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0391/2024 - O suicídio na atualidade: múltiplas perspectivas sobre um problema complexo
O suicídio na atualidade: múltiplas perspectivas sobre um problema complexo

Autor:

• Eder Samuel Oliveira Dantas - Dantas, E.S.O - <edersamuel_rn@hotmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6595-6105



Resumo:

Este texto apresenta a resenha do primeiro livro publicado pela Associação Brasileira de Estudos e Prevenção do Suicídio. Trata-se de uma obra que discute o fenômeno do suicídio a partir de múltiplas perspectivas e inclui a prevenção do suicídio em contextos educacionais e clínicos. A obra é dividida em três partes e conta com a participação de inúmeros autores dedicados a área da suicidologia no Brasil.

Palavras-chave:

Suicídio; Comportamento Suicida; Prevenção do Suicídio.

Abstract:

This text presents a review of the first book published by the Brazilian Association for Suicide Studies and Prevention. It is a work that explores the phenomenon of suicidemultiple perspectives and addresses suicide prevention in educational and clinical contexts. The book is divided into three sections and features contributionsnumerous authors dedicated to the field of suicidology in Brazil.

Keywords:

Suicide; Suicidal Behavior; Suicide Prevention.

Conteúdo:

Desde os primórdios da humanidade, o suicídio tem sido reconhecido como um dos fenômenos sociais mais complexos e intrigantes. Considerado um problema de saúde pública global, é a causa de morte de mais de 700.000 pessoas anualmente1. Nas Américas e na maioria dos países de baixa e média renda, como o Brasil, esse evento fatal continua a crescer ao longo dos anos. Além das questões epidemiológicas, a complexidade do fenômeno decorre de sua natureza multifatorial, que inclui, mas não se limita, a aspectos psicológicos, biológicos, políticos, sociais, filosóficos e ambientais2.
Nesse contexto, o livro Suicídio: Complexidades e Urgências na Cena Contemporânea, publicado em 20243 pela Associação Brasileira de Estudos e Prevenção do Suicídio (ABEPS), destaca importantes nuances sobre a temática. Esta é a primeira publicação da associação nesse formato. A obra está dividida em três partes e foi escrita por diversos autores(as) brasileiros, especialistas na área da suicidologia, entre os quais destaco o psicanalista Roosevelt Cassorla (in memoriam).
A Parte 1, intitulada "Cenas e Contracenas", possui quatro capítulos. No primeiro, o autor explora a complexidade do ato suicida, menciona alguns pioneiros no estudo da temática e destaca a necessidade de conhecer os diferentes cenários sociais que circunscrevem o suicídio para desenvolver estratégias eficazes de enfrentamento. Além disso, aponta a importância de um olhar específico para o suicídio entre indígenas brasileiros, cujas taxas de mortalidade em 2020 foram duas vezes e meia maiores que as da população geral4.
O segundo capítulo oferece uma perspectiva psicanalítica sobre o suicídio, a partir da concepção da sociedade narcísica. A discussão se baseia no estudo de caso de um jovem médico, onde o autor interrelaciona questões pessoais, cobranças e pressões profissionais com a busca incessante por sucesso, prestígio e admiração. Reflete-se que, para pessoas com comportamentos semelhantes ao caso apresentado, frustrações de qualquer tipo podem ser percebidas como insuportáveis e intoleráveis, a ponto de se recorrer a morte autoprovocada.
O terceiro capítulo aborda o suicídio em universidades públicas brasileiras. A discussão parte da ideia de que esses espaços educacionais são locais onde sofrimentos humanos são vividos e, por vezes, intensificados, especialmente em corpos cujas políticas públicas ainda são frágeis, como pessoas LGBTQIA+, negras e de baixa renda. Os autores reafirmam a necessidade de as universidades utilizarem seu potencial de luta coletiva e se tornarem espaços de promoção de bem-estar e prevenção ao suicídio, reconhecendo essas desigualdades e sofrimentos evitáveis.
No quarto e último capítulo da Parte 1, discute-se a governança digital na prevenção do suicídio. A autora ressalta como as tecnologias de informação e comunicação podem ser utilizadas de forma eficaz na prevenção, contextualizando dados epidemiológicos e programas exitosos. Além disso, levanta questões éticas sobre o uso dessas tecnologias, enfatizando a necessidade de envolvimento governamental na proteção de dados e na garantia da confidencialidade das informações.
A segunda parte do livro é dedicada à prevenção e posvenção em contextos educacionais e de trabalho. O primeiro capítulo aborda a proteção contra o bullying na infância e adolescência como parte dos esforços de prevenção ao suicídio. As autoras destacam os efeitos devastadores do bullying e do cyberbullying na vida de crianças e adolescentes, apontando-os como importantes fatores de risco. Também mencionam que, diferentemente de países do norte global, o Brasil ainda carece de iniciativas robustas para prevenir e combater essas práticas.
No segundo capítulo, são discutidos os impactos que a notícia de um suicídio pode gerar no ambiente escolar. A autora destaca a relevância de abordar essas mortes de maneira adequada, integrando práticas de posvenção — ações realizadas após um suicídio com o objetivo de minimizar os danos à comunidade. Reforçam-se medidas já recomendadas pela Organização Mundial da Saúde e por outros especialistas na área, como o incentivo à busca de ajuda, a valorização de fatores de proteção e a promoção da saúde mental como uma prioridade5,6.
O terceiro capítulo discute a posvenção no contexto escolar, destacando ações práticas que podem ser implementadas e propondo intervenções baseadas em autores da área. A autora reafirma o papel da escola em garantir acolhimento e cuidado à comunidade após um suicídio. O quarto capítulo aborda os impactos das cenas de suicídio na saúde mental de profissionais de primeira resposta, como bombeiros, policiais e socorristas, que podem sofrer intensamente ao lidar com essas situações. As repercussões podem incluir até transtorno de Estresse Pós-Traumático.
A terceira parte do livro concentra-se nas intervenções em contextos clínicos, oferecendo uma visão prática sobre o enfrentamento do suicídio. O primeiro capítulo explora a prevenção do suicídio dentro do cuidado em saúde mental, apresentando diversos modelos de que podem ser aplicados em diferentes cenários. Aborda também os desafios enfrentados durante a pandemia de Covid-19, período em que as dificuldades de acesso a cuidados de saúde mental e o isolamento social intensificaram os fatores de risco para o suicídio. Além disso, destaca o papel fundamental das abordagens preventivas no ambiente universitário, onde o acolhimento e o suporte psicossocial são essenciais para lidar com a demanda crescente por cuidados de saúde mental.
No segundo capítulo, a relação intersubjetiva na intervenção clínica é o tema explorado. O autor busca transcender a intervenção focada apenas na restrição do comportamento suicida, propondo uma aliança terapêutica que valorize as habilidades relacionais. Ressalta-se a necessidade de treinamento contínuo para os profissionais de saúde e melhores condições de trabalho na rede de saúde mental no Brasil.
O terceiro capítulo reflete sobre a construção de uma clínica ampliada para o suicídio, criticando o modelo hegemônico da psiquiatria, que associa diretamente transtornos psiquiátricos ao comportamento suicida. O capítulo ainda aborda elementos da Reforma Psiquiátrica Brasileira que podem subsidiar uma prática clínica mais humanizadora e emancipatória aos sujeitos.
O quarto capítulo discute grupos de acolhimento para familiares de pessoas com comportamentos autodestrutivos. As autoras exploram como a psicoeducação – que envolve o ensino sobre o comportamento suicida e seus fatores de risco – e a escuta coletiva se tornam ferramentas poderosas nesse processo de apoio mútuo, ajudando os familiares a compreenderem melhor a situação que enfrentam e a lidarem com seus sentimentos. As experiências das autoras na coordenação desses grupos em formato online, especialmente em um contexto de maior demanda devido à pandemia, são detalhadas como exemplos práticos do funcionamento e da eficácia dessa modalidade de acolhimento. Além de proporcionar um espaço seguro para a troca de experiências, esses grupos ajudam a reduzir o isolamento emocional dos participantes, promovendo o fortalecimento e expansão de redes de apoio.
No quinto e último capítulo, descreve-se um protocolo assistencial para pessoas com ideação suicida no ambiente hospitalar. Os autores sublinham a importância de cuidados assertivos nesse contexto, destacando a necessidade de identificar sinais de risco e de oferecer intervenções adequadas. Essa afirmativa corrobora os estudos do médico brasileiro Neury Botega7, que destaca o papel crucial dos profissionais de saúde na recuperação de pacientes com ideação ou tentativa de suicídio.
De modo geral, embora o livro traga aspectos relevantes sobre o suicídio contemporâneo, muitos capítulos são curtos e não aprofundam os temas abordados, com algumas repetições conceituais e epidemiológicas. Ainda assim, recomendo a leitura, especialmente para aqueles que estão começando a se familiarizar com essa temática de grande relevância social e sanitária. A obra contribui para o conhecimento sobre a suicidologia no Brasil, especialmente ao abordar o tema em contextos educacionais, como escolas e universidades, que ainda são insuficientemente explorados na literatura.

Referências
1. World Health Organization (WHO). Suicide worldwide in 2019: global health estimates. Geneva: WHO [internet] 2021. [citado em 15 out 2024]. Disponível em: https://www.who.int/publications/i/item/9789240026643.
2. World Health Organization (WHO). Preventing suicide: a global imperative. Geneva: WHO [internet] 2014. [citado em 15 out 2024]. Disponível em: .
3. Salimon-Santos AV, Antoniassi RPN, D'Oliveira CFA, Noal MHO, Gondim DSM, Sacavacini K, organizadores. Suicídio: complexidade e urgências na cena contemporânea. 1ª ed. Londrina (PR): Lucto; 2024.

4. Araujo JAP, Fialho E, Alves FJ, Cardoso AM, Orellana JDY, Naslund JÁ. Suicide among Indigenous peoples in Brazil from 2000 to 2020: a descriptive study. The Lancet Regional Health - Americas. 2023; (26):100591.
5. Dantas ESO, Bredemeier J, Amorim KPC. Sobreviventes enlutados por suicídio e as possibilidades para posvenção no contexto da saúde pública brasileira. Saude soc. 2022;31(3):e210496pt.
6. Andriessen K, Krysinska K, Hill NTM, Reifels L, Robinson J, Reavley N, et al. Effectiveness of interventions for people bereaved through suicide: a systematic review of controlled studies of grief, psychosocial and suicide-related outcomes. BMC Psychiatry. 2019;19(49):1-15.
7. Botega NJ, organizador. Prática Psiquiátrica no Hospital Geral: Interconsulta e Emergência. 4ª ed. Porto Alegre (RS): Artmed; 2017.


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Como

Citar

Dantas, E.S.O. O suicídio na atualidade: múltiplas perspectivas sobre um problema complexo. Cien Saude Colet [periódico na internet] (2024/dez). [Citado em ]. Está disponível em: http://cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/o-suicidio-na-atualidade-multiplas-perspectivas-sobre-um-problema-complexo/19439?id=19439

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