0019/2025 - Monitor GeoVacina Rio: inteligência epidemiológica para o resgate da cobertura vacinal na cidade do Rio de Janeiro
GeoVacina Rio Monitor: epidemiological intelligence to restore vaccination coverage in the city of Rio de Janeiro
Autor:
• Malena Farias Santa Anna - Santa Anna, M.F - <malenafsanna@gmail.com>ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8447-5737
Coautor(es):
• Débora Medeiros de Oliveira e Cruz - Cruz, D.M.O - <debora.sanitarista@gmail.com>ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8325-6866
• Felipe de Carvalho Vommaro Marincola - Marincola, F.C.V - <vommaro.felipe@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3413-1634
• Nadja Greffe - Greffe, N. - <ngreffe@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8782-7232
• Caroline Dias Ferreira - Ferreira, C.D - <carolineferreira.smsrio@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9631-8571
• Oswaldo Gonçalves Cruz - Cruz, O.G - <ogcruz@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3289-3195
• Valeria Saraceni - Saraceni, V. - <valsaraceni@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7360-6490
• Gislani Mateus Oliveira Aguilar - Aguilar, G.M.O - <gislanimateus@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9103-9864
Resumo:
As coberturas vacinais entraram em queda no município do Rio de Janeiro (MRJ) a partir de 2019. Para reverter esta situação, no contexto da expansão da estratégia de saúde da família (ESF) e da inteligência epidemiológica, criou-se o Monitor GeoVacina Rio, com o objetivo de resgatar a vacinação de crianças com doses atrasadas e monitorar indicadores da vacina pentavalente na população cadastrada pela ESF no MRJ, de janeiro/23 a janeiro/24. Os dados são extraídos do Prontuário Eletrônico e sumarizados por equipe, unidade e área de planejamento. Um mapa interativo permite a visualizar informações da criança e status vacinal no centróide da equipe. Outras funcionalidades são o monitoramento da cobertura vacinal e download de listas das crianças a vacinar nas 237 unidades básicas de saúde. No período avaliado, a proporção de crianças com vacinação completa subiu de 76,1% (mai/23) para 90,8% (jan/24), aumento de 14,7 pontos percentuais (p.p.), e uma redução de 49,5 p.p. as unidades com menos de 80% de cobertura. O Monitor GeoVacina Rio permite a qualificação dos dados registrados e o resgate das coberturas vacinais, alinhando a inteligência epidemiológica à territorialidade das ações de imunização, podendo ser aplicada em outros municípios.Palavras-chave:
Atenção primária à saúde; Cobertura Vacinal; Vigilância em Saúde Pública; Imunização; Mapeamento Geográfico.Abstract:
Vaccination coverage has declined in the municipality of Rio de Janeiro (MRJ) since 2019. To address this issue, within the expansion of the Family Health Strategy (ESF) and epidemiological intelligence, the GeoVacina Rio Monitor was created. Its aim is to recover vaccination for children with delayed doses and monitor pentavalent vaccine indicators in the population registered under the ESF in MRJJanuary 2023 to January 2024. Data are extractedthe Electronic Health Record and summarized by team, unit, and planning area. An interactive map allows visualization of children’s information and vaccination status at the team's centroid. Additional features include vaccination coverage monitoring and downloading lists of children to be vaccinated across 237 primary health units. During the evaluated period, the proportion of fully vaccinated children increased76.1% (May 2023) to 90.8% (January 2024), a rise of 14.7 percentage points, with a 49.5 p.p. reduction in units with coverage below 80%. The GeoVacina Rio Monitor enhances data quality and restores vaccination coverage, aligning epidemiological intelligence with territorial immunization strategies, with potential for implementation in other municipalities.Keywords:
Primary health care; Vaccination coverage; Public health surveillance; Vaccination; Geographic Mapping.Conteúdo:
Baixas coberturas vacinais aumentam a vulnerabilidade à reintrodução de doenças evitáveis, sendo a ampliação do acesso a imunobiológicos uma meta da Agenda 2030 1. No Brasil, assim como em outros países, verificou-se redução nas coberturas de diferentes vacinas em anos recentes, cenário determinante para a intensificação de esforços globais voltados à recuperação desses indicadores 2,3 .
Múltiplas barreiras contribuem para essa redução e, segundo o WHO EURO Vaccine Communications Working Group, aspectos relacionados à confiança na eficácia e segurança dos imunobiológicos; conveniência, que diz respeito à disponibilidade dos serviços de vacinação e complacência, conceito que envolve a baixa compreensão coletiva do risco das doenças imunopreveníveis - são questões essenciais para discussão da hesitação vacinal e queda das coberturas 4,5.
Uma análise de estratégias com foco na redução da hesitação vacinal identificou conjuntos de iniciativas de maior impacto, como aquelas orientadas para populações não vacinadas ou com esquemas incompletos; metodologias com objetivo de aumentar o conhecimento e conscientização sobre vacinas; e ampliação da conveniência e acesso à vacinação 6. Linhas de atuação voltadas à melhoria do monitoramento das coberturas e que incorporem estratégias de inteligência digital também têm sido incentivadas 7.
Dados relacionados às coberturas vacinais no município do Rio de Janeiro (MRJ) indicam que a queda desses indicadores ocorreu sobretudo a partir do ano de 2019. No ano de 2023, apenas a vacina BCG alcançou-se a meta de cobertura populacional, com todos os demais imunizantes mantendo-se abaixo dos valores estipulados 8. No município, retomar a expansão da atenção primária e alinhar essa recuperação, de forma integrada às ações de vigilância em saúde, no contexto de emergência e reemergência de agravos, é um desafio.
Ao entender a longitudinalidade e a coordenação do cuidado como elementos-chave da atenção primária 9 e ao estabelecer como prioritária a recuperação das coberturas vacinais na cidade, percebe-se que esses atributos favorecem o desenvolvimento de ações da vigilância em saúde, como a busca ativa de crianças em atraso nos esquemas vacinais, integradas aos fluxos de trabalho da estratégia de saúde da família (ESF) no território 10.
Como parte de uma estratégia ampliada, voltada à recuperação das coberturas vacinais em crianças no MRJ, foi desenvolvida uma ferramenta digital no Centro de Inteligência Epidemiológica (CIE) para apoiar a busca ativa de crianças em atraso vacinal nos territórios da cidade. Para o projeto inicial foi escolhida a vacina pentavalente, a qual desempenha papel crucial na proteção contra cinco doenças graves: difteria, tétano, coqueluche, hepatite B e infecção por Haemophilus influenzae tipo B, além de também ser temporalmente um marcador para outros esquemas vacinais que ocorrem concomitante, como a vacina contra poliomielite, ou previamente à pentavalente, como as vacinas contra doença meningocócica C, rotavírus e pneumocócica 10-valente.
Deste modo, o objetivo deste artigo é descrever a estrutura do Monitor GeoVacina Rio e a evolução dos indicadores operacionais relacionados à pentavalente na população cadastrada pela estratégia de saúde da família no MRJ, no período de janeiro de 2023 a janeiro de 2024.
Aspectos gerais do Monitor GeoVacina Rio
Contexto de implantação e fonte de dados
O Monitor GeoVacina Rio foi implantado em maio de 2023 e teve como foco apoiar a busca ativa de crianças com doses faltantes da vacina pentavalente no MRJ, configurando atraso e incompletude vacinal. Desde 2012, o Programa Nacional de Imunizações (PNI) oferta este imunobiológico na rotina do calendário de vacinação da criança, sendo o esquema de rotina composto por três doses do imunobiológico (aos dois, quatro e seis meses de vida das crianças) 11.
Dados pessoais (nome, data de nascimento, nome da mãe e número de prontuário), dados relacionados à vacinação (imunobiológico, dose, data de aplicação e tipo de registro) e à unidade de atenção primária de referência do paciente (CNES da unidade, equipe de saúde da família e situação cadastral) vêm sendo utilizados para a elaboração dos indicadores do Monitor GeoVacina Rio. Esses registros provêm de prontuários eletrônicos dos pacientes (PEP) nas 237 unidades de atenção primária das 10 áreas de planejamento (AP) do MRJ, que desde 1993, é dividido nessas regiões territoriais para fins de planejamento e organização das ações de saúde 12.
Processamento, indicadores epidemiológicos e análise espacial dos registros
A extração dos dados do PEP é realizada por meio de uma interface de programação de aplicações (API - Application Programming Interface) com a linguagem Python. O banco de dados utilizado é composto por duas tabelas: (1) cadastro de usuários e (2) cadastro de vacinação. Utilizando um script na linguagem R são feitas as etapas de limpeza, agregação, normalização dos dados e o processo de linkage dos dados de cadastro do usuário e de vacinação. As informações das doses aplicadas ou registradas são linkadas com os pacientes que possuem o cadastro ativo no período de análise. As informações foram agrupadas e sumarizadas por diferentes níveis de gestão da informação (MRJ, AP, Unidade de Atenção Primária - UAP e Equipe de Saúde da Família - ESF). Em uma segunda etapa, os registros passaram por categorização segundo as doses de vacina registradas no PEP.
A proporção de vacinados foi calculada utilizando-se no numerador o total de crianças com terceira dose (D3) da vacina pentavalente e no denominador a população-alvo da vacina, multiplicando-se por 100 para cada unidade de análise utilizada (equipe, UAP, AP ou MRJ). A população alvo é o total de crianças cadastradas na ESF, na faixa etária de 6 meses a 11 meses e 29 dias. Trata-se de um denominador dinâmico, tendo em vista que a cada mês, atualizam-se o quantitativo de crianças (incluindo as que completaram 6 meses, subtraindo as que completam 1 ano e inserindo aquelas que foram cadastradas). As datas de nascimento e a última data do mês analisado delimitaram o recorte da população na faixa etária preconizada. Cadastros temporários ou de crianças que foram a óbito foram definidos como critérios de exclusão para a elaboração das estimativas da proporção vacinal. Incluímos etapas de verificação e validação, a fim de minimizar erros que afetem o numerador do indicador. O cálculo do indicador tem como numerador as crianças cadastradas com a D3 aplicadas/registradas e o denominador as crianças cadastradas. As crianças não cadastradas não são contabilizadas.
A categorização com base na proporção vacinal foi estabelecida utilizando os seguintes pontos de corte: acima de 95% (verde), entre 80% e 95% (amarelo) e abaixo de 80% (vermelho). Essa categorização foi aplicada no nível das áreas de planejamento do MRJ, bem como para as unidades e equipes de saúde.
Um mapa interativo das AP com as seguintes camadas de seleção: áreas de planejamento; polígonos de áreas de vulnerabilidade social, denominados territórios sociais - programa instituído em 2017 no MRJ em parceria com o ONU-Habitat; territórios das UAP e equipes da ESF e uma camada que classifica as equipes de saúde da família segundo estratos da situação de proporção vacinal (sinalizados por cores) foi disponibilizado para consulta 13. Ressalta-se que as crianças são geolocalizadas ao centróide geométrico dos polígonos das equipes ESF a que seu endereço constante no PEP pertence.
A proporção de vacinados foi calculada com base na extração dos registros do PEP até 31/01/2024. As informações foram disponibilizadas para os profissionais da Secretaria Municipal de Saúde, no formato html, em plataforma interna da prefeitura (subpav.org), em ambiente de acesso restrito por senha. As atualizações mensais são amplamente divulgadas aos profissionais por meio dos canais usuais de comunicação. Toda a ferramenta foi programada por meio do software estatístico R e QGIS 14,15
Estrutura e funcionalidades do Monitor GeoVacina Rio
O Monitor GeoVacina Rio foi delineado sob seis componentes: (i) Sumário Estatístico; (ii) Mapa GeoVacina Rio; (iii) Download PEP (iv); Evolução; (v) Mapa GeoSinasc; e (vi) Download GeoSinasc. Essa estrutura foi proposta para facilitar o acesso aos indicadores epidemiológicos e ampliar a capacidade de gestão da informação relacionada à proporção de vacinados, tanto no nível local, quanto pelos gestores das áreas de planejamento e nível central da vigilância em saúde. Os componentes, principais objetivos, função e os níveis de utilização da ferramenta encontram-se organizados no quadro 1.
Quadro 1. Componentes, objetivos definidos no desenho da ferramenta digital, funções e nível de desagregação da informação disponibilizada
Fonte: Elaboração própria, a partir do escopo da ferramenta previamente alinhado no planejamento e desenvolvimento à Superintendência de Vigilância em Saúde no MRJ.
A partir da consulta ao Sumário Estatístico obtêm-se os indicadores de proporção de vacinados com a pentavalente, para o monitoramento do percentual de crianças de 6 a 11 meses com a D3 registrada no município e também segundo a AP, unidade e equipe, de acordo com os pontos de corte definidos. Além disso, também é possível avaliar a proporção de unidades e equipes em cada um dos scores desse indicador por AP e pelo MRJ.
O Mapa GeoVacina Rio disponibiliza ao usuário, de maneira interativa, a identificação das crianças cadastradas na ESF segundo perfil de vacinação para pentavalente. Cada ponto representa uma criança, georreferenciada no centróide do polígono da equipe com um deslocamento para evitar a sobreposição. As cores dos pontos sinalizam as seguintes especificidades: em azul as crianças que possuem a dose final que completa o esquema básico - D3 (azul); em vermelho as crianças sem completude vacinal, sem a D3 (vermelho); e em amarelo as crianças sem a D3, mas na faixa etária de 6 meses a 6 meses e 29 dias (amarelo), portanto na janela oportuna de realização desta dose. Ao clicar sobre o ponto, visualiza-se o número do prontuário da criança, situação do registro, a equipe e a unidade de saúde (Figura 1). Essa funcionalidade favorece a busca ativa da criança dentro do território. Os polígonos das equipes são coloridos, segundo a proporção das coberturas vacinais.
Figura 1 - Mapa interativo do monitor GeoVacina Rio com os pontos de localização segundo situação vacinal. MRJ, julho/2024
Fonte: Monitor GeoVacina Rio, julho/2024, SMS-Rio
Em Download PEP é permitido o download de listas que contém as informações das crianças com incompletude do registro vacinal no prontuário. Esta lista contém o nome da unidade de saúde, a equipe, o número do prontuário, o nome e a data de nascimento da criança, bem como a situação do registro das doses de vacina. A lista pode ser desagregada por unidade de saúde, favorecendo o gerenciamento de situações prioritárias para o acompanhamento da situação vacinal no território. No componente “Evolução” a série histórica mensal das proporções de vacinados com a terceira dose de pentavalente é disponibilizada.
Com a finalidade de localizar as crianças nascidas no território, são disponibilizados também os componentes GeoSinasc e Download SINASC. Identifica-se, por meio de um linkage, os nascidos vivos que não possuem cadastro nas UAP, dessa forma as áreas podem visualizar no mapa e também extrair as listas por área para que seja feita a busca ativa para a inserção de novos cadastros no prontuário e consequentemente, a atualização dos registros vacinais.
Indicadores relacionados à cobertura vacinal de pentavalente pelo Monitor GeoVacina Rio
Conforme apresentado na figura 2, a partir da implantação do monitor GeoVacina Rio em maio de 2023, houve aumento da proporção de crianças vacinadas com a terceira dose, completude do esquema vacinal, sendo os valores calculados na implantação (maio/2023) e ao final do período (janeiro/2024), respectivamente iguais a 76,1% e 90,8%, o que indica um incremento de 14,7 pontos percentuais.
Figura 2. Evolução da proporção de crianças cadastradas com a 3ª dose de pentavalente (D3) na Estratégia Saúde da Família, MRJ, janeiro/2023 a janeiro/2024
Fonte: Monitor GeoVacina Rio, julho/2024, SMS-Rio
De janeiro a maio de 2023, antes da implantação do GeoVacina Rio, é possível observar que não ocorreu melhora no indicador do município, com algumas áreas com piora na cobertura. Ao avaliarmos todo o período, após 8 meses de implantação da ferramenta verificou-se aumento na proporção de crianças com a terceira dose da vacina pentavalente, em todas as AP (tabela 1). Destaca-se nesta análise, a AP 3.1 (Penha/Ramos/Ilha) que teve um incremento de 40,38% no período analisado.
Tabela 1. Distribuição da proporção vacinal de Pentavalente por AP, MRJ, janeiro/2023 a janeiro/2024
Fonte: Monitor GeoVacina Rio, julho/2024, SMS-Rio
Em janeiro de 2023, das 236 unidades de atenção primária, 117 (49,5%) estavam com o indicador abaixo de 80%, 112 (47,5%) com indicador entre 80% e 95% e apenas 7 (2,9%) com indicador acima de 95%. Em janeiro de 2024, das 237 unidades (uma nova unidade da ESF foi implantada na rede), 2 (0,8%) estavam com o indicador abaixo de 80%, 144 (60,8%) entre 80% e 95% e 87 (36,7%), com indicador acima de 95%. (Figura 3).
Figura 3. Distribuição das unidades de atenção primária, segundo os indicadores de proporção vacinal, MRJ, janeiro/2023 a janeiro/2024
Fonte: Monitor GeoVacina Rio, julho/2024, SMS-Rio
Nota: Não foi possível realizar o cálculo para 4 unidades em janeiro/2024.
A publicação mensal das informações atualizadas do Monitor GeoVacina Rio implicou também na formalização de um canal de comunicação para atender possíveis dúvidas dos profissionais de saúde sobre a ferramenta. Nesse canal, acompanhado rotineiramente por um técnico do Centro de Inteligência Epidemiológica, dúvidas relacionadas aos indicadores gerados pela ferramenta são esclarecidas, o que implicou em retroalimentação para a melhoria contínua da ferramenta.
Discussão
O uso de tecnologias digitais para o fortalecimento dos programas de imunização foi reiterado em diretrizes recentes estabelecidas pela Organização Mundial da Saúde 7. Nessa direção, o Monitor GeoVacina Rio cumpre o papel de apoiar a gestão da informação relacionada à oportunidade vacinal da pentavalente, em diferentes níveis geográficos (município, áreas de planejamento, área adscrita) e materializa nos territórios a integração de práticas de vigilância em saúde e atenção primária, conforme previsto na Política Nacional de Vigilância em Saúde 10.
A implantação da ferramenta não foi uma intervenção isolada, mas sim esteve alinhada a um plano ampliado para a reconquista de coberturas vacinais no MRJ, uma prioridade atual da agenda política, que incluiu estratégias voltadas à redução das barreiras de acesso, ampliação de vacinação extra-muro, parcerias com o setor de educação, capacitações sobre imunização, divulgação científica e aprimoramento das estratégias de comunicação sobre os imunobiológicos 2. O monitor disponibiliza informações desagregadas para o nível individual e favorece o acompanhamento mensal da população-alvo para as doses da pentavalente. Para a vigilância em saúde, esse monitoramento vacinal na idade apropriada é essencial para identificar oportunidades para a vacinação 16.
A busca ativa de crianças não vacinadas ou com doses faltantes de vacinas reduz a vulnerabilidade individual e coletiva a doenças imunopreveníveis. Nesse sentido, o Monitor GeoVacina Rio facilitou a identificação das crianças em atraso vacinal, seja no mapa ou pela aquisição de listas nominais das crianças para a busca ativa pelos profissionais das unidades, orientando uma atividade amplamente incentivada pelo PNI 17, inclusive com monitoramento de indicadores incluídos nos programas de qualificação da atenção básica e da vigilância em saúde 18,19. Ademais, a gestão de listas de usuários e a vinculação pessoa a pessoa é descrita como uma atividade que se relaciona à coordenação do cuidado na atenção primária 20.
A ferramenta permitiu visualizar heterogeneidades na proporção de crianças vacinadas em diferentes áreas da cidade (pelo componente Mapa GeoVacina Rio), sinalizando territórios com baixos índices e apoiando a avaliação do risco de ocorrência de doenças nesses espaços e o planejamento de estratégias pela Vigilância em Saúde. Iniciativas que se apoiaram na utilização de sistemas de informação geográfica para o microplanejamento das estratégias de vacinação estiveram ligadas ao aumento da cobertura vacinal e implementação da informação, evidenciando o valor dos dados espacialmente detalhados 21,22.
No MRJ, o Centro de Inteligência Epidemiológica tem realizado investimentos em tecnologias e novas formas de aquisição, gerenciamento e métodos de análises de dados, numa conjugação que envolve o trabalho de cientistas de dados, epidemiologistas com expertise em SIG e sanitaristas. O Monitor GeoVacina Rio é um produto que vai ao encontro do uso de inteligência geográfica para o direcionamento das ações de saúde e estimula o estudo das diferenças espaciais nos determinantes das desigualdades territoriais na proporção de vacinados, que precisam ser investigados e enfrentados, especialmente quando relacionados ao acesso aos serviços 23,24. Desigualdades espaciais da vacinação em crianças foram recentemente investigadas por Boing et al (2024), sendo evidenciadas disparidades regionais e piores coberturas vacinais para Covid-19 em municípios com menor Índice de Desenvolvimento Humano 24.
No Brasil, o monitoramento das coberturas vacinais (CV) vem sendo historicamente realizado pelo método administrativo, que considera as doses de vacinas aplicadas (numerador) e as estimativas populacionais (denominador) 25. A essa estratégia somam-se os inquéritos nacionais de cobertura, instrumentos importantes para obtenção de estimativas mais precisas da CV infantil, além de informações sobre acesso aos serviços e perfil socioeconômico dos vacinados - informações não disponíveis nos sistemas oficiais 26.
Em 2020, ano do último inquérito realizado, verificou-se que 30,0% das doses anotadas na caderneta de vacinação não se encontravam registradas no Sistema de Informação do Programa Nacional de Imunizações (SI-PNI) 26. Frente à necessidade de obtenção de informações fidedignas e oportunas para a vigilância da CV no município, os dados utilizados para a elaboração dos indicadores no Monitor GeoVacina Rio são adquiridos diretamente dos prontuários eletrônicos em uso na atenção primária. Essa opção beneficia a elaboração dos indicadores operacionais desagregados e amplifica a possibilidade de análises relacionadas à proporção de vacinados com pentavalente no MRJ, além de estimular o resgate das informações para atualização no SIPNI no intuito de reduzir o sub-registro.
Ganhos relacionados à estruturação de sistemas de monitoramento orientados à detecção da oportunidade vacinal já foram apresentados no Brasil 16. No caso do Monitor GeoVacina Rio soma-se a isso a sinalização das crianças com a vacina atrasada e também aquelas que se encontram na faixa etária preconizada para a terceira dose da pentavalente, implicando em melhoria na comunicação da informação ao profissional de saúde. Desse modo, além de uma ferramenta para resgate vacinal, também se mostra com potencial para prevenção de atraso vacinal uma vez que alerta a oportunidade da vacinação antes que de fato ocorra o atraso.
A pentavalente foi a vacina inicialmente priorizada para uso na ferramenta por ser historicamente incluída em programas de monitoramento nacionais e, atualmente, as coberturas de pentavalente são informadas ao Programa de Qualificação das Ações de Vigilância em Saúde 19. Para o imunobiológico em questão, no período de janeiro de 2023 a janeiro de 2024, observou-se melhores resultados na proporção da D3, inclusive no que diz respeito à redução de unidades no pior cenário (proporção de vacinados inferior a 80,0%). Esse resultado, no entanto, não pode ser atribuído exclusivamente à ferramenta, visto que sua introdução foi parte de uma estratégia ampliada para a recuperação das CV na cidade, contudo é notório que a alteração desse cenário foi marcada, a partir de maio de 2023, quando a ferramenta foi disponibilizada para a rede.
Verifica-se que a oferta de um canal de suporte favoreceu o engajamento e a disseminação do uso da ferramenta pelos profissionais de saúde. Em reuniões da rede de vigilância em saúde do município, o Monitor GeoVacina Rio vem sendo citado quando o tema da recuperação vacinal é pautado, pois proporcionou que cada área pudesse direcionar as estratégias de busca ativa do seu território. A divulgação dos resultados de uma análise de situação de saúde retroalimenta o processo de construção de indicadores e reforça o vínculo entre os objetivos das organizações e dos profissionais 27.
Limitações da ferramenta estão relacionadas à maior apropriação da ferramenta pelos profissionais, disponibilização e regularidade oportuna dos registros do PEP e qualidade dos dados. A limitação inicial quanto ao uso da ferramenta residiu na curva de aprendizado dos profissionais, que foi mitigada por meio do suporte e capacitação. Compreender a metodologia da análise, bem como os indicadores exibidos foram primordiais para a apropriação da ferramenta ao longo de sua utilização, assim como a necessidade de um treinamento contínuo. Outra limitação é a disponibilização e regularidade oportuna dos registros do PEP, tendo em vista o grande volume de dados e sua fragmentação. É primordial que os dados obtidos sejam confiáveis para maior precisão da análise. A integração da ferramenta com o PEP apresentou grandes desafios, por isso a necessidade constante de atualização da API.
Conclusão
No contexto da transformação digital na saúde pública, o Monitor GeoVacina Rio mostra-se um grande aliado para o resgate das coberturas vacinais e para a melhoria da qualificação dos dados registrados. O monitor evidencia territórios e crianças sob maior risco e propicia o direcionamento oportuno das ações com base em inteligência epidemiológica, favorecendo a ampliação do acesso às vacinas, seja por vacinação nos domicílios pela ESF, pontos de vacinação extramuros ou nas unidades após comunicação com responsáveis. A análise descrita foi restrita a um único imunizante e a uma faixa etária reduzida, mas a ferramenta vem sendo ajustada para incluir outras vacinas. Ao considerar um volume maior de registros e processamento, algoritmos mais complexos estão em desenvolvimento no CIE. Esta medida é fundamental para identificar grupos vulneráveis e acompanhar a tendência das coberturas para diferentes imunobiológicos, fornecendo uma visão mais abrangente e qualificada em relação à situação vacinal da população. Além disso, para além da vacinação mostra-se também uma ferramenta aliada à coordenação do cuidado da primeira infância.
Este tipo de estratégia, que alinha a inteligência epidemiológica à territorialidade das ações de imunização, pode ser aplicada em outros municípios, mesmo com poucos recursos tecnológicos. Cabe à cada UAP conhecer as suas crianças e organizar de modo que as equipes façam a busca pelas suas listas, gerando a ampliação das coberturas vacinais. Um modelo como o Monitor GeoVacina Rio, com o aplicativo de base geográfica, vai necessitar de mais recursos, que muitas vezes estão disponíveis nas Secretarias de Saúde, mas não são de conhecimento de todos na gestão, ou mesmo, podem ser adquiridos e utilizados por recursos humanos capacitados para o desenvolvimento da ferramenta.
Referências
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