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Artigos

0239/2023 - Tendência de Internações por Condições Sensíveis à Atenção Primária em Pelotas de 2000 a 2021
Trend in Hospitalizations for Conditions Sensitive to Primary Care in Pelotas2000 to 2021

Autor:

• Douglas Nunes Stahnke - Stahnke, D.N. - <douglasns.poa@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6871-4355

Coautor(es):

• Brunna Machado Medeiros - Medeiros, B.M - <brunnamachadomed@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0009-0006-1545-9705

• Renata Breda Martins - Martins,R.B - <nutri.renatamartins@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5898-7691

• Juvenal Soares Dias da Costa - Dias-da-Costa, J. S. - <episoares@terra.com.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3160-6075



Resumo:

Objetivos: Descrever as características das Internações por Condições Sensíveis à Atenção Primária (ICSAP) no município de Pelotas quanto à ocorrência por sexo, faixa etária e por principais causas no período de 2000 a 2021. Adicionalmente, foi realizada a análise de tendência das ICSAP do município comparando-a com a do restante do Rio Grande do Sul, sua associação com o gasto público per capita em saúde e com a cobertura populacional de ESF. Métodos: Estudo ecológico utilizando a Lista de CSAP do Ministério da Saúde disponível no Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde. As informações sobre o gasto em saúde foram obtidas no Sistema de Informações sobre Orçamento Público em Saúde. A cobertura de ESF estava disponível no Departamento de Atenção Básica. Os coeficientes foram padronizados pelo método direto. A análise de tendência utilizou a regressão de Prais Winsten. Resultados: Encontrou-se diminuição das ICSAP em Pelotas e no restante do Estado. As ICSAP foram mais frequentes nas pessoas de 60 anos ou mais. A principal causa de internação foi insuficiência cardíaca. Em Pelotas a cobertura de ESF e o gasto em saúde apresentaram associação com as ICSAP. Conclusão: Apesar das medidas aplicadas a partir de 2017, políticas implantadas anteriormente, o aumento do gasto em saúde e a ampliação da cobertura podem ter influenciado a diminuição das ICSAP.

Palavras-chave:

Hospitalização, Atenção Primária à Saúde, Gastos Públicos com Saúde, Cobertura de Serviços Públicos de Saúde, Indicadores de Qualidade em Assistência à Saúde

Abstract:

Objectives: To describe the characteristics of hospitalizations for primary care sensitive conditions (HPCSC) in the municipality of Pelotas regarding occurrence by sex, age group and main causes in the period2000 to 2021. Additionally, a trend analysis of the HPCSC in the municipality was carried out, comparing it with the rest of Rio Grande do Sul, its association with public expenditure per capita on health and with the population coverage of FHS. Methods: Ecological study using the primary care sensitive conditions listthe Ministry of Health available in the Hospital Information System of the Unified Health System. Information on health expenditure was obtainedthe Public Health Budget Information System. FHS coverage was available at the Primary Care Department. The coefficients were standardized by the direct method. For the trend analysis we used the Prais Winsten regression. Results: A decrease in HPCSC was found in Pelotas and in the rest of the state. HPCSC were more frequent in people aged 60 years or older. The main cause of hospitalization was heart failure. In Pelotas, ESF coverage and health expenditure were associated with HPCSC. Conclusion: Despite the measures applied2017, policies implemented previously, the increase in health spending and the expansion of coverage may have influenced the decrease in HPCSC.

Keywords:

Hospitalization, Primary Health Care, Public Expenditures on Health, State Health Care Coverage, Health Care Quality Indicators

Conteúdo:

A Política Nacional de Atenção Básica de 2017, embora tenha provocado retrocessos na organização e no financiamento1-3, manteve o esforço de estimular estratégias de institucionalização da avaliação4. O acompanhamento das internações por condições sensíveis à atenção primária à saúde tem se mostrado um indicador reconhecido internacionalmente, disponível e de fácil operacionalização, permitindo a avaliação de sistemas de saúde5,6.
No Brasil, após a disponibilização da Lista Brasileira de Condições Sensíveis à Atenção Básica, diversos estudos têm acompanhado seu comportamento dessas internações nos mais diferentes recortes7-10. No município de Pelotas/RS, as ICSAP têm sido estudadas desde 1995, mesmo antes do lançamento da Lista Brasileira, explorando tendências, características e custos, sendo que a última análise correspondeu a 201211,12. Desde então diversas modificações foram introduzidas no sistema local como a expansão da Estratégia Saúde da Família (ESF), a criação de Unidade de Pronto Atendimento e a incorporação de teleconsultoria para a atenção primária, num cenário de retração de recursos financeiros e pandemia de COVID-19, instigando nova análise deste indicador.
As ICSAP têm apresentado variações de acordo com determinadas características dos municípios, como a cobertura da ESF e as condições econômicas13,14. Porta de entrada dos usuários no Sistema Único de Saúde, a ESF têm influenciado indicadores de saúde, dentre eles as ICSAP15,16.
O financiamento em saúde no Brasil ao longo de sua história tem sido reconhecidamente insuficiente para conferir a qualidade necessária em todos os níveis de atenção17,18. No contexto atual, com as dificuldades financeiras impostas pelas restrições orçamentárias governamentais19 e pelo impacto da pandemia de COVID-1920 na economia, pretendeu-se verificar como o gasto público per capita em saúde impactou o comportamento das ICSAP em Pelotas.
O objetivo do estudo foi descrever as características das ICSAP no município de Pelotas quanto a ocorrência por sexo, faixa etária e por principais causas no período de 2000 a 2021. Adicionalmente, foi realizada a análise de tendência das ICSAP do município comparando-a com a do restante do Rio Grande do Sul, sua associação com o gasto público per capita em saúde e com a cobertura populacional de ESF.

Métodos
Trata-se de estudo ecológico comparando a tendência das ICSAP no município de Pelotas com o restante do Estado do Rio Grande do Sul no período de 2000 a 2021.
Pelotas é um município localizado na região Sul do Rio Grande do Sul, com área de 1609 km2 e com população estimada de 324 026 habitantes em 2022, sendo a quarta cidade mais populosa do Estado. Em 2020, o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal atingiu 0,739, o PIB per capita foi de R$ 27.671,06, colocando o município na 356ª posição no Rio Grande do Sul. Pelotas abriga três universidades todas com atuação na área de saúde, dispondo de duas faculdades de Medicina, de quatro hospitais gerais vinculados ao SUS, um hospital psiquiátrico, uma UPA e 51 unidades básicas de saúde distribuídas nas áreas urbana e rural.
Foram incluídas na análise as condições sensíveis à atenção primária à saúde elencadas pelo Ministério da Saúde, disponíveis no DATASUS, captadas pelo TABWIN no Sistema de Internações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH/SUS).
Os dados da população residente em Pelotas para elaboração dos coeficientes estavam disponíveis no DATASUS e foram coletadas pelo TABNET, na seção de informações demográficas e socioeconômicas com estimativas por sexo e idade de 2000 a 2021.
Coletaram-se informações sobre as internações por demais causas em Pelotas, excluídas as obstétricas. As internações por demais causas foram incluídas na análise, pois fatores como número de leitos disponíveis, mudanças na tabela SUS e variações sazonais poderiam interferir ou mesmo influenciar no comportamento das ICSAP.
Os coeficientes brutos foram calculados a partir da razão entre o número de ICSAP e a população residente de acordo com faixa etária, sexo e ano por 1000 habitantes. Sabe-se que a ocorrência das ICSAP tem variado de acordo com o sexo9 e faixa etária21 Para controlar as diferenças de estrutura demográfica nas análises das tendências, os coeficientes foram padronizados diretamente tomando-se a população do Rio Grande do Sul em 2010.
A análise dos coeficientes de ICSAP por faixas etárias foi apresentada em gráfico por médias móveis a cada sete anos (2000 – 2007, 2008 – 2014 e 2015 – 2021) tomando-se como categorias: até nove anos, 10 a 19 anos, 20 a 39 anos, 40 a 59 anos e 60 anos ou mais.
Foram elencadas as cinco principais causas de ICSAP no período, demonstrando seu percentual em relação ao total.
A cobertura populacional de ESF estava disponível no site do Departamento de Atenção Básica do Ministério da Saúde, sendo coletada em percentual utilizando-se como referência o mês de dezembro de cada ano, exceto 2021, ainda indisponível.
O gasto público per capita em saúde em Pelotas e no restante do Rio Grande do Sul foi coletado a partir das informações disponíveis no Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde (SIOPS), obtidos por despesa administrativa por subfunção direta. O gasto público per capita em saúde foi calculado pela fórmula: (total de despesas liquidadas por ano/população residente em cada ano). Com o objetivo de reduzir as variações de preço devidas à inflação foi aplicado o recurso deflator. Desta forma, os valores foram ajustados de acordo com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística pela Calculadora do Cidadão disponível no site do Banco Central do Brasil. Foi utilizado o último dia do mês de dezembro de 2021 como referência para a correção.
A análise de tendência dos coeficientes de ICSAP tanto em Pelotas quanto no restante do Rio Grande do Sul utilizou a regressão generalizada de Prais-Winsten. Este método corrige o erro de Auto Correlação Serial de Primeira Ordem (AR-1) comum em séries temporais, superestimando os resultados analisados. Os resultados foram interpretados da seguinte forma: tendência decrescente (valor de p <0,05 e coeficiente negativo), tendência crescente (valor de p <0,05 e coeficiente positivo) e tendência estável (valor de p >0,05)22.
Para a análise de associação entre os coeficientes de ICSAP, gasto público per capita em saúde e cobertura populacional de ESF foi utilizado o mesmo método sendo interpretado como resultado estatisticamente significativo valor de p <0,05. Deve-se ressaltar que a associação entre ICSAP e ESF em Pelotas considerou o período entre 2002 e 2020.
O presente estudo foi realizado com dados secundários disponíveis em sistemas de informações públicos, não permitindo a identificação dos indivíduos, eximindo a obrigatoriedade de aprovação do Conselho de Ética em Pesquisa de acordo com a Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde.

Resultados
No período entre 2000 e 2021, totalizando 22 anos, foram constatadas 71.973 ICSAP no município de Pelotas, sendo que os coeficientes de internação variaram de 21,2 por mil habitantes em 2000 a 3,6 por mil habitantes em 2021, evidenciando tendência de diminuição. A tendência de queda nos coeficientes das ICSAP revelada em Pelotas também foi constatada no restante do Rio Grande do Sul, apesar da súbita elevação em 2020. A análise no período mostrou que os coeficientes de ICSAP observados em Pelotas foram inferiores àqueles do restante do Rio Grande do Sul. Nos anos da pandemia em Pelotas observaram-se os menores coeficientes de todo o período, enquanto no restante do Rio Grande do Sul em 2020 constatou-se uma súbita acentuação da ocorrência de ICSAP, remetendo aos níveis encontrados em 2007 e 2008, voltando a diminuir no ano seguinte alcançando o valor mais baixo. As internações por demais causas em Pelotas também diminuíram, se em 2000 o coeficiente alcançou 47,0 por mil habitantes, no último ano foi 33,9 (Tabela 1). A análise das ICSAP em Pelotas não encontrou diferenças entre os sexos, entretanto no restante do Rio Grande do Sul demonstrou-se predomínio das internações entre as mulheres (Tabela 1).
A análise de tendência confirmou a constatada diminuição das ICSAP em Pelotas (-0,65; IC95% -0,86 a -0,44; valor de p <0,001) e no restante do Rio Grande do Sul (-0,71; IC95% -0,91 a -0,51; valor de p <0,001), apesar do pico de elevação em 2020, entretanto mostrou a estabilidade nos coeficientes de internações por demais causas (-0,15; IC95% -0,57 a 0,26; valor de p 0,440).
Na comparação das quedas das tendências dos coeficientes das ICSAP evidenciou-se a menor ocorrência em Pelotas em relação ao restante do Estado (Figura 1). Por sua vez, no município de Pelotas a comparação entre as curvas das tendências por ICSAP e pelas demais causas de hospitalizações apresentaram formatos diferentes (Figura 2).
Em Pelotas, os maiores coeficientes de ICSAP foram verificados entre os indivíduos na faixa etária de 60 anos ou mais, seguidos do grupo até nove anos, enquanto os menores valores foram constatados na faixa etária de 10 a 19 anos. Ao se observar as médias móveis constatou-se que cada período não se sobrepôs ao anterior evidenciando novamente a queda nas ICSAP, com os coeficientes das faixas etárias diminuindo no decorrer dos períodos analisados (Figura 3).
As principais causas de internações por condições sensíveis à atenção primária no período analisado foram: insuficiência cardíaca (13,2%), angina (10,7%), doenças cerebrovasculares (9,8%), infecção do rim e do trato urinário (9,7%) e doenças pulmonares (9,3%).
A cobertura de ESF em Pelotas mostrou crescimento progressivo até 2017 atingindo 75,5%, a partir desse ano observaram-se diminuições dos percentuais. No Rio Grande do Sul destacaram-se três momentos. O primeiro até 2007 com aumento progressivo de cobertura até atingir 75,5%, seguido de queda para 34,2% no ano seguinte e gradativo crescimento até 2018 (Tabela 2). A análise de tendência da cobertura de ESF em Pelotas (2,84; IC95% 1,19 a 4,49; valor de p = 0,002) evidenciou aumento da cobertura entre 2002 e 2020. A cobertura de ESF no restante do Rio Grande do Sul mostrou-se estacionária (0,83; IC95% -1,03 a 2,70; valor de p = 0,363).
Quanto ao gasto público per capita em saúde constatou-se evidente aumento tanto em Pelotas como no restante do Rio Grande do Sul ao longo do período, sendo três vezes maior do que o valor inicial em ambos os locais. Na comparação, os gastos em Pelotas foram superiores até 2005, após constataram-se maiores valores no restante do Rio Grande do Sul (Tabela 2). A análise de tendência confirmou o crescimento do gasto público per capita em saúde tanto em Pelotas (29,89; IC95% 23,60 a 36,18; valor de p <0,001), como no restante do Rio Grande do Sul (37,43; IC95% 31,71 a 43,15; valor de p <0,001).
Em Pelotas, a análise revelou associação inversamente proporcional entre ICSAP e cobertura de ESF (-0,11; IC95% -0,15 a -0,07; valor de p <0,001) e com o gasto público per capita em saúde (-0,02; IC95% -0,02 a –0,01; valor de p <0,001). No restante do Rio Grande do Sul os resultados da análise de associação mostraram que a cobertura de ESF (-0,06; IC95% -0,20 a 0,08; valor de p = 0,406) não estava associada com as ICSAP. No entanto, o aumento significativo do gasto público per capita em saúde (-0,02; IC95% -0,02 a -0,01; valor de p <0,001) estava associado à diminuição das ICSAP.

Discussão
Os resultados mostraram queda das ICSAP no período estudado tanto em Pelotas, objeto deste estudo, como no restante do Estado do Rio Grande do Sul. Esta tendência foi mais evidente na visualização das curvas a partir de 2011 e foi confirmada pela análise de regressão. Outros estudos com delineamento ecológico, realizados recentemente no Brasil utilizaram diferentes períodos de tempo, métodos de análise de tendência e grupos populacionais encontrando redução nos coeficientes de ICSAP. Investigação analisando o Brasil e suas regiões utilizando taxas padronizadas segundo regressão linear simples e modelo linear generalizado gama também mostrou queda dos coeficientes das ICSAP no período de 2010 a 20199. Viacava et al. analisaram o período de 2000 a 2021 e evidenciaram que as ICSAP decresceram no Brasil e nas grandes regiões mediante a análise do seu percentual em relação ao total de internações21. No Estado de Goiás, de 2010 a 2015, a análise por regressão linear generalizada de Prais-Winsten encontrou tendência decrescente dos coeficientes de ICSAP na maioria das regiões de saúde15. No Estado de Rondônia, entre 2012 e 2016, observou-se leve tendência de diminuição da frequência do percentual de ICSAP em relação a todas as hospitalizações23. Estudo realizado em Santa Catarina, no período de 2008 a 2015, avaliou os coeficientes de ICSAP em idosos mediante análise estratificada por sexo, com taxas padronizadas e por meio de regressão linear segmentada demonstrando diminuição das internações, sendo que a variação maior foi entre as mulheres e nos idosos com mais de 80 anos especialmente a partir de 20127. No Rio Grande do Norte, no período de 2008 a 2016, na população de 60 anos ou mais foi observada redução das ICSAP a partir de 201124. Em Senador Canedo/GO, de 2001 a 2016, mediante regressão de Prais-Winsten foi encontrada tendência temporal decrescente das ICSAP no conjunto de doenças cardiocirculatórias e nas taxas de internação por insuficiência cardíaca8. Este conjunto de resultados positivos provavelmente esta associado à melhora da qualidade da atenção primária. Estudo realizado com dados do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB) mostrou que nos municípios com melhor avaliação o número de ICSAP foi menor14.
A queda dos coeficientes de ICSAP observadas em Pelotas durante a Pandemia pode estar acompanhando tendências detectadas em outros estudos realizados no Brasil. Estudo ecológico incluindo todo o país e verificando internações por todas as causas de 2017 a 2021 revelou o decréscimo do número de hospitalizações por doenças crônicas não transmissíveis, independentemente de sexo e faixa etária, constatando as maiores diminuições nas regiões Norte e Sul, como consequência do cenário de distanciamento social e da sobrecarga dos serviços de saúde25. Albuquerque et al. mostraram redução nas internações hospitalares por doenças respiratórias Não-COVID, mostrando quedas em condições como asma, pneumonia, bronquite aguda, doença pulmonar obstrutiva crônica, bronquiectasia, todas incluídas na Lista Brasileira de Condições Sensíveis à Atenção Primária26.
A análise da ocorrência de ICSAP não evidenciou predomínio entre os sexos em Pelotas, embora no restante do Rio Grande do Sul os coeficientes tenham sido mais elevados entre as mulheres. Outros estudos conduzidos no Brasil também apontaram a ocorrência de ICSAP de acordo com o sexo em diferentes direções. Viacava et al. mostraram valores um pouco maiores nos residentes do sexo masculino21. Enquanto, o estudo de Santos et al. apresentou maiores taxas padronizadas no sexo masculino em quase todo o país, com exceção da região Sudeste9. Como esperado, encontrou-se maior ocorrência de ICSAP entre as pessoas com idade de 60 anos ou mais, seguidas da faixa etária até nove anos. Outros estudos também demonstraram maiores coeficientes de internações nas faixas etárias extremas9,14.
Entre as principais causas de internações constatou-se predomínio das doenças crônicas não transmissíveis no período acompanhando a tendência de outros estudos realizados no Brasil. Viacava et al. analisaram as ICSAP em período semelhante ao do presente estudo e mostraram como causas mais frequentes na Região Sul: acidente vascular cerebral, insuficiência cardíaca, infecção do trato urinário, angina instável e pneumonia bacteriana21. Já Santos et al. (2022) conduziram estudo ecológico no período de 2010 a 2019 analisando as principais causas de acordo com o sexo9. Em 2019, os principais motivos de internações foram infecção de rins e trato urinário, gastroenterite infecciosa e complicações e doenças cerebrovasculares entre as mulheres. Entre os homens as causas de internação mais elevadas foram doenças cerebrovasculares, gastroenterite infecciosa e complicações e insuficiência cardíaca, ou seja, uma relação de condições muito semelhante à de Pelotas, com predomínio das doenças crônicas não transmissíveis. Certamente programas como o HiperDia, Farmácia Popular, Telessaúde contribuíram para a diminuição das ICSAP.
Os resultados mostraram que o aumento da cobertura de ESF e do gasto público per capita em saúde estavam associados com a diminuição das ICSAP em Pelotas, acompanhando os resultados de outras investigações15,27. Estudos têm classificado a ESF como consolidada a partir de cobertura populacional de 70% e funcionamento há quatro anos28. No presente estudo, a partir de 2018, verificaram-se diminuições das coberturas populacionais de ESF em Pelotas e no restante do Rio Grande do Sul, enquadrando-se na classificação intermediária (cobertura entre 30 e 69%). Este resultado pode ter sido reflexo do término do Programa Mais Médicos29 em 2019 e da implantação do Programa Previne Brasil30, nova forma de financiamento da atenção primária que instituiu a remuneração por captação de pacientes, entre outras medidas.
Apesar do aumento significativo do gasto público per capita em saúde constatado no presente estudo, vale dizer que os maiores valores atingidos em Pelotas e no Rio Grande do Sul em 2021 corresponderam à US$ 202,75 e US$ 223,26 respectivamente. Para comparação, o artigo emblemático de Macincko e Harris31 em 2015 já tinha mostrado que o gasto per capita em saúde no Brasil, atingia US$ 1056,00, porém 57,8% deste valor era privado. Naquele momento o gasto público per capita em saúde atingiu US$ 490,00, sendo classificado como insuficiente Mais recentemente, após a introdução e definição de gastos nas esferas de governo e no financiamento da saúde, diversos autores têm refletido que no Brasil os percentuais do Produto Interno Bruto aplicados em saúde são comparáveis com os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), entretanto perdura o fato que valores acima de 50% dos recursos aplicados são privados, sinalizando financiamento público ainda insuficiente32,33.
Estudos ecológicos apresentam limitações próprias pelo seu delineamento, como a falácia ecológica e pelo uso de dados secundários, propensos a problemas de sub-registro, de representatividade e de classificação. Entretanto, o SIH/SUS foi criado com intenção contábil, diminuindo a possibilidade desses erros. Quanto à representatividade, o SIH/SUS restringe-se às informações sobre internações dos hospitais credenciados ao SUS, mas certamente é o sistema utilizado pela maioria da população de Pelotas. Outro problema refere-se a possibilidade de ocorrência de casos de reinternações dos mesmos indivíduos, indetectáveis na coleta de dados, mas que na presente análise superestimariam os coeficientes reforçando os resultados. Quanto à qualidade dos dados, sabe-se que os sistemas de informação têm cada vez mais sido utilizados aprimorando sua qualidade, além disso, as internações hospitalares têm sido submetidas a auditoria pela Secretaria Municipal de Saúde. Deve-se destacar que a análise foi conduzida com método robusto e adequado, a série histórica foi longa e a padronização dos coeficientes eliminou as diferenças de estrutura por sexo e idade permitindo comparações.
O acompanhamento permanente das ICSAP deveria ser apoiado e praticado pelos municípios por tratar-se de indicador disponível, rápido e barato, fornecendo dados para o entendimento do sistema local de saúde, podendo instrumentalizar a gestão na relação com o setor hospitalar, além de qualificar a atenção primária. Apesar do evidente decréscimo das ICSAP apresentada no presente estudo, ainda é necessária a análise de aspectos que poderiam ser incorporados para estimular a diminuição deste indicador, como por exemplo, subsidiar a educação continuada e a adoção de protocolos clínicos a partir da observação das internações por grupos de causas mais prevalentes.

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Stahnke, D.N., Medeiros, B.M, Martins,R.B, Dias-da-Costa, J. S.. Tendência de Internações por Condições Sensíveis à Atenção Primária em Pelotas de 2000 a 2021. Cien Saude Colet [periódico na internet] (2023/Ago). [Citado em 08/10/2024]. Está disponível em: http://cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/tendencia-de-internacoes-por-condicoes-sensiveis-a-atencao-primaria-em-pelotas-de-2000-a-2021/18865?id=18865&id=18865

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