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0354/2023 - POPULAÇÕES “DAS ÁGUAS”: Ambiente-Saúde na perspectiva da Determinação Social e da Política de Saúde região do Baixo Amazonas -PA.
“WATER” POPULATIONS: Environment-Health,the Social Determination and Health Policy perspective, in Baixo Amazonas Region-PA.

Autor:

• Sara Silva dos Santos - Santos, S. S. - <santos97sara@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4831-2893

Coautor(es):

• Franciclei Burlamaque Maciel - Maciel, F.B - <franciclei.maciel@ufopa.edu.br, francicleibmaciel@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7949-0070

• Wilson Sabino - Sabino, Wilson - <wilsonsabino14@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6292-639X

• Júlio Cesar Schweickardt - Schweickardt, J. C. - <julio.ilmd@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8349-3482

• Jéssica Burlamaque Maciel - Maciel, J. B. - <jessicabmaciel@hotmail.com>



Resumo:

A relação entre ambiente e saúde tem se tornado um tema relevante na agenda das políticas públicas desde a década de 1990. Questões como saneamento, tratamento de resíduos sólidos, desmatamento da Amazônia e mudanças climáticas têm afetado a vida de populações ribeirinhas da Amazônia. Diante disso, o objetivo do presente estudo é analisar a relação ambiente-saúde a partir da perspectiva da Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo, da Floresta e das Águas na comunidade de São Pedro, região do Baixo Amazonas, Pará. O método Diagnóstico Rural Participativo foi adotado e previu a construção de mapas conceituais, rodas de conversa e encontros para desenvolver o planejamento estratégico situacional. De acordo com os resultados, questões como excesso de lixo, insuficiência de medicamentos, questões relacionadas à merenda escolar e aos professores são alguns dos condicionantes de saúde que criam as condições para a vulnerabilização da comunidade. Além disso, é perceptível que a Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo, da Floresta e das Águas não conseguiu efetivar-se, de forma plena, como política pública em regiões onde há a presença marcante deste coletivo. Essa política demanda leis municipais que garantam um orçamento específico para a promoção da saúde dessas populações.

Palavras-chave:

Políticas Públicas, Ambiente, Saúde.

Abstract:

The relationship between environment and health has become a relevant topic on the public policy agenda since the 1990s. Issues such as sanitation, solid waste treatment, deforestation and climate change have affected the lives of riverside populations in the Amazon. Therefore, the objective of the present study is to describe the environment-health relationshipthe perspective of the National Policy for Comprehensive Health of Populations of the Countryside, Forest and Waters in the community of São Pedro, Baixo Amazonas, Pará. This is a descriptive study focused on carrying out diagnoses that consider the environment-health relationship in the community. Participatory Rural Diagnosis was used to construct conceptual maps and conversation circles. According to the results, issues such as excess trash, shortage of medicines and demands related to school meals and teachers are some conditions that can make the community vulnerable. Furthermore, it is noticeable that the National Policy for Comprehensive Health for Rural, Forest and Water Populations has not been able to fully materialize as a public policy in regions there is a strong presence of this group. This policy requires municipal laws that guarantee a specific budget for promoting the health of these populations.

Keywords:

Public Policies, Environment, Health, Rural Population.

Conteúdo:

INTRODUÇÃO

Historicamente, a região Amazônica foi marcada por um processo de colonização que representou um seguimento de genocídio e epistemicídio para muitos povos indígenas. Muito conhecimento e diversos modos de vida foram invisibilizados e inferiorizados pela lógica eurocêntrica imposta como pensamento e história únicos1. No entanto, a Amazônia caracteriza-se por sua grande diversidade de povos, de línguas e de modos de relacionar-se com seu território. O processo de formação e organização desses povos é condição essencial para a formulação de políticas específicas2 que valorizem essa diversidade e os conhecimentos presentes em suas práticas e em seus modos de existência. Entre os diferentes povos da floresta, também denominados tradicionais, encontram-se os ribeirinhos, que vivem de sua relação com a natureza, especialmente com a dinâmica das águas, a qual modifica-se ciclicamente entre cheia, vazante, seca e enchente2.
No século XXI, a Amazônia tem vivenciado situações extremas de cheias e secas como consequência de mudanças climáticas. As populações ribeirinhas convivem com o ciclo hidrológico e nas situações de extrema seca suas vidas são drasticamente afetadas. Isso acontece, pois as comunidades ficam isoladas, sem possibilidade de acessar ações de saúde e de educação, além de não conseguirem obter seus alimentos. Nesse sentido, o território possui marcas históricas, ambientais e sociais que trazem desafios para a equidade entre políticas públicas3.
A relação entre ambiente e saúde tem se tornado tema relevante na agenda das políticas públicas e para a saúde coletiva, desde a década de 1990. Até meados dos anos 1980, o planejamento de políticas públicas de saúde no Brasil destinava-se aos habitantes de áreas urbanas. A partir do final dos anos 1980, habitantes da área rural passaram a ganhar visibilidade em debates sobre políticas públicas. Essas áreas deixaram de ser vistas como espaços atrasados e ultrapassados. Foi nesse contexto que políticas de saúde passaram a ser elaboradas de forma a englobar espaços rurais4.
Na segunda e terceira décadas do século XX, o movimento sanitarista organizou um serviço de atenção à saúde específico para populações rurais do país, conhecido como Serviço de Saneamento e Profilaxia Rural. O Serviço Especial Saúde Pública (SESP), o qual foi criado durante a Segunda Guerra Mundial, era responsável por serviços de saúde voltados para a população da Amazônia. A SESP estruturou diversos serviços e hospitais na região, contratou profissionais para atuarem no interior dos estados e nas regiões mais remotas da Amazônia4.
A 8ª Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1986, foi um marco nesse contexto, pois estabeleceu uma arena de luta política e social pelo direito à saúde como direito de cidadania e dever do Estado. Dois anos depois, a Constituição Federal (CF) de 1988, em seu Art. 196, definiu que saúde é um direito de todos e um dever do Estado. Nos últimos 15 anos, o Ministério da Saúde tem implementado Políticas de Promoção de Equidade em Saúde, como é o caso da Política Nacional da Saúde Integral das Populações do Campo, Floresta e das Águas (PNSIPCFA)3, implementada com o propósito de reduzir iniquidades por meio de acesso às ações e aos serviços de saúde.
O presente estudo tem como objetivo descrever a relação ambiente-saúde a partir da perspectiva da Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo, da Floresta e das Águas na comunidade de São Pedro, região do Baixo Amazonas, Pará. Trata-se de um estudo descritivo com o propósito de realizar diagnósticos de saúde na comunidade de São Pedro, localizada na Reserva Extrativista (RESEX) Tapajós-Arapiuns, município de Santarém, Estado do Pará (Figura 1). A visita ao campo foi realizada entre dezembro de 2019 e agosto de 2021, para construção de vínculo terapêutico em campo5.
Este estudo partiu do conceito de saúde em sentido amplo indicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). O modelo conceitual utilizado para as análises fundamenta-se na Lei 8.080/90, Art. 3º, o qual apresenta os determinantes de saúde, além do acesso e posse da terra e do acesso a serviços de saúde como condições necessárias para a garantia da saúde3. As informações foram obtidas através de rodas de conversas com lideranças comunitárias e com trabalhadores da saúde para entendermos a dinâmica social vivenciada por eles. O processo de observação foi realizado por pesquisadores da Universidade Federal do Oeste do Pará e por discentes da graduação devidamente qualificados para a execução dessa abordagem metodológica.
O Diagnóstico Rural Participativo foi adotado a partir da construção de mapas conceituais das dimensões ambiental e social. Mapas conceituais são construções baseadas no lugar de vida, na visão dos moradores6. O encontro com os atores comunitários possibilitou levantarmos singularidades e questões-problemas, assim como observar suas possíveis causas7. A análise ocorreu de forma crítica e reflexiva8. A análise ocorreu de forma crítica e reflexiva, respeitando os critérios éticos contidos na Resolução 466/12, como a liberdade, a autonomia das comunidades e preservando a imagem do ambiente vivido.

Fig.1

AMBIENTE-SAÚDE E A DETERMINAÇÃO SOCIAL DA SAÚDE NO TERRITÓRIO DAS POPULAÇÕES RIBEIRINHAS
Transformações socioambientais advindas de ações humanas, passaram a ser mais evidentes a partir do século XIX, dado o avanço do capitalismo na fase de produção industrial; desse modo, desigualdades sociais em saúde passaram a ser documentadas. Nesse período, havia significativas limitações de acesso a serviços de saúde, as quais diminuíram a partir da CF de 1988, em função de seu Art. 196, assim como o acesso universal e igualitário às ações e aos serviços básicos de promoção da saúde9.
O conceito de saúde da OMS foi criticado por Porto10, que assinalou essa definição com base na ideia de bem-estar ao retratar uma visão utópica e inalcançável de saúde. Em contrapartida, conceituou saúde como “[...] processos e condições que propiciam aos seres humanos os seus vários níveis de existência e organização para a realização de ciclos virtuosos de vida [..]”10(p. 94). Esse conceito foi fortalecido por Carvalho e Buss11, pois sustentaram que saúde pode ser entendida como produto das condições ideais de vida e trabalho; e como padrão adequado de alimentação, nutrição, habitação e saneamento. Esses conceitos apontam para os efeitos das transformações ambientais, além de relacionarem-se com Determinantes Sociais de Saúde (DSS), os quais são relevantes para a devida compreensão das inequidades observadas na sociedade. Além disso, DSS são fatores de origem racial, social, econômica, comportamental ou psicológica que influenciam diretamente o nível de acesso à saúde de uma população11.
Acesso pode ser aqui entendido como “a oportunidade de utilização dos serviços em circunstâncias que permitam o uso apropriado dos mesmos pela população [...]”12(p.266), incluindo populações ribeirinhas. O índice de doenças na região dos rios decorre do uso de água insalubre, sem tratamento adequado, aliado à precariedade de acesso a serviços de saúde essenciais que influenciam a baixa qualidade de condições de vida13. Esse cenário agrava-se quando 44.4% da população do município aqui estudado13 não tem acesso à água, diferentemente do observado na média nacional (15,8 %). Com relação à ausência de coleta de esgoto, esse número chega a 95.9 % - um percentual muito alto em comparação ao restante do país (44 %). O acesso à água e ao saneamento básico são os maiores condicionantes de saúde de populações que habitam áreas rurais, de floresta e de águas14.
Comumente, inequidades em saúde persistem, principalmente em populações vivendo em situação de vulnerabilidade, como aquelas que habitam regiões rurais, de florestas e de águas. Portanto, esse indicativo é um alerta14 acerca da necessidade de pensar-se em estratégias para reduzir inequidades e para promover acesso universal a serviços básicos de saúde. A discussão em torno de DSS na Amazônia brasileira foi objeto de debate em seminários organizados pelo Projeto Desenvolvimento e Governança Territorial da Saúde (DGTS), o qual foi concebido a partir de uma abordagem territorial aplicada aos DSS. Os seminários ocorreram entre 2017 e 2019, com o objetivo de promover o diálogo acerca dos efeitos de DDS em territórios e da governança, sobre espaços de gestão e de vida da população, entre lideranças, lideranças de movimentos sociais, gestores da saúde e pesquisadores14.
No ano de 2016, ocorreu na cidade de Santarém, PA, o I Fórum sobre DSS na região do Baixo Amazonas, com a participação de representantes de movimentos sociais, assim como de trabalhadores, de gestores, de conselheiros, de discentes e de professores da área de saúde, de agricultores, de indígenas, de quilombolas, de ribeirinhos, de extrativistas e de acampados e assentados da reforma agrária.
O diálogo apresentado no I Fórum sobre DSS na região do Baixo Amazonas tratou dos principais condicionantes que interferem na saúde da população, como condições de acesso à educação e, insuficiência de moradia e de políticas de saneamento básico para a região. Assim, foi elaborado um documento intitulado "Carta de Santarém”, sobre questões que impactam a saúde da população do Oeste do Pará; especificamente, sobre a precariedade de acesso a ações e serviços de saúde, falta de medicamentos e condições de trabalho de profissionais de saúde. A carta declara que “são fatores que atingem sobretudo, as populações que já são historicamente marginalizadas”, como populações ribeirinhas da região.
Assim como em outras comunidades da RESEX Tapajós-Arapiuns, a comunidade de São Pedro é marcada pela predominância de relações sociais caracterizadas como condicionantes que influenciam a saúde humana. Essa compreensão torna-se relevante para o campo da saúde15, para a formulação e para a implementação de políticas de promoção, assim como para prevenção em saúde, de acordo com a realidade dos territórios. A dinâmica do território na interface ambiente-saúde, também, foi observada e evidenciou como processos ambientais afetam a saúde e transcendem os limites geográficos do território, além de relacionarem-se com fatores sociais e econômicos.
Apesar das contribuições da categoria de determinantes sociais de saúde para a análise dos territórios e de sua governança, ela tem recebido críticas, pois não considera questões mais profundas de poder e de estrutura social e limita-se a olhar as variáveis superficiais, tais como acesso a alimentos saudáveis ou acesso a serviços de saúde16. Assim, uma abordagem crítica que considere a determinação social da saúde e os elementos da injustiça social, colonialidade e desigualdade pode ser mais adequada para discutir as raízes sistêmicas dos problemas de saúde e de bem-estar. Não é nosso interesse nesse texto explorar diferenças conceituais, pois utilizaremos elementos das duas abordagens, determinantes e determinação social, sem perder de vista os processos de colonialidade presentes nos territórios amazônicos1.
Por fim, o território das populações “das águas”, assim como as demais populações na região Amazônica, é constituído por dinâmicas sociais específicas e singulares. Levar-se em consideração as características físicas e sociais da dinâmica local é fundamental para pensar-se em políticas de saúde. Logo, o conceito de território não se destina apenas a fatores geográficos ou políticos, é um aliado na compreensão da dinâmica de saúde na região Amazônica. O território também é o suporte necessário para práticas e ações de saúde em áreas rurais; como afirma Gondim et al.15, ele é um passo para o estabelecimento da relação entre serviços de saúde locais e populações.
No entanto, cabe lembrar que na Amazônia Legal, o conhecimento sobre o modo de vida das populações e sobre sua situação de saúde continua reduzido17. Esse cenário é preocupante, quando falamos de Amazônia. A experiência de pesquisa, vivenciada no município de Itacoatiara, estado do Amazonas, traz à memória efeitos das transformações do ambiente sobre o cotidiano de mulheres e de outros sujeitos amazônidas, além de suas implicações para o agravamento da saúde dessas populações18. Conhecer esse contexto pode contribuir para a melhor compreensão do território amazônico, o qual está em constante transformação, embora lenta, em um universo de paradoxos, no qual rural e urbano entrelaçam-se17. Dar visibilidade às transformações que continuam ocorrendo17 nas cidades e aos seus desdobramentos17 em micros espaços como comunidades rurais, é imperativo.
Os efeitos das transformações socioambientais e econômicas relacionam-se com a determinação social de saúde, e tornam-se relevantes para a melhor compreensão de inequidades que têm impacto na qualidade de vida dos amazônidas.

POLÍTICA DA SAÚDE PARA POPULAÇÕES DA REGIÃO “DAS ÁGUAS”

A saúde da população ribeirinha brasileira sempre foi vista como um desafio para o Ministério da Saúde por encontrar-se em situação de vulnerabilidade social e necessitar de políticas destinadas à melhoria de seus meios de vida4, além de assistência à saúde. O governo federal implementou a PNSIPCFA4, no ano de 2011, com o compromisso de promover equidade em saúde e acesso à saúde sem preconceito ou privilégios19. Essa política tem objetivos e diretrizes focados na implantação de serviços de saúde e em ações voltadas para a melhoria da qualidade de vida das populações aqui estudadas4.
A Política Nacional de Atenção Básica contempla a especificidade das regiões amazônicas e do pantanal através de equipes de saúde da família fluvial (ESFF) e de saúde da família ribeirinha (ESFR) para realizar ações voltadas para essas populações20. Além disso, implementou a Unidade Básica de Saúde Fluvial (UBSF) que possui laboratório de análises, farmácia, consultórios, sala de espera e de reuniões, sala de vacina e camarotes para a equipe de saúde. Esses dispositivos possibilitaram incluir populações ribeirinhas na política de saúde e com atenção contínua e permanente em espaços chamados, aqui, de território líquido21-22.
A PNSIPCFA é um marco na história da saúde brasileira, pois foi um dos primeiros passos para garantir o direito de acesso à saúde por meio do Sistema Único de Saúde (SUS)4 aos grupos aqui estudados. O SUS oferece serviços ou ações de saúde para assegurar o acesso a ela de forma universal, integral e gratuita. É importante destacar que as chamadas populações do campo, da floresta e das águas são formadas por grupos de indivíduos distintos e diversificados entre si. Eles representam povos que vivem nos campos, nas florestas, nas comunidades quilombolas e indígenas e que têm modos de vida próprios, assim como estreita relação com o lugar em que vivem. Populações “das águas” ou das chamadas comunidades ribeirinhas, por sua vez, caracterizam-se por residirem próximas às margens dos rios.
O modo de vida dessas populações impõe pensar em ações que promovam saúde e qualidade de vida baseadas, principalmente, em especificidades de gênero, em raça, em orientação sexual e nas singularidades desses locais conforme preconizado na PNSIPCFA. Dessa forma, é viável prover assistência para populações em comunidades remotas.
Em síntese, a PNSIPCFA trata do cuidado e da manutenção do ambiente como condição essencial para o ambiente sustentável, com ênfase no cuidado com recursos hídricos. Autores23 alertam que um ambiente não saudável torna-se propício para a proliferação de doenças e pode afetar a saúde humana. Sujeitos mais vulneráveis são diretamente impactados em regiões onde a área ambiental é drasticamente alterada, seja por processos sociais ou econômicos. Promover ações de saúde para esses sujeitos pode permitir uma melhor qualidade de vida para esses indivíduos.
Desigualdades socioeconômicas agravadas pela falta de saneamento e de serviços básicos de saúde são fatores prevalentes em muitas áreas rurais da Amazônia, e isso corrobora com o cenário de vulnerabilidade. Sujeitos ribeirinhos, na comunidade de São Pedro, convivem com questões conflitantes que afetam o processo de ensino-aprendizagem, o ambiente e o acesso aos serviços de saúde.

TERRITÓRIO RIBEIRINHO NA RESEX TAPAJÓS-ARAPIUNS

A comunidade São Pedro é uma das 75 comunidades localizadas na mesorregião do Baixo Amazonas, Sudoeste do Pará, na área da RESEX Tapajós-Arapiuns, às margens do Rio Arapiuns, município de Santarém, estado do Pará. Essa área caracteriza-se pelo uso sustentável de recursos e foi criada pelo Sistema Nacional das Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), conforme Lei 9.985, que a define como: “[...] área utilizada por populações extrativistas tradicionais, cuja subsistência baseia-se no extrativismo e, completamente, na agricultura de subsistência [...]”24(p. 5).
Conforme registro da Unidade Básica de Saúde (UBS) local, até o ano de 2019, 626 pessoas, distribuídas em 138 famílias, residiam na comunidade São Pedro. Nesse período, cerca de 72 famílias eram beneficiárias do programa Bolsa Família e 66 famílias recebiam aposentadoria. A maior parte das famílias, na comunidade São Pedro, possuem áreas denominadas "colônias"- área de plantio de culturas de ciclo longo, com outra parte destinada para culturas sazonais. Caça e pesca são utilizadas para subsistência, assim como o extrativismo vegetal. Eletricidade é gerada por motor de energia, por R$40,00/mês por residência. A garantia de uso de energia estende-se das 18h às 22h, exceto em casas que possuem seus próprios geradores de energia.
A relação ambiente-saúde vivenciada por sujeitos comunitários é permeada por preocupações e por inquietudes relacionadas, principalmente, à forma como o lixo deve ser tratado, à falta de professores para ministrar aulas em determinados períodos do ano e à necessidade de melhorar o transporte escolar, principalmente no período da cheia do rio - entre os meses de março e agosto.
Observou-se a expressão de sentimentos, desejos, anseios pessoais e coletivos e, principalmente, a percepção do ambiente vivido durante a elaboração de mapas conceituais sobre a relação ambiente-saúde. Sobre esse aspecto, a literatura científica25 destaca a importância de compreender-se a forma como cada indivíduo percebe e age em relação às questões ambientais, às inter-relações entre ambiente e indivíduo, assim como às suas satisfações, expectativas e desejos.
Os moradores da Comunidade São Pedro têm consciência da importância do ambiente e da necessidade de adquirirem conhecimento para proteger e cuidar do seu lugar25. Esse processo resultou na elaboração de mapas conceituais que registram seu conhecimento e percepções sobre o território e o ambiente. Esse processo significou que ao compartilharem seus conhecimentos estão, ao mesmo tempo, elaborando ideias sobre o seu lugar e possibilitando transformações no território vivido. A abordagem, portanto, é uma ferramenta de intervenção e de transformação sobre o lugar, a partir da transformação do olhar e a percepção do espaço. Assim, toda forma de perceber envolve um saber, um relacionar-se e um agir.
A forma como a realidade é percebida está diretamente ligada às transformações culturais, às mudanças e às necessidades identificadas. Sujeitos, na comunidade São Pedro, percebem o ambiente como elemento fundamental para o equilíbrio e o bem-estar coletivos. Essa experiência foi traduzida nos mapas, os quais foram construídos com a participação do coletivo comunitário, a partir de orientações metodológicas.
O mapa da comunidade (A), na figura 2, descreve as casas de forma colorida; a cor marrom representa casas feitas de tijolo, a amarela, casas de palha. Espaços culturais e de lazer, como o “Folclódromo”. O lixo é descartado de forma incorreta. Quando chove, esse lixo desce o rio ou penetra no solo, fato que provoca acidentes. No passado recente, comunitários em parceria com o setor público, realizaram ações seletivas para a coleta do lixo. Após o término do projeto, essa prática deixou de acontecer. Na atualidade, a ausência de tratamento adequado do lixo é um DSS, com significativa preponderância.
Por estar localizada em área da RESEX, a comunidade encontra dificuldades em tratar o lixo doméstico. Resíduos estavam sendo dispensados de forma imprópria, geralmente a céu aberto, dado o baixo nível de informação sobre destinação final dos resíduos. Esse problema é comum na área rural devido à ausência de coleta do lixo; ele ainda pode gerar danos à saúde através de contaminação da água, do solo e do ar.

Fig.2

O mapa social (B) descreve a estrutura física da comunidade. Há uma limitação no uso de energia, a qual é fornecida por um gerador comunitário que funciona à óleo diesel, entre 18h e 22h. O gerador funciona em outros horários para atender o telecentro e a Rádio Floresta. Além de escola pública com ensino fundamental e médio, a comunidade conta com biblioteca indígena; quadra esportiva e cinco clubes esportivos, igreja evangélica, católica e UBS.
A estrutura de serviços de saúde conta com uma UBS; sua equipe de profissionais inclui um enfermeiro, um técnico de enfermagem e sete Agentes Comunitários de Saúde (ACS) que atendem as populações de 14 comunidades - a comunidade São Pedro é um polo de serviços de saúde. A UBS tem uma sala de enfermagem, uma farmácia com medicação essencial, uma sala para reuniões, materiais essenciais para o serviço de enfermagem e materiais para atendimentos de acidentes graves ou de emergência.
A maior parte dos atendimentos médicos é realizada quando as Unidades de Saúde da Família Fluviais (USFF) complementam as Equipes de Saúde da Família Ribeirinha na assistência à saúde. Podemos citar as Unidades Básica de Saúde Fluvial (UBSFF), como, por exemplo, o barco hospital ABARÉ, que percorre os rios Tapajós, e o barco Airton Barros o Arapiuns. A assistência à saúde na comunidade, foi ampliada com a chegada do Projeto Piloto da Telemedicina, que durou 90 dias, em 2021. O atendimento médico ocorria por videoconferência em comunidades com acesso à internet. A comunidade São Pedro, por ser polo de serviços de saúde, recebeu moradores de diversas comunidades do seu entorno. A ampliação do acesso aos serviços de atendimento médico com diferentes especialidades, diminuiu a dificuldade de acessar médicos nas comunidades. A iniciativa contribuiu também para capacitar profissionais e para implantar equipamentos tecnológicos, de forma a reduzir o tempo de espera de consultas. O agendamento de consultas era realizado por ACS, que mediava a comunicação entre comunitários e médicos.
O atendimento médico aos pacientes estava relacionado aos seguintes quadros clínicos: Covid -19 e Síndromes gripais, Acidentes ofídicos, Gestação de Risco e Cuidados Pré-Natais, Cuidados com doentes crônicos – Diabetes -, Cuidados com doentes crônicos – Hipertensão -, Protocolo de cuidados com Diabetes, Protocolo de cuidados com Hipertensão, Monitoramento de gestantes de risco. Mesmo com essas possibilidades de serviços médicos e de saúde, a UBS enfrenta limitações, principalmente escassez de medicamentos essenciais.
Por fim, o diagnóstico territorial apresentado aqui não significa ausência do Estado, pelo contrário, a presença do Estado expressa-se pela oferta de serviços de educação, de saúde e de educação ambiental, a qual é uma realidade essencial para a manutenção da Comunidade São Pedro.

DETERMINANTES SOCIAIS DE SAÚDE E PNSIPCFA NO CONTEXTO PRÉ-PANDÊMICO E PANDÊMICO

Os maiores condicionantes de saúde que interferem no bem-estar coletivo das populações rurais, de florestas e de água no contexto da PNSIPCFA, estão relacionados ao acesso à saúde, à educação e ao saneamento básico4. A relação ambiente-saúde na comunidade São Pedro apontou problemas que interferem no bem-estar comunitário, tais como:
a) Escassez de medicamentos, de insumos e de materiais para curativos na UBS. Representa desafios para a melhoria do processo do planejamento de gestão desses insumos;
b) A energia elétrica é fornecida das 18h às 22h, o que torna inviável o uso de nebulizadores fora desse horário. Esse determinante interfere no acesso aos serviços públicos essenciais e aponta falha no fornecimento da energia elétrica gratuita;
c) Transporte escolar adequado e o uso de colete salva-vidas por estudantes durante a cheia do rio - principalmente por estudantes que moram em comunidades no entorno da comunidade de São Pedro;
d) Ausência de professores para ministrar aulas na comunidade, fato que afeta o processo de ensino e aprendizagem dos comunitários. Estudantes terminam o terceiro ano do ensino médio sem poder concluir o curso, em função de pendências de disciplinas em períodos anteriores;
e) A merenda escolar é de responsabilidade da Prefeitura Municipal de Santarém, mas nem sempre chega à comunidade no tempo devido. Essa questão impõe à gestão escolar uma redução do tempo das aulas, visto que muitos discentes dependem dessa alimentação.
i) O descarte indevido do lixo é percebido como necessidade que precisa ser tratada em razão de suas consequências, como acidentes e contaminação do solo e da água.
f) Diálogos sobre cuidados e prevenção de Infecções Sexualmente Transmissíveis (IT´s) e sobre os efeitos do uso de drogas, aponta para a necessidade de ampliar o Programa Saúde na Escola (PSE), sob decreto Nº 6.286/200726. Esse decreto foi criado para contribuir com a formação básica de estudantes da rede pública por meio de ações focadas na promoção, na prevenção e na atenção à saúde de crianças e de adolescentes.
Com efeito, a saúde da população ribeirinha é diretamente influenciada pelas condições ambientais do território. No mesmo sentido, Carvalho e Buss19 apontam que condições de vida, de trabalho, de alimentação, de educação e do ambiente são fatores condicionantes da relação saúde-doença da população. Dessa forma, esses determinantes identificados na comunidade estudada, agravam a saúde dos comunitários. Para esclarecer essa questão, o quadro 1 mostra a relação entre objetivos formulados pela CNDSS e problemas relacionados aos DSS.

Quadro 1

Conforme quadro 1, o primeiro objetivo da CNDSS é equidade em saúde, ou seja, acesso a saúde para todos, como já exposto. Dificuldades em obter-se atendimento médico na comunidade São Pedro foram amenizadas pela USF que atende os comunitários, geralmente a cada dois meses, sem regularidade. O Projeto Telemedicina (projeto piloto) deixou de funcionar e aguarda novas parcerias para voltar à atividade. Portanto, a equidade em saúde na comunidade estudada está sob alerta19; ou seja, é preciso pensar estratégias para reduzir inequidades através de acesso regular aos serviços essenciais de saúde.
Especificidades do território ribeirinho, com base em sua logística e geografia, impõem muitos desafios que podem ser equacionados com estratégias de planejamento e com proatividade na gestão de saúde. O caso da quantidade reduzida de medicamentos básicos dispensados à UBS, que não suprem a necessidade de 30 dias de atividade (quando o estoque é reposto) é um dos desafios relatados pelos trabalhadores de saúde. Essa é uma questão de gestão do município e de planejamento da equipe, ligada às características da população e do território.
O segundo objetivo, de acordo com o quadro 1, refere-se à geração de inequidades. Esses fatores foram observados na comunidade a partir de problemas relacionados à educação, ao transporte e à escassez de medicamentos na UBS. O último objetivo refere-se à intersetorialidade entre setores governamentais; a comunidade mostrou certa descontinuidade ou instabilidade nas relações entre lideranças comunitárias e órgãos e serviços municipais, conforme observado no Projeto Telemedicina (USF), assim como na permanência de médicos na comunidade.
O quadro 2 apresenta eixos da PNSIPCFA e indicações de ações respectivas a cada eixo identificado na comunidade São Pedro. O primeiro eixo do quadro corresponde à garantia de acesso aos serviços de saúde por meio de ações intersetoriais. A criação de um programa intersetorial entre educação, saúde e ambiente nas escolas foi apontada como ação recomendada. A união dessas dimensões representa um dos pilares para o equilíbrio na relação ambiente-saúde.

Quadro 2

O último eixo trata do monitoramento e da avaliação do acesso à saúde; ele aponta a criação de um programa de monitoramento e de avaliação do acesso aos serviços de saúde. Isso poderia ocorrer na comunidade São Pedro se houvesse um planejamento coletivo que envolvesse vários atores. Na falta desse planejamento, não foram identificados indicadores para monitorar e avaliar ações voltadas para o melhoramento do acesso dessas populações à saúde. Questionar os gestores sobre ações para melhorar o acesso das comunidades ribeirinhas à saúde parece ser imperativo.
O planejamento, em parceria com diferentes atores comprometidos com as ações a serem tomadas, pode aumentar a possibilidade de alcançar-se um programa estruturado, com profissionais capacitados para realizar o monitoramento necessário. Esse processo pode proporcionar soluções mais rápidas para os problemas detectados. Esse conjunto de indicações de ações aumenta o potencial para promover-se equidade em saúde e para reduzir-se as vulnerabilidades sociais. Assim, pode proporcionar acesso à saúde e melhor qualidade de vida aos povos tradicionais. Além de ser possível desenvolver ações estratégicas através da PNSIPCFA, elas podem ser produtos de recomendações da CNDSS14.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Populações “das águas” ou ribeirinhas são povos culturalmente diversificados entre si; seu modo de vida é fortemente influenciado por sua relação com o lugar que habitam. O contato direto com o território e com seus habitantes proporcionou uma vasta visão das vivências dessas populações, dos seus condicionantes de vida e de suas necessidades específicas. O presente estudo buscou discutir a relação entre PNSIPCFA e a realidade de um território ribeirinho específico, ao identificar problemas e possíveis soluções para eles. De fato, no período entre 2019 e 2022, a PNSIPCFA não conseguiu efetivar-se como uma política pública, pois não teve financiamento específico; além de ter sido excluída da lista de políticas de saúde da gestão atual do ministério da saúde. Portanto, populações rurais, da floresta e das águas são incorporadas pela Atenção Básica, como vimos no caso da comunidade São Pedro, todavia, elas são excluídas dos outros serviços essenciais.
É notória a percepção da população acerca do ambiente e dos problemas que interferem na qualidade de vida de todos. Excesso de lixo, insuficiência de medicamentos, questões relacionadas à merenda escolar e à falta de professores, são alguns dos condicionantes de saúde que criam meios para tornar essas comunidades vulneráveis.
A implementação da PNSIPCFA favoreceu grandes conquistas dos povos das águas, dada a promessa de garantia de acesso universal à saúde através do SUS. Esse processo representa um marco na luta pela melhoria de vida entre esses povos. No entanto, entendemos que ainda existe a tarefa de realizar uma análise comparativa entre Política Nacional da Atenção Básica e PNSIPCFA para estudar sua relação com determinantes sociais. Além disso, é notável que a PNSIPCFA não conseguiu se efetivar, de forma plena, como política pública em regiões onde há presença marcante desse coletivo. Na existência dessa política, faz-se necessário elaborar leis municipais que garantam um orçamento específico para promover saúde nessas populações.
Por fim, as características e especificidades da Amazônia abrem espaço para desafios importantes para políticas públicas, mas jamais podemos tornar esse lugar e suas populações exóticos, o que impossibilitaria sua inclusão e acesso aos direitos. Os diversos territórios da Amazônia são espaços de produção de inovação e de aprendizado acerca de como podemos produzir vida com a floresta em pé, em um verdadeiro exercício de buscar alternativas ao desenvolvimento predatório. Assim, parafraseando as palavras de Ailton Krenack27, podemos “adiar o fim do mundo”.

AGRADECIMENTO
Ao Comitê Gestor de Programas Institucionais da Universidade Federal do Oeste do Pará.

REFERÊNCIAS

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Santos, S. S., Maciel, F.B, Sabino, Wilson, Schweickardt, J. C., Maciel, J. B.. POPULAÇÕES “DAS ÁGUAS”: Ambiente-Saúde na perspectiva da Determinação Social e da Política de Saúde região do Baixo Amazonas -PA.. Cien Saude Colet [periódico na internet] (2023/nov). [Citado em 22/12/2024]. Está disponível em: http://cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/populacoes-das-aguas-ambientesaude-na-perspectiva-da-determinacao-social-e-da-politica-de-saude-regiao-do-baixo-amazonas-pa/18980?id=18980&id=18980

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