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Violência obstétrica prejudica o bebê e sua mãe

Publicada em 19/10/2024 | Novidades


Violência obstétrica prejudica o bebê e sua mãe

October 18, 2024 

Maria Cecília de Souza Minayo, Editora-chefe da Revista Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Luiza Gualhano, Editora assistente da Revista Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Logo do periódico Ciência & Saúde Coletiva

Apesar de todos os esforços dos movimentos feministas a favor da igualdade de gênero, a violência contra meninas e mulheres continua escancaradamente presente no Brasil, como um antivalor de longa duração, como diria Fernand Braudel (1989). Contra todas as expetativas, essa violência ocorre eventualmente também nos serviços de saúde – que deveriam primar pelo cuidado e respeito à dignidade humana.

Neste press release, analisam-se os abusos e desrespeitos que ocorrem antes, durante e depois do parto, a partir do artigo Epidemiologia da violência obstétrica: uma revisão narrativa do contexto brasileiro de Leite, et al., publicado em Ciência & Saúde Coletiva (vol. 29, no. 9, 2024). O termo “violência” deixa clara a ocorrência de violação dos direitos humanos e reprodutivos. E o termo “obstétrico” refere-se ao ciclo gravídico – pré-parto, parto e pós-parto – abrangendo, inclusive, maus-tratos às mulheres em situação de aborto (Katz, et al., 2020). As evidências apresentadas pelas autoras destacam a urgência de enfrentar esse tipo de agravo como problema de saúde pública.

O artigo cita várias pesquisas nacionais. O primeiro inquérito que abarcou a violência obstétrica foi o “Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado”, realizado pela Fundação Perseu Abramo (2010). Essa pesquisa contemplou 1.466 mulheres que relataram ter tido algum tipo de abuso em pelo menos uma gestação prévia.

Fotografia de uma estátua de uma mulher segurando um bebê no colo e beijando sua face

Imagem: André Az via Fiocruz Imagens.

A pesquisa “Nascer no Brasil I” (Leal. et al., 2012) mostrou os cenários das mulheres brasileiras que se sentiram desrespeitadas durante todo o processo de nascimento (d’Orci, et al, 2014): 24,5% não tinham acompanhante durante o parto; 56,1% foram submetidas a episiotomia e 37,3% à manobra de Kristeller. No total, 45% delas relataram pelo menos um ato de violência obstétrica durante o parto, incluindo violência física ou psicológica, falta de informação, ausência de privacidade e de autonomia (Leal, et al., 2014).

Outra pesquisa, a Coorte de Nascimentos de Pelotas (RS) coletou informações sobre violência obstétrica até três meses após o parto. A amostra incluiu 4.275 puérperas e mostrou que 10% delas sofreram abuso verbal (5%) e físico (6%), tendo sido submetidas a procedimentos inapropriados e 6% tiveram algum tipo de cuidado negado. No total, 18,3% das mulheres relataram maus-tratos no último parto (Mesenburg, et al., 2018). A violência obstétrica é maior entre mulheres que passaram por demanda de procedimentos para aborto quando comparadas com as que tiveram parto normal. O julgamento moral, muito forte socialmente está arraigado também na mentalidade e na prática dos profissionais de saúde (Perseu Abramo, 2010; Madeiro, et al., 2016).

Nos últimos cinco anos, aumentou a produção acadêmica sobre as consequências da violência obstétrica na saúde das mulheres e dos recém-nascidos. Os primeiros estudos exploraram os efeitos da violência obstétrica na saúde mental da mãe, focando na depressão e no transtorno de estresse pós-traumático no pós-parto (TEPT).

A pesquisa “Nascer no Brasil I” mostra que o aumento da depressão pós-parto ocorre com todas as mulheres que sofrem violência obstétrica, independentemente de terem tido parto vaginal ou cesariana, em serviços públicos ou privados (Leal, et al., 2024). A Coorte de Nascimentos de Pelotas corrobora essa afirmação. E estudiosos de uma coorte em Ribeirão Preto observam que o risco de sofrer depressão pós-parto aumenta concomitantemente ao número de atos de violência obstétrica sofridos. Essa associação é mais relevante entre mulheres negras e adolescentes (Dornellas, et al., 2022).

Embora a maior parte da literatura esteja centrada em desfechos relacionados à saúde mental há outros transtornos provocados pela violência obstétrica, dentre as quais: o afastamento das mães dos serviços de saúde; dificuldades na amamentação (Leite, et al., 2023) e maior probabilidade de morte materna e neonatal (Leite, et al., 2024).

Assim, o empoderamento da mulher e de seu nível de exigência em relação um tratamento digno e respeitoso, a formação e capacitação dos profissionais de saúde sobre o tema, a vigilância epidemiológica, a denúncia dos maus-tratos e o amparo legal são hoje as principais recomendações em relação ao melhor atendimento possível às mulheres antes, durante e depois do parto.

Os bebês agradecem com um saudável crescimento e desenvolvimento por toda a vida.

Para ler o artigo, acesse

LEITE, T.H., et al. Epidemiologia da violência obstétrica: uma revisão narrativa do contexto brasileiro. Ciênc. saúde coletiva [online]. 2024, vol. 29, no. 9, e12222023 [viewed 18 October 2024]. https://doi.org/10.1590/1413-81232024299.12222023. Available from: https://www.scielo.br/j/csc/a/LbMdhqnGHfRRhNfJWJgpPjd

Referências

BRAUDEL, F. Gramática das Civilizações. Lisboa: Editora Martins Fontes, 1989.

D’ORSI, E.; et al. Desigualdades sociais e satisfação das mulheres com o atendimento ao parto no Brasil: estudo nacional de base hospitalar. Cad. Saúde Pública [online]. 2014, vol. 30, suppl. 1, pp. S154-S168 [viewed 18 October 2024]. https://doi.org/10.1590/0102-311X00087813. Available from: https://www.scielo.br/j/csp/a/ZfLNJPcLjcrxDbRVg4sfj4S/

DORNELAS, A.C.V.D.R., et al. Abuse, disrespect and mistreatment during childbirth care: contribution of the Ribeirão Preto cohorts, Brazil. Ciênc. saúde coletiva [online]. 2024, vol. 27, no. 2, pp. 535-544 [viewed 18 October 2024]. https://doi.org/10.1590/1413-81232022272.01672021. Available from: https://www.scielo.br/j/csc/a/gtYz7dy3bxwLLj4GGMYjVBb

FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO. Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2010.

KATZ, L., et al. Quem tem medo da violência obstétrica? Rev. Bras. Saude Mater. Infant. [online]. 2020, vol. 20, no. 2, pp. 623-626 [viewed 18 October 2024]. https://doi.org/10.1590/1806-93042020000200017. Available from: https://www.scielo.br/j/rbsmi/a/RDwVm7ZV3DksbRBsKLBwXjw

LEAL, C., et al. Birth in Brazil: National Survey into Labor and Birth. Reproductive Health [online]. 2012, 15 [viewed 18 October 2024]. https://doi.org/10.1186/1742-4755-9-15. Available from: https://reproductive-health-journal.biomedcentral.com/articles/10.1186/1742-4755-9-15

LEAL, M.C., et al. Obstetric interventions during labor and childbirth in Brazilian low-risk women. Cad. Saúde Pública [online]. 2014, vol. 30, suppl. 1, pp. S1-16 [viewed 18 October 2024]. https://doi.org/10.1590/0102-311X00151513. Available from: https://www.scielo.br/j/csp/a/gydTTxDCwvmPqTw9gTWFgGd

LEITE, T.H., et al. The Effect of Obstetric Violence during Childbirth on Breastfeeding: Findings from a Perinatal Cohort “Birth in Brazil.” The Lancet Regional Health – Americas [online]. 2023, vol. 19, 100438 [viewed 18 October 2024]. https://doi.org/10.1016/j.lana.2023.100438. Available from: https://www.thelancet.com/journals/lanam/article/PIIS2667-193X(23)00012-1

MESENBURG, M.A., et al. Disrespect and abuse of women during the process of childbirth in the 2015 Pelotas birth cohort Prof. Suellen Miller. Reproductive Health [online]. 2018, vol. 15, no. 1, pp. 1-8 [viewed 18 October 2024]. https://doi.org/10.1186/s12978-018-0495-6. Available from: https://reproductive-health-journal.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12978-018-0495-6

Links externos

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Para ler a edição temática completa acesse: https://www.scielo.br/j/csc/i/2024.v29n9/

 


Fonte: Scielo




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