0305/2024 - Violência por parceiro íntimo e ideação suicida em gestantes do sul do Brasil
Intimate Partner Violence and Suicidal Ideation Among Pregnant Women in Southern Brazil
Autor:
• Vanessa Iribarrem Avena Miranda - Miranda, V.I.A - <vanessairi@gmail.com>ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9156-5036
Coautor(es):
• Rafael Zaneripe de Souza Nunes - Nunes, R.Z.S - <rafaelzaneripe.psico@gmail.com>ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6195-0400
• Marcos Bauer Torriani - Torriani, M.B - <marcosbauer@unesc.net>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5890-1539
• Letícia Monteiro Bettiol - Bettiol, L.M - <leticiamonteirobettiol@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9977-8116
• Lisiane Tuon - Tuon, L - <ltb@unesc.net>
• Fernanda Oliveira Meller - Meller, F.O - <fernandameller@unesc.net>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1174-4721
• Antônio Augusto Schäfer - Schäfer, A.A - <antonioaschafer@ unesc.net>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8834-0434
• Susana Cararo Confortin - Confortin, S.C - <susanaconfortin@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5159-4062
Resumo:
Objetivo: Analisar a associação entre violência por parceiro íntimo (VPI) e ideação suicida em gestantes do sul do Brasil. Metodologia: Trata-se de um estudo transversal com gestantes da Atenção Primária à Saúde, em Criciúma, Brasil, em 2022. Avaliou-se a ideação suicida através do questionário validado PHQ-9, a VPI foi avaliada pela World Health Organization Violence Against Women. Foram realizadas análise de regressão de Poisson bruta e ajustada. Resultados: Das 389 gestantes avaliadas, a maioria tem idade de 20 á 30 anos (58,1%), são de cor de pele branca (68,1%), um terço delas tem até 8 anos de estudo (29,0%), e cerca da metade tem renda entre R$ 1.001,00 e 2.000,00 (45,0%), não pratica atividade física (91,2%), sofreram VPI na gestação (13,6%) e 7,4% relataram IS. Na análise ajustada, gestantes que sofreram VPI apresentaram 2,44 (IC95%: 1,11; 5,36) vezes mais risco de IS do que gestantes que não sofreram VPI. Conclusão: Os dados evidenciaram que a VPI na gestação foi associada ao maior risco de ideação suicida.Palavras-chave:
Ideação Suicida; Violência por Parceiro Íntimo; Gravidez;Abstract:
Objective: The present study aimed to analyze the association between intimate partner violence (IPV) and suicidal ideation among pregnant women in southern Brazil. Methodology: This was a cross-sectional study with pregnant womenPrimary Health Care in Criciúma, Brazil, in 2022. Suicidal ideation was assessed using the validated PHQ-9 questionnaire, and IPV was evaluated using the World Health Organization Violence Against Women questionnaire. Crude and adjusted Poisson regression analyses were performed. Results: Of the 389 evaluated pregnant women, the majority were aged 20 to 30 years (58.1%), of white skin color (68.1%), one-third had up to 8 years of education (29.0%), and approximately half had an income between R$ 1,001.00 and R$ 2,000.00 (45.0%). Most did not engage in physical activity (91.2%), and 13.6% experienced IPV during pregnancy, with 7.4% reporting suicidal ideation. In the adjusted analysis, pregnant women who experienced IPV were 2.44 times more likely to have suicidal ideation than those who did not experience IPV (95% CI: 1.11; 5.36). Conclusion: The data showed that IPV during pregnancy was associated with a higher risk of suicidal ideation.Keywords:
Suicidal Ideation; Intimate Partner Violence; Pregnancy.Conteúdo:
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2002), o suicídio se configura por um ato intencional para acabar com a própria vida. Ao longo dos anos o suicídio vem se apresentando como um grande problema para a saúde pública no mundo e no Brasil, envolvendo desde fatores socioculturais, históricos, psicossociais até fatores ambientais, trazendo sofrimento tanto para as vítimas, quanto para as pessoas que convivem com elas 1.
Em 2019, cerca de um bilhão de pessoas viviam com algum transtorno mental, sendo o suicídio responsável por mais de uma em cada 100 mortes e 58,0% destes ocorreram antes dos 50 anos de idade 2. Concernente ao público feminino, durante a gravidez o suicídio é considerado como uma das principais causas de mortes maternas, com as taxas de ideação suicida variando de 5% a 14%, avaliadas principalmente pela Escala de Depressão Pós-natal de Edimburgo (EPDS) (3,4), segundo Lindahl et al 5, os suicídios podem ser responsáveis por até 20% das mortes pós-parto, sendo a depressão um dos fatores mais significativos durante o período perinatal responsável por aumentar as tendências suicidas na gestação e após o parto.
Entre os fatores de risco para suicídio materno estão mães mais jovens, com menor escolaridade, solteiras, com histórico de abuso infantil, instabilidade financeira, comorbidade psiquiátrica e violência por parceiro íntimo (VPI), sendo muito semelhantes a maioria dos fatores de risco para a população em geral. Contudo, na gestação o fato de não estar casado ou ter problemas com a relação conjugal pode ser um agravante 6. Nesse sentido, Alhusen et al. 7 demonstraram risco independente da VPI durante a gravidez, conferindo aumento nos casos de ideação suicida, mesmo após controle da sintomatologia depressiva.
Considerando que os objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS), propostos pelas Nações Unidas, destaca o objetivo 16, que busca, entre outros aspectos, promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos, reduzir significativamente todas as formas de violência e as taxas de mortalidade relacionada em todos os lugares 8, o presente estudo teve como objetivo analisar a associação entre VPI e ideação suicida em gestantes do sul do Brasil.
Metodologia
Desenho do estudo e amostra
Trata-se de um estudo transversal que faz parte da pesquisa intitulada “Saúde mental e condições de vida das gestantes atendidas na Atenção Primária à Saúde”. A pesquisa foi desenvolvida na cidade de Criciúma no período de abril a dezembro de 2022. Criciúma está localizada no extremo sul de Santa Catarina e conta com uma população de cerca de 217.965 habitantes, com Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,788 e densidade populacional em torno de 815,87 habitantes por km 9.
Foram incluídas no estudo gestantes com idade igual ou superior a 18 anos, que realizaram o pré-natal nas 48 Unidades Básicas de Saúde (UBS) do município e que estavam no terceiro trimestre de gestação no momento da pesquisa. Gestantes que eram de outra nacionalidade que impedia a compreensão da língua portuguesa, que sofreram aborto ou que tinham gestação de alto risco foram excluídas do estudo.
A identificação das mulheres que estavam no terceiro trimestre de gestação foi realizada através do sistema de saúde utilizado pelo município, chamado “CELK Saúde”. Este sistema possibilitou gerar relatórios mensais com a data provável do parto de cada gestante para os próximos três meses, correspondentes ao terceiro trimestre de gestação. Ao gerar os relatórios de forma mensal, foi possível identificar “novas” gestantes que ainda não tinham sido identificadas nas buscas anteriores, devido a atraso na inserção dos dados no sistema CELK, atraso na descoberta da gestação e/ou na busca por atendimento pré-natal. Em seguida, era utilizado um filtro de seleção no software Excel para identificar as gestantes com idade igual ou superior a 18 anos. Todas as gestantes que estavam no terceiro trimestre foram convidadas a participar.
Para o cálculo do tamanho da amostra foi considerada a média anual de gestantes atendidas na Atenção Primária à Saúde (APS) de Criciúma (n=1.517), além dos seguintes parâmetros: nível de confiança de 95%, poder estatístico de 80% e prevalência desconhecida do desfecho de 50%. Após adicionar 10% para perdas e recusas e 15% para controle de fatores de confusão, totalizou-se 384 gestantes a serem estudadas. Para as análises deste artigo, foram consideradas todas as mulheres que tiveram relacionamento com parceiro íntimo na gestação.
Coleta de dados
As entrevistas foram realizadas de forma presencial, em local reservado, durante a consulta de pré-natal ou em domicílio, por entrevistadores previamente treinados. Para a coleta dos dados foi utilizado tablets e o tempo médio de entrevista foi de 30 minutos. O questionário incluiu informações sociodemográficas, comportamentais, de saúde e relacionadas à gestação e pré-natal. E os dados foram armazenados no software RedCap®.
Variáveis estudadas
Violência por parceiro íntimo
A violência contra a mulher foi avaliada através do instrumento da Organização Mundial de Saúde - World Health Organization Violence Against Women (WHO-VAW), validado para uso no Brasil 10, o qual aborda violência psicológica, física e sexual praticada por parceiros íntimos. Foi considerado como parceiro íntimo: cônjuge, companheiro, parceiro e namorado. A variável de exposição principal, VPI foi construída considerando “sim” para aquelas mulheres que sofreram pelo menos um dos três tipos de violência durante a gestação.
Ideação suicida
A presença de ideação suicida foi avaliada pelo Questionário de Saúde do Paciente (PHQ-9), previamente validado para a população brasileira 11. Este instrumento constitui-se de nove perguntas considerando um período recordatório de duas semanas. A nona questão é referente a ideação suicida e é questionada da seguinte forma: “Nas últimas duas semanas, quantos dias o(a) Sr. (a) pensou em se ferir de alguma maneira ou que seria melhor estar morto(a)?” A frequência do sintoma é avaliada em uma escala Likert de 0 a 3 correspondendo às respostas “nenhuma vez” (que foi considerado como “não), “vários dias”, “mais da metade dos dias” e “quase todos os dias” (considerado “sim” para ideação suicida).
Covariáveis
As variáveis consideradas possíveis fatores de confusão foram: idade (18-19, 20-25, 26-30, 31-35, >35 anos), cor da pele (branca, preta, parda, amarela, indígena), mora com companheiro (não, sim), escolaridade (0-4, 5-8, 9-11, ?12 anos), renda mensal (<500,00, de 500,00-1.000,00, de 1.001,00-2.000,00, >2.000,00 reais) qualidade do sono (muito bom, bom, regular, ruim, muito ruim) e prática suficiente de atividade física (não, sim). A prática de atividade física foi avaliada através da versão longa do Questionário Internacional de Atividade Física (IPAQ), considerando atividades de lazer e deslocamento (Matsuda et al., 2011). Prática suficiente de atividade física foi considerada quando a gestante praticava, pelo menos, 150 minutos por semana (IPAQ, 2005).
Análise estatística
Frequências absolutas (n) e relativas (%) foram calculadas por meio das análises descritivas das variáveis estudadas e seus respectivos intervalos de confiança 95% (IC95%). As análises brutas da associação entre ideação suicida e as VPI foram realizadas através do teste exato de Fisher considerando nível de significância de 5%.
Análises ajustadas foram realizadas para verificar se a associação entre ideação suicida e VPI na gestação era independente de possíveis fatores de confusão. Para essas análises foi utilizada regressão de Poisson com variância robusta ajustada pelas covariáveis, respeitando os níveis hierárquicos de determinação. No nível 1 (distal) foram incluídas as variáveis demográficas (idade e cor da pele); no nível 2 (intermediário), as socioeconômicas (escolaridade e renda) e, no nível 3 (proximal), incluiu-se as variáveis comportamentais (qualidade do sono e prática suficiente de atividade física). Para a seleção das variáveis no modelo ajustado, utilizando-se método backward. As variáveis com nível de significância de 20% (valor p <0,20) foram mantidas no modelo final como possíveis fatores de confusão. A medida de efeito apresentada foi a razão de prevalência (RP) bem como seus respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%).
Todas as análises foram conduzidas no programa Stata versão 17.0.
Considerações éticas
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Extremo Sul Catarinense em outubro de 2021 sob parecer número 5.053.755. Todas as gestantes selecionadas para a pesquisa que aceitaram participar do estudo forneceram consentimento verbal, permitindo sua participação.
Resultados
Das 428 gestantes estudadas (taxa de resposta de 85,6%), 389 tinham parceiro íntimo e fizeram parte da presente amostra. Dentre essas, a maioria tinha idade de 20 a 30 anos (58,1%), era de cor de pele branca (68,1%). Um terço delas tinha até 8 anos de estudo (29,0%) e cerca da metade tinha renda mensal entre R$ 1.001,00 e 2.000,00 (45,0%).
A prevalência de VPI na gestação foi de 13,6% e de ideação suicida foi de 7,4%. A ideação suicida foi mais prevalente entre as gestantes que sofreram VPI (20,8% vs 5,2%) (Tabela 1).
A associação bruta e ajustada entre a VPI e a ideação suicida foram apresentadas na Figura 1. Verifica-se que a ideação suicida permanece associada à VPI mesmo após ajuste para os possíveis fatores de confusão. As gestantes que sofreram VPI tiveram risco 2,44 (IC95%: 1,11; 5,36) vezes maior de ideação suicida quando comparadas às que não sofreram VPI.
Discussão
O presente estudo aponta que, gestantes do terceiro trimestre que sofreram violência por parceiro íntimo, têm mais risco de ter ideação suicida, quando comparadas à gestantes do mesmo período mas que não sofreram violência.
No presente estudo, a prevalência de ideação suicida foi de 7,4%, corroborando com pesquisa desenvolvida na China com gestantes que também estavam no terceiro trimestre de gestação. O estudo mostrou que 6,7% das gestantes apresentaram ideação suicida 12. Essas prevalências são superiores à encontrada na população brasileira. Faisal-Cury et al.13 ao analisar gestantes entrevistadas na Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2019, encontraram que 3,9% delas tinham ideação suicida. Assim como no presente estudo, para avaliar ideação suicida foi utilizada a questão nove do questionário PHQ-9. No entanto, cabe ressaltar que a PNS não é uma pesquisa representativa das gestantes, portanto, esse resultado precisa ser interpretado com cautela, uma vez que a prevalência pode estar subestimada.
Revisão sistemática e meta-análise incluindo pesquisas de diferentes países encontrou prevalência de 10% de ideação suicida em mulheres durante a gestação 14. Prevalência superior à encontrada no presente estudo foi observado em um estudo desenvolvido na Etiópia que evidenciou que 18,8% das gestantes reportaram ideação suicida, sendo que 13,3% delas reportaram essa condição no último mês anterior à entrevista 15.
No que se refere a maior prevalência de ideação suicida entre as mulheres que sofreram VPI apresentado neste estudo, ressalta-se que a ideação é um fenômeno multifatorial, como demonstrado por Gabriel e Mendes 16, em uma revisão de literatura sobre ideação suicida em mulheres no período perinatal, os autores demonstraram que a presença de diversos fatores pode influenciar no aparecimento de ideação suicida, incluindo VPI, pobreza, ansiedade, depressão, má qualidade do sono e stress. Adicionalmente, Araújo et. al 17, complementaram o potencial da VPI como preditora de ideação e pensamentos suicidas, indicando que gestantes que sofrem VPI tem maior vulnerabilidade para ideação, corroborando com os dados do presente estudo. Os autores ainda relataram que vítimas de VPI tem menor adesão ao pré-natal, o que distancia as gestantes dos cuidados próprios do pré-natal e dos cuidados com a sua saúde mental, disponibilizados pela rede de saúde, que poderiam contribuir para acolhimento e orientação de gestantes vítimas de VPI.
Em relação a associação da VPI como maior risco de ideação suicida, estudos prévios corroboram com o presente estudo. Uma pesquisa realizada na Cidade do Cabo, na África do Sul, com 376 gestantes durante as consultas de pré-natal em uma unidade obstétrica, constatou que a VPI foi associada tanto a pensamentos suicidas quanto a comportamento suicida 18. Outro estudo, também na África do Sul, encontrou resultados semelhantes, onde gestantes que relataram ideação suicida apresentavam maiores médias de VPI, apresentando associação significativa com a ideação suicida 19.
Por outro lado, um estudo conduzido em uma zona urbana no Sri Lanka apontou que mulheres que experienciam ao menos uma forma de VPI durante a gestação estão quatro vezes mais propensas a relatar ideação ou comportamento suicida 20. Resultados semelhantes foram encontrados em Gana, onde gestantes que relataram VPI tinham 2,6 mais chances de apresentarem depressão pré-natal, e aquelas que relataram estarem sofrendo atualmente de algum abuso por parte do parceiro tiveram 6,5 mais chances de apresentar comportamento suicida, compreendendo a ideação, planejamento e tentativa de suicídio 21. Os dados no presente estudo e nos estudos supracitados corroboram com uma revisão sistemática que reuniu estudos do Brasil, Estados Unidos da América (EUA), Bangladesh, Finlândia, Itália, Paquistão e Peru, onde os fatores de risco para ideação suicida durante o período gestacional foram VPI, menos de 12 anos de estudo, e sintomas depressivos 22. Outra revisão narrativa que contemplou estudos conduzidos com gestantes em diversas partes do mundo também identificou a VPI como um dos diversos fatores de riscos relativos à ideação suicida na gestação, apontando para a necessidade de uma abordagem compreensiva das múltiplas variáveis que se associam ao suicídio em gestantes, com intuito de responder de maneira efetiva e contextualizada a esse problema 23.
O estudo conduzido por Soares et al. 24, que pesquisou gestantes e puérperas com ideação suicida, identificou em suas falas que gatilhos poderiam funcionar como desencadeadores iniciais para movimentos de tentativa de suicídio, uma vez já mencionado demais fatores impactantes sobre a saúde mental das gestantes, como isolamento, descompasso entre expectativa e realidade e autoavaliação negativa, culminando, portanto, na própria tentativa. Estas observações devem ser destacadas a fim de se questionar sobre o potencial avassalador da VPI, que muito além de um gatilho, representa na vida da gestante um momento de grandes mudanças.
Em uma revisão de escopo que procurou investigar os efeitos da VPI na saúde de gestantes de países de baixa e média renda foi possível identificar que estas gestantes têm mais chances de apresentar depressão pós-parto, abortos espontâneos, gravidez indesejada, ideação suicida e automutilação, demonstrando a multiplicidade e abrangência do impacto da violência por parceiro íntimo em mulheres durante o período gestacional 25. Embora o suicídio seja um problema de saúde pública, existem várias intervenções que podem ajudar a reduzir a mortalidade materna, como o rastreio da depressão e do transtorno por consumo de substâncias, como bebidas alcoólicas e outras drogas, e a integração de tratamentos de saúde mental nos cuidados primários. Além disso, a equipe de saúde também deve estar ciente dos importantes fatores de risco para o suicídio, tais como diagnósticos de saúde mental e uso de substâncias, violência interpessoal, histórico de abuso e apoio social deficiente, necessitando assim, de vigilância e monitoramento para estes casos 26.
O presente estudo possui algumas limitações, dentre elas que o delineamento transversal não permite determinar causalidade e temporalidade nos resultados, pois a VPI e a ideação suicida foram medidas no mesmo momento. Além disso, é possível que a prevalência de VPI seja subestimada, pois existe a probabilidade de as mulheres ocultarem a ocorrência da violência em razão da rotulação dessa condição.
Como fortalezas, vale ressaltar que se trata de uma amostra representativa da população de gestantes atendidas na APS, o uso de instrumentos validados para medir a VPI e a ideação suicida. Assim como, o fato de ainda ser uma temática recente e pouco explorada na literatura, especialmente na população brasileira, contribuindo com que os resultados apresentados sejam relevantes para o conhecimento científico sobre o assunto.
Conclusão
Os dados evidenciaram que a VPI na gestação está associada ao maior risco de ideação suicida. Nesse sentido, compreendendo a violência como um problema grave que afeta não apenas a segurança e o bem-estar das mulheres, mas também sua saúde mental, refletindo impactos psicológicos e emocionais da violência, como a ideação suicida, fica evidente a urgência da abordagem como questão de saúde pública.
Ressalta-se a importância de abordagens eficazes e integradas para combater tanto a violência contra as mulheres quanto a ideação suicida, exigindo uma estratégia interdisciplinar que envolva múltiplos setores, como saúde, assistência social, justiça, educação e a comunidade em geral. Estas abordagens devem ser capazes de fornecer serviços de prevenção, intervenção e apoio apropriados, refletindo a colaboração essencial entre estes diversos setores. Destacam-se, como estratégias de saúde pública, a prevenção primária, que busca reduzir a incidência de violência contra mulheres, e a prevenção secundária, focada na detecção precoce e no tratamento de problemas de saúde mental, incluindo a ideação suicida. É fundamental, além das intervenções específicas, o investimento em programas de educação e sensibilização que fomentem a igualdade de gênero, combatam a violência e diminuam o estigma ligado à saúde mental.
Agradecimento: Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (FAPESC).
Financiamento: Este trabalho recebeu financiamento da FAPESC (Nº 15/2021).
Conflitos de interesse: Os autores declaram não haver nenhum.
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Referências
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