0401/2025 - MUDANÇAS CLIMÁTICAS E SAÚDE INFANTIL: EVIDÊNCIAS EMERGENTES
CLIMATE CHANGE AND CHILD HEALTH: EMERGING EVIDENCE
Autor:
• Naiara Gabrielly Costa Freire - Freire, NGC - <naiarafreire13@gmail.com>ORCID: https://orcid.org/0009-0003-6703-5275
Coautor(es):
• Thamyles da Silva Dias - Dias, TS - <thamyles.dias@gmail.com>ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8797-9025
• Gabriela Melo de Maria - de Maria, GM - <reisgabriela543@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0009-0005-7555-9460
• Hardiney dos Santos Martins - Martins, HS - <hardiney@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9059-2502
• Marília de Fátima Vieira de Oliveira - Oliveira, MFV - <mariliafvo@ufpa.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4303-9434
• Nádile Juliane Costa de Castro - Castro, NJC - <nadiledecastro@ufpa.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7675-5106
• Diego Pereira Rodrigues - Rodrigues, DP - <diego.pereira.rodrigues@gmail.com>
ORCID: http://orcid.org/0000-0001-8383-7663
• Andressa Tavares Parente - Parente, AT - <andressatp@ufpa.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9364-4574
Resumo:
O estudo teve como objetivo analisar as evidências relacionadas às alterações climáticas e seus impactos na saúde da criança, abrangendo as doenças vetoriais. Estudo de Revisão Integrativa de Literatura, com artigos indexados nas bases de dados MEDLINE, PubMed e Elsevier. No total, atenderam aos critérios de inclusão 11 artigos. Os estudos apontaram que as mudanças climáticas produzem agravos na saúde infantil, e a depender da região investigada, impactam não somente as doenças vetoriais, como também condições térmicas e a segurança ambiental. As evidências apontam que a saúde da criança sofre impactos das mudanças climáticas, e a relação é multifatorial, perpassando pela condição de vulnerabilidade ambiental e social da criança.Palavras-chave:
Mudança climática, Saúde da criança, Doenças transmissíveis, Saúde ambiental, Pediatria.Abstract:
The study aimed to analyze the evidence related to climate change and its impacts on children's health, covering vector diseases. This is an Integrative Literature Review, with articles indexed in the MEDLINE, PubMed and ELSEVIER databases. In total, 11 articles met the inclusion criteria. The studies showed that climate change affects children's health and, depending on the region investigated, impacts not only vector-borne diseases, but also thermal conditions and environmental safety. The evidence shows that children's health is impacted by climate change, and that the relationship is multifactorial, including the child's environmental and social vulnerability.Keywords:
Climate change, Child health, Communicable diseases, Environmental Health, Pediatrics.Conteúdo:
O ambiente natural compreende um espaço de interação e execução das atividades humanas, por ser fonte de recursos que garante a sobrevivência. A relação homem e natureza tem desenvolvido, com o passar do tempo, problemáticas a nível global, decorrentes do desequilíbrio ambiental dessa relação por intensas ações antrópicas, que vem progressivamente impactando o clima mundial,1 e que refletem na saúde humana, seja pela contaminação por contato, consumo, via respiratória e por vetores capazes de propagar doenças. Diante disso, direciona-se a atenção às crianças, grupo vulnerável a qualquer sinal ou efeito adverso das mudanças climáticas 2.
Em virtude das discussões acerca das questões climáticas, a Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu, para a Agenda de 2030, dezessete objetivos para o Desenvolvimento Sustentável (ODS). O 13° objetivo estabelece um conjunto de ações contra as mudanças climáticas, foco esse influente sobre os demais objetivos, principalmente o 3°, por se tratar de saúde e bem-estar a todas as idades, o qual apresenta como uma das metas evitar mortes de recém-nascidos e crianças menores de cinco anos, além do combate a doenças transmissíveis, inclusive por vetores.3,4
A ação antrópica também tem sido determinante para o surgimento das mudanças climáticas, como alterações no ciclo hidrológico e eventos de clima extremo, haja vista que desde a primeira revolução industrial até os dias atuais, a temperatura do planeta aumentou cerca de 1ºC, condição essa que vem promovendo fenômenos de desertificação e modificações nos ciclos hidrológicos, indiscriminadamente, em várias regiões do planeta 5.
A relação entre as mudanças climáticas e os agravos à saúde humana têm sido documentada, sinalizando projeções de aumento da intensidade desse desequilíbrio, a exemplo, na saúde respiratória 6. Essas alterações são um dos fatores com expressiva influência para o surgimento de muitos riscos à saúde da população, afetando de maneira desproporcional e significativa os mais vulneráveis e menos favorecidos, como mulheres, crianças e idosos.7
Consensos médicos, quando tratam sobre o cuidado à saúde, sinalizam recomendações aos profissionais da saúde com foco nas boas práticas sobre a relação saúde e clima 8.Tal relação tem sido afetada pelas mudanças climáticas que, associadas às demandas socioeconômicas, podem acarretar como uma das consequências o aumento de criadouros para vetores de doenças. Este aumento atinge notavelmente pessoas que enfrentam esta vulnerabilidade e precariedade ambiental, como a população de baixa renda e em especial, o público infantil, que tendem a manifestar mais infecções do que aquelas crianças que recebem o cuidado e proteção adequados em um ambiente estável.9
Diante disso, a existência de vetor corresponde a forma de vida capaz de transportar um agente infeccioso para um indivíduo suscetível ou ambiente favorável, que envolvem ciclos de doenças que frequentemente estão ligados a padrões sazonais, evidenciando assim uma relação entre o clima e os ecossistemas que residem 10.
Os avanços de doenças vetoriais, assim como patologias transmitidas pela água, estão cada vez mais relacionados às condições climáticas, trazendo questionamentos acerca das vulnerabilidades da população, entre elas, a faixa etária infantil, que recebe destaque na discussão, portanto, carentes de atenção e cuidados 11.
Nesse contexto da saúde ambiental, é imprescindível trazer essa temática com mais profundidade, para fins de conhecimento da problemática e suas repercussões. Para tanto, é válido entender o impacto das mudanças climáticas na sazonalidade do clima, e suas repercussões na saúde infantil. Portanto, este estudo tem como objetivo analisar as evidências relacionadas às alterações climáticas e seus impactos na saúde da criança, com foco nas doenças infecto parasitárias de transmissão vetorial.
METODOLOGIA
Trata-se de uma Revisão Integrativa de Literatura (RIL), cujo objetivo consiste em coletar informações válidas e confiáveis, de vários tipos de estudo e revisões, que se apliquem de maneira convincente e cientificamente segura, para explicitar uma finalidade temática 12 .
Quanto às etapas que constituem sua construção, consideram-se seis caminhos distintos e complementares, a seguir: 1) elaboração de uma questão norteadora; 2) estabelecer critérios de inclusão e critérios de exclusão para a pesquisa; 3) coletar dados e informações seguras dos estudos selecionados; 4) analisar criticamente todos os conteúdos inseridos; 5) discutir e interpretar todas as informações; 6) apresentação da revisão integrativa 12.
Para compreensão de como os fatores ambientais, influenciados pela questão climática, impulsionam a proliferação de doenças na saúde infantil, estruturou-se a seguinte questão norteadora, elaborada a partir do acrônimo PICo 13, sendo P: População: crianças; I: Interesse: doenças vetoriais; Co: Contexto: mudanças climáticas, revelando-se assim: “Qual a relação entre mudanças climáticas e propagação das doenças infecto parasitárias de transmissão vetorial na população infantil?
A busca pelos artigos ocorreu em janeiro de 2024, de acordo com critérios de inclusão e critérios de exclusão, sendo incluídos aqueles condizentes com a proposta da pesquisa e com a questão norteadora, disponíveis gratuitamente e publicados nos últimos cinco anos (2019-2023), com foco em identificar as evidências mais recentes. Foi realizada leitura minuciosamente, mediante a organização e atenção para introdução, metodologia, resultados, discussão e conclusão de cada estudo 14.
Quanto aos critérios de exclusão, esses referem-se aqueles que não condizem com a proposta, cujos os textos estavam incompletos, não disponíveis de forma gratuita e não respondiam à questão norteadora.
A seleção buscou artigos nos seguintes idiomas: português, inglês e espanhol. Os descritores utilizados, em inglês e português, foram somados ao operador booleano AND: “child health AND climate change AND disease vectors”, “child health AND climate effects AND vector borne diseases”, “Mudança climática AND saúde da criança AND doenças transmissíveis” e “disease vectors AND child AND climate” (Quadro 1).
Foi utilizado para busca a Plataforma Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e o Portal Periódicos Capes, sendo as bases de dados escolhidas: Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Medline Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE/PubMed), Elsevier e a Base de Dados de Enfermagem (BDENF).
Dessa forma, após avaliação e análise de critérios de inclusão e exclusão, foram selecionados para compor a revisão 11 artigos, analisados e extraídos as evidências da relação mudanças climáticas e saúde da criança (Figura 1).
Quadro 1. Descritores usados na combinação de busca de evidências.
Quadro 1
Foi utilizado o Fluxograma PRISMA (2009), adaptado para revisões de literatura, que inclui um checklist detalhado das seguintes etapas: identificação, seleção, elegibilidade e inclusão dos artigos. Como critério estabelecido, três revisores independentes conduziram a escolha e extração dos artigos, garantindo a imparcialidade e a precisão do processo de toda a revisão15.
Figura 1
Foram encontrados 140 artigos referentes à busca. Após a exclusão dos artigos repetidos (46), foram exibidos 94 artigos. Após essa seleção, ficaram 56 artigos elegíveis aos componentes temáticos da pesquisa: Saúde da criança, doenças transmissíveis e mudanças climáticas. Após leitura do texto completo, foram selecionados 11 artigos para compor esta revisão integrativa da literatura (Figura 1). A análise consistiu na busca de evidências sinalizadas nos artigos.
RESULTADOS
A seguir foi organizado o quadro 2, baseado na adaptação de Ursi, Gavão14, para exibição dos resultados obtidos a partir da pesquisa bibliográfica, exibindo um total de 11 artigos científicos cujo conteúdo contempla todos os critérios de inclusão, alocados para melhor visualização e análise. Além disto, apresenta-se os níveis de evidência, que consiste em uma classificação que visa avaliar a confiabilidade e recomendação de um estudo, como forma de explicar a abordagem metodológica adotada para cada estudo, organizado em sete níveis de acordo com Melnyk e Fineoutoverholt 16.
Quadro 2. Publicações analisadas (2019-2023) para busca de evidências.
Quadro 2
Destaca-se que nesta revisão, entre os onze manuscritos incluídos, 5 artigos foram encontrados na MEDLINE, 5 artigos na PubMed e 1 artigo encontrado na Elsevier. Quanto aos selecionados, referem-se a artigos internacionais, com estudos no Quênia, Ruanda, Espanha, Malawi, Armênia, Estados Unidos e Austrália, distribuídos na Figura 2. Sobre os métodos adotados nos artigos escolhidos, destaca-se cinco estudos observacionais e/ou ecológicos, três de perspectivas, duas sínteses de evidências e um artigo de opinião de especialistas.
Figura 2. Países de origem dos artigos incluídos na revisão integrativa.
Figura 2
Figura 3
Os anos de 2020 e 2021 foram os de maior número de publicações, cada um com quatro artigos publicados. Não foram encontrados estudos brasileiros que atendessem a pergunta de pesquisa, contemplando mudanças climáticas e saúde infantil.
DISCUSSÃO
A análise dos estudos demonstra que a relação entre os impactos das mudanças climáticas na saúde da população infantil, abrangendo doenças infecciosas vetoriais, pode ser agrupada em três focos: vulnerabilidade pediátrica 21,23-25 relacionado à exposição ambiental e a necessidade de cuidados; a incidência de doenças transmitidas por vetores na saúde infantil17-20,22,24,25 e impactos sazonais18,19 x mudanças climáticas20,21,23-25 na saúde infantil.
O tópico de vulnerabilidade pediátrica refere-se aos aspectos da saúde infantil e os cuidados prestados, decorrentes das alterações climáticas e as condições socioambientais, as quais a população pediátrica está exposta 2,9,17,18,20,22,23. Quanto a incidência de doenças vetoriais na saúde infantil, nota-se clara relação entre alterações climáticas, o aumento da temperatura e o incremento na incidência deste tipo de doença nos estudos analisados 2,9,18,19,22-25. Na distinção entre impactos sazonais x mudanças climáticas, discute-se a diferença entre efeitos regulares no tempo18,19 e a mudança de padrões nas doenças vetoriais devido as mudanças climáticas20,21,23-25. A seguir, detalha-se mais esta discussão destes três focos resultantes da revisão.
A vulnerabilidade pediátrica relacionada à exposição ambiental e a necessidade de cuidados
A vulnerabilidade na relação ambiente e saúde, para o público infantil, tem diferentes aspectos na perspectiva de seus impactos. A combinação de infância, saúde e as mudanças climáticas criam condições que repercutem não somente na saúde física, como mental dessa população 2,9,17,18,20,22,23.
A estabilidade está entre uma das principais condições para ser uma criança sadia, tendo em vista a necessidade de estar em um ambiente saudável e acolhedor. Em contrapartida, as mudanças climáticas corroboram para o agravamento das desigualdades, uma vez que a população pediátrica, mais pobre e mais exposta às condições ambientais degradantes, tendem a ser as primeiras a manifestar as consequências dos problemas em saúde, principalmente os que estão vinculados a doenças vetoriais 9,24,25.
Para além das desigualdades sociais e econômicas, as crianças tendem a ser mais vulneráveis pela menor capacidade de adaptação às mudanças. Sejam estas drásticas ou que minimamente interferem em sua rotina, tal qual o estresse térmico. O estresse térmico é caracterizado pela forte ligação entre as variações de temperatura, decorrente da emissão de gases, que em conjunto com outras variáveis pode levar a mortalidade infantil ou, caso sobrevivam, no atraso de seu desenvolvimento 2.
Nesse sentido, o aumento dos gases do efeito estufa instigam o avanço das mudanças no clima, que por sua vez também contribuem para o aumento das doenças vetoriais21,24. O aumento destes gases, também favorecem o aumento da poluição e outras repercussões devido à ocorrência de catástrofes naturais, como perda da renda familiar e migração, decorrendo em impactos sobre a saúde física e mental infantil2.
Por conseguinte, as alterações climáticas em relação ao bem-estar infantil também influenciam a perda da rotina de cuidados em saúde e acompanhamento, tal qual o cumprimento do calendário vacinal, além do acesso aos cuidados pré-natais e perinatais.24 Nesse sentido, a relação entre fatores ambientais e climáticos com a saúde infantil, exige uma avaliação multifatorial de todos os determinantes influentes na dinâmica social e na saúde. A combinação entre urbanização, aumento na temperatura, alterações na precipitação e umidade tem contribuído para proliferação de vetores da malária e arboviroses (transmitidas pelo Aedes aegypti), nos ambientes urbanos 2,20.
Adicionalmente, a necessidade de cuidado por profissionais de pediatria, que precisam aprofundar seus conhecimentos acerca da relação clima e saúde infantil, desde sua formação, a fim de trazer mais mobilização sobre essas temáticas. Os agravos de saúde infantil, decorrentes das mudanças climáticas, impactam também com o aumento dos custos na saúde, em diferentes níveis de atenção, além de suas consequências sobre as comunidades na sua totalidade 25.
Na atual conjuntura mundial, com as prioridades direcionadas aos interesses privados, configura-se um cenário de risco a saúde planetária, incluindo o futuro das próximas gerações, que podem apresentar piores condições de saúde, se comparadas às gerações passadas23. As modificações induzidas ao clima atingem diferentes populações, resultando em problemáticas nas diferentes etapas do ciclo de vida, como a exposição de 600 milhões de crianças às doenças vetoriais no mundo, decorrentes de ações e negligências de nível global 23,25.
Tal realidade possui impactos potencializados, quando não há recursos suficientes para o cuidado, quando a localidade apresenta maior vulnerabilidade a doenças vetoriais, sobretudo em áreas tropicais e subtropicais com latitudes baixas, sendo as mais vulneráveis 2,18,23,24. Esse contexto, quando associado às melhores condições para o ciclo de vida dos mosquitos, considerando a complexidade das alterações climáticas, gera na associação entre temperatura e precipitação, fatores que podem aumentar a transmissibilidade dessas doenças 2,24.
Além de doenças vetoriais transmitidas por insetos, as consequências das variações climáticas também influenciam na transmissão de doenças via contaminação por contato na população pediátrica, como a leptospirose, causada por uma bactéria transmitida por roedores, que tem sua propagação facilitada nos períodos chuvosos, pela formação de enchentes e inundações que contenham e favoreçam o fluxo de água contaminada pela urina do vetor ou pelos seus fluídos corporais, que contenham a bactéria 2.
Na Índia, em 2005, 27 crianças foram diagnosticadas com leptospirose em um determinado hospital, após o registro da maior precipitação já ocorrida em 90 anos, em Mumbai 2. Ressalta-se que os possíveis riscos de transmissão incluem: atividades simples realizadas pelas crianças, como ir para a escola, atravessar um local alagado, além de brincar com a água contaminada 2.
Desse modo, a interação mudanças climáticas e saúde infantil apresenta influência de variáveis e condições como temperatura e precipitação, assim como vulnerabilidade social, ambiental e econômica. Essa combinação de fatores tem repercussão sobre os indicadores da saúde. A investigação, análise e discussão são necessários para melhor compreensão do panorama de saúde voltado a este público.
A incidência de doenças transmitidas por vetores na saúde infantil
Conforme as evidências encontradas nos artigos, foi verificado a prevalência de estudos com menção a malária, como um problema de saúde pública presente nas regiões tropicais e subtropicais 2,9,18,20, sendo a África Subsaariana um local com grande destaque para os casos da doença, já que em 2017, cerca de 61% do total de mortes representavam crianças abaixo de 5 anos de idade 9,18.
As investigações sobre a malária em Ruanda sinalizaram o público infantil mais pobre como o mais afetado, e aponta não somente fatores ambientais, como também socioeconômicos relacionados as causas, entre as quais, infraestruturas mais deterioradas ou mínimas que facilitam a reprodução dos mosquitos, a não utilização de mosquiteiros, e da mesma maneira, crianças com mães sem escolaridade mostraram significativa relação com a incidência da doença. Este último que pode estar relacionado quanto ao grau de escolaridade dos cuidadores, que reflete na adoção de estratégias de prevenção da parasitose 9.
No Malawi, entre 2004 a 2017, ocorreu variações de casos de malária em crianças menores de 5 anos, sendo o ano de 2010 correspondente ao percentual de 43% dos casos, e em 2017, 24% dos casos, porcentagens pertencentes ao Malawi, país endêmico da doença, sendo os moradores dos distritos próximos da beira de lagos os mais afetados19.
Quanto à localização, crianças residentes em áreas rurais também apresentaram mais riscos do que as de áreas urbanas, quando analisada a incidência de malária em ambulatórios no Quênia 18. Em geral, as crianças são atingidas de forma desigual em relação aos adultos, tendo em vista seu amadurecimento fisiológico e psicológico ainda estarem em desenvolvimento21.
Outra relação importante diz respeito à leishmaniose visceral, doença vetorial grave que ressurgiu na Armênia em 1999, com 97% dos casos até 2016 associados a crianças com idade até dez anos. No tocante a isso, as mudanças climáticas favoreceram a ampliação da doença, tendo em vista que o país possui variações de altitudes e uma vasta diversidade de flebotomíneos, que geralmente encontram-se em altitudes entre 637 a 2.078 m 22.
Em relação ao clima, doenças como a dengue, zika vírus e chikungunya têm sido associadas ao aumento da temperatura. É importante destacar que a doença do zika vírus, quando transmitida da mãe para o feto durante a gestação, tem causado sequelas no processo de formação e desenvolvimento das crianças, sendo por exemplo, fator de risco para a ocorrência de casos de microcefalia.2 Ademais, a transmissão da dengue é ainda mais evidente em centros urbanos, pela facilidade da formação dos criadouros em qualquer material de construção humana, desde que esse armazene água parada, como pneus e latas 20.
No Quênia, foi realizado um estudo em quatro ambulatórios, onde 5.833 crianças febris foram atendidas, sendo possível verificar a maior positividade de malária a partir da análise de esfregaços, que coincidiram com a temperatura próxima de 25°C nos quatro locais, e em Chulaimbo, com positividade maior a temperatura inferior a 25°C 18. Quanto às características atribuídas, Chulaimbo apresenta altitude mais elevada, com maior registro de precipitação, avaliada no prazo de 30 dias, cerca de 208 mm, respectivamente, se comparado a Msambweni e Ukunda18.
As doenças de transmissão vetorial têm como característica a influência dos fatores climáticos sobre os vetores, e, por conseguinte, no número de casos. A discussão contempla as etapas dessa relação, que conclui seu ciclo pela exposição humana ao vetor.
Impactos Sazonais x mudanças climáticas na saúde infantil.
Observa-se na análise dos estudos que a sazonalidade e a variação regular no tempo de variáveis climáticas geram impactos diretos na dinâmica de transmissão de doenças vetoriais sensíveis ao clima18,19. Contudo, nota-se em outros trabalhos que as mudanças climáticas, ao longo do tempo, têm afetado estes padrões climáticos, promovendo incremento da temperatura e ampliando regiões de ocorrência destas doenças18,20,21,23-25.
No que tange o impacto da sazonalidade, um achado comum entre os estudos foi a repercussão, de 1 até 3 meses nas análises mensais, que as alterações na precipitação e a temperatura podem ter sobre a dinâmica de transmissão da malária, em virtude de o vetor ter seu ciclo de vida influenciado por estas variáveis climáticas18,19.
Em investigação no Quênia, adotou-se a análise da incidência de malária com dados defasados em 30 dias de precipitação e temperatura, apresentando uma relação direta entre aumento da temperatura e ampliação do risco para contrair malária 18.
No estudo do Malawi, a composição de modelos com variáveis climáticas e séries de dados de malária apontou que os efeitos não ocorrem simultaneamente. A defasagem temporal de 1 até 3meses das séries de temperatura x malária sinalizaram que as anomalias de temperatura promovem incremento de casos de malária em uma faixa temporal de 1 até 3 meses após os registros dos dados meteorológicos. Para a precipitação, os efeitos são mais marcados para intervalos de 3 meses19.
A faixa de temperatura entre 20º a 25ºC foi encontrada como associada a maior incidência de malária nos estudos inclusos nesta revisão18,19. Em relação a leishmaniose, a associação na modelagem de nicho ecológico relacionou que quanto maior a temperatura, maior risco de propagação na Armênia22.
Na perspectiva da sazonalidade, as oscilações periódicas das condições climáticas ao longo do ano influenciam diretamente os vetores. Períodos com maior temperatura, precipitação e umidade podem impactar a atividade dos vetores18-20, assim ampliando o risco de transmissão em um ciclo sazonal.
Na ótica das mudanças climáticas, as alterações dos padrões climáticos de longo prazo, temperatura e precipitação, provocam a expansão e deslocamento de áreas endêmicas, além de reemergência de doenças vetoriais20,21,23-25.
Nos Estados Unidos, mesmo diante o risco 3x menor de crianças contraírem alguma doença transmitida pelo carrapato, em relação a pessoas idosas, a incidência tem aumentado para todas as etapas do ciclo de vida humana, incluindo a infância 17. O impacto das mudanças climáticas, através do aumento de temperatura, alteração no regime de precipitação e umidade, tem transformado regiões de menor vulnerabilidade na transmissão de doenças em lugares com risco aumentado, principalmente na dinâmica de transmissão de doenças vetoriais17,18,20. 23.
O presente estudo apresentou como limitação o levantamento de evidências com base no público infantil, sem incluir idosos, gestantes e outros grupos, também vulneráveis as doenças vetoriais e mudanças climáticas. Não foram encontrados estudos voltados para a realidade brasileira sobre o tema investigado.
CONCLUSÃO
Conclui-se por este estudo que as mudanças climáticas são potenciais determinantes para agravos na saúde da criança, e isso envolve questões ambientais que se modificam, a depender da região investigada. Porém, não só doenças vetoriais, como malária, leishmaniose, dengue, zika vírus e chikungunya emergiram na investigação, como também condições térmicas e a segurança ambiental, que apresentam repercussões sobre a criança.
Este estudo permitiu uma contribuição para a melhor compreensão da relação entre mudanças climáticas e saúde infantil, sinalizando que há aspectos meteorológicos que influenciam na relação, porém, os fatores socioeconômicos são determinantes, em virtude do contexto de vulnerabilidade ambiental que permeia as evidências analisadas para esta etapa do ciclo: a infância. São condições multifatoriais que impactam a criança de forma direta ou indireta, com repercussões sobre o desenvolvimento infantil.
Estamos diante de novas gerações que se desenvolvem concomitantemente com a vulnerabilidade e insegurança ambiental, permeando etapas do ciclo de vida. O engajamento científico quando se compreende a necessidade de deter as mudanças climáticas e seus efeitos, pode mitigar esse cenário que se configura.
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