0235/2025 - Estudo bibliométrico do acervo de resenhas publicadas na revista Ciência & Saúde Coletiva de 1996 a 2024: reflexões e desafios
Bibliometric study of the collection of book reviews published in the journal Ciência & Saúde Coletiva from 1996 to 2024: reflections and challenges
Autor:
• Adalgisa Peixoto Ribeiro - Ribeiro, AP - <adalpeixoto@yahoo.com.br>ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9415-8068
Coautor(es):
• Júlia Clétilei Magalhães da Silva - Silva, JCM - <juliacletilei@gmail.com>ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2993-4934
• Graziella Lage Oliveira - Oliveira, GL - <grazilage.oliveira@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3387-3583
Resumo:
Este artigo objetiva identificar e caracterizar o acervo de resenhas no periódico Ciência & Saúde Coletiva. Foi realizado um estudo bibliométrico, que incluiu todos os artigos classificados como resenha, publicados no período de 1996 a 2024. Foram identificadas 328 resenhas, representando 4% das publicações da revista, as quais foram analisadas quanto a autoria, filiação institucional, obras resenhadas, número de citações, visualizações, menções em redes sociais e temas abordados. Observou-se crescimento progressivo na publicação e citação das resenhas, com destaque para temas como saúde pública, políticas sociais, violência, gênero, racismo e saúde mental. Apesar da predominância de autores do Sudeste, constatou-se diversidade institucional e temática. A análise também revelou lacunas, como a ausência de discussões sobre inteligência artificial, mudanças climáticas, decolonialidade entre outros. O estudo destaca a relevância das resenhas como instrumento de difusão crítica do conhecimento na saúde coletiva e sugere aprimoramentos nas políticas editoriais para ampliar sua visibilidade e impacto científico.Palavras-chave:
resenha crítica, saúde coletiva, produção intelectual, estudos bibliométricosAbstract:
This article aims to identify and characterize the collection of reviews in the journal Ciência & Saúde Coletiva. A bibliometric study was carried out, which included all articles classified as reviews, published between 1996 and 2024. A total of 328 reviews were identified, representing 4% of the journal's publications, which were analyzed in terms of authorship, institutional affiliation, reviewed works, number of citations, views, mentions on social networks and topics covered. A progressive increase in the publication and citation of reviews was observed, with emphasis on topics such as public health, social policies, violence, gender, racism and mental health. Despite the predominance of authors from the Southeast, institutional and thematic diversity was found. The analysis also revealed gaps, such as the absence of discussions on artificial intelligence, climate change, decoloniality, among others. The study highlights the relevance of reviews as an instrument for the critical dissemination of knowledge in public health and suggests improvements in editorial policies to increase their visibility and scientific impact.Keywords:
critical review, public health, intellectual production, bibliometric studiesConteúdo:
As resenhas críticas constituem um importante gênero da comunicação científica, por meio do qual, obras recém-publicadas (compostas majoritariamente por livros, mas não se restringindo a eles) são apresentadas, analisadas e discutidas. Tal análise é realizada a partir dos referenciais teóricos da área de conhecimento do tema da obra e das experiências de quem se propõe a elaborá-la. Este gênero textual está presente em revistas científicas de distintas áreas, incluindo a Saúde Coletiva, contribuindo para a difusão crítica do conhecimento e dos temas emergentes nos contextos históricos de cada área.
Assim como afirma Moreira1, a resenha crítica gera um círculo virtuoso em que o autor da obra resenhada, a própria obra e o leitor/autor da resenha alcança outros possíveis leitores a partir da conquista, da inquietação e do desejo que seu texto crítico é capaz de despertar.
Para o autor que se propõe a realizar uma resenha crítica, é necessário conhecimento e maturidade intelectual para estabelecer comparações, avaliar e apresentar argumentos críticos2. O gênero textual resenha, segundo Paiva e Duarte2 é produção variável que suscita em seus leitores a geração de imagens sociais sobre determinado assunto/obra e, como texto sucinto, possui duas características essenciais: informação e opinião. A informação, neste caso, se refere às características da obra resenhada e os temas abordados. A opinião, por sua vez, se alinha com a crítica do autor que se propõe à sua produção. Neste último quesito, as revistas científicas da área da Saúde Coletiva/Saúde Pública, esperam que os artigos desse gênero apresentem análise do campo de conhecimento, diálogo com conceitos e autores da área a partir das abordagens da obra e, quando for o caso, até mesmo uma breve referência ao “estado da arte” para embasar sua análise crítica1.
Apesar de ser um dos tipos de artigos aceitos nos periódicos científicos, as resenhas têm recebido menos atenção em estudos que analisam a produção científica. Revisitar um acervo editorial dessas publicações ao longo do tempo permite compreender dinâmicas de recepção bibliográfica, perfis autorais e direções temáticas de determinada área do conhecimento.
Especificamente na área de Saúde Coletiva, um importante veículo de comunicação científica, que também acolhe e publica resenhas, é a revista Ciência & Saúde Coletiva. A revista iniciou suas publicações em 1996 e, em sua configuração inicial, publicava um número a cada semestre, de 2002 a 2006 apresentou números trimestrais, de 2007 a 2010 números bimensais e a partir de 2011 passou a realizar a publicação com periodicidade mensal. Seus números incluem artigos temáticos, artigos de tema livre, artigos para as seções editorial, revisões, opinião, cartas e resenhas, estas últimas compondo um acervo significativo ao longo de seus quase 30 anos de existência.
Considerando a lacuna existente de estudos focados em analisar as publicações sobre resenhas críticas e a importância que as mesmas possuem para diversas áreas do conhecimento, este artigo visa identificar e caracterizar o acervo de resenhas publicadas na revista Ciência & Saúde Coletiva, no período de 1996 a 2024.
Este período abrange 28 anos de resenhas publicadas neste periódico desde sua criação e pode lançar luz sobre os temas mais discutidos e que foram objeto de interesse de renomados pesquisadores no Brasil e em outros países e indicar novos caminhos.
Métodos
Trata-se de um estudo bibliométrico que realizou uma análise de todas as resenhas publicadas no periódico Ciência & Saúde Coletiva, desde seu 1º número em 1996 até o último de 2024.
Todos os artigos classificados como resenhas foram catalogados a partir da Scientific Electronic Library Online (Scielo) e incluídos em uma planilha do Microsoft Excel que continha as seguintes informações: ano de publicação, autor(es), instituição do(s) autor(es), informações sobre a publicação (número, volume, título), informações sobre o livro objeto da resenha (título, ano, editora, país da editora, idioma de publicação), número de citações, quantidade de visualizações completas (full text views), quantidade de leituras completas (captures/readers), menções em mídias sociais (foram contabilizadas as mídias sociais Facebook e X) e palavras-chave da resenha. Para este último aspecto, considerando que na submissão das resenhas, diferentemente de outros tipos de artigos, não se exige a descrição das palavras-chaves, foi necessário definir os termos. Para isso, realizou-se a leitura de todas as resenhas com o objetivo de extrair as palavras-chave mais adequadas ao texto produzido, não à obra resenhada.
As análises foram realizadas utilizando os programas Excel 365, WordClouds e QGIS na sua versão 3.40.6. Foram realizadas análises bibliométricas que incluíram análises descritivas, mapa de localização das instituições de origem dos autores e nuvem de palavras.
Resultados
No período analisado foram identificadas 328 resenhas, o que representa 4% do total de artigos publicados pela revista Ciência & Saúde Coletiva no período de 1996 a 2024 (n= 8.237 publicações).
Na Figura 1 é possível observar a progressão do número de resenhas publicadas e a quantidade de citações por ano. Nos primeiros quatro anos de existência (1996-1999), foram publicadas em média 4 resenhas por ano, passando para 9,9 entre 2000-2009 e chegando a 14,8 resenhas por ano entre 2010-2019. Entre 2020-2024 a média de resenhas publicadas por ano foi de 13, indicando a possibilidade de que, ao final do período compreendido entre 2020-2029 este número seja igual ou superior ao observado na última década. Em 2025, até o 5º número do volume 30, não havia sido publicado nenhum artigo classificado como resenha. O número de citações dos trabalhos seguiu comportamento semelhante ao do número de resenhas publicadas, mostrando um aumento desde o primeiro ano editorial, com maiores picos de citação nos anos de 2004 (n=313), 2005 (n=427), 2012 (n=522) e 2022 (n=728).
Fig.1
A análise das citações recebidas mostrou que o número total de citações do conjunto de resenhas foi de 3.462, com uma média de 10,6 citações por artigo. A maioria das resenhas recebeu pelo menos uma citação (n=193, 58,8%) e a média de citações de cada resenha por ano variou de 0,5 em 1996 a 60,7 em 2022. Entre os 135 artigos que não receberam citações, 20% (n=27) foram publicados nos últimos três anos da série analisada e 31,1% (n=42) foram publicadas até o ano de 2005 (dados não mostrados em tabelas/figuras).
Os dez trabalhos mais citados incluem resenhas de 2003 até 2022, sendo que o trabalho que ocupa a décima posição obteve 70 citações e trata sobre o tema da morte, e a primeira posição é de uma resenha publicada em 2022 que tratou sobre prevenção de doenças em aeroportos e síndrome respiratória aguda grave, com 681 citações (Quadro 1).
Quadro 1
Na Figura 2 é possível observar o número de citações e a quantidade de textos lidos por completo (full text views), salvos para leitura posterior (captures/readers) e marcados ou mencionados em mídias sociais (Facebook e X). Observa-se que, mesmo nos anos em que as resenhas tiveram número pequeno de citações, houve grande volume de salvamentos dos textos (em torno de 1.200 em 2004 e 1.150 em 2013) e alto número de leitura completa dos artigos, com os maiores picos girando em torno de 350 mil em 2005, 330 mil em 2007, 400 mil em 2009, alcançando 410 mil em 2012. Menções em redes sociais como Facebook e X foram mais evidentes em 2004 (83 menções), 2015 (77 menções), 2017 (131 menções) e 2023 (101 menções).
Fig.2
Outro aspecto interessante a ser observado na análise das resenhas publicadas diz respeito aos temas abordados pelos trabalhos. A Figura 3 apresenta a nuvem de palavras extraídas das palavras-chave das resenhas. O tamanho das palavras reflete a frequência de ocorrência dos termos, destacando os focos temáticos encontrados no conjunto de publicações: quanto maior a palavra, maior o número de vezes em que foi mencionada. Observa-se a predominância de termos como saúde, saúde pública, políticas públicas, violência, trabalho, ciências sociais, violência, gênero, saúde coletiva, epidemiologia, antropologia e SUS, indicando a centralidade de temas estruturantes do campo da saúde pública/coletiva. Observam-se também termos relacionados a importantes ferramentas e princípios na saúde coletiva e ciências sociais como: métodos, pesquisa qualitativa, avaliação, etnografia e ética. Os termos gênero, violência, racismo e trabalho revelam a importância dos debates sobre os determinantes sociais na saúde e a necessidade de análises críticas ancoradas nas ciências sociais e humanas em saúde.
Fig.3
Além da diversidade de temas abordados pelas resenhas, é interessante observar que grande parte dos livros resenhados são provenientes de editoras brasileiras (dado não mostrado em tabela/figura). Chama a atenção que quase a totalidade das editoras dos livros fora do Brasil que foram objeto das resenhas situa-se na América do Norte (Estados Unidos da América, Cuba, Canadá e México), embora também tenham sido resenhados livros de editoras européias (Áustria, Espanha, França, Países Baixos, Reino Unido e Suíça) e asiáticas (Singapura e índia). Em relação aos livros resenhados, preponderaram os escritos em português (81,8%), seguidos pelos de língua inglesa (14%), de língua espanhola (3%) e francesa (1,2%). Do total de resenhas analisadas, 69,8% (N=229) tiveram apenas um autor responsável (dados não mostrados em tabela/figura).
No que se refere à abrangência da revista e o reconhecimento pelos pares, ilustrado pelo número de diferentes instituições dos autores das resenhas, observa-se uma diversidade de filiações institucionais. Embora apenas 3,7% das 328 resenhas publicadas, tenham como autor principal um pesquisador(a) de instituição estrangeira (localizados na Argentina, Canadá, Espanha, França, Londres, México e Portugal), observa-se uma diversidade de instituições dentro do Brasil. A maior parte dos autores (n=316) que publicaram no período analisado estão filiados a instituições que em sua maioria se localizam na região Sudeste, seguida por instituições do Nordeste, Centro-Oeste, Sul e do Norte do Brasil (Figura 4).
Fig.4
Discussão
O presente artigo apresenta uma análise bibliométrica do conjunto de artigos classificados como resenhas, publicados pela revista Ciência & Saúde Coletiva, no período de 1996 a 2024, como parte de um número temático de comemoração dos 30 anos da revista. O objetivo do presente artigo foi identificar e caracterizar o acervo de resenhas publicadas no intuito de tecer reflexões e apontar alguns desafios desse tipo de publicação científica.
Um dos principais resultados deste estudo foi a identificação de que houve um aumento gradual do número de resenhas publicadas desde o primeiro ano editorial da revista. Este fato reflete o engajamento dos autores que se propõe, espontaneamente, a construir um artigo de resenha crítica e do corpo editorial (editor associado e editores convidados para números temáticos), que algumas vezes realiza convites para esta tarefa. É importante ressaltar que, mesmo com a possibilidade de eleger livros e temas emergentes na área da saúde coletiva, nem sempre os convites aceitos se transformam em resenhas publicadas, pois alguns não chegam a ser submetidos para avaliação editorial. Além disso, este resultado pode representar um aumento no reconhecimento pelos autores do potencial das resenhas na divulgação científica.
Embora as resenhas sejam artigos com autoria reconhecida, há editores que os consideram como um trabalho não citável. No entanto, como se observa na presente análise, o número de citações das resenhas publicadas em Ciência & Saúde Coletiva evoluiu ao longo dos quase 30 anos de existência da revista, indicando que essas produções possuem relevância científica, são fonte de consulta e subsidiam outras produções na área. Estudos bibliométricos sobre temas afeitos à saúde coletiva mostram que os índices de citação encontrados para as resenhas no presente estudo são semelhantes ou até mesmo superiores, considerando os três mais citados, cujos valores oscilaram entre 332 e 681 citações. Bizarria et al.,3 em sua pesquisa sobre políticas de saúde pública para a juventude, com buscas na coleção principal da Web of Science, identificaram que o artigo mais citado nesse tema, publicado no ano de 2007, alcançou 126 citações (555 a menos que a resenha mais citada na presente pesquisa). Outro estudo bibliométrico sobre inquéritos de saúde bucal e cárie, que levantou artigos publicados entre os anos de 2010 e 20214, destacou que o mais citado, foi publicado no American Journal of Public Health em 2011, com 263 citações, ou seja, menos da metade do mais citado na presente análise.
Para além das citações, é interessante observar que, mesmo não citados, os trabalhos publicados obtiveram um número expressivo de leituras e visualizações, o que reforça a ideia do alcance de novos leitores para as obras emergentes. Este resultado pode ser observado pelo crescimento no interesse da comunidade científica por resenhas no período estudado, refletido pelos altos índices de salvamento para leitura posterior e de leitura completa deste tipo de publicação.
Outro aspecto importante diz respeito ao aumento no número de menções em redes sociais, como Facebook e X (antigo Twitter), a partir de 2003, o que tem sido chamado de “altmetrics” ou métricas alternativas. De acordo com Barros5, as métricas alternativas podem ser definidas como a utilização de medidas de impacto acadêmico baseadas em atividade de ferramentas e ambientes online, sendo encaradas como um subconjunto da webometria e da cientometria. De acordo com Rezende & Drummond6, esta tem sido uma forma alternativa de identificar o impacto das publicações científicas, em termos de visibilidade e alcance, e incluem a menção dos trabalhos em plataformas de redes sociais tanto acadêmicas (Academia.edu, Mendeley, ResearchGate) quanto não acadêmicas (Instagram, Facebook, Twitter, Youtube). É interessante notar que o aumento no número de menções recebidas pelas resenhas nas redes sociais pode significar a ampliação do conhecimento não apenas entre os pares, considerando o mundo acadêmico, mas também a popularização da ciência entre o público leigo, que lê, compartilha e comenta os resultados observados.
Diferentemente dos demais tipos de artigos, observou-se que as resenhas frequentemente são produzidas por autores únicos ou por coautores de uma mesma instituição, o que impossibilitou a realização de análises mais amplas de redes de colaboração interinstitucionais, característica bastante valorizada em estudos bibliométricos3,4,7,8. A maioria dos autores das resenhas publicadas na Ciência & Saúde Coletiva são de instituições localizadas no Sudeste, mesma região onde se situa a Associação Brasileira de Saúde Coletiva, mantenedora da revista. Houve poucos autores de instituições da Região Norte e Sul do Brasil, o que pode ser parcialmente explicado pela forte concentração de programas de pós-graduação, recursos humanos e recursos financeiros em determinadas áreas do país.
De acordo com estudo realizado por Sidone et al.,9 que buscou compreender como estavam as publicações e redes de colaboração científicas brasileiras no período compreendido entre 1992 e 2009, as Regiões Sudeste e Sul concentravam entre 2007 e 2009 mais de três quartos do total de publicações, seguidos pela região Nordeste (15%) e pelas regiões Centro-Oeste e Norte, que não atingiram 10% do total nacional, conjuntamente. Entre as explicações para esta concentração nas Regiões Sudeste e Sul, os autores apontaram principalmente as acentuadas disparidades na distribuição dos recursos científicos e tecnológicos, com a concentração de universidades e institutos de pesquisa historicamente consolidados nessas regiões, além de maior disponibilidade de recursos humanos e financeiros com a presença de grandes agências de fomento à pesquisa (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - Fapesp, CNPq, Capes, Financiadora de Estudos e Projetos - Finep, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais - Fapemig). Apesar da maior concentração de publicações de pesquisadores vinculados a instituições do Sudeste, os autores também apontaram uma retração na disparidade deste número, considerando o período analisado (que eles dividiram em triênios), com aumento de cerca de 6% para o Sul e Nordeste, mostrando que estas regiões têm avançado no aumento de suas publicações e redes de colaboração9. É provável que esta disparidade ainda repercuta até os dias atuais, mesmo que em menor escala que no período investigado pelos autores, o que pode contribuir para os dados observados no presente estudo.
As resenhas publicadas nestes quase 30 anos da revista mostraram uma diversidade de temas e assuntos trabalhados, sendo as políticas públicas, a saúde pública, os cuidados em saúde e os temas relacionados às ferramentas de pesquisa (quantitativa e qualitativa) os mais abordados. De forma transversal, os trabalhos analisados (1996 a 2024) mostram como a saúde coletiva evoluiu e tem abordado temas emergentes e como diferentes determinantes sociais impactam a saúde de grupos populacionais, colocando em evidência conceitos importantes das ciências sociais. Neste sentido, temas como racismo, violência e trabalho estiveram em destaque nas resenhas publicadas trazendo para a discussão a importante relação entre eles, aspecto muito abordado pelos estudos sobre interseccionalidade10,11.
Questões relacionadas ao gênero e suas nuances, como as masculinidades, por exemplo, também estiveram entre os temas explorados pelas resenhas. A contribuição da Ciência & Saúde Coletiva na abordagem de aspectos relacionados ao gênero e sua interface com a saúde já foi abordada por Villela et al.,12 em um estudo que buscou compreender historicamente a abordagem do tema ao longo dos primeiros 25 anos da revista. Os autores concluem pelo protagonismo da revista em relação a temas, com discussões inovadoras, edições temáticas e editoria específica sobre gênero, o que amplia a oferta e o acolhimento de trabalhos na área. Talvez estes aspectos observados nos artigos também se apliquem às resenhas e expliquem a quantidade de resenhas que abordaram este tema.
Outro assunto relevante e muito atual diz respeito à saúde mental, que também merece destaque no conjunto de trabalhos analisados. Embora o tema esteja presente no campo da saúde coletiva desde os escritos de Foucault13, com a obra “História da Loucura na Idade Clássica”, que tem mais de 60 anos de publicação (1961) e teve grande repercussão principalmente com a reforma psiquiátrica brasileira, cabe observar que foi a partir da crise sanitária de 2020, a pandemia de COVID-19, que este tema ganhou maior notoriedade e maior discussão no campo da saúde e do trabalho. De acordo com Campos et al.,14, em análise sobre as publicações da área, a discriminação e o estigma relacionados à saúde mental têm aumentado desde 2009 e, embora exista uma política pública implantada no país, com uma consolidada Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), a assistência comunitária ainda encontra alguns entraves relacionados ao estigma e ao preconceito, tanto da população quanto das instiuições e de seus atores. Outros aspectos relacionados à saúde mental se referem ao cuidado às pessoas com problemas relacionados às drogas, que ainda seguem com menor número de abordagem pelos pesquisadores14. Desta forma, identificar a proeminência deste tema nas resenhas analisadas mostra como a área de saúde mental pode ser profícua no campo da Saúde Coletiva e como segue constituindo-se como um relevante tema a ser discutido.
Para além das questões positivas relacionadas aos temas abordados pelas resenhas, a partir das palavras chaves, também foi possível identificar lacunas e desafios para a produção de resenhas críticas na saúde coletiva. Foram observados poucos ou nenhum trabalho abordando temas como: inteligência artificial e sua interface com a saúde, mudanças climáticas e os impactos na saúde coletiva, decolonialidade, acidentes envolvendo diversos grupos de trabalhadores, mídias/redes sociais e violência, odontologia social, migrações forçadas e refugiados de guerra, entre outros.
Embora o presente trabalho tenha evidenciado o grande potencial e reconhecimento das resenhas como importantes fontes de disseminação de conhecimento, ficou notória a dificuldade em se realizar estudos bibliométricos com este tipo de produção científica. Para realizar análises bibliométricas e manipular dados científicos, é necessário instalar alguns pacotes complementares no software R, por exemplo, com a finalidade de fornecer funções e recursos adicionais ao programa. Sendo assim, após a instalação do pacote “Bibliometrix”, que é o principal pacote utilizado nas análises bibliométricas, carrega-se o “Biblioshiny”, que consiste em uma extensão web dos principais recursos do “Bibliometrix”. Sua finalidade é melhorar a visualização dos dados gerados, por meio de uma interface interativa. Esta extensão capta as informações armazenadas em plataformas web, via Scopus, por exemplo, e isso possibilita que as análises bibliométricas sejam realizadas15. A revista Ciência & Saúde Coletiva encontra-se na plataforma da SciELO, que integra a plataforma da Scopus. No entanto, as resenhas não têm suas dimensões inseridas nesta plataforma, o que impossibilitou o estudo de redes e interconexões de produções e autorias.
Talvez esta tenha sido a maior limitação do estudo, visto que ao se realizar a busca de dados pelos métodos tradicionais, na biblioteca Scopus, não foi possível encontrar as resenhas no formato de leitura “bib”, que comumente é utilizado por programas estatísticos como o R para este tipo de análise. A ausência de palavras-chave nas resenhas também foi um importante dificultador deste tipo de análise, visto que para viabilizar a composição do banco de dados para o presente estudo, foi necessário acessar individualmente o texto completo de todas as resenhas para extrair essas informações.
Não foram encontrados trabalhos que fizessem análises semelhantes considerando as resenhas críticas, muito provavelmente pelas dificuldades aqui apontadas.
Considerações finais
O estudo bibliométrico do acervo de resenhas críticas publicadas nos quase 30 anos da revista Ciência & Saúde Coletiva, possibilitou revelar a relevância e a diversidade dessa produção no âmbito da saúde coletiva. Foi possível ainda, trazer à luz um tipo de comunicação científica muitas vezes desvalorizada, mas que mostra grande potencial para divulgação e debate, a partir da produção crítica do leitor/autor, sobre os temas emergentes para o campo de conhecimentos.
Vale a pena reafirmar que as resenhas podem ser mais importantes como instrumento de divulgação científica do que os periódicos científicos acreditam e têm um potencial grande na disseminação de informações e popularização de livros, já que analisa, critica e traduz seu conteúdo aos demais leitores, principalmente entre a comunidade em geral. Nesse sentido, advoga-se por maior atenção dos periódicos da saúde coletiva, no sentido de incluir em suas políticas editoriais, a possibilidade de obtenção de parâmetros semelhantes às demais publicações de artigos científicos nas bibliotecas de acesso à produção. A obrigatoriedade de uma breve apresentação da resenha, acompanhada de palavras-chave seria um avanço inquestionável para tornar mais visível a potente produção desse conjunto de trabalhos. Essas medidas poderiam facilitar as buscas para futuros estudos bibliométricos. Recomenda-se ainda o estímulo à produção de resenhas críticas que contemplem temas identificados como ausentes e uma diversidade de autores com expertises e filiações amplas por meio desse potente instrumento de comunicação científica.
Mesmo com as limitações destacadas no presente artigo, que se alinham às políticas editoriais, mas também às métricas usadas para os artigos do tipo resenha, observa-se o vigor de Ciência & Saúde Coletiva como um veículo promissor e protagonista para o acolhimento e a divulgação científica de obras relevantes e temas emergentes.
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