “perguntar sobre o nível de AF” (p>0,05). Os demais resultados das análises de associações entre as variáveis e as estratégias de aconselhamento breve são apresentados na Tabela 3.

INSERIR TABELA 3

DISCUSSÃO
Este estudo explorou os possíveis preditores das estratégias de aconselhamento breve sobre a prática de AF, recebidas por usuários de UBS no contexto da APS do SUS. Os principais resultados mostraram que as estratégias reportadas com maior frequência foram que os profissionais “comentaram sobre os benefícios da AF” e “perguntaram sobre o nível de AF”. Sexo (feminino) foi associado com a estratégia dos profissionais em “aconselhar a AF com base nas características individuais”; enquanto a “identificação das barreiras para a AF” foi maior entre os usuários classificados nos EMC de pré-contemplação e contemplação. Faixa etária, hipertensão, número de comorbidades e de medicamentos apresentaram consistente associação com ao menos 50% das estratégias de aconselhamento avaliadas.

A abordagem quantitativa utilizada neste estudo permitiu explorar as associações entre características sociodemográficas, condições de saúde, EMC e a prevalência de cada estratégia recebida, em amostra representativa de adultos e idosos. De acordo com a revisão de literatura, não existiam estudos que tivessem explorado a prevalência de estratégias de aconselhamento recebidas por usuários da APS, sendo estes os pontos fortes e inovadores do estudo. As variáveis foram mensuradas com procedimentos padronizados e instrumentos válidos, o que permitirá a comparabilidade com estudos similares.

A ausência de pesquisas semelhantes, que tenham analisado as estratégias de aconselhamento recebidas por usuários da APS, limita a comparação e a discussão dos resultados do presente estudo. No entanto, foram localizadas três pesquisas que identificaram as estratégias de aconselhamento breve sobre AF utilizadas por profissionais de saúde na APS17,22,31. Os dois estudos conduzidos na cidade de Florianópolis-SC apresentaram abordagem quantitativa17,22, enquanto a pesquisa realizada no interior do estado de São Paulo utilizou-se da abordagem qualitativa31. De maneira geral, na percepção dos profissionais, as principais estratégias de aconselhamento utilizadas foram “fornecer informações sobre os benefícios da AF”, “avaliar o nível AF”, “recomendar o tipo da AF”, “identificar as barreiras para a AF” e “oferecer soluções para reduzir as barreiras”. Algumas destas estratégias são semelhantes aos resultados encontrados com base na percepção dos usuários.

No presente estudo, as duas estratégias reportadas com maior frequência relacionam-se com a ação do profissional de saúde em “comentar sobre os benefícios da AF” (90,7%) e “perguntar sobre o nível de AF” (84,2%). Embora a abordagem do presente estudo seja distinta, quando comparada a pesquisa de Florianópolis-SC (percepção dos usuários versus percepção dos profissionais), existe alguma semelhança nos relatos entre os que recebem e os que realizam o aconselhamento17,22. De fato, os benefícios da AF são amplamente divulgados na população pelos meios de comunicação e por profissionais de saúde3, o que pode explicar a elevada prevalência de conhecimento identificada em adultos (81%). Ainda que existam diferenças proporcionais, com associações significantes entre algumas variáveis sociodemográficas e o conhecimento sobre AF, é importante que o aconselhamento breve sobre os benefícios da AF seja amplamente difundido em UBS e na APS3,23. Segundo os princípios da APS no Brasil, não se deve buscar apenas ações curativas e medicamentosas, mas também ações preventivas de promoção da saúde com universalidade, integralidade, equidade41.

As duas estratégias de aconselhamento sobre AF recebidas com maior frequência (“comentar sobre os benefícios” e “perguntar sobre o nível de AF”) não foram associadas a nenhuma das variáveis analisadas. Uma das hipóteses levantada, é que estas estratégias de aconselhamento seriam mais frequentes, por exemplo, em pessoas com maior faixa etária, menor escolaridade e renda, maior número de comorbidades e de medicamentos consumidos, assim como aquelas pessoas classificadas nas etapas iniciais dos EMC (pré-contemplação e contemplação)14,23. De fato, a literatura é ampla ao sugerir que os benefícios da AF deveriam ser reforçados para as pessoas classificadas nestes EMC20,23,27. De maneira semelhante, o aconselhamento sobre as possíveis “soluções para as barreiras” deveria ser mais frequente entre os usuários classificados no EMC de preparação20,23,27. Para que as pessoas pudessem receber as estratégias de aconselhamento adequadas a suas características e necessidades, deveria ser realizada uma triagem que as classifica-se nos EMC, e que esta informação estivesse disponível para os profissionais da saúde responsáveis por realizar o aconselhamento.

Em parte, os resultados do aconselhamento inespecífico, podem ser explicados pelo baixo conhecimento apresentado pelos profissionais na área de “AF e saúde pública”42. A formação universitária continuada, ampliada e a experiência prática na APS poderiam melhorar a qualidade do aconselhamento oferecido à população. Por exemplo, profissionais com especialização em saúde pública apresentam 3,7 maior chance de realizar aconselhamento sobre AF13. Ainda, é importante ressaltar que o aconselhamento pode ser considerado como toda e qualquer informação ofertada ao usuário.

Em relação as variáveis sociodemográficas, a faixa etária >60 anos foi positivamente associada a 50% das estratégias de aconselhamento recebidas (1: recomendações sobre AF, 2: aconselhamento com base em características pessoais, 3: identificação de barreiras; e 4: solução para a redução das barreiras). Estes resultados são consistentes com as evidências que reportam maior aconselhamento sobre AF recebido por idosos12,14. O maior número de estratégias recebidas por idosos é um aspecto positivo, uma vez que este subgrupo populacional é mais exposto a inatividade física, especialmente em países de menor renda como o Brasil4,5. De maneira geral, as barreiras para a AF mais reportadas por usuários da APS relacionam-se com a percepção de cansaço e a falta de tempo40. No entanto, os idosos reportam comumente barreiras como a presença de lesões ou doenças, medo de lesionar-se durante a AF e sentir-se muito velho para a prática40. Neste sentido, a maior atenção dos profissionais de saúde, com a utilização de diferentes estratégias de aconselhamento, poderia estimular ou facilitar a prática de AF por idosos30.

Hipertensão, número de comorbidades e de medicamentos consumidos apresentaram associação positiva com ao menos 50% das estratégias de aconselhamento recebidas. Estes resultados são esperados e configuram-se como um aspecto positivo, especialmente na APS em que as principais barreiras para a AF são as condições de saúde40. De fato, é necessário direcionar maior atenção às pessoas com comorbidades, uma vez que as barreiras associadas a estas condições podem afetar negativamente a AF, especialmente aquelas realizadas no tempo de lazer30,43.

O modelo transteorético é utilizado para direcionar intervenções comportamentais em saúde, como a AF, o qual indica quais são as ações mais adequadas para cada pessoa de acordo com o EMC em que se encontra19–21,23,28. Embora os EMC sejam, possivelmente, uma das variáveis mais importantes para o direcionamento de diferentes estratégias de aconselhamento, este preditor foi associado com apenas duas (25%) das estratégias recebidas (“identificação das barreiras” e “identificação do início da prática de AF”). A associação inversa verificada entre as pessoas classificadas nos estágios de pré-contemplação e contemplação e a identificação das barreiras é preocupante, uma vez em que neste EMC é esperado que os profissionais de saúde utilizassem o aconselhamento de maneira imparcial, com a intenção de abordar os usuários em futuras consultas, além de destacar os benefícios relacionados ao início da prática de AF19–21,23. Apesar das estratégias utilizadas serem inadequadas ao estágio comportamental, receber qualquer aconselhamento poderia estimular o início de alguma AF14,30. Percebe-se que, possivelmente, os profissionais não conheciam o EMC dos usuários, tampouco a estratégia de aconselhamento mais adequada a ser utilizada com base nessa classificação.

No Brasil, a prevalência do aconselhamento realizado por profissionais que atuam na APS é elevada e varia entre 50-86%11–13. No entanto, a qualidade da informação utilizada durante o aconselhamento é um dos aspectos mais relevantes, quando comparada ao número de estratégias utilizadas42. Isso reforça a necessidade de que os profissionais da APS sejam capacitados, com conteúdos da área de “epidemiologia, AF e saúde pública”, para melhorar competências específicas para que o aconselhamento adequado e de qualidade seja efetivo para a promoção da AF18,27,42,44,45. Também, é importante o domínio de instrumentos, metodologias e estratégias de aconselhamento adequadas ao perfil sociodemográfico, condições de saúde e EMC19–21,23,25,27. Os documentos do Ministério da Saúde, “Guia de AF para a População Brasileira”39 e “Guia de Orientação sobre Aconselhamento Breve sobre AF na APS no SUS”46, apresentam recomendações sobre AF e a implementação do aconselhamento no atendimento individual e em grupo, o que facilitaria estas ações.

Os resultados do presente estudo, com a baixa especificidade das estratégias de aconselhamento recebidas de acordo com as características sociodemográficas, condições de saúde e EMC, reforçam a necessidade e a relevância do profissional de Educação Física como parte da equipe da APS. Os usuários aconselhados pelos demais profissionais de saúde para iniciar ou aumentar a AF, poderiam recorrer ao especialista para obter informações sobre as atividades com base no EMC (frequência semanal, intensidade, tempo e tipo das atividades)47. Ainda, o aconselhamento poderia ser direcionado para estimular o deslocamento ativo ou reduzir o comportamento sedentário30,48,49, a depender de aspectos sociodemográficas, condições de saúde e de AF de cada usuário da APS. O profissional de Educação Física também poderia incentivar a capacitação e a educação continuada durante as reuniões de equipe da UBS47.

Ao menos cinco limitações devem ser consideradas, inerentes ao contexto, para a adequada interpretação e extrapolação dos resultados deste estudo. Primeiro, a amostra foi delimitada a usuários adultos e idosos de UBS da área urbana de uma cidade de médio porte do sul do Brasil. Estas unidades não contavam com profissionais de Educação Física em suas equipes de saúde, o que pode, em parte, afetar a percepção dos usuários sobre as estratégias de aconselhamento recebidas. Segundo, a percepção sobre o aconselhamento pode ter sido afetada pelo viés de memória dos participantes, sobretudo entre os idosos, além de que os usuários podem não reconhecer as informações como uma orientação profissional, mas apenas como uma dica mais informal sem base técnica. Terceiro, a prevalência de morbidades referidas foi elevada, comparada a inquéritos que utilizaram questões semelhantes (ex.: Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico – VIGITEL4). Esta característica pode ser atribuída ao contexto do estudo, em que a maior proporção de pessoas com doenças procura os serviços de saúde. Quarto, a abordagem quantitativa, com a utilização de um questionário curto e padronizado para avaliar as estratégias do aconselhamento breve recebido, não possibilitou explorar com profundidade os aspectos interpessoais, os quais são relevantes para a implementação de programas de AF na comunidade. Assim, não foi possível capturar informações contextuais que atribuíssem sentido, significado ou sentimentos relacionados as estratégias de aconselhamento recebidas, o que somente seria possível com os recursos da abordagem qualitativa ou mista de pesquisa. Por fim, devido a ausência de temporalidade ocasionada pelo delineamento transversal, recomenda-se cautela na interpretação dos resultados, sem maior pretensão de estabelecimento de relações causais.

CONCLUSÃO
As estratégias de aconselhamento sobre AF recebidas com maior frequência foram “receber informações sobre os benefícios da AF” e a “avaliação do nível de AF”. A prevalência de diferentes estratégias de aconselhamento diferiu de acordo com algumas características sociodemográficas (sexo, faixa etária, situação conjugal, cor da pele), condições de saúde (tipo e número de comorbidades e medicamentos) e EMC.

As análises com usuários de UBS podem auxiliar na compreensão sobre como as características individuais estão associadas ao aconselhamento sobre AF recebido pela população. Os resultados deste estudo fornecem insights importantes, os quais poderiam ser considerados no planejamento, implementação, condução e manutenção de ações integradas com o aconselhamento sobre AF na APS. As estratégias de aconselhamento devem ser adequadamente direcionadas de acordo com as características sociodemográficas, condições de saúde e o EMC dos usuários. As ações com aconselhamento devem ser implementadas de acordo com as diretrizes da APS, sendo coerente com as ferramentas e as estratégias como o cuidado compartilhado, a abordagem interprofissional e os projetos terapêuticos singulares. Ainda, é importante considerar a visão ampliada de saúde e de AF, a qual considera para além dos seus benefícios, as possíveis estratégias de identificação e solução às barreiras que limitam a sua prática pela população. Futuros estudos poderiam avaliar a efetividade do aconselhamento realizado por profissionais capacitados, utilizando-se de protocolo técnico com base em evidências, na promoção da AF dos usuários da APS.

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Sposito, L. A. C, Santos, L. P., Silva, A.T, Guerra, P.H, Loch, M. R., Rech, C.R, Rodriguez-Añez, C. R., Fermino, R.C. Estratégias de aconselhamento sobre atividade física recebidas por adultos na Atenção Primária à Saúde. Cien Saude Colet [periódico na internet] (2024/jul). [Citado em 22/12/2024]. Está disponível em: http://cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/estrategias-de-aconselhamento-sobre-atividade-fisica-recebidas-por-adultos-na-atencao-primaria-a-saude/19314?id=19314&id=19314

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