0306/2006 - A influência das quedas na qualidade de vida de idosos
The influence of the falls in the quality of the elderly’s life
Autor:
• Adalgisa Peixoto Ribeiro - Ribeiro, A.P - Rio de Janeiro - Claves/Fiocruz - <adalpeixoto@yahoo.com.br>ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9415-8068
Área Temática:
Não CategorizadoResumo:
ResumoO objetivo desse artigo é analisar o efeito das quedas e suas conseqüências na qualidade de vida de idosos de uma comunidade de baixa renda do município do Rio de Janeiro. Este artigo é parte de um estudo exploratório realizado no CLAVES, que usou metodologia quantitativa e qualitativa. No presente trabalho utilizou-se um recorte dos dados quantitativos referentes às quedas e à qualidade de vida. Participaram do estudo 72 idosos com idade de 60 ou mais anos, entre os quais 51,4% eram do sexo feminino, 20,8% moravam sozinhos e 37,5% admitiram ter caído no último ano. Entre as conseqüências mais citadas das quedas estão as fraturas (24,3%), o medo de cair (88,5%), o abandono de atividades (26,9%), a modificação de hábitos (23,1%) e a imobilização (19%). A análise mostrou que há influência das quedas na qualidade de vida dos idosos estudados. Em todos os domínios do WHOQOL-Bref houve redução nas médias do grupo que caiu no último ano em relação aos que não caíram e a diferença foi mais significativa no domínio Psicológico. Enfim, as quedas são freqüentes entre os idosos e trazem conseqüências que alteram negativamente a qualidade de vida dessas pessoas. Sua ocorrência pode ser evitada com medidas preventivas adequadas, identificando causas e desenvolvendo métodos para reduzir sua ocorrência.
Palavras-chave: saúde do idoso, quedas, qualidade de vida.
Abstract:
AbstractThe objective of this article is to analyze the effect of the falls and their consequences in the quality of the aged’s life that live in a low revenue’s community of Rio de Janeiro town. This article is part of an explorative research made in CLAVES, that has used the quantitative and qualitative methods. In this work, was used a cutting from these quantitative facts, regarding to the falls and to the quality of life. 72 elderly from more than 60 years-old, participated of the research, among them, 51,4% are females, 20,8% live alone and 37,5% admitted their last year’s falls. Among the most named falls are the fractures (24,3%), the fear of falling (88,5%), the activities abandon (26,9%), change of habits (23,1%) and the immobilization (19%). The analysis showed that there’s influence of the falls in the quality of these aged’s life. In the WHOQOL-Bref domain, there was a reduction in the means of the groups that fell in the last year, comparing to the ones that didn’t fall and the difference was more significant in the psychological domain. At last, the falls are frequent among the elderly and they bring consequences that change the quality of these people’s life in a negative way. Their incident can be avoided with preventive and appropriate methods, identifying the causes and developing methods to reduce incidents.
Keywords: aging health, falls, quality of life.
Conteúdo:
Introdução
O processo de envelhecimento vem acompanhado por problemas de saúde físicos e mentais provocados, freqüentemente, por doenças crônicas e quedas.
Desse modo, o conceito de saúde para este grupo populacional não pode se basear no parâmetro de completo bem-estar físico, psíquico e social preconizado pela Organização Mundial de Saúde, mas deve se reger pelo paradigma da capacidade funcional1.
A queda é um evento acidental que tem como resultado a mudança de posição do indivíduo para um nível mais baixo, em relação a sua posição inicial2 com incapacidade de correção em tempo hábil3 e apoio no solo. Não se considera queda quando o indivíduo somente cai de costas em um assento, por exemplo4.
A estabilidade do corpo depende da recepção adequada de informações através de componentes sensoriais, cognitivos, do sistema nervoso central e musculoesquelético de forma integrada. O efeito cumulativo de alterações relacionadas à idade, doenças e meio-ambiente inadequado parecem predispor à queda5.
A origem da queda pode ser associada a fatores intrínsecos – decorrentes de alterações fisiológicas do envelhecimento, doenças e efeitos de medicamentos, e a fatores extrínsecos – circunstâncias sociais e ambientais que oferecem desafios ao idoso6.
As quedas apresentam diversos impactos na vida de um idoso que podem incluir morbidade importante, mortalidade, deterioração funcional, hospitalização, institucionalização e consumo de serviços sociais e de saúde7. Além das conseqüências diretas da queda, os idosos restringem suas atividades devido a dores, incapacidades, medo de cair, atitudes protetoras de familiares e cuidadores ou até mesmo por aconselhamento de profissionais de saúde8, 5.
Em 2005, ocorreram 61.368 hospitalizações por queda de pessoas com 60 anos ou mais de idade, de ambos os sexos, representando 2,8% de todas as internações de idosos no país e 54,4% das internações por todas as lesões e envenenamentos neste grupo etário. No estado do Rio de Janeiro, o percentual de hospitalizações por queda entre os idosos atingiu 3,7% de todas as internações de idosos no estado9. Na capital deste estado foram 1.934 hospitalizações de idosos devido às quedas, expressando 6,5% das internações por todas as causas das pessoas nesta faixa etária e 60,5% de todas as lesões e envenenamentos que geraram hospitalizações entre este grupo. É preciso levar em consideração que essas foram as quedas mais graves e que exigiram cuidados hospitalares mais intensos, mas uma grande parcela desses eventos não leva o idoso a procurar os serviços de saúde por não apresentarem seqüelas tão graves como uma fratura ou algum outro tipo de ferimento. Além disso, alguns casos são atendidos em serviços de emergência ou postos de saúde.
Além da morbidade advinda da queda, a mortalidade entre os idosos por esta causa externa é muito comum e seus registros podem ser encontrados em diversos estudos já realizados no país. Fabrício et al6 mostraram em seu trabalho, realizado com 50 idosos, que 28% deles faleceram por conseqüências diretas da queda, entre elas, fraturas e lesões neurológicas. Outro fato a ser levado em consideração é que a maioria dos óbitos ocorreu entre as mulheres (78,5%). Somente no estado do Rio de Janeiro, 441 pessoas idosas morreram por causa das quedas em 2004 e essas mortes representaram 1,0% de todos os óbitos de idosos no estado. No Brasil, em 2004, as mortes por queda entre os idosos chegaram a 3.024 e esse percentual representou 0,6% de todas as mortes de idosos no país9.
Entre os idosos é comum acontecerem multimorbidades e reincidência das quedas, gerando incapacidades parciais ou dependência e pior qualidade de vida. A qualidade de vida da pessoa idosa se vê ainda mais deteriorada quando estão presentes problemas de saúde, muito freqüentes na idade avançada, a violência e certos fatores de risco para quedas e outros acidentes.
O conceito de qualidade de vida pode ser concebido como uma representação social com parâmetros objetivos – satisfação das necessidades básicas e criadas pelo grau de desenvolvimento econômico e social da sociedade – e subjetivos – bem-estar, felicidade, amor, prazer, realização pessoal10. Além desses parâmetros, o conceito também inclui critérios de satisfação individual e de bem-estar coletivo. Ao analisar a qualidade de vida, devem-se considerar fatores políticos e de desenvolvimento humano. O grau de satisfação humana nas diferentes esferas de vida (familiar, amorosa, ambiental, social, profissional e existencial) relaciona-se ao padrão de conforto e bem-estar estabelecido pela sociedade, historicamente. Em relação à saúde, “as noções se unem em uma resultante social da construção coletiva dos padrões de conforto e tolerância que determinada sociedade estabelece, como parâmetros, para si” (p.10). Segundo Matos11, quanto mais aprimorada é a democracia, mais ampla é a noção de qualidade de vida.
Vecchia et al12 em uma pesquisa sobre a compreensão do que vem a ser qualidade de vida para os idosos, encontraram diversos fatores que influenciam a vida no sentido de uma boa qualidade. São eles: relacionamentos interpessoais, boa saúde física e mental, bens materiais (casa, carro, salário, acesso a serviços de saúde), lazer, trabalho, espiritualidade, honestidade e solidariedade, educação (ao longo da vida) e ambiente favorável (sem poluição e sem violência). Esses fatores também são confirmados por outros autores13, 14, 15.
Embora não haja um consenso acerca da definição de qualidade de vida, a Organização Mundial de Saúde16 considera que a subjetividade, a muldimensionalidade e as dimensões positivas e negativas são aspectos fundamentais para a compreensão deste constructo.
O desenvolvimento desses aspectos levou à definição de qualidade de vida como “a percepção do indivíduo de sua posição na vida no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações“ (p. 45)17.
O objetivo do presente estudo é analisar o efeito das quedas e suas conseqüências na qualidade de vida de idosos moradores de uma comunidade de baixa renda do município do Rio de Janeiro.
Metodologia
Este artigo é parte de um estudo exploratório realizado no Centro Latino Americano de Estudos sobre Violência e Saude/CLAVES18, no município do Rio de Janeiro, que usou metodologia quantitativa e qualitativa. No presente trabalho utilizou-se um recorte dos dados quantitativos referentes às quedas e à qualidade de vida.
Foram incluídos 72 idosos com idade de 60 ou mais anos, em uma amostra de conveniência, moradores de uma comunidade de baixa renda do município do Rio de Janeiro. Esta comunidade se localiza na zona norte da cidade, nas proximidades da Fundação Oswaldo Cruz e é composta por cerca de 50.000 moradores. Possui cerca de 12.000 domicílios, sendo que 30% deles são construídos em áreas consideradas irregulares, provisórias ou de risco19. Concentra grandes e graves insuficiências, precariedades e ausência de infra-estrutura urbana e de serviços públicos de educação, saúde, cultura, lazer e segurança pública. Essas áreas têm uma vocação para o desenvolvimento de organizações socioculturais enraizadas na vida local. Nessas organizações existem autoridades informais locais, legitimadas por identidades coletivas territoriais e que podem ser de natureza legal ou ilegal como é o caso do narcotráfico que negocia até mesmo o acesso da favela aos bens públicos da cidade20. A violência perpetrada pelo grupo de narcotraficantes que controla o comércio de drogas ilícitas no local é uma situação constante vivenciada pelos moradores dessa comunidade.
Para a coleta de informações junto aos idosos foi elaborado um questionário com questões fechadas e abertas sobre a situação sócio-demográfica, quedas e qualidade de vida. Neste questionário foi incluída uma escala padronizada de Avaliação da Qualidade de Vida da Organização Mundial de Saúde – WHOQOL em sua versão abreviada.
A versão abreviada do WHOQOL se constitui por vinte e seis questões subdivididas em quatro domínios de análise. São duas questões gerais de qualidade de vida e vinte quatro referentes aos domínios Físico, relativo a níveis de dor física e tratamento médico; Psicológico, referente a aceitação da aparência física, como aproveita a vida, etc; Relações Sociais com parentes, amigos, conhecidos e, finalmente Meio Ambiente, que investiga quanto o ambiente é saudável para o idoso 16.
As informações coletadas foram codificadas, digitadas e processadas em micro computador. Para a entrada de dados foi elaborada uma máscara utilizando o software Microsoft Access. Uma análise crítica dos dados foi feita para categorizar as questões abertas e corrigir erros originados nas fases de aplicação, codificação e digitação. Posteriormente, os dados foram exportados e manuseados para os softwares Microsoft Excel e SPSS (Statistical Package for the Social Sciences), versão 13.0, em que se realizou a descrição de freqüências simples, análises uni e bi-variadas de variáveis e alguns testes estatísticos.
O nível de significância estabelecido à priori foi de 5%. Entretanto o simples fato de estabelecer este ponto de corte não invalidou a hipótese de diferença nos casos em que a probabilidade de encontrar a hipótese nula ao acaso fosse próximo a 0,05.
Foram realizadas comparações entre médias por domínio para a escala de Avaliação de Qualidade de Vida da Organização Mundial de Saúde (WHOQOL-Bref) entre os grupos de idosos positivos ou não para quedas e das distintas faixas etárias (de 60 a 69 anos; 70 a 79 anos; 80 a 91 anos). Foi utilizado o teste t de Student com a finalidade de encontrar diferenças estatisticamente significativas entre os grupos segundo cada domínio. O teste t de Student é uma técnica empregada quando desejamos comparar duas médias amostrais para verificar se elas são estatisticamente diferentes. Esse teste tem o pressuposto de que as distribuições das variáveis contínuas utilizadas sejam aproximadamente normais (gaussianas). Tal pressuposto foi verificado e confirmado para cada distribuição dos domínios da escala por grupo de idosos (que apresentaram quedas ou não).
Todos assinaram um termo de consentimento para participar da pesquisa que foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública/FIOCRUZ.
Resultados e Discussão
Dos 72 idosos do presente estudo, 51,4% eram do sexo feminino e 20,8% moravam sozinhos. A faixa etária de 60 a 69 anos compreendia 41,7% dos sujeitos, de 70 a 79 anos, outros 41,7% e a faixa de 80 a 91 anos de 16,6% dos idosos.
Entre eles, 37,5% admitiram ter caído no último ano e dos que caíram 70,4% referiram uma só queda, enquanto 29,6% relataram mais de uma queda. Essa proporção de quedas é próxima à encontrada em um grupo de mulheres com 60 ou mais anos que freqüentam um programa de atividade física da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, no qual 43,0% delas sofreram quedas no último ano e bem menor que a proporção encontrada por Fabrício et al6 em um grupo de idosos em Ribeirão Preto onde 54,0% deles haviam caído no último ano.
O local onde ocorre a queda parece estar relacionado com as habilidades que o idoso apresenta para realizar as tarefas da vida diária e com a idade. Para Masud e Morris7 pessoas com idade menor que 75 anos têm maior probabilidade de cair em ambientes externos e os idosos com mais de 75 anos caem mais no interior de suas próprias residências. A maioria das quedas detectadas no presente estudo ocorreu na residência do idoso (59,5%), mas deve-se considerar os 40,5% dos casos ocorridos fora da residência. Nos idosos do trabalho de Ribeirão Preto6 66,0% das quedas ocorreram dentro da residência do idoso e 22,0% na rua.
Como conseqüência da queda, 24,3% dos idosos informaram ter sofrido fraturas, a mais freqüente foi a de fêmur (33,3%) e alguns fraturaram mais de um membro. As quedas levaram à necessidade de atendimento médico em 48,6% dos casos. Desses, 58,3% recorreram a um hospital de traumatologia, 77,8% a serviço de Pronto Socorro ou Emergência, 16,7% a Postos de Saúde e para 5,6% não se obteve essa informação. A freqüente ocorrência de fraturas em conseqüência das quedas é apontada também na literatura nacional e internacional, sobretudo as fraturas do fêmur3.
Além de fraturas, as quedas provocam uma série de outras conseqüências, conforme se pode ver no gráfico 1. O medo de voltar a cair passou a fazer parte da vida do idoso e foi referido por 88,5% dos 26 idosos que afirmaram haver tido alguma conseqüência. Dentre essas, se destacaram o abandono de certas atividades (26,9%), a modificação de hábitos (23,1%) e a imobilização (19%). Em relação aos problemas de saúde causados por quedas ou por outras condições, os dados da Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios/PNAD de 1998 revelam que 13,9% dos idosos brasileiros deixaram de realizar alguma atividade habitual nas duas últimas semanas por motivo de saúde e este relato aumentou com a idade de forma consistente em ambos os sexos21.
Gráfico 1
Idosos de Ribeirão Preto6 apresentaram como principais conseqüências das quedas as fraturas (64%), o medo de cair (44%), o abandono de atividades (12%) e a modificação de hábitos (18%), imobilização (4%), rearranjo familiar (2%), lesão neurológica (6%) e mudança de domicílio (10%).
O medo de cair, que entre os idosos do presente estudo foi encontrado em alta proporção, é uma conseqüência destacada por vários autores e traz consigo alterações como perda de autonomia e independência para as atividades de vida diária, diminuição das atividades sociais e sentimentos de fragilidade e insegurança4, 6.
Por outro lado, o medo pode atuar também como um fator protetor à medida que o idoso, em função dele, adota comportamentos preventivos. Isto aparece de certa forma nos dados do Rio de Janeiro comparados aos de Ribeirão Preto. Entre os idosos da primeira cidade, embora tenha havido menos fraturas devido a quedas, elas parecem ter sido mais graves, pois redundaram em mais lesão neurológica e imobilizações. Talvez por isso, o sentimento de medo esteve bem mais presente nos idosos cariocas, juntamente com os demais comportamentos investigados - abandonar certas atividades, modificar hábitos, buscar rearranjos familiares.
Entre os fatores de risco intrínsecos investigados destacam-se os problemas de saúde relatados por 77,8% dos idosos. Entre eles, os cardiovasculares (67,8%), osteomusculares (42,8%) e endócrinos (28,6%). Quando indagados se possuíam algum problema psiquiátrico, todos responderam negativamente. Vale destacar que esta questão foi feita de forma genérica e a interpretação ficou a critério dos idosos, nenhuma opção de doença psiquiátrica foi oferecida como opção de resposta. Dificuldades visuais (58,3%) e de locomoção (38,9%), além de problemas nos pés (47,1%) foram amplamente referidos.
Algumas alterações psíquicas que não necessariamente se traduzem em doenças psiquiátricas foram aqui denominadas problemas psicológicos e questionados enquanto fator intrínseco de risco para queda. Entre os mais citados encontram-se a dificuldade de sono e o sentimento de tristeza como se pode ver no gráfico 2.
Gráfico 2
A dificuldade de sono e sentimento de tristeza podem estar associados a sintomas depressivos; o aumento da freqüência urinária, perda de apetite, palpitações e agitação podem denotar ansiedade, mas também reações adversas pelo uso de medicamentos ou sintomas de alguma outra doença, como as cardiovasculares, por exemplo. Os eventos psicossociais negativos e o estresse são fatores que podem levar os idosos a alterações emocionais e a vulnerabilidade a quedas22.
O uso de medicamentos, um outro fator intrínseco muito freqüente entre idosos, foi relatado no presente estudo por 69,4% deles. Destacam os anti-hipertensivos (45,7%) e os antiinflamatórios (25,0%). O uso de 4 ou mais medicamentos de forma concomitante (polifarmácia) ocorre entre 20% dos idosos. Essa proporção de polifarmácia é bem menor se comparada com a encontrada entre os idosos de Ribeirão Preto (42,0%)6. Segundo Nascimento23 o idoso é alvo de uma medicação indiscriminada, abusiva e às vezes desnecessária, o que causa efeitos adversos pelo mecanismo de interação medicamentosa que pode levar até à morte.
Além dos fatores intrínsecos, as condições ambientais também influenciam o risco de cair. Os dados do presente estudo chamam a atenção para a precariedade das moradias improvisadas da área de residência dos idosos que não oferece as condições necessárias para sua segurança.
Como fatores extrínsecos foram aqui consideradas algumas condições ambientais com as quais os idosos têm que lidar em sua casa, como se pode ver no gráfico 3. Entre os fatores de risco para acidentes mais citados encontram-se o piso escorregadio na casa (70,6%), piso escorregadio no banheiro (66,2%), calçados inadequados (64,7%) e degraus na soleira da porta (55,9%). Além desses, várias outras situações de risco para quedas e outros acidentes foram relatadas como fazendo parte do ambiente doméstico e do cotidiano dos idosos que responderam ao questionário. Estes dados chamam a atenção para a precariedade das moradias improvisadas da área que não oferecem as condições necessárias para a segurança dos idosos.
Gráfico 3
Diante das experiências de quedas, os fatores de risco e as condições de saúde dos idosos pesquisados, buscou-se, a partir do instrumento padronizado pela Organização Mundial de Saúde, verificar a qualidade de vida desse grupo. Os dados da tabela 1 mostram os resultados das análises dos domínios do WHOQOL-Bref, segundo presença ou ausência de quedas no último ano.
Tabela 1
A análise mostrou que há influência das quedas na qualidade de vida dos idosos estudados. Em todos os domínios da escala aplicada houve uma redução nas médias do grupo que caiu no último ano. Essa diferença foi mais significativa no domínio Psicológico.
Uma possível explicação para esse achado seria um aumento de dependência dos idosos como conseqüência da queda, após as quais eles passariam a experimentar sentimentos negativos, alterações na memória e concentração, baixa auto-estima e alterações na imagem corporal e aparência.
Esses resultados também foram apontados por Hwang et al15 que estudaram idosos de Taiwan e encontraram menores médias no grupo que apresentou quedas no último ano.
A qualidade de vida depende de fatores intrínsecos – condições de saúde e atitudes frente aos acontecimentos da vida – e extrínsecos – recursos financeiros e ambientais que rodeiam os indivíduos. Para as pessoas que vivem em comunidades de baixa renda como é o caso desses idosos, todas as dificuldades inerentes ao ambiente que os cerca – precárias condições de moradia, infra-estrutura deficiente e situações de violência – influenciam a percepção da qualidade de vida.
Um ambiente propício e satisfatório para o idoso é aquele que oferece segurança, é funcional, proporciona estímulo e controle pessoal, facilita a interação social, favorece a adaptação às mudanças e é familiar para o idoso24. Como era de se esperar, o domínio de Meio Ambiente apresentou a pior média no conjunto dos dados (tabela 1), mostrando as condições adversas de vida existentes em áreas especiais como a estudada.
O meio ambiente é fortemente associado à qualidade de vida entre os idosos devido à sua relação com a prevenção de quedas, a interação social, o envolvimento em atividades do cotidiano, a independência, segurança e proteção e o bem-estar psicológico15.
Em relação ao grupo de idosos como um todo, as médias apresentadas são melhores que as médias dos idosos estudados por Hwang et al15. Em uma estratificação por presença de comorbidades crônicas, depressão, enfraquecimento cognitivo e quedas, os idosos taiwaneses obtiveram médias menores se comparadas às médias dos idosos cariocas nos domínios Físico, Psicológico e de Relações Sociais. Para o domínio do Meio Ambiente, os cariocas apresentam médias menores que os idosos de Taiwan, demonstrando a influência negativa do ambiente da favela na qualidade de vida deles (tabela 2).
Comparando com as médias dos idosos com depressão, pacientes de um hospital psiquiátrico da Austrália25, os idosos do presente estudo apresentaram médias maiores nos domínios Físico e Psicológico e estão em desvantagem em relação aos idosos com depressão nos domínios de Relações Sociais e Meio Ambiente.
Tabela 2
Não parecem existir diferenças em relação às faixas etárias quando se observa cada domínio separadamente, embora ocorra um crescimento da média em função do aumento da idade em relação às duas questões gerais sobre qualidade de vida e satisfação com a saúde. Esse aumento é maior no grupo das mulheres que na faixa etária de 60 a 69 anos obteve média 13,0, na faixa de 70 a 79 anos 14,73, de 80 a 91 anos a média foi 16,00. Uma hipótese para esse achado inusitado seria que as mulheres têm a percepção de que sua vida melhora quando estão mais velhas, pois já teriam perdido seus cônjuges e se sentem mais livres da submissão e dos cuidados dedicados a eles e aos filhos.
O processo de envelhecimento vem acompanhado por problemas de saúde físicos e mentais provocados, freqüentemente, por doenças crônicas e quedas.
Desse modo, o conceito de saúde para este grupo populacional não pode se basear no parâmetro de completo bem-estar físico, psíquico e social preconizado pela Organização Mundial de Saúde, mas deve se reger pelo paradigma da capacidade funcional1.
A queda é um evento acidental que tem como resultado a mudança de posição do indivíduo para um nível mais baixo, em relação a sua posição inicial2 com incapacidade de correção em tempo hábil3 e apoio no solo. Não se considera queda quando o indivíduo somente cai de costas em um assento, por exemplo4.
A estabilidade do corpo depende da recepção adequada de informações através de componentes sensoriais, cognitivos, do sistema nervoso central e musculoesquelético de forma integrada. O efeito cumulativo de alterações relacionadas à idade, doenças e meio-ambiente inadequado parecem predispor à queda5.
A origem da queda pode ser associada a fatores intrínsecos – decorrentes de alterações fisiológicas do envelhecimento, doenças e efeitos de medicamentos, e a fatores extrínsecos – circunstâncias sociais e ambientais que oferecem desafios ao idoso6.
As quedas apresentam diversos impactos na vida de um idoso que podem incluir morbidade importante, mortalidade, deterioração funcional, hospitalização, institucionalização e consumo de serviços sociais e de saúde7. Além das conseqüências diretas da queda, os idosos restringem suas atividades devido a dores, incapacidades, medo de cair, atitudes protetoras de familiares e cuidadores ou até mesmo por aconselhamento de profissionais de saúde8, 5.
Em 2005, ocorreram 61.368 hospitalizações por queda de pessoas com 60 anos ou mais de idade, de ambos os sexos, representando 2,8% de todas as internações de idosos no país e 54,4% das internações por todas as lesões e envenenamentos neste grupo etário. No estado do Rio de Janeiro, o percentual de hospitalizações por queda entre os idosos atingiu 3,7% de todas as internações de idosos no estado9. Na capital deste estado foram 1.934 hospitalizações de idosos devido às quedas, expressando 6,5% das internações por todas as causas das pessoas nesta faixa etária e 60,5% de todas as lesões e envenenamentos que geraram hospitalizações entre este grupo. É preciso levar em consideração que essas foram as quedas mais graves e que exigiram cuidados hospitalares mais intensos, mas uma grande parcela desses eventos não leva o idoso a procurar os serviços de saúde por não apresentarem seqüelas tão graves como uma fratura ou algum outro tipo de ferimento. Além disso, alguns casos são atendidos em serviços de emergência ou postos de saúde.
Além da morbidade advinda da queda, a mortalidade entre os idosos por esta causa externa é muito comum e seus registros podem ser encontrados em diversos estudos já realizados no país. Fabrício et al6 mostraram em seu trabalho, realizado com 50 idosos, que 28% deles faleceram por conseqüências diretas da queda, entre elas, fraturas e lesões neurológicas. Outro fato a ser levado em consideração é que a maioria dos óbitos ocorreu entre as mulheres (78,5%). Somente no estado do Rio de Janeiro, 441 pessoas idosas morreram por causa das quedas em 2004 e essas mortes representaram 1,0% de todos os óbitos de idosos no estado. No Brasil, em 2004, as mortes por queda entre os idosos chegaram a 3.024 e esse percentual representou 0,6% de todas as mortes de idosos no país9.
Entre os idosos é comum acontecerem multimorbidades e reincidência das quedas, gerando incapacidades parciais ou dependência e pior qualidade de vida. A qualidade de vida da pessoa idosa se vê ainda mais deteriorada quando estão presentes problemas de saúde, muito freqüentes na idade avançada, a violência e certos fatores de risco para quedas e outros acidentes.
O conceito de qualidade de vida pode ser concebido como uma representação social com parâmetros objetivos – satisfação das necessidades básicas e criadas pelo grau de desenvolvimento econômico e social da sociedade – e subjetivos – bem-estar, felicidade, amor, prazer, realização pessoal10. Além desses parâmetros, o conceito também inclui critérios de satisfação individual e de bem-estar coletivo. Ao analisar a qualidade de vida, devem-se considerar fatores políticos e de desenvolvimento humano. O grau de satisfação humana nas diferentes esferas de vida (familiar, amorosa, ambiental, social, profissional e existencial) relaciona-se ao padrão de conforto e bem-estar estabelecido pela sociedade, historicamente. Em relação à saúde, “as noções se unem em uma resultante social da construção coletiva dos padrões de conforto e tolerância que determinada sociedade estabelece, como parâmetros, para si” (p.10). Segundo Matos11, quanto mais aprimorada é a democracia, mais ampla é a noção de qualidade de vida.
Vecchia et al12 em uma pesquisa sobre a compreensão do que vem a ser qualidade de vida para os idosos, encontraram diversos fatores que influenciam a vida no sentido de uma boa qualidade. São eles: relacionamentos interpessoais, boa saúde física e mental, bens materiais (casa, carro, salário, acesso a serviços de saúde), lazer, trabalho, espiritualidade, honestidade e solidariedade, educação (ao longo da vida) e ambiente favorável (sem poluição e sem violência). Esses fatores também são confirmados por outros autores13, 14, 15.
Embora não haja um consenso acerca da definição de qualidade de vida, a Organização Mundial de Saúde16 considera que a subjetividade, a muldimensionalidade e as dimensões positivas e negativas são aspectos fundamentais para a compreensão deste constructo.
O desenvolvimento desses aspectos levou à definição de qualidade de vida como “a percepção do indivíduo de sua posição na vida no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações“ (p. 45)17.
O objetivo do presente estudo é analisar o efeito das quedas e suas conseqüências na qualidade de vida de idosos moradores de uma comunidade de baixa renda do município do Rio de Janeiro.
Metodologia
Este artigo é parte de um estudo exploratório realizado no Centro Latino Americano de Estudos sobre Violência e Saude/CLAVES18, no município do Rio de Janeiro, que usou metodologia quantitativa e qualitativa. No presente trabalho utilizou-se um recorte dos dados quantitativos referentes às quedas e à qualidade de vida.
Foram incluídos 72 idosos com idade de 60 ou mais anos, em uma amostra de conveniência, moradores de uma comunidade de baixa renda do município do Rio de Janeiro. Esta comunidade se localiza na zona norte da cidade, nas proximidades da Fundação Oswaldo Cruz e é composta por cerca de 50.000 moradores. Possui cerca de 12.000 domicílios, sendo que 30% deles são construídos em áreas consideradas irregulares, provisórias ou de risco19. Concentra grandes e graves insuficiências, precariedades e ausência de infra-estrutura urbana e de serviços públicos de educação, saúde, cultura, lazer e segurança pública. Essas áreas têm uma vocação para o desenvolvimento de organizações socioculturais enraizadas na vida local. Nessas organizações existem autoridades informais locais, legitimadas por identidades coletivas territoriais e que podem ser de natureza legal ou ilegal como é o caso do narcotráfico que negocia até mesmo o acesso da favela aos bens públicos da cidade20. A violência perpetrada pelo grupo de narcotraficantes que controla o comércio de drogas ilícitas no local é uma situação constante vivenciada pelos moradores dessa comunidade.
Para a coleta de informações junto aos idosos foi elaborado um questionário com questões fechadas e abertas sobre a situação sócio-demográfica, quedas e qualidade de vida. Neste questionário foi incluída uma escala padronizada de Avaliação da Qualidade de Vida da Organização Mundial de Saúde – WHOQOL em sua versão abreviada.
A versão abreviada do WHOQOL se constitui por vinte e seis questões subdivididas em quatro domínios de análise. São duas questões gerais de qualidade de vida e vinte quatro referentes aos domínios Físico, relativo a níveis de dor física e tratamento médico; Psicológico, referente a aceitação da aparência física, como aproveita a vida, etc; Relações Sociais com parentes, amigos, conhecidos e, finalmente Meio Ambiente, que investiga quanto o ambiente é saudável para o idoso 16.
As informações coletadas foram codificadas, digitadas e processadas em micro computador. Para a entrada de dados foi elaborada uma máscara utilizando o software Microsoft Access. Uma análise crítica dos dados foi feita para categorizar as questões abertas e corrigir erros originados nas fases de aplicação, codificação e digitação. Posteriormente, os dados foram exportados e manuseados para os softwares Microsoft Excel e SPSS (Statistical Package for the Social Sciences), versão 13.0, em que se realizou a descrição de freqüências simples, análises uni e bi-variadas de variáveis e alguns testes estatísticos.
O nível de significância estabelecido à priori foi de 5%. Entretanto o simples fato de estabelecer este ponto de corte não invalidou a hipótese de diferença nos casos em que a probabilidade de encontrar a hipótese nula ao acaso fosse próximo a 0,05.
Foram realizadas comparações entre médias por domínio para a escala de Avaliação de Qualidade de Vida da Organização Mundial de Saúde (WHOQOL-Bref) entre os grupos de idosos positivos ou não para quedas e das distintas faixas etárias (de 60 a 69 anos; 70 a 79 anos; 80 a 91 anos). Foi utilizado o teste t de Student com a finalidade de encontrar diferenças estatisticamente significativas entre os grupos segundo cada domínio. O teste t de Student é uma técnica empregada quando desejamos comparar duas médias amostrais para verificar se elas são estatisticamente diferentes. Esse teste tem o pressuposto de que as distribuições das variáveis contínuas utilizadas sejam aproximadamente normais (gaussianas). Tal pressuposto foi verificado e confirmado para cada distribuição dos domínios da escala por grupo de idosos (que apresentaram quedas ou não).
Todos assinaram um termo de consentimento para participar da pesquisa que foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública/FIOCRUZ.
Resultados e Discussão
Dos 72 idosos do presente estudo, 51,4% eram do sexo feminino e 20,8% moravam sozinhos. A faixa etária de 60 a 69 anos compreendia 41,7% dos sujeitos, de 70 a 79 anos, outros 41,7% e a faixa de 80 a 91 anos de 16,6% dos idosos.
Entre eles, 37,5% admitiram ter caído no último ano e dos que caíram 70,4% referiram uma só queda, enquanto 29,6% relataram mais de uma queda. Essa proporção de quedas é próxima à encontrada em um grupo de mulheres com 60 ou mais anos que freqüentam um programa de atividade física da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, no qual 43,0% delas sofreram quedas no último ano e bem menor que a proporção encontrada por Fabrício et al6 em um grupo de idosos em Ribeirão Preto onde 54,0% deles haviam caído no último ano.
O local onde ocorre a queda parece estar relacionado com as habilidades que o idoso apresenta para realizar as tarefas da vida diária e com a idade. Para Masud e Morris7 pessoas com idade menor que 75 anos têm maior probabilidade de cair em ambientes externos e os idosos com mais de 75 anos caem mais no interior de suas próprias residências. A maioria das quedas detectadas no presente estudo ocorreu na residência do idoso (59,5%), mas deve-se considerar os 40,5% dos casos ocorridos fora da residência. Nos idosos do trabalho de Ribeirão Preto6 66,0% das quedas ocorreram dentro da residência do idoso e 22,0% na rua.
Como conseqüência da queda, 24,3% dos idosos informaram ter sofrido fraturas, a mais freqüente foi a de fêmur (33,3%) e alguns fraturaram mais de um membro. As quedas levaram à necessidade de atendimento médico em 48,6% dos casos. Desses, 58,3% recorreram a um hospital de traumatologia, 77,8% a serviço de Pronto Socorro ou Emergência, 16,7% a Postos de Saúde e para 5,6% não se obteve essa informação. A freqüente ocorrência de fraturas em conseqüência das quedas é apontada também na literatura nacional e internacional, sobretudo as fraturas do fêmur3.
Além de fraturas, as quedas provocam uma série de outras conseqüências, conforme se pode ver no gráfico 1. O medo de voltar a cair passou a fazer parte da vida do idoso e foi referido por 88,5% dos 26 idosos que afirmaram haver tido alguma conseqüência. Dentre essas, se destacaram o abandono de certas atividades (26,9%), a modificação de hábitos (23,1%) e a imobilização (19%). Em relação aos problemas de saúde causados por quedas ou por outras condições, os dados da Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios/PNAD de 1998 revelam que 13,9% dos idosos brasileiros deixaram de realizar alguma atividade habitual nas duas últimas semanas por motivo de saúde e este relato aumentou com a idade de forma consistente em ambos os sexos21.
Gráfico 1
Idosos de Ribeirão Preto6 apresentaram como principais conseqüências das quedas as fraturas (64%), o medo de cair (44%), o abandono de atividades (12%) e a modificação de hábitos (18%), imobilização (4%), rearranjo familiar (2%), lesão neurológica (6%) e mudança de domicílio (10%).
O medo de cair, que entre os idosos do presente estudo foi encontrado em alta proporção, é uma conseqüência destacada por vários autores e traz consigo alterações como perda de autonomia e independência para as atividades de vida diária, diminuição das atividades sociais e sentimentos de fragilidade e insegurança4, 6.
Por outro lado, o medo pode atuar também como um fator protetor à medida que o idoso, em função dele, adota comportamentos preventivos. Isto aparece de certa forma nos dados do Rio de Janeiro comparados aos de Ribeirão Preto. Entre os idosos da primeira cidade, embora tenha havido menos fraturas devido a quedas, elas parecem ter sido mais graves, pois redundaram em mais lesão neurológica e imobilizações. Talvez por isso, o sentimento de medo esteve bem mais presente nos idosos cariocas, juntamente com os demais comportamentos investigados - abandonar certas atividades, modificar hábitos, buscar rearranjos familiares.
Entre os fatores de risco intrínsecos investigados destacam-se os problemas de saúde relatados por 77,8% dos idosos. Entre eles, os cardiovasculares (67,8%), osteomusculares (42,8%) e endócrinos (28,6%). Quando indagados se possuíam algum problema psiquiátrico, todos responderam negativamente. Vale destacar que esta questão foi feita de forma genérica e a interpretação ficou a critério dos idosos, nenhuma opção de doença psiquiátrica foi oferecida como opção de resposta. Dificuldades visuais (58,3%) e de locomoção (38,9%), além de problemas nos pés (47,1%) foram amplamente referidos.
Algumas alterações psíquicas que não necessariamente se traduzem em doenças psiquiátricas foram aqui denominadas problemas psicológicos e questionados enquanto fator intrínseco de risco para queda. Entre os mais citados encontram-se a dificuldade de sono e o sentimento de tristeza como se pode ver no gráfico 2.
Gráfico 2
A dificuldade de sono e sentimento de tristeza podem estar associados a sintomas depressivos; o aumento da freqüência urinária, perda de apetite, palpitações e agitação podem denotar ansiedade, mas também reações adversas pelo uso de medicamentos ou sintomas de alguma outra doença, como as cardiovasculares, por exemplo. Os eventos psicossociais negativos e o estresse são fatores que podem levar os idosos a alterações emocionais e a vulnerabilidade a quedas22.
O uso de medicamentos, um outro fator intrínseco muito freqüente entre idosos, foi relatado no presente estudo por 69,4% deles. Destacam os anti-hipertensivos (45,7%) e os antiinflamatórios (25,0%). O uso de 4 ou mais medicamentos de forma concomitante (polifarmácia) ocorre entre 20% dos idosos. Essa proporção de polifarmácia é bem menor se comparada com a encontrada entre os idosos de Ribeirão Preto (42,0%)6. Segundo Nascimento23 o idoso é alvo de uma medicação indiscriminada, abusiva e às vezes desnecessária, o que causa efeitos adversos pelo mecanismo de interação medicamentosa que pode levar até à morte.
Além dos fatores intrínsecos, as condições ambientais também influenciam o risco de cair. Os dados do presente estudo chamam a atenção para a precariedade das moradias improvisadas da área de residência dos idosos que não oferece as condições necessárias para sua segurança.
Como fatores extrínsecos foram aqui consideradas algumas condições ambientais com as quais os idosos têm que lidar em sua casa, como se pode ver no gráfico 3. Entre os fatores de risco para acidentes mais citados encontram-se o piso escorregadio na casa (70,6%), piso escorregadio no banheiro (66,2%), calçados inadequados (64,7%) e degraus na soleira da porta (55,9%). Além desses, várias outras situações de risco para quedas e outros acidentes foram relatadas como fazendo parte do ambiente doméstico e do cotidiano dos idosos que responderam ao questionário. Estes dados chamam a atenção para a precariedade das moradias improvisadas da área que não oferecem as condições necessárias para a segurança dos idosos.
Gráfico 3
Diante das experiências de quedas, os fatores de risco e as condições de saúde dos idosos pesquisados, buscou-se, a partir do instrumento padronizado pela Organização Mundial de Saúde, verificar a qualidade de vida desse grupo. Os dados da tabela 1 mostram os resultados das análises dos domínios do WHOQOL-Bref, segundo presença ou ausência de quedas no último ano.
Tabela 1
A análise mostrou que há influência das quedas na qualidade de vida dos idosos estudados. Em todos os domínios da escala aplicada houve uma redução nas médias do grupo que caiu no último ano. Essa diferença foi mais significativa no domínio Psicológico.
Uma possível explicação para esse achado seria um aumento de dependência dos idosos como conseqüência da queda, após as quais eles passariam a experimentar sentimentos negativos, alterações na memória e concentração, baixa auto-estima e alterações na imagem corporal e aparência.
Esses resultados também foram apontados por Hwang et al15 que estudaram idosos de Taiwan e encontraram menores médias no grupo que apresentou quedas no último ano.
A qualidade de vida depende de fatores intrínsecos – condições de saúde e atitudes frente aos acontecimentos da vida – e extrínsecos – recursos financeiros e ambientais que rodeiam os indivíduos. Para as pessoas que vivem em comunidades de baixa renda como é o caso desses idosos, todas as dificuldades inerentes ao ambiente que os cerca – precárias condições de moradia, infra-estrutura deficiente e situações de violência – influenciam a percepção da qualidade de vida.
Um ambiente propício e satisfatório para o idoso é aquele que oferece segurança, é funcional, proporciona estímulo e controle pessoal, facilita a interação social, favorece a adaptação às mudanças e é familiar para o idoso24. Como era de se esperar, o domínio de Meio Ambiente apresentou a pior média no conjunto dos dados (tabela 1), mostrando as condições adversas de vida existentes em áreas especiais como a estudada.
O meio ambiente é fortemente associado à qualidade de vida entre os idosos devido à sua relação com a prevenção de quedas, a interação social, o envolvimento em atividades do cotidiano, a independência, segurança e proteção e o bem-estar psicológico15.
Em relação ao grupo de idosos como um todo, as médias apresentadas são melhores que as médias dos idosos estudados por Hwang et al15. Em uma estratificação por presença de comorbidades crônicas, depressão, enfraquecimento cognitivo e quedas, os idosos taiwaneses obtiveram médias menores se comparadas às médias dos idosos cariocas nos domínios Físico, Psicológico e de Relações Sociais. Para o domínio do Meio Ambiente, os cariocas apresentam médias menores que os idosos de Taiwan, demonstrando a influência negativa do ambiente da favela na qualidade de vida deles (tabela 2).
Comparando com as médias dos idosos com depressão, pacientes de um hospital psiquiátrico da Austrália25, os idosos do presente estudo apresentaram médias maiores nos domínios Físico e Psicológico e estão em desvantagem em relação aos idosos com depressão nos domínios de Relações Sociais e Meio Ambiente.
Tabela 2
Não parecem existir diferenças em relação às faixas etárias quando se observa cada domínio separadamente, embora ocorra um crescimento da média em função do aumento da idade em relação às duas questões gerais sobre qualidade de vida e satisfação com a saúde. Esse aumento é maior no grupo das mulheres que na faixa etária de 60 a 69 anos obteve média 13,0, na faixa de 70 a 79 anos 14,73, de 80 a 91 anos a média foi 16,00. Uma hipótese para esse achado inusitado seria que as mulheres têm a percepção de que sua vida melhora quando estão mais velhas, pois já teriam perdido seus cônjuges e se sentem mais livres da submissão e dos cuidados dedicados a eles e aos filhos.










