0241/2025 - Informação e Comunicação na Ciência & Saúde Coletiva
Informação e Comunicação na Ciência & Saúde Coletiva
Autor:
• Janine Miranda Cardoso - Cardoso, JM - <janinecardoso.fiocruz@gmail.com>ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7862-2369
Coautor(es):
• Kizi Mendonça de Araújo - Araújo, KM - <kizi.araujo@fiocruz.br>ORCID: http://orcid.org/0000-0002-9378-3299
• Ricardo Antunes Dantas de Oliveira - Oliveira, RAD - <ricardo.dantas@icict.fiocruz.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0144-7288
Resumo:
O artigo tem como objetivo caracterizar os artigos publicados na Editoria de Informação e Comunicação da Revista Ciência & Saúde Coletiva na última década. O corpus da análise, definido a partir dos registros fornecidos pela plataforma ScholarOne Manuscripts, é constituído por 28 artigos. Após a sistematização de variáveis quantitativas, a leitura dos artigos permitiu a identificação dos temas e abordagens teórica-metodológicas específicas. Já a análise privilegiou as interseções disciplinares no território da Saúde Coletiva. Entre os resultados, são destacados a presença de temas com longo histórico de problematização e daqueles característicos do tempo presente, reveladores da crescente interseção propiciadas pelas áreas afins à editoria, a exemplo da dramática experiência da pandemia de Covid-19. Esta articulação indica, simultaneamente, a complexidade dos desafios sociais, culturais, políticos, econômicos e sanitários a serem enfrentados, mas também o avanço da pós-graduação lato e stricto sensu e da pesquisa interdisciplinar no campo da Saúde Coletiva. Concluímos que este crescimento afirma o potencial da Informação e Comunicação em Saúde e aponta para o incremento de sua presença na Ciência & Saúde Coletiva.Palavras-chave:
Sistema Único de Saúde, Pesquisa Interdisciplinar, Política PúblicaAbstract:
This article aims to characterize the articles published in the Information and Communication section of the Revista Ciência & & Saúde Coletiva over the last decade. The corpus for analysis, defined using records provided by the ScholarOne Manuscripts platform, consists of 28 articles. After systematizing quantitative variables, reading the articles allowed the identification of themes and specific theoretical-methodological approaches. The analysis privileged disciplinary intersections within the field of Collective Health. Among the results highlighted are the presence of themes with a long history of problematization alongside those characteristic of the present time, which reveals the growing intersection of the areas brought together in this associated editorship such as the dramatic experience of the COVID-19 pandemic. This articulation simultaneously indicates the complexity of the social, cultural, political, economic and health challenges to be faced, as well as the advancement of interdisciplinary lato sensu and stricto sensu postgraduate programs in the area of Collective Health. We conclude that this growth affirms the potential of Information and Communication in Health and points to the increase of its presence in Ciência & Saúde ColetivaKeywords:
Unified Health System, Interdisciplinarity Research, Public PolicyConteúdo:
Introdução
A interdisciplinaridade constitutiva da Saúde Coletiva está na base do surgimento e história da Associação de Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e de sua Revista Ciência & Saúde Coletiva. É expressa na complexa rede de atores, temas, questões e articulações teórico-metodológicas envolvidas no processo saúde-doença, assim como na diversidade de linhas de atuação profissional e de frentes de luta política envolvida em seu projeto ético-político.
Neste campo, Informação e Comunicação em Saúde deixam de serem vistas apenas como ferramentas e se afirmam como eixos estruturantes capazes de potencializar as ações e os resultados técnicos, científicos e políticos da Saúde Coletiva. A capacidade de coletar, analisar, disseminar e utilizar informações de forma estratégica, aliada à construção e análise de processos comunicacionais em diferentes contextos sociais, econômicos e culturais também é intrínseca à efetividade das políticas públicas em saúde , .
A transversalidade do diálogo e da produção científica é traço marcante nessa trajetória, presente já na formação dos Grupos Temáticos de Comunicação e Saúde (GTCOM) , de Informações e População (Gtisp) e nos posicionamentos da Abrasco. O recente pronunciamento do Fórum de Editores de Saúde Coletiva da Abrasco sobre Publicação científica e ineditismo frente à política de repositórios institucionais pode ser citado como um exemplo eloquente. Na Ciência & Saúde Coletiva, esta transversalidade também se manifesta nas edições especiais, nas diferentes Editorias Associadas, notadamente as de Epidemiologia, Planejamento e Gestão em Saúde, Políticas em Saúde e Educação em Saúde. Neste artigo, no entanto, nos detemos exclusivamente na Editoria de Informação e Comunicação, com o objetivo de caracterizar os artigos publicados e apontar interseções e tensões identificadas na última década.
Percurso metodológico
O corpus da análise foi constituído a partir dos registros fornecidos pela plataforma ScholarOne Manuscripts. Os artigos foram organizados em planilha formato Excel e organizados de acordo com as seguintes variáveis: i) eixo temático, construído a partir dos objetivos e palavras-chave; ii) ano da publicação; iii) idiomas, iv) perfil da autoria (única ou múltipla, gênero dos(as) autores(as); iv) distribuição regional e perfil das instituições a que estão vinculados.
A distribuição regional teve como parâmetro a instituição de afiliação do primeiro(a) autor(a). Já o nome dos autores foi o único elemento para gênero, levando à restrita categorização binária, uma vez que para fins de publicação, não existe informação sobre a identidade de gênero da autoria.
O passo seguinte foi a leitura e análise dos artigos, privilegiando os temas e abordagens teórica-metodológicas específicas para então formar uma visão de conjunto dos estudos aqui reunidos. Interessados no mapeamento de interseções disciplinares no território da Saúde Coletiva, este processo considerou, mas não seguiu as especificidades das áreas e subáreas de conhecimento a que pertencem, notadamente a Comunicação, a Informação em Saúde e a Ciência da Informação. Os resultados deste esforço inicial estão nos eixos temáticos que estruturam o texto, após a caracterização quantitativa dos autores e artigos.
Artigos e Autores
Antes da análise das características específicas dos distintos eixos temáticos de artigos, cabe destacar algumas informações quantitativas sobre os artigos e autores. A Tabela 1 registra um primeiro conjunto dessas informações.
No período considerado houve maior concentração nos primeiros anos e posteriormente em anos esparsos (2019 e 2023). Não há regularidade na editoria, havendo anos sem nenhum artigo publicado.
O português foi o idioma da maioria dos textos, mas há um número expressivo daqueles em português e inglês. Destaca-se um caráter de internacionalização da revista também pelo número de artigos publicados somente em inglês.
Tabela 1: Características gerais dos artigos e autores
Sobre a autoria, observa-se a predominância de estudos com três ou mais autores, que compõem três quartos do total considerado. Mais do que cinco também são bastante relevantes, compondo a segunda maior quantidade, demonstrando a importância da publicação por grupos de pesquisa mais extensos, tendência cada vez mais presente na era da Big Science. Com relação aos sexos, é maior a participação de mulheres, embora com uma diferença sutil em números absolutos (53 mulheres e 45 homens). No que tange à composição de gênero por artigo, predomina a autoria conjunta de ambos os sexos (19), seguida da autoria apenas de homens (6) e somente de mulheres (3).
O total de autores foi de 98 no período considerado, com a maioria absoluta tendo participado de apenas um artigo. Somente quatro autores publicaram mais de um artigo. Luiza Massarani (COC/Fiocruz) participou de dois, Neyson Freire e Isabel Cunha, ambos da EPE/USP, estiveram na elaboração dos mesmos dois artigos. O autor com mais artigos no período foi Paulo Roberto Vasconcellos-Silva (IOC/Fiocruz e UNIRIO), com seis publicações, distribuídos nos núcleos de Informação Científica em Saúde e de Comunicação em Saúde. Os outros autores com mais de um artigo publicaram temáticas vinculadas a apenas um dos núcleos, Luiza Massarani no de Informação Científica em Saúde e os demais em Comunicação em Saúde.
Considerando o vínculo institucional, há 20 artigos com uma ou duas instituições. Quando os autores têm mais de uma, predominam como a primeira as instituições do Sudeste, principalmente dos estados do Rio de Janeiro e São Paulo, com participação semelhante de instituições das regiões Nordeste, Sul e Centro Oeste. Não há participação de autores da região Norte e, em seis artigos há presença de autores de instituições de países europeus.
Predominam autores da Fundação Oswaldo Cruz (13), de universidades públicas federais e estaduais (31), com relativo destaque para a Universidade Federal da Bahia (UFBA), a Universidade Federal do Rio Grande (FURG) e a Universidade de São Paulo, ambas com 3, além da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), com 2. Autores de outras 18 universidades federais e estaduais participam em ao menos um artigo.
Tabela 2: Instituições e participações em artigos
São nove autores de universidades privadas brasileiras e sete de instituições de ensino e pesquisa na Europa – Portugal, Espanha e Suécia. Por fim, destaca-se na autoria o vínculo com outras instituições públicas brasileiras, como o Instituto Nacional do Câncer (INCA), o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) e o Hospital Universitário de Brasília, vinculado à Universidade de Brasília (UNB). Em todos os casos, a participação de autores destas instituições ocorreu em apenas um artigo.
Um último aspecto de características diretamente extraídas do conjunto dos artigos são as palavras-chave: 78, considerando não apenas a junção dos mesmos termos, mas também termos muito relacionados. Por exemplo, Internet e Internet em Saúde, já que se trata de um periódico de Saúde Coletiva, Meios de comunicação de massa e Mídias de massa e assim por diante.
O Quadro 1 destaca principalmente as palavras-chave Comunicação em Saúde, COVID-19 e Internet. A segunda reflete o desafio de compreensão e enfrentamento da crise sanitária e que pode ser articulada a outra palavra-chave, Pandemia com três referências. As outras duas mais citadas refletem características das áreas desta editoria. Outras palavras-chave, como Fake News e Desinformação com três citações cada, também podem ser articuladas. Por outro lado, 62 palavras-chave foram referidas apenas uma vez.
Quadro 1: Principais Palavras-chave
Eixos Temáticos
Produção e Qualidade da Informação em Saúde
Dois artigos evidenciam a conjugação de amplitude e especificidade, traços característicos destes segmentos da Informação em Saúde. O primeiro trata de instrumentos de uso generalizado para avaliação da dor, em diálogo com experiências internacionais. As novas versões das regras de ligação da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) foram vinculadas com instrumentos da prática clínica voltados a avaliação de dor, funcionalidade e qualidade de vida – Escala visual analógica e aos Questionários Roland Morris e SF-36 . Para tanto utiliza as conexões propostas por especialistas nas temáticas, buscando contribuir tanto para o avanço da pesquisa como para melhor captura dos dados e das nuances sobre a situação dos pacientes no âmbito da prática clínica e da atenção à saúde.
O segundo apresenta estudo local sobre o potencial de produção de informações epidemiológicas por Agentes Comunitários de Saúde, a partir do reconhecimento do papel estratégico na Atenção Primária à Saúde (APS) e na coleta e preenchimento de sistemas de informação, em particular. No entanto, a persistência de dúvidas quanto a fidedignidade dos dados por eles coletados, motivou a avaliação das competências de leitura, interpretação de texto e resolução de problemas de ACSs, em Campina Grande (PB), iniciativa prévia à pesquisa epidemiológica sobre pessoas com deficiências .
A qualidade das informações em saúde na escala local foi também abordada em dois artigos. No primeiro, a qualidade das informações de óbitos por causas externas em Fortaleza (CE), relativas à completitude das Declarações de Óbito (DO) e a concordância da causa básica entre a DO e o que foi registrado no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) . Já o segundo destaca a completude dos dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação sobre casos de Dengue no município de Fundão (ES), na região metropolitana de Vitória .
Com temas e informações distintas, em municípios de porte populacional bastante desiguais, ambos guardam semelhanças quanto aos procedimentos metodológicos de avaliação da qualidade da informação, ressaltando a completude do preenchimento nas bases de dados dos sistemas considerados e a coerência com dados de outras fontes. Da mesma forma, referem-se aos desafios de qualificação do preenchimento das fichas e declarações, bases de todos os sistemas, no cotidiano dos serviços de saúde.
Acesso à Informação, Interesse e Padrões de Busca
Três artigos sobre câncer, publicados entre 2015-2018 são reunidos nesta seção, tendo em comum o primeiro autor. No primeiro é investigado o interesse por informações de prevenção do câncer de pele no site do INCA , buscando identificar a existência de correlação entre os períodos de aumento dos acessos com a percepção da intensa exposição aos raios solares durante os meses de verão, assim como mapear “janelas/períodos de interesse” para subsidiar o planejamento de ações. Os autores constatam que embora a média de acessos tenha crescido consideravelmente, os resultados da análise de variância não mostraram diferenças significativas entre as buscas realizadas no verão e aquelas nos demais meses. O acompanhamento das páginas sobre proteção da pele e autoexame, problematiza se há dissonância entre o conhecimento sobre o próprio estado de saúde em relação às medidas ligadas à sua preservação, pois talvez exerçam “influências antiprevenção” sobre o interesse coletivo a respeito da proteção da saúde.
Em outro artigo, foram analisados padrões de acesso do site da mesma instituição analisados anteriormente e as disparidades entre os objetivos e os resultados das campanhas de prevenção do câncer . Os autores identificaram a existência de um padrão de busca reativo, no qual os usuários demonstraram pouco interesse em informações sobre prevenção, mas buscaram ativamente dados sobre tecnologias de tratamento e notícias de celebridades com câncer, comportamento que contrasta com o modelo de "melhores informações para melhores decisões", frequentemente associado à educação em saúde. O estudo aborda ainda, as ambiguidades da cultura de risco, que oscila entre certezas e incertezas envolvidos tripartição do risco – percepção, análise e política – em cada contexto histórico.
O terceiro estudo analisa especificamente o interesse público no câncer de mama (CM) e no seu rastreamento (RCM). Entre 2006-2009, 48 acessos mensais às páginas do site do INCA foram mensurados por meio de ferramentas de análise de log files para construir a série temporal de médias de acesso, avaliadas em análise de variância (ANOVA). Com base nos resultados do estudo exploratório, a discussão relaciona a fragilidade da cultura de prevenção, a falta de confiança no SUS e nos programas de rastreio, o “efeito celebridade” midiático e a percepção de riscos coletivos ampliada por vulnerabilidades sociais, como possíveis razões para essa lacuna.
Saúde na cobertura jornalística
Dois artigos analisam a cobertura jornalística sobre saúde no Brasil e em outros países. Para a análise de doenças midiaticamente negligenciadas, em Portugal , a triangulação de métodos é o caminho escolhido para considerar tanto as dimensões qualitativas, em entrevistas com os parti¬cipantes, como as quantitativas, combinando in¬dicadores epidemiológicos e frequência dos temas no jornal O Público.
Já a produção jornalística sobre sistemas públicos de saúde no Brasil e Espanha é analisada comparativamente nos jornais Folha de São Paulo e El País. A abordagem interdisciplinar de um tema clássico da comunicação expressa-se nas referências bibliográficas de ambos os artigos, que articulam aportes das Ciências Sociais, da Comunicação, em especial sobre Jornalismo, explorando a já significativa contribuição de seu encontro na Saúde Coletiva.
Promoção da Saúde e Prevenção de agravos
Iniciativas de prevenção à agravos e de promoção da saúde, tema recorrente de interesse na interface Comunicação e Saúde, estão sob análise em dois textos. O primeiro l relata pesquisa com estudantes de graduação portuguesas sobre campanhas publicitárias, no âmbito de políticas antitabaco, de prevenção e desestímulo do hábito de fumar. Interessa aos autores analisar os efeitos daquelas que se valem da indução ao medo e ao humor. Para tanto, valem-se de métodos quantitativos para estimar a eficácia de cada tipo de estímulo em reações emocionais e suas manifestações fisiológicas. Fundamentam o estudo, principalmente, os aportes da psicologia comportamental.
Com outra abordagem teórico-metodológica, o segundo estudo utiliza a netnografia para analisar as orientações do site Saúde Brasil (MS) sobre a atividade física, nos anos de 2017-2022. Com firme ancoragem no campo da Educação Física e Saúde Coletiva, identifica entre as principais caraterísticas. a matriz comportamental, o predomínio da concepção biológica dos processos saúde-doença, a descontextualização das orientações frente às desigualdades sociais e econômicas, discutindo sua problemática distância com os princípios, políticas, serviços e ações do Sistema Único de Saúde.
Dois artigos problematizam as relações entre educação e a prática de profissionais de saúde da Atenção Primária à Saúde, a partir de pesquisas-intervenção. Interessados na análise de possibilidades e desafios de sua articulação com os princípios da Política Nacional de Educação Popular em Saúde , os autores põem sob análise vivências pessoais e “o lugar profissional entre(laçado) ocupado por agentes comunitários de saúde de uma equipe da ESF, na região sul do Brasil: morador & trabalhador, saber popular & saber técnico (...), “situado entre o fora e o dentro do serviço de saúde”.
Inicialmente interessados na racionalidade homeopática na construção de projetos terapêuticos, os autores se deparam com a demanda dos Agentes Comunitários de Saúde por educação em saúde “vinculada a uma missão intervencionista, considerados como que instituídos para o profissional de saúde em ge¬ral”. Sua diluição no decorrer das oficinas foi compreen¬dida “como um processo de desterritorialização de certa concepção de educação”, que permitiu deslocamentos de uma visão estritamente pedagógica para a consideração do usuário como “um interlocutor válido com quem há que se estabelecer pactuações, antes mesmo de posicioná-lo como objeto de um processo edu¬cativo”, a partir da “operação do projeto terapêutico compartilhado como dispositivo”.
Outro artigo aborda estudo qualitativo sobre a participação familiar na amamentação, realizado com enfermeiras vinculadas à Estratégia de Saúde da Família (ESF), em Itapetinga (BA). Destaca a consonância do conhecimento das profissionais com as orientações do Ministério da Saúde e a literatura específica, e observa a ausência de qualquer referência ao aleitamento como método natural de planejamento familiar. Reafirmam, ainda, as dificuldades para a participação da família nas atividades desenvolvidas.
Configurações Contemporâneas da Informação e Comunicação e seus Desafios para a Saúde
Dois artigos tratam, respectivamente, dos desafios que a digitalização implica no cotidiano dos serviços de saúde e de políticas de digitalização da atenção à saúde e suas consequências nas relações entre sociedade e Estado. Além dos diferentes contextos, perspectivas e objetivos, cabe ressaltar o intervalo de sete anos que separa os dois textos, potencializado pela veloz e intensa capilaridade e relevância que o digital se disseminou globalmente e os contornos que adquire na saúde brasileira.
Em entrevistas com profissionais de saúde, o primeiro analisa comparativamente as expectativas e a experiência da informatização nos serviços de atenção básica do SUS na implantação do Cartão SUS, em unidades que já o haviam implementado, em Aracaju (SE), e em outras em que isso ainda não havia ocorrido. no município de João Pessoa (PB) . Os resultados ressaltam diferenças entre o esperado, o que de fato foi impactado positivamente e o que foi percebido como problemático no cotidiano dos serviços de saúde.
Já o segundo, a partir de revisão bibliográfica direcionada e análise documental, analisa a aceleração do digital na saúde como parte da digitalização do Estado brasileiro, expressa na Estratégia de Saúde Digital do Ministério da Saúde baseada na concentração de dados, na concepção de usuários-consumidores e na privatização das infraestruturas públicas . Contrastando com o artigo anterior, assinalamos que nesse período, o Cartão SUS e o uso do CPF como identificador nos serviços de saúde, já haviam sido abandonados . Assim, enquanto o primeiro aborda o momento inicial de obtenção de informações na prestação dos serviços, este se vale de perspectiva mais ampla e recente da digitalização das informações de saúde da população.
A capacidade de comunicação das entidades do Conselho Nacional de Saúde (CNS) é interrogada em outro artigo . Conceitos ampliados de comunicação, processos de institucionalização da participação social nas instâncias do SUS e as mudanças sociotécnicas reunidas e provocadas pela capilarização da internet são os pontos de partida dos autores para a análise. A abordagem qualitativa entrelaça contribuições teórico-metodológicas das Ciências Políticas, da Comunicação e da Saúde Coletiva, voltadas especificamente para as práticas digitais das entidades titulares e suas condições de produção, entre os anos 2018 e 2020.
Vale destacar que as múltiplas articulações entre comunicação, participação e controle social foram significativamente destacadas no processo de construção do SUS. Como expressam os relatórios das conferências nacionais de saúde e diversos estudos, eram muitas as demandas comunicacionais dos conselhos de saúde, envolvendo a relação com movimentos sociais e entre as entidades, a necessidade de estratégias específicas para diferentes agravos e aquelas para alcançar visibilidade pública , . Esta intensidade não se refletiu nos artigos publicados na Revista neste período.
A revisão sistemática da literatura sobre a avaliação do desempenho da Tecnologia da Informação (TI) na saúde, teve como objetivo identificar lacunas e oportunidades de pesquisa . A metodologia empregada foi o Knowledge Development Process – Constructivist (Proknow-C), uma abordagem estruturada a partir da perspectiva do pesquisador. Os autores concluem que a avaliação de desempenho da TI na saúde é uma área de conhecimento recente, com pouca produção e identificam uma lacuna significativa: a negligência das características dos modelos de avaliação de desempenho na análise das tecnologias.
Os desafios enfrentados pelos editores científicos de periódicos da Saúde Pública no Brasil estão em foco em um artigo . O acesso livre à informação, ética na publicação aspectos críticos envolvidos no processo editorial, incluindo as expectativas de autores, leitores, editores e editoras comerciais. Analisa preditores de publicação, o processo de revisão por pares (peer review), as características formais de periódicos nacionais e estrangeiros, assim como questões éticas envolvendo autores e editores, como fraudes, plágio e autoplágio. A autora destaca os desafios específicos das revistas brasileiras, como a sustentabilidade financeira, a profissionalização do processo editorial, a qualidade da revisão por pares e a necessidade de tradução para o inglês. Por fim, o artigo discute o futuro das publicações científicas no cenário do acesso aberto, ressaltando a crescente adesão a essa modalidade e os esforços das editoras comerciais em se adaptar a ela.
Dois artigos do mesmo autor aportam reflexões que se valem de lentes mais amplas. Em artigo de opinião que aciona a Filosofia da Excitação de Christoph Tücker, as câmaras de eco são associadas “à complexidade das engrenagens de produção, divulgação e contaminação do imaginário social”, concluindo que “novas modalidades de ideologia e alienação estão envolvidas em ciclos de consumo. As necessidades da identidade grupal geram discursos sem diálogo e deterioração dos processos comunicativos a partir do qual o poder da convicção impera sobre o factual.” Já o ensaio em coautoria põe em foco as relações entre subjetividade, saúde e tecnologias de comunicação, crescentemente mediadas por lógicas algorítmicas, para acentuar complexa magnitude dos desafios contemporâneos e suas repercussões políticas e para a saúde em escala mundial.
Comunicação e Informação na Pandemia de Covid-19
Reunimos neste eixo artigos que poderiam ter sido inseridos em eixos temáticos anteriores. Acreditamos, no entanto, que tal opção diluiria a percepção dos enfoques, contextos, aspectos e interfaces reunidos na produção sobre a crise sanitária e a magnitude de seus desdobramentos.
A desinformação é o fio condutor da análise em cinco artigos. Um deles discute os resultados de estudo transversal realizado com profissionais em instituições de saúde no Brasil, que atuaram durante o contexto infodêmico, dedicando-se especificamente aos impactos por eles vivenciados .
Outros quatro artigos exploram as interfaces com a hesitação vacinal. Um estudo analisa as notícias falsas sobre as vacinas e o próprio vírus Sars-CoV-2 recebidas pelo aplicativo Eu Fiscalizo, desenvolvido pela primeira autora durante seu pós-doutorado . Além de identificar as principais plataformas digitais por onde circularam e foram impulsionadas, o artigo destaca as disputas entre governos estaduais e o federal – o MS, principalmente durante a gestão de Eduardo Pazuello, mas também a figura do então presidente, Jair Bolsonaro – entre os elementos favoráveis à sua projeção e aguçamento da crise sanitária no país. A abordagem quantitativa para a análise do material empírico, combinada à concepção ampliada de saúde e à perspectiva antropológica do processo saúde-saúde, trazem para a discussão “singularidades subjetivas e de um sistema de crenças”, assim como contextos históricos e sanitários que teceram a (des)confiança da população brasileira em relação às vacinas.
Os resultados de revisão integrativa da literatura que buscou responder “Como se deu o processo de adesão a vacinação para COVID-19” (p. 741) são analisados em outro artigo . Ressaltando a variabilidade dos achados frente a diversidade de temas encontrados – entre eles gênero, política, religião, nível de escolaridade e internet – destaca-se que na quase totalidade dos resultados, as mídias sociais foram incluídas como fonte de (des)informação. Os autores não deixam de destacar entre as limitações do estudo, o fato de que pouco artigos tenham abordado diretamente a relação fake news e adesão da população a vacina para COVID-19.
A cobertura jornalística de estudos sobre covid-19 publicados em plataformas de preprints é o tema da análise comparativa em países marcados pelo antagonismo de seus governantes em relação às medidas sanitárias: The New York Times (EUA), The Guardian (Reino Unido) e Folha de S.Paulo (Brasil) . A ausência de explicações detalhadas sobre as plataformas e as implicações da publicação de estudos ainda não revisado por pares estão entre os resultados obtidos. A reflexão ressalta desafios e fragilidades na cobertura de uma ciência rápida, assim como a necessidade de ampliar a compreensão pública sobre os métodos e processos científicos.
Já a percepção de brasileiros e brasileiras sobre a doença em 12 cidades do país é analisada a partir de survey que abordou diversos aspectos sobre sua gravidade, medidas preventivas, confiança na ciência, além da relação entre fontes e checagem de informações. Os resultados revelaram que boa parte dos entrevistados reconhece a gravidade da pandemia, considera válidas as medidas sanitárias e expressa confiança em cientistas e instituições científicas. Para os autores, o contexto de grande incerteza reforçou a urgência de repensar a comunicação científica e a relação entre ciência e sociedade, para além de análises puramente técnicas.
Por fim, registramos que integra nosso corpus temas que guardam relevância no âmbito da Informação e Comunicação em Saúde, mas foram abordados por apenas um estudo. Como aquele dedicado a uma espécie de Helminto (Toxocara sp.), objeto de revisão integrativa da literatura que sistematiza suas principais características e os impactos sobre a saúde individual e coletiva . Destacam a frágil incorporação do avanço dos conhecimentos no controle e tratamento das patologias associadas à espécie, enfatizando a necessidade de vencer a distância entre a comunidade científica, profissionais da área e poderes públicos para a elaboração de intervenções mais efetivas.
Considerações Finais
O conjunto aqui reunido, ainda que numericamente reduzido, é indicativo da diversidade de abordagens, temas, objetos, métodos, escalas sociais e espaciais.
Merece ser ressaltada a presença de temas tradicionais e daqueles característicos do tempo presente, reveladores da complexidade dos desafios sociais, culturais, políticos, econômicos e sanitários. Cobertura midiática, qualidade da informação em saúde e percepção pública da ciência são exemplos de temas com longa trajetória de áreas que cada vez mais investem na interdisciplinaridade para compreender e responder a desafios amplificados tanto por potencialidades, quanto por limitações da hiperconectividade em tempo real. Saúde Digital, a dramática experiência da pandemia de Covid-19, a (des)confiança na ciência, assim como a queda da cobertura vacinal, demonstram a complexidade das questões com que a Saúde Coletiva tem que lidar na atualidade
Há que destacar a porosidade característica das áreas de Informação e Comunicação em Saúde, já que há diálogos bem mais estruturados entre áreas da Saúde Coletiva. Ainda que autores(as) escolham as editorias no momento da submissão, são perceptíveis as conexões com a Epidemiologia, Ciências Sociais e Saúde, Educação em Saúde, Políticas em Saúde, Planejamento e Gestão em Saúde.
Por outro lado, também expressam o avanço de cursos lato e strictu sensu nas instituições de saúde, como as diferentes unidades da Fundação Oswaldo Cruz – a exemplo do Programa de Pós-Graduação em Informação e Comunicação (PPGICS/Icict) e do Mestrado em Divulgação da Ciência, Tecnologia e Saúde (COC), além de cursos de especialização e aperfeiçoamento ofertados também pela Ensp e Fiocruz Brasília –, o Instituto Nacional do Câncer (INCA) e inúmeras universidades do país.
Todos esses fatores afirmam o potencial da Informação e Comunicação em Saúde e apontam para incremento de sua presença na Ciência & Saúde Coletiva.
A interdisciplinaridade constitutiva da Saúde Coletiva está na base do surgimento e história da Associação de Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e de sua Revista Ciência & Saúde Coletiva. É expressa na complexa rede de atores, temas, questões e articulações teórico-metodológicas envolvidas no processo saúde-doença, assim como na diversidade de linhas de atuação profissional e de frentes de luta política envolvida em seu projeto ético-político.
Neste campo, Informação e Comunicação em Saúde deixam de serem vistas apenas como ferramentas e se afirmam como eixos estruturantes capazes de potencializar as ações e os resultados técnicos, científicos e políticos da Saúde Coletiva. A capacidade de coletar, analisar, disseminar e utilizar informações de forma estratégica, aliada à construção e análise de processos comunicacionais em diferentes contextos sociais, econômicos e culturais também é intrínseca à efetividade das políticas públicas em saúde , .
A transversalidade do diálogo e da produção científica é traço marcante nessa trajetória, presente já na formação dos Grupos Temáticos de Comunicação e Saúde (GTCOM) , de Informações e População (Gtisp) e nos posicionamentos da Abrasco. O recente pronunciamento do Fórum de Editores de Saúde Coletiva da Abrasco sobre Publicação científica e ineditismo frente à política de repositórios institucionais pode ser citado como um exemplo eloquente. Na Ciência & Saúde Coletiva, esta transversalidade também se manifesta nas edições especiais, nas diferentes Editorias Associadas, notadamente as de Epidemiologia, Planejamento e Gestão em Saúde, Políticas em Saúde e Educação em Saúde. Neste artigo, no entanto, nos detemos exclusivamente na Editoria de Informação e Comunicação, com o objetivo de caracterizar os artigos publicados e apontar interseções e tensões identificadas na última década.
Percurso metodológico
O corpus da análise foi constituído a partir dos registros fornecidos pela plataforma ScholarOne Manuscripts. Os artigos foram organizados em planilha formato Excel e organizados de acordo com as seguintes variáveis: i) eixo temático, construído a partir dos objetivos e palavras-chave; ii) ano da publicação; iii) idiomas, iv) perfil da autoria (única ou múltipla, gênero dos(as) autores(as); iv) distribuição regional e perfil das instituições a que estão vinculados.
A distribuição regional teve como parâmetro a instituição de afiliação do primeiro(a) autor(a). Já o nome dos autores foi o único elemento para gênero, levando à restrita categorização binária, uma vez que para fins de publicação, não existe informação sobre a identidade de gênero da autoria.
O passo seguinte foi a leitura e análise dos artigos, privilegiando os temas e abordagens teórica-metodológicas específicas para então formar uma visão de conjunto dos estudos aqui reunidos. Interessados no mapeamento de interseções disciplinares no território da Saúde Coletiva, este processo considerou, mas não seguiu as especificidades das áreas e subáreas de conhecimento a que pertencem, notadamente a Comunicação, a Informação em Saúde e a Ciência da Informação. Os resultados deste esforço inicial estão nos eixos temáticos que estruturam o texto, após a caracterização quantitativa dos autores e artigos.
Artigos e Autores
Antes da análise das características específicas dos distintos eixos temáticos de artigos, cabe destacar algumas informações quantitativas sobre os artigos e autores. A Tabela 1 registra um primeiro conjunto dessas informações.
No período considerado houve maior concentração nos primeiros anos e posteriormente em anos esparsos (2019 e 2023). Não há regularidade na editoria, havendo anos sem nenhum artigo publicado.
O português foi o idioma da maioria dos textos, mas há um número expressivo daqueles em português e inglês. Destaca-se um caráter de internacionalização da revista também pelo número de artigos publicados somente em inglês.
Tabela 1: Características gerais dos artigos e autores
Sobre a autoria, observa-se a predominância de estudos com três ou mais autores, que compõem três quartos do total considerado. Mais do que cinco também são bastante relevantes, compondo a segunda maior quantidade, demonstrando a importância da publicação por grupos de pesquisa mais extensos, tendência cada vez mais presente na era da Big Science. Com relação aos sexos, é maior a participação de mulheres, embora com uma diferença sutil em números absolutos (53 mulheres e 45 homens). No que tange à composição de gênero por artigo, predomina a autoria conjunta de ambos os sexos (19), seguida da autoria apenas de homens (6) e somente de mulheres (3).
O total de autores foi de 98 no período considerado, com a maioria absoluta tendo participado de apenas um artigo. Somente quatro autores publicaram mais de um artigo. Luiza Massarani (COC/Fiocruz) participou de dois, Neyson Freire e Isabel Cunha, ambos da EPE/USP, estiveram na elaboração dos mesmos dois artigos. O autor com mais artigos no período foi Paulo Roberto Vasconcellos-Silva (IOC/Fiocruz e UNIRIO), com seis publicações, distribuídos nos núcleos de Informação Científica em Saúde e de Comunicação em Saúde. Os outros autores com mais de um artigo publicaram temáticas vinculadas a apenas um dos núcleos, Luiza Massarani no de Informação Científica em Saúde e os demais em Comunicação em Saúde.
Considerando o vínculo institucional, há 20 artigos com uma ou duas instituições. Quando os autores têm mais de uma, predominam como a primeira as instituições do Sudeste, principalmente dos estados do Rio de Janeiro e São Paulo, com participação semelhante de instituições das regiões Nordeste, Sul e Centro Oeste. Não há participação de autores da região Norte e, em seis artigos há presença de autores de instituições de países europeus.
Predominam autores da Fundação Oswaldo Cruz (13), de universidades públicas federais e estaduais (31), com relativo destaque para a Universidade Federal da Bahia (UFBA), a Universidade Federal do Rio Grande (FURG) e a Universidade de São Paulo, ambas com 3, além da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), com 2. Autores de outras 18 universidades federais e estaduais participam em ao menos um artigo.
Tabela 2: Instituições e participações em artigos
São nove autores de universidades privadas brasileiras e sete de instituições de ensino e pesquisa na Europa – Portugal, Espanha e Suécia. Por fim, destaca-se na autoria o vínculo com outras instituições públicas brasileiras, como o Instituto Nacional do Câncer (INCA), o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) e o Hospital Universitário de Brasília, vinculado à Universidade de Brasília (UNB). Em todos os casos, a participação de autores destas instituições ocorreu em apenas um artigo.
Um último aspecto de características diretamente extraídas do conjunto dos artigos são as palavras-chave: 78, considerando não apenas a junção dos mesmos termos, mas também termos muito relacionados. Por exemplo, Internet e Internet em Saúde, já que se trata de um periódico de Saúde Coletiva, Meios de comunicação de massa e Mídias de massa e assim por diante.
O Quadro 1 destaca principalmente as palavras-chave Comunicação em Saúde, COVID-19 e Internet. A segunda reflete o desafio de compreensão e enfrentamento da crise sanitária e que pode ser articulada a outra palavra-chave, Pandemia com três referências. As outras duas mais citadas refletem características das áreas desta editoria. Outras palavras-chave, como Fake News e Desinformação com três citações cada, também podem ser articuladas. Por outro lado, 62 palavras-chave foram referidas apenas uma vez.
Quadro 1: Principais Palavras-chave
Eixos Temáticos
Produção e Qualidade da Informação em Saúde
Dois artigos evidenciam a conjugação de amplitude e especificidade, traços característicos destes segmentos da Informação em Saúde. O primeiro trata de instrumentos de uso generalizado para avaliação da dor, em diálogo com experiências internacionais. As novas versões das regras de ligação da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) foram vinculadas com instrumentos da prática clínica voltados a avaliação de dor, funcionalidade e qualidade de vida – Escala visual analógica e aos Questionários Roland Morris e SF-36 . Para tanto utiliza as conexões propostas por especialistas nas temáticas, buscando contribuir tanto para o avanço da pesquisa como para melhor captura dos dados e das nuances sobre a situação dos pacientes no âmbito da prática clínica e da atenção à saúde.
O segundo apresenta estudo local sobre o potencial de produção de informações epidemiológicas por Agentes Comunitários de Saúde, a partir do reconhecimento do papel estratégico na Atenção Primária à Saúde (APS) e na coleta e preenchimento de sistemas de informação, em particular. No entanto, a persistência de dúvidas quanto a fidedignidade dos dados por eles coletados, motivou a avaliação das competências de leitura, interpretação de texto e resolução de problemas de ACSs, em Campina Grande (PB), iniciativa prévia à pesquisa epidemiológica sobre pessoas com deficiências .
A qualidade das informações em saúde na escala local foi também abordada em dois artigos. No primeiro, a qualidade das informações de óbitos por causas externas em Fortaleza (CE), relativas à completitude das Declarações de Óbito (DO) e a concordância da causa básica entre a DO e o que foi registrado no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) . Já o segundo destaca a completude dos dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação sobre casos de Dengue no município de Fundão (ES), na região metropolitana de Vitória .
Com temas e informações distintas, em municípios de porte populacional bastante desiguais, ambos guardam semelhanças quanto aos procedimentos metodológicos de avaliação da qualidade da informação, ressaltando a completude do preenchimento nas bases de dados dos sistemas considerados e a coerência com dados de outras fontes. Da mesma forma, referem-se aos desafios de qualificação do preenchimento das fichas e declarações, bases de todos os sistemas, no cotidiano dos serviços de saúde.
Acesso à Informação, Interesse e Padrões de Busca
Três artigos sobre câncer, publicados entre 2015-2018 são reunidos nesta seção, tendo em comum o primeiro autor. No primeiro é investigado o interesse por informações de prevenção do câncer de pele no site do INCA , buscando identificar a existência de correlação entre os períodos de aumento dos acessos com a percepção da intensa exposição aos raios solares durante os meses de verão, assim como mapear “janelas/períodos de interesse” para subsidiar o planejamento de ações. Os autores constatam que embora a média de acessos tenha crescido consideravelmente, os resultados da análise de variância não mostraram diferenças significativas entre as buscas realizadas no verão e aquelas nos demais meses. O acompanhamento das páginas sobre proteção da pele e autoexame, problematiza se há dissonância entre o conhecimento sobre o próprio estado de saúde em relação às medidas ligadas à sua preservação, pois talvez exerçam “influências antiprevenção” sobre o interesse coletivo a respeito da proteção da saúde.
Em outro artigo, foram analisados padrões de acesso do site da mesma instituição analisados anteriormente e as disparidades entre os objetivos e os resultados das campanhas de prevenção do câncer . Os autores identificaram a existência de um padrão de busca reativo, no qual os usuários demonstraram pouco interesse em informações sobre prevenção, mas buscaram ativamente dados sobre tecnologias de tratamento e notícias de celebridades com câncer, comportamento que contrasta com o modelo de "melhores informações para melhores decisões", frequentemente associado à educação em saúde. O estudo aborda ainda, as ambiguidades da cultura de risco, que oscila entre certezas e incertezas envolvidos tripartição do risco – percepção, análise e política – em cada contexto histórico.
O terceiro estudo analisa especificamente o interesse público no câncer de mama (CM) e no seu rastreamento (RCM). Entre 2006-2009, 48 acessos mensais às páginas do site do INCA foram mensurados por meio de ferramentas de análise de log files para construir a série temporal de médias de acesso, avaliadas em análise de variância (ANOVA). Com base nos resultados do estudo exploratório, a discussão relaciona a fragilidade da cultura de prevenção, a falta de confiança no SUS e nos programas de rastreio, o “efeito celebridade” midiático e a percepção de riscos coletivos ampliada por vulnerabilidades sociais, como possíveis razões para essa lacuna.
Saúde na cobertura jornalística
Dois artigos analisam a cobertura jornalística sobre saúde no Brasil e em outros países. Para a análise de doenças midiaticamente negligenciadas, em Portugal , a triangulação de métodos é o caminho escolhido para considerar tanto as dimensões qualitativas, em entrevistas com os parti¬cipantes, como as quantitativas, combinando in¬dicadores epidemiológicos e frequência dos temas no jornal O Público.
Já a produção jornalística sobre sistemas públicos de saúde no Brasil e Espanha é analisada comparativamente nos jornais Folha de São Paulo e El País. A abordagem interdisciplinar de um tema clássico da comunicação expressa-se nas referências bibliográficas de ambos os artigos, que articulam aportes das Ciências Sociais, da Comunicação, em especial sobre Jornalismo, explorando a já significativa contribuição de seu encontro na Saúde Coletiva.
Promoção da Saúde e Prevenção de agravos
Iniciativas de prevenção à agravos e de promoção da saúde, tema recorrente de interesse na interface Comunicação e Saúde, estão sob análise em dois textos. O primeiro l relata pesquisa com estudantes de graduação portuguesas sobre campanhas publicitárias, no âmbito de políticas antitabaco, de prevenção e desestímulo do hábito de fumar. Interessa aos autores analisar os efeitos daquelas que se valem da indução ao medo e ao humor. Para tanto, valem-se de métodos quantitativos para estimar a eficácia de cada tipo de estímulo em reações emocionais e suas manifestações fisiológicas. Fundamentam o estudo, principalmente, os aportes da psicologia comportamental.
Com outra abordagem teórico-metodológica, o segundo estudo utiliza a netnografia para analisar as orientações do site Saúde Brasil (MS) sobre a atividade física, nos anos de 2017-2022. Com firme ancoragem no campo da Educação Física e Saúde Coletiva, identifica entre as principais caraterísticas. a matriz comportamental, o predomínio da concepção biológica dos processos saúde-doença, a descontextualização das orientações frente às desigualdades sociais e econômicas, discutindo sua problemática distância com os princípios, políticas, serviços e ações do Sistema Único de Saúde.
Dois artigos problematizam as relações entre educação e a prática de profissionais de saúde da Atenção Primária à Saúde, a partir de pesquisas-intervenção. Interessados na análise de possibilidades e desafios de sua articulação com os princípios da Política Nacional de Educação Popular em Saúde , os autores põem sob análise vivências pessoais e “o lugar profissional entre(laçado) ocupado por agentes comunitários de saúde de uma equipe da ESF, na região sul do Brasil: morador & trabalhador, saber popular & saber técnico (...), “situado entre o fora e o dentro do serviço de saúde”.
Inicialmente interessados na racionalidade homeopática na construção de projetos terapêuticos, os autores se deparam com a demanda dos Agentes Comunitários de Saúde por educação em saúde “vinculada a uma missão intervencionista, considerados como que instituídos para o profissional de saúde em ge¬ral”. Sua diluição no decorrer das oficinas foi compreen¬dida “como um processo de desterritorialização de certa concepção de educação”, que permitiu deslocamentos de uma visão estritamente pedagógica para a consideração do usuário como “um interlocutor válido com quem há que se estabelecer pactuações, antes mesmo de posicioná-lo como objeto de um processo edu¬cativo”, a partir da “operação do projeto terapêutico compartilhado como dispositivo”.
Outro artigo aborda estudo qualitativo sobre a participação familiar na amamentação, realizado com enfermeiras vinculadas à Estratégia de Saúde da Família (ESF), em Itapetinga (BA). Destaca a consonância do conhecimento das profissionais com as orientações do Ministério da Saúde e a literatura específica, e observa a ausência de qualquer referência ao aleitamento como método natural de planejamento familiar. Reafirmam, ainda, as dificuldades para a participação da família nas atividades desenvolvidas.
Configurações Contemporâneas da Informação e Comunicação e seus Desafios para a Saúde
Dois artigos tratam, respectivamente, dos desafios que a digitalização implica no cotidiano dos serviços de saúde e de políticas de digitalização da atenção à saúde e suas consequências nas relações entre sociedade e Estado. Além dos diferentes contextos, perspectivas e objetivos, cabe ressaltar o intervalo de sete anos que separa os dois textos, potencializado pela veloz e intensa capilaridade e relevância que o digital se disseminou globalmente e os contornos que adquire na saúde brasileira.
Em entrevistas com profissionais de saúde, o primeiro analisa comparativamente as expectativas e a experiência da informatização nos serviços de atenção básica do SUS na implantação do Cartão SUS, em unidades que já o haviam implementado, em Aracaju (SE), e em outras em que isso ainda não havia ocorrido. no município de João Pessoa (PB) . Os resultados ressaltam diferenças entre o esperado, o que de fato foi impactado positivamente e o que foi percebido como problemático no cotidiano dos serviços de saúde.
Já o segundo, a partir de revisão bibliográfica direcionada e análise documental, analisa a aceleração do digital na saúde como parte da digitalização do Estado brasileiro, expressa na Estratégia de Saúde Digital do Ministério da Saúde baseada na concentração de dados, na concepção de usuários-consumidores e na privatização das infraestruturas públicas . Contrastando com o artigo anterior, assinalamos que nesse período, o Cartão SUS e o uso do CPF como identificador nos serviços de saúde, já haviam sido abandonados . Assim, enquanto o primeiro aborda o momento inicial de obtenção de informações na prestação dos serviços, este se vale de perspectiva mais ampla e recente da digitalização das informações de saúde da população.
A capacidade de comunicação das entidades do Conselho Nacional de Saúde (CNS) é interrogada em outro artigo . Conceitos ampliados de comunicação, processos de institucionalização da participação social nas instâncias do SUS e as mudanças sociotécnicas reunidas e provocadas pela capilarização da internet são os pontos de partida dos autores para a análise. A abordagem qualitativa entrelaça contribuições teórico-metodológicas das Ciências Políticas, da Comunicação e da Saúde Coletiva, voltadas especificamente para as práticas digitais das entidades titulares e suas condições de produção, entre os anos 2018 e 2020.
Vale destacar que as múltiplas articulações entre comunicação, participação e controle social foram significativamente destacadas no processo de construção do SUS. Como expressam os relatórios das conferências nacionais de saúde e diversos estudos, eram muitas as demandas comunicacionais dos conselhos de saúde, envolvendo a relação com movimentos sociais e entre as entidades, a necessidade de estratégias específicas para diferentes agravos e aquelas para alcançar visibilidade pública , . Esta intensidade não se refletiu nos artigos publicados na Revista neste período.
A revisão sistemática da literatura sobre a avaliação do desempenho da Tecnologia da Informação (TI) na saúde, teve como objetivo identificar lacunas e oportunidades de pesquisa . A metodologia empregada foi o Knowledge Development Process – Constructivist (Proknow-C), uma abordagem estruturada a partir da perspectiva do pesquisador. Os autores concluem que a avaliação de desempenho da TI na saúde é uma área de conhecimento recente, com pouca produção e identificam uma lacuna significativa: a negligência das características dos modelos de avaliação de desempenho na análise das tecnologias.
Os desafios enfrentados pelos editores científicos de periódicos da Saúde Pública no Brasil estão em foco em um artigo . O acesso livre à informação, ética na publicação aspectos críticos envolvidos no processo editorial, incluindo as expectativas de autores, leitores, editores e editoras comerciais. Analisa preditores de publicação, o processo de revisão por pares (peer review), as características formais de periódicos nacionais e estrangeiros, assim como questões éticas envolvendo autores e editores, como fraudes, plágio e autoplágio. A autora destaca os desafios específicos das revistas brasileiras, como a sustentabilidade financeira, a profissionalização do processo editorial, a qualidade da revisão por pares e a necessidade de tradução para o inglês. Por fim, o artigo discute o futuro das publicações científicas no cenário do acesso aberto, ressaltando a crescente adesão a essa modalidade e os esforços das editoras comerciais em se adaptar a ela.
Dois artigos do mesmo autor aportam reflexões que se valem de lentes mais amplas. Em artigo de opinião que aciona a Filosofia da Excitação de Christoph Tücker, as câmaras de eco são associadas “à complexidade das engrenagens de produção, divulgação e contaminação do imaginário social”, concluindo que “novas modalidades de ideologia e alienação estão envolvidas em ciclos de consumo. As necessidades da identidade grupal geram discursos sem diálogo e deterioração dos processos comunicativos a partir do qual o poder da convicção impera sobre o factual.” Já o ensaio em coautoria põe em foco as relações entre subjetividade, saúde e tecnologias de comunicação, crescentemente mediadas por lógicas algorítmicas, para acentuar complexa magnitude dos desafios contemporâneos e suas repercussões políticas e para a saúde em escala mundial.
Comunicação e Informação na Pandemia de Covid-19
Reunimos neste eixo artigos que poderiam ter sido inseridos em eixos temáticos anteriores. Acreditamos, no entanto, que tal opção diluiria a percepção dos enfoques, contextos, aspectos e interfaces reunidos na produção sobre a crise sanitária e a magnitude de seus desdobramentos.
A desinformação é o fio condutor da análise em cinco artigos. Um deles discute os resultados de estudo transversal realizado com profissionais em instituições de saúde no Brasil, que atuaram durante o contexto infodêmico, dedicando-se especificamente aos impactos por eles vivenciados .
Outros quatro artigos exploram as interfaces com a hesitação vacinal. Um estudo analisa as notícias falsas sobre as vacinas e o próprio vírus Sars-CoV-2 recebidas pelo aplicativo Eu Fiscalizo, desenvolvido pela primeira autora durante seu pós-doutorado . Além de identificar as principais plataformas digitais por onde circularam e foram impulsionadas, o artigo destaca as disputas entre governos estaduais e o federal – o MS, principalmente durante a gestão de Eduardo Pazuello, mas também a figura do então presidente, Jair Bolsonaro – entre os elementos favoráveis à sua projeção e aguçamento da crise sanitária no país. A abordagem quantitativa para a análise do material empírico, combinada à concepção ampliada de saúde e à perspectiva antropológica do processo saúde-saúde, trazem para a discussão “singularidades subjetivas e de um sistema de crenças”, assim como contextos históricos e sanitários que teceram a (des)confiança da população brasileira em relação às vacinas.
Os resultados de revisão integrativa da literatura que buscou responder “Como se deu o processo de adesão a vacinação para COVID-19” (p. 741) são analisados em outro artigo . Ressaltando a variabilidade dos achados frente a diversidade de temas encontrados – entre eles gênero, política, religião, nível de escolaridade e internet – destaca-se que na quase totalidade dos resultados, as mídias sociais foram incluídas como fonte de (des)informação. Os autores não deixam de destacar entre as limitações do estudo, o fato de que pouco artigos tenham abordado diretamente a relação fake news e adesão da população a vacina para COVID-19.
A cobertura jornalística de estudos sobre covid-19 publicados em plataformas de preprints é o tema da análise comparativa em países marcados pelo antagonismo de seus governantes em relação às medidas sanitárias: The New York Times (EUA), The Guardian (Reino Unido) e Folha de S.Paulo (Brasil) . A ausência de explicações detalhadas sobre as plataformas e as implicações da publicação de estudos ainda não revisado por pares estão entre os resultados obtidos. A reflexão ressalta desafios e fragilidades na cobertura de uma ciência rápida, assim como a necessidade de ampliar a compreensão pública sobre os métodos e processos científicos.
Já a percepção de brasileiros e brasileiras sobre a doença em 12 cidades do país é analisada a partir de survey que abordou diversos aspectos sobre sua gravidade, medidas preventivas, confiança na ciência, além da relação entre fontes e checagem de informações. Os resultados revelaram que boa parte dos entrevistados reconhece a gravidade da pandemia, considera válidas as medidas sanitárias e expressa confiança em cientistas e instituições científicas. Para os autores, o contexto de grande incerteza reforçou a urgência de repensar a comunicação científica e a relação entre ciência e sociedade, para além de análises puramente técnicas.
Por fim, registramos que integra nosso corpus temas que guardam relevância no âmbito da Informação e Comunicação em Saúde, mas foram abordados por apenas um estudo. Como aquele dedicado a uma espécie de Helminto (Toxocara sp.), objeto de revisão integrativa da literatura que sistematiza suas principais características e os impactos sobre a saúde individual e coletiva . Destacam a frágil incorporação do avanço dos conhecimentos no controle e tratamento das patologias associadas à espécie, enfatizando a necessidade de vencer a distância entre a comunidade científica, profissionais da área e poderes públicos para a elaboração de intervenções mais efetivas.
Considerações Finais
O conjunto aqui reunido, ainda que numericamente reduzido, é indicativo da diversidade de abordagens, temas, objetos, métodos, escalas sociais e espaciais.
Merece ser ressaltada a presença de temas tradicionais e daqueles característicos do tempo presente, reveladores da complexidade dos desafios sociais, culturais, políticos, econômicos e sanitários. Cobertura midiática, qualidade da informação em saúde e percepção pública da ciência são exemplos de temas com longa trajetória de áreas que cada vez mais investem na interdisciplinaridade para compreender e responder a desafios amplificados tanto por potencialidades, quanto por limitações da hiperconectividade em tempo real. Saúde Digital, a dramática experiência da pandemia de Covid-19, a (des)confiança na ciência, assim como a queda da cobertura vacinal, demonstram a complexidade das questões com que a Saúde Coletiva tem que lidar na atualidade
Há que destacar a porosidade característica das áreas de Informação e Comunicação em Saúde, já que há diálogos bem mais estruturados entre áreas da Saúde Coletiva. Ainda que autores(as) escolham as editorias no momento da submissão, são perceptíveis as conexões com a Epidemiologia, Ciências Sociais e Saúde, Educação em Saúde, Políticas em Saúde, Planejamento e Gestão em Saúde.
Por outro lado, também expressam o avanço de cursos lato e strictu sensu nas instituições de saúde, como as diferentes unidades da Fundação Oswaldo Cruz – a exemplo do Programa de Pós-Graduação em Informação e Comunicação (PPGICS/Icict) e do Mestrado em Divulgação da Ciência, Tecnologia e Saúde (COC), além de cursos de especialização e aperfeiçoamento ofertados também pela Ensp e Fiocruz Brasília –, o Instituto Nacional do Câncer (INCA) e inúmeras universidades do país.
Todos esses fatores afirmam o potencial da Informação e Comunicação em Saúde e apontam para incremento de sua presença na Ciência & Saúde Coletiva.