EN PT

Artigos

0490/2007 - A equipe multiprofissional da 'Saúde da Família': uma reflexão sobre o papel do fisioterapeuta.
The multiprofessional teams of ‘Family Health‘: a reflection about the physiotherapist role.

Autor:

• Mônica de Rezende - Rezende, M. - Rio de Janeiro, RJ - Escola Nacional de Saúde Pùblica Sérgio Arouca / FIOCRUZ - <monica.rezende@ensp.fiocruz.br>


Área Temática:

Não Categorizado

Resumo:

Este artigo pretende contribuir para o debate instituído sobre a composição das equipes de Saúde da Família. Deve ser apreendido como uma reflexão sobre a possibilidade de integração do fisioterapeuta nas equipes, na intenção de mostrar os aspectos da profissão que a tornam capaz de potencializar a resolutividade da Atenção Básica.
No estudo foram analisados os documentos legais que aprovam as normas para habilitação ao exercício da profissão de fisioterapeuta. Nos anos 1970 e 1980, acompanhando a reforma sanitária brasileira, tais documentos oficializaram o processo que levou a Fisioterapia, profissão historicamente reconhecida pela atuação clínica, a mudar seu objeto de trabalho, aproximando o fisioterapeuta de práticas preventivas e de promoção da saúde, típicas do primeiro nível do cuidado.
Concluiu-se que tal mudança abriu importante espaço de integração ainda pouco trabalhado e propõe-se seu aprofundamento, direcionando a reflexão para as formas de integração e a necessidade que se impõe aos gestores de planejar suas ações de forma articulada com a comunidade, a partir da análise da situação de saúde no nível local, garantindo a intervenção sobre problemas e grupos populacionais prioritários.

Abstract:

This article is intended to contribute for the debate instituted about the composition of “Family Health” teams. It must be understood as a reflection about the possibility of integrating the physiotherapist to those teams, aiming to stress the aspects of the profession that allow the increase of the outcome of primary health care.
On this study, we analyze the legal documents that approve the rules for qualifying professional physiotherapists. In 1970’s and 1980’s, following Brazilian sanitary reform, those documents made official the process that led physiotherapy – a profession historically recognized for clinic actuation – into a shift of its work object. This change approximated physiotherapists to preventive and health promotion practices, typical of the first care level.
We conclude that such changes opened fields for integration, which is still little explored. We propose to strengthen these new fields, by focusing the reflection on forms of integration and on the necessity imposed to the managers to plan their actions in articulation with the community, taking into account the local health situation and assuring intervention on problems according to the priority of population groups.

Conteúdo:

INTRODUÇÃO
O Sistema Único de Saúde (SUS), resultado de um processo de lutas políticas e setoriais capitaneadas pelo movimento sanitário brasileiro, tem o objetivo de garantir a saúde como direito do cidadão e dever do Estado. Propõe, como horizonte, a superação dos limites do modelo médico-assistencial privatista, que tem como bases a especialização do profissional e a ênfase na doença e no processo de cura.
Nessa dimensão, a incorporação do conceito ampliado de saúde, que a associa às condições de vida, norteia a formulação e a implementação de estratégias que viabilizem um serviço de saúde universal, integral, eficaz, eficiente, com equidade e participação popular.
Uma dessas estratégias é a “Saúde da Família”. Inserida no nível da atenção básica do sistema, fundamenta-se no trabalho de equipes multiprofissionais que, de acordo com o Ministério da Saúde, devem ser compostas, no mínimo, por um médico, um enfermeiro, um auxiliar de enfermagem e seis agentes comunitários de saúde e, quando ampliada, inclui ainda um dentista, um auxiliar de consultório dentário e um técnico em higiene dental1.
A co-responsabilidade dos governos municipais e federal pelo financiamento das equipes de Saúde da Família, somada à diretriz apresentada pelo Ministério da Saúde para sua composição mínima, cria a necessidade de ampliar a discussão sobre a integração, nas equipes, de outras categorias profissionais não contempladas diretamente na proposta do governo federal, assim como sobre as possíveis formas de se fazer essa integração.
Formular e implementar um sistema de saúde estruturado sob os princípios da universalidade, da integralidade e da equidade, tendo como diretrizes a descentralização da gestão, a regionalização e hierarquização do planejamento e oferta dos serviços de saúde e a participação comunitária (controle social), implica, necessária e obrigatoriamente, em radical mudança de concepção, de mentalidade no tocante à compreensão da saúde e sua dimensão e, consequentemente, em relação ao fenômeno vida.
A demanda por reflexão e diálogo em torno dessa perspectiva nova, ocorre tanto na esfera interna de cada profissão quanto no campo da saúde como um todo. Por um lado, é preciso que os profissionais reflitam conjuntamente sobre as finalidades de sua prática, reconstruindo o sentido e o significado do seu agir, tornando-os coerentes com a proposta apresentada, em especial no que tange à atenção básica. Por outro, torna-se indispensável a ponderação, junto a gestores e organizações comprometidas com a participação social, sobre a relação entre a composição das equipes e as necessidades de saúde das comunidades.
Desse modo, identificar os objetos de trabalho e estudo da Fisioterapia por intermédio da análise de documentos legais que aprovam as normas para habilitação ao exercício da profissão de fisioterapeuta; relacionar as mudanças destes objetos no decorrer do processo de construção do Sistema Único de Saúde com as transformações ocorridas no cenário da Saúde Pública no Brasil e analisar de que forma a Fisioterapia pode, a partir destas mudanças, integrar-se à estratégia Saúde da Família, são propostas que se encontram contidas e permeiam este artigo.
O presente artigo, pois, se insere no contexto sanitário atual como uma contribuição ao debate instituído sobre a composição das equipes de Saúde da Família. Deve ser apreendido como uma reflexão cujos objetivos se assentam na análise sobre a possibilidade de integração do fisioterapeuta nas equipes de Saúde da Família, na intenção de mostrar os aspectos da profissão que a tornam capaz de potencializar a resolutividade nesse primeiro nível da atenção à saúde e na expectativa de se constituir em instrumento para o fortalecer a estratégia Saúde da Família, somando esforços na direção da consolidação dos princípios e pressupostos do Sistema Único de Saúde brasileiro.
Importante registrar, também, que este texto é resultado de estudo realizado no âmbito da linha de pesquisa que abriga o projeto “Avaliação da inserção do fisioterapeuta na estratégia Saúde da Família: um estudo de caso”. Tal projeto foi aprovado e selecionado de acordo com os termos do Edital nº49/2005, iniciativa conjunta dos Ministérios da Saúde e da Ciência e Tecnologia. Está sendo desenvolvido pela Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, da Fundação Oswaldo Cruz, no município de Macaé, estado do Rio de Janeiro, no período de 2005 a 2007, com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e colaboração da Secretaria Municipal de Saúde do citado município.

OS CAMINHOS DA FISIOTERAPIA
A Fisioterapia surgiu como uma “especialidade paramédica2” com o propósito de reabilitar e preparar pessoas fisicamente lesadas nas grandes guerras, em acidentes de trabalho ou por doenças oriundas das condições sanitárias precárias para o retorno à vida produtiva3.
No Brasil, foi criada como profissão de nível superior em outubro de 1969, pelo Decreto-Lei nº. 938, que, em seu art.3º, estabeleceu que “é atividade privativa do fisioterapeuta executar métodos e técnicas fisioterápicas com a finalidade de restaurar, desenvolver e conservar a capacidade física do paciente4”.
O uso do termo “paciente” indica uma proposta de atuação voltada para o indivíduo doente e, portanto, já em fase de tratamento3. É coerente com o pensamento clínico sobre o processo saúde-doença, que faz com que a saúde seja “entendida ou representada como ausência de doença e a organização dos serviços medicamente definida5”.
Fundamentados neste ideário, os esforços dos profissionais e/ou áreas de estudo preocupadas com as condições de saúde do homem concentram-se na descoberta de novos métodos de “tratamento” das doenças, revelando a predominância de uma assistência “curativa”, recuperativa e reabilitadora.
Na década de 1970, surgiram, no cenário mundial, novos conceitos de saúde e novas concepções do processo saúde-doença mais vinculadas à qualidade de vida de uma população e que procuravam articular, como dimensões explicativas, a biologia humana, os estilos de vida, o ambiente e serviços de saúde. A publicação do documento “A new perspective on the health of canadians”, em 1974, por Marc Lalonde6, marca o início do moderno movimento da Promoção da Saúde e apresenta a perspectiva da história social das doenças.
A partir da Declaração de Alma-Ata, em 1978, a Atenção Primária à Saúde (APS) passou a ser defendida como estratégia para se alcançar a meta ‘Saúde para Todos’, inicialmente proposta com o ano 2000 como prazo limite, posteriormente estendido para o século XXI. De acordo com a proposta, governos, organizações internacionais e toda a comunidade mundial deveriam unir esforços para que todos os povos do mundo atingissem um nível de saúde que lhes permitissem levar uma vida social e economicamente produtiva7.
No Brasil, acompanhando esse movimento, intensificaram-se as críticas ao modelo vigente (centrado na assistência médico-hospitalar), resultando na implantação, por intermédio da reforma do ensino médio e da saúde pública8, da proposta da medicina preventiva.
Em 1975, com a criação do Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (COFITTO), pela Lei nº. 6.316, iniciou-se o processo de regulamentação da profissão de Fisioterapia. Tendo o Conselho, como uma de suas incumbências, exercer função normativa, emitiu, em fevereiro de 1978, a Resolução COFITTO nº. 08, aprovando as normas para habilitação ao exercício da profissão de fisioterapeuta que, refletindo o movimento da saúde então vigente, definiu como atos desse profissional, “planejar, programar, ordenar, coordenar, executar e supervisionar métodos e técnicas fisioterápicos que visem a saúde nos níveis de prevenção primária, secundária e terciária9”. (Grifo nosso)
Em relação ao Decreto-Lei nº. 938/69, a Resolução COFITTO nº. 08/78 ampliou consideravelmente o campo de atuação do fisioterapeuta, tanto em relação aos níveis de assistência (prevenção primária, secundária e terciária) quanto ao foco da atenção, passando a apreender a saúde do indivíduo como um todo e não mais apenas no que diz respeito à sua capacidade física.
Estas alterações conceituais, embora importantes, demonstram-se frágeis quando a mencionada Resolução, no seu Art.3º, fixa o ato profissional na terapia física: “prescrever, ministrar e supervisionar terapia física que objetive preservar, manter, desenvolver ou restaurar a integridade de órgão, sistema ou função do corpo humano9” (grifo nosso), posto que o termo “terapia” está diretamente relacionado ao substantivo “terapêutica” que refere-se à “parte da medicina que estuda e põe em prática os meios adequados para aliviar ou curar os doentes10”.
A partir do momento em que os fisioterapeutas ampliaram seu campo de atuação e apresentaram-se como aptos a contribuir, também, na prevenção primária, eles criaram a necessidade de rever e reestruturar sua prática. O processo de transformação, no entanto, ficou incompleto, na medida em que faltou atribuir a si, na regulamentação, ações de educação em saúde e prevenção de doenças.
A década de 1980 foi um período efervescente, em que o Movimento da Reforma Sanitária despontou como um dos protagonistas políticos na luta pela redemocratização do país. Respaldado pelas novas concepções do processo saúde-doença, surgidas no cenário mundial, o movimento buscou a redefinição da política de saúde brasileira, a partir da incorporação de seus determinantes sociais, da ênfase às condições de vida e da garantia do direito do exercício da cidadania.
A Oitava Conferência Nacional de Saúde (8ª CNS), cuja realização esteve diretamente vinculada ao movimento sanitarista, ocorreu em março de 1986, tendo como um de seus principais temas (senão o principal), a reformulação do sistema nacional de saúde. Em seu Relatório Final11, a saúde foi definida em sentido mais abrangente, como “resultado das formas de organização social da produção, as quais podem gerar grandes desigualdades nos níveis de vida” e foi proposta a criação de um sistema unificado de saúde, com “a integralização das ações, superando a dicotomia preventivo-curativo”.
Em maio de 1987, após a 8ª CNS e antes da criação do Sistema Único de Saúde, a Resolução COFFITO nº. 80, por meio de Atos Complementares, buscou ampliar as atribuições do Fisioterapeuta expressas na Resolução nº. 08/78, numa perspectiva que procurou adequar a Fisioterapia ao novo momento do cenário sanitário brasileiro.
Dentre as considerações da Resolução nº. 80, deve ser destacada a que alude ao objeto de estudo e trabalho do fisioterapeuta:
“A fisioterapia é uma ciência aplicada, cujo objeto de estudos é o movimento humano em todas as suas formas de expressão e potencialidades, quer nas suas alterações patológicas, quer nas suas repercussões psíquicas e orgânicas, com objetivos de preservar, manter, desenvolver ou restaurar a integridade de órgão, sistema ou função12”. (Grifo nosso)
Essa foi uma mudança essencial, porque o movimento é a forma de comunicação do indivíduo com o mundo externo, que acontece a partir da sua interação com o meio em que vive. Não há comunicação sem movimento: a fala produz-se a partir do movimento; a respiração só ocorre com movimento; através do movimento, os indivíduos expressam seus sentimentos e assumem posturas diante dos desafios da vida. Assim, ao assumir o movimento como seu objeto, o fisioterapeuta adotou uma perspectiva relacional, pensando o sujeito não apenas por suas características biológicas, mas também o considerando na sua dimensão social.
Visto dessa forma, o fisioterapeuta deve atuar em interação com outros profissionais, para melhor compreender e poder interferir positivamente, no sentido de ampliar e de tornar mais rica e prazerosa a relação permanente do indivíduo com seu ambiente. Junto com os usuários dos serviços de saúde, deve refletir sobre o uso que eles fazem do próprio corpo nas suas relações com o espaço e com outras pessoas e, a partir de então, promover ações visando à melhoria da qualidade de vida no presente e para o futuro. Muito mais do que tratar e reabilitar, o fisioterapeuta tem o encargo de agir na direção do desenvolvimento das potencialidades do indivíduo para exercer suas atividades laborativas e da vida diária. Esse posicionamento está diretamente relacionado ao que explicita a Resolução COFITTO nº. 80/87:
“Por sua formação acadêmico-profissional, pode o fisioterapeuta atuar juntamente com outros profissionais nos diversos níveis da assistência à saúde, na administração de serviços, na área educacional e no desenvolvimento de pesquisas12”. (Grifo nosso)
Esta consideração atesta o fisioterapeuta como um profissional apto a atuar na Atenção Básica tal como se configura na atualidade: o primeiro nível do sistema de assistência à saúde, articulado com os demais, com o intuito de garantir maior acesso aos cuidados e integralidade da atenção, consoante a Declaração de Alma-Ata de que os cuidados primários “têm em vista os problemas de saúde da comunidade, proporcionando serviços de promoção, prevenção, cura e reabilitação, conforme as necessidades7”.
A reabilitação, a partir dos anos 1980, assumiu perspectiva diferente da adotada na medicina preventiva, que encontra-se respaldada na história natural das doenças. O documento “Programa de Ação Mundial para Pessoas com Deficiência”, aprovado e divulgado pela Organização das Nações Unidas em 1982, ressaltou que o direito dos “deficientes” (termo utilizado no documento) situava-se no mesmo patamar de oportunidades dos demais cidadãos, ao afirmar que a eles também caberia “usufruir, em condição de igualdade, das melhorias nas condições de vida”. A novidade decorreu de uma visão abrangente e multidimensional, que compreendeu ações de reabilitação como treinamento e empowerment do portador de necessidades especiais, intervenções sociais amplas, adaptação do meio ambiente e proteção dos direitos do portador13.
A discussão conceitual em relação ao portador de necessidades especiais e à reabilitação levou à associação de dois componentes principais: o funcional e o social. Este enfoque influenciou, também, a assistência em reabilitação daqueles que apresentam lesões transitórias e foi referida em uma das considerações da citada Resolução nº. 80/87, que apresentou a reabilitação como “uma proposta de atuação multiprofissional voltada para a recuperação e o bem-estar bio-psico-social do indivíduo12”.
Afora a discussão do objeto do fisioterapeuta, a possibilidade de trazer a reabilitação e o tratamento de distúrbios do movimento para o ambiente em que o indivíduo vive e desenvolve suas atividades - tornando-os mais eficientes, acessíveis e prevenindo transtornos maiores para as pessoas que convivem com algum problema – ratifica, sobremodo, o espaço que se abre para a Fisioterapia no primeiro nível da atenção.
Contudo, de acordo com os termos da Resolução nº. 80/87, o ato do fisioterapeuta é, ainda, restrito ao “processo terapêutico” e, portanto, à relação com a doença:
“Baseando-se nas condições psico-físico-social, [o fisioterapeuta] busca promover, aperfeiçoar ou adaptar, através de uma relação terapêutica, o indivíduo a uma melhor qualidade de vida12”. (Grifo nosso)
Para melhor entendimento da questão, cabe assinalar a relação observada entre transformações marcantes no âmbito da Fisioterapia e mudanças importantes ocorridas na área da saúde, vista como um todo. Nesse sentido, o Quadro 1 sintetiza um conjunto de eventos, os quais informam e subsidiam a construção do presente texto.
O desenho comparativo apresentado no Quadro 1 permite perceber as mudanças no objeto de estudo, no campo de atuação e no foco da atenção da fisioterapia, em consonância com as alterações que ocorreram, no mesmo período, na área da saúde. Entretanto, dois elementos suscitam reflexão: 1) o ato profissional permaneceu enfatizando a terapia física e, 2) após a criação do Sistema Único de Saúde, não houve nenhuma complementação a essas Resoluções.
A insistência no ato terapêutico, enquanto uma intervenção destinada a minorar ou solucionar um problema físico localizado, parece sintomática. Para esse tipo de atividade, o fisioterapeuta encontra mercado de trabalho e reconhecimento profissional. Vale considerar que, embora a Fisioterapia seja recente como profissão, apresenta-se como um dos campos mais antigos da saúde, pois os agentes físicos vêm sendo utilizados há milhares de anos no tratamento das patologias, sendo que determinadas condutas fisioterapêuticas construídas em torno desse eixo “tem mostrado inegável eficácia nas diversas áreas em que atua14” e no enfrentamento de variadas situações.
O segundo elemento de reflexão diz respeito à inserção e ao papel do fisioterapeuta no Sistema Único de Saúde, criado como parte de uma dinâmica histórica e social que significa um olhar diferente em relação à percepção sobre as causas das doenças e dos problemas de saúde. A nova política sanitária obriga, em especial, mudanças nos modelos de atenção, definidos genericamente como “combinações de saberes (conhecimentos) e técnicas (métodos e instrumentos) utilizados para atender necessidades de saúde individuais e coletivas15”.
No entanto, mudar modelos instalados e em operação é um processo lento e tenso, na medida em que eles representam políticas e práticas que retratam interesses profissionais, de instituições e de corporações. A tensão tem reflexo e encontra ressonância nas decisões (ou ausência delas) de cada categoria profissional. No tocante á Fisioterapia, se evidencia pela ausência de complementação da regulamentação da profissão pós surgimento do Sistema Único de Saúde, principalmente em relação ao ato profissional.

A BUSCA PELA ATENÇÃO INTEGRAL À SAÚDE
O fundamento para a regionalização dos serviços e dos sistemas de serviços de saúde organizados em bases populacionais, juntamente com a moderna concepção de atenção primária à saúde, é encontra-se no Relatório Dawson, de 1920, publicado no Reino Unido. No mesmo relatório preconiza-se a organização do sistema de serviços de saúde em três níveis: os centros primários de atenção, os centros secundários e os hospitais de ensino16.
A determinação e abrangência da atenção primária à saúde como doutrina universal, entretanto, ocorreu somente em 1978, na Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde, realizada em Alma-Ata, a partir da qual a Organização Mundial de Saúde começou a estabelecer estratégias para operacionalizar as metas então acordadas16.
Dessa maneira, segundo a Declaração de Alma-Ata, os cuidados primários de saúde
“representam o primeiro nível de contato dos indivíduos, da família e da comunidade com o sistema nacional de saúde, através do qual os cuidados de saúde são levados o mais proximamente possível aos lugares onde pessoas vivem e trabalham, e constituem o primeiro elemento de um continuado processo de assistência à saúde7”.
O Sistema Único de Saúde propõe que os serviços de saúde sejam organizados por níveis de atenção. A Lei 8.080, de setembro de 1990, que regula as ações e serviços de saúde no âmbito do Sistema, prevê que as ações devem ser desenvolvidas e organizadas em uma rede de serviços regionalizada e hierarquizada. A tecnologia utilizada nas ações deve ser adequada a cada nível, com mecanismos formalizados de referência e contra-referência, visando o atendimento integral da população.
A Atenção Básica passa, então, a ser compreendida como “porta de entrada” para o sistema de saúde, passando a ser defendida como o primeiro nível do cuidado, representado por “um conjunto de ações de saúde, no âmbito individual e coletivo, que abrangem a promoção e a proteção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação e a manutenção da saúde17”.
Assim, por possuir capacidade de resolução em relação a grande parte dos problemas de saúde da população, a Atenção Básica, se bem estruturada, permite reduzir o fluxo de usuários para os níveis de maior densidade tecnológica, racionalizando o uso da tecnologia e dos recursos terapêuticos mais caros e possibilitando maior acesso aos cuidados. A proposta, portanto, é viabilizar, a partir do primeiro nível do cuidado, a integração dos diversos pontos de atenção à saúde, possibilitando uma assistência contínua, de qualidade, com menor custo e em lugar e tempo certos.
Em meados da década de 1990, a partir de um acúmulo de experiências implementadas por todo o país, com destaque para o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS), o Programa Saúde da Família (PSF) é adotado pelo governo federal como eixo estruturante da Atenção Básica no Sistema Único de Saúde. Hoje chancelado como estratégia Saúde da Família, o modelo apresenta, introduz e induz mudanças relevantes no processo de trabalho em saúde, como resultado da transformação das Unidades Básicas de Saúde (UBS) em Unidades de Saúde da Família (USF)18.
Ao contrário do modelo assistencial privatista, no qual o profissional médico tem presença predominante nas intervenções, ocasionando um papel secundário aos demais profissionais que compõem a força de trabalho na saúde, a Saúde da Família baseia-se, essencialmente, no trabalho das equipes18. Cabe a elas, entre outras atribuições: cadastrar todas as famílias de uma determinada região, identificar os problemas de saúde dessa população cadastrada, planejar suas ações dentro das necessidades locais, acompanhar os grupos mais vulneráveis, realizar atendimentos de qualidade (agendados previamente, por demanda espontânea nas unidades ou em visita em domicílio), desenvolver ações de educação e promoção da saúde e estabelecer vínculos de compromisso e co-responsabilidade com as pessoas da comunidade.
Tais funções devem ser desempenhadas tanto numa abordagem individual quanto coletiva. O profissional deve partir da premissa de que as alterações físicas ou mentais vivenciadas pelos indivíduos geram uma desarticulação de sua existência, abalando e desestruturando a dinâmica de sua família e dos demais grupos com os quais se relacionam e nos quais se encontram inseridos. É imprescindível perceber a multicausalidade dos processos mórbidos, contextualizando, sempre, o indivíduo em seu ambiente19.
Por outro lado, a relação e o vínculo dos profissionais com os membros da comunidade, usuários dos serviços, dá-se através de ações, reações e efeitos que geram novas situações e apresentam novos desafios num processo continuo de busca por atenuar ou superar problemas e obstáculos20. Aqui revela-se a complexidade do trabalho profissional nesse primeiro nível da atenção5, visto que o cumprimento de uma atividade integrada e cooperativa exige o desenvolvimento de um conjunto de novas competências21.
No entanto, além de novas competências, o trabalho profissional das equipes envolve, também, atividades e conhecimentos técnicos que estão constituídos e situados nas esferas de diferentes categorias profissionais. Saberes bem definidos, que compõem a “caixa de ferramentas” do trabalhador da saúde e que concebem o olhar do profissional sobre o usuário, “enquanto objeto de sua intervenção, em um processo de captura do mundo daquele e de suas necessidades22”.
Nessa perspectiva, a integração de profissionais de várias categorias nas equipes de Saúde da Família permite distintos olhares, ampliando as possibilidades inovadoras das práticas do cuidado e aumentando o potencial de resolutividade, com qualidade e sem descaracterizar a proposta original.


Outros idiomas:







Como

Citar

Rezende, M.. A equipe multiprofissional da 'Saúde da Família': uma reflexão sobre o papel do fisioterapeuta.. Cien Saude Colet [periódico na internet] (2007/ago). [Citado em 20/07/2025]. Está disponível em: http://cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/a-equipe-multiprofissional-da-saude-da-familia-uma-reflexao-sobre-o-papel-do-fisioterapeuta/1020?id=1020

Últimos

Artigos



Realização



Patrocínio