0764/2007 - A INTEGRALIDADE DA ATENÇÃO EM DIABÉTICOS COM DOENÇA PERIODONTAL
THE INTEGRALITY OF THE ATTENTION IN DIABETICS WITH PERIODONTAL DISEASE
Autor:
• ALINE MENDES SILVA - SILVA, AM - BELO HORIZONTE, MINAS GERAIS - UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS - <mendes.silva.aline@gmail.com>Área Temática:
Não CategorizadoResumo:
O objetivo deste estudo foi avaliar como está organizado o atendimento aos indivíduos com diabetes melito, usuários do SUS, a partir dos dados das condições periodontais apresentadas por este grupo, em Belo Horizonte. Para tanto, uma amostra representativa de 300 indivíduos foi selecionada para avaliação clínica e entrevista. Foram realizadas entrevistas também com os gerentes de Unidades de Saúde. Dos avaliados 55% apresentaram gengivite, 35,3% periodontite e 9,7% eram saudáveis. Em relação à integralidade da atenção ao diabético no SUS pôde-se observar que apesar da maioria estar sob acompanhamento médico somente 27,3% estava sob tratamento odontológico na rede básica, 3,6% recebiam atendimento especializado em odontologia e apenas 3,4% eram atendidos por outros profissionais da saúde. O atendimento interdisciplinar e a atenção em todos os níveis do sistema são fatores essenciais para a integralidade das ações em saúde.Palavras-chave: Integralidade; doença periodontal; diabetes melito; saúde bucal; atenção integral à saúde.
Abstract:
The aim of this study was to evaluate the periodontal conditions of individuals with diabetes and to analyze how SUS has contributed to the health attention of these people in Belo Horizonte. For that, a sample of 300 individuals was selected and interviews with diabetics and health unit managers were conducted. From those, 55% presented gingivitis, 35.3% periodontites and 9.7% were healthy. As for the integral attention for diabetics in SUS, it was observed that despite the fact that most of them were under medical supervision, only 27.3% were under dental treatment in basic health care units, 3.6% had specialized dental care and only 3.4% were seen by other health workers. Interdisciplinary care and attention in all levels of the system are essential factors for the integrality of health actions.Key-Words: Integrality, periodontal disease, diabetes melittus, oral health, integral health care
Conteúdo:
INTRODUÇÃO
A integralidade da atenção possui como representante histórico mais significativo a Medicina Integral, movimento surgido nos Estados Unidos da América em resposta à fragmentação da medicina proposta pelo modelo flexineriano, que ressaltava os aspectos biológicos do ser humano em detrimento dos aspectos psicológicos e sociais. A necessidade de se resgatar a percepção do todo e, assim, melhor atender às necessidades da população desencadeou este movimento1.
Na literatura, diversos autores procuram estabelecer definições do termo integralidade da atenção à saúde. Para Mattos1 a integralidade poderia ser definida em três conjuntos de sentidos. O primeiro estaria relacionado à visão integral do profissional de saúde em relação ao usuário do serviço. O segundo seria referente às formas de organizar as práticas e processos de trabalho em saúde que deveriam articular as ações de promoção, prevenção, assistência e recuperação da saúde. O terceiro estaria relacionado às políticas especiais de saúde com o estabelecimento de integração entre os diferentes níveis de atenção e a estruturação de sistemas de referência e contra-referência, objetivando o atendimento integral dos usuários.
A discussão sobre a integralidade da atenção no Brasil surge como uma das principais bandeiras de luta da Reforma Sanitária nos anos 70, em busca de um sistema de saúde mais justo e universal2. Na década de 80, debates importantes foram travados no campo da saúde coletiva e da medicina comunitária em busca de valores a serem sustentados pelos profissionais de saúde em termos de suas práticas1. A integralidade aparece como um diferencial no Brasil, com a proposta da construção de um Sistema Único de Saúde (SUS) que contemplasse as ações de saúde de forma integrada e articulada entre os diferentes níveis do sistema3.
Desde sua implantação vários progressos têm sido alcançados no desenvolvimento da Atenção Básica à Saúde. As unidades de saúde destinadas a prestarem serviços à população experimentaram um crescimento bastante expressivo, tanto em número absoluto quanto em produção de serviços e aumento de cobertura assistencial em áreas antes desassistidas4. Apesar dos avanços obtidos com o SUS, seus princípios orientadores ainda não são realidade no cotidiano dos serviços de saúde5. Dentre seus princípios e diretrizes talvez a integralidade seja o menos visível na trajetória do sistema e de suas práticas. Isto porque a criação do SUS modificou o arranjo institucional, mas, não necessariamente, transformou as práticas dos serviços de modo a articular a prevenção e a assistência5. Nas Unidades Básicas, o trabalho tem sido organizado, tradicionalmente, de forma fracionada, em função da consolidação das corporações profissionais nos serviços, pela especialização do saber e, conseqüentemente, do trabalho em saúde 6.
No contexto da integralidade, faz-se necessária uma reflexão crítica sobre os processos de trabalho em saúde visando à produção de novos conhecimentos e ao desenvolvimento de novas práticas de saúde consoantes com os princípios e diretrizes do SUS. Neste escopo de reflexões deve ser incluída a atenção à saúde prestada ao indivíduo com Diabetes Melito (DM), em vista à complexidade exigida no seu atendimento e portanto, necessidade da integração dos profissionais que constituem as equipes de saúde das unidades básicas e especializadas do SUS. Além disto, a inserção de outros profissionais como nutricionistas, assistentes sociais, psicólogos, professores de educação física é fundamental para o desenvolvimento de uma ação interdisciplinar e integral na prevenção e tratamento do DM7. A prestação de um atendimento integral a este grupo é de suma relevância, uma vez que o DM configura um problema de saúde publica mundial e nacional - 140 milhões de pessoas afetadas em todo mundo e 5 milhões no Brasil7.
Com o propósito de reorganizar a rede de saúde, com melhoria da atenção aos portadores de DM e estabelecer diretrizes e metas para a reorganização da atenção a estes indivíduos no SUS, o Ministério da Saúde (MS) lançou o Plano de Reorganização da Atenção à Hipertensão Arterial e ao DM8. O objetivo deste plano foi garantir o diagnóstico, a vinculação do indivíduo às unidades de saúde para tratamento e acompanhamento, a reestruturação e a ampliação do atendimento resolutivo e de qualidade para os portadores dessas patologias na rede pública de serviços de saúde8. Apesar da importância das ações implementadas pelo MS, em relação à atenção à saúde dos indivíduos com DM, observa-se que as ações em saúde bucal não foram incluídas no elenco de propostas para garantir o controle e melhoria da qualidade de vida deste grupo. Destaca-se aqui a relação de risco estabelecida na literatura entre o DM e a doença periodontal9.
Estudos sugerem que o DM pode acelerar a destruição periodontal e que, em contrapartida, o tratamento periodontal pode reduzir as exigências de insulina e melhorar o equilíbrio metabólico do indivíduo com DM. Portanto, os diabéticos precisam de tratamento e controle da doença periodontal9,10. Nesta perspectiva, a participação efetiva da equipe de saúde bucal no apoio ao cuidado aos usuários que apresentam doenças crônicas como o DM aponta para uma abordagem voltada aos princípios da integralidade. Este trabalho pretende avaliar como está organizado o atendimento aos indivíduos com diabetes melito, usuários do SUS, a partir dos dados das condições periodontais apresentadas por este grupo, em Belo Horizonte.
MÉTODOS
O presente estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) através do parecer n º 030/05 e pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte através do protocolo 012 ⁄ 200411.
O trabalho foi desenvolvido nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) do Município de Belo Horizonte-MG, distribuídas pelos nove Distritos Sanitários que compõem a divisão político administrativa do Município. Em cada distrito foram sorteadas duas UBS para a realização da coleta de dados.
O estudo foi constituído por duas etapas: na primeira foi realizado um estudo epidemiológico em que se utilizou uma amostra representativa de indivíduos diabéticos para determinar a prevalência e gravidade da doença periodontal nesta população. Na segunda etapa foram realizadas entrevistas estruturadas com estes indivíduos e com os gerentes das UBS estudadas, para conhecer a organização e rotina de atendimento dos diabéticos nas UBS.
Para o cálculo da amostra dos pacientes com DM, utilizou-se o método de estimativa de proporção populacional para a ocorrência de doenças, da Organização Mundial de Saúde (OMS)12. Considerando um nível de significância de 95%, erro de 5% e a prevalência de doença periodontal em diabéticos de 75%13 seriam necessários avaliar 288 indivíduos. Para prevenir possíveis perdas a pesquisa foi concluída com uma amostra final de 300 indivíduos diabéticos, de ambos os sexos.
A partir do total de indivíduos diabéticos atendidos em cada Distrito Sanitário, verificado no cadastro do HIPERDIA (sistema informatizado que permite cadastrar e acompanhar os portadores de hipertensão arterial e/ou diabetes melito em todas as unidades ambulatoriais do SUS)14, obteve-se a proporcionalidade da amostra, por distrito. Os indivíduos participantes foram sorteados aleatoriamente entre aqueles cadastrados nas UBS até que se obtivesse um número de exames necessários a cada unidade. Considerou-se como critério de inclusão: indivíduo diabético, dentado, inscritos no HIPERDIA/SUS/BH e com mais de 30 anos.
Para a coleta dos dados epidemiológicos, foi realizado um estudo piloto, com objetivo de realizar a calibração intra-examinador, testar os instrumentos e para treinamento do pesquisador. Os exames de calibração tiveram um intervalo de sete dias entre o primeiro e o segundo exame. Um total de 588 superfícies foram avaliadas e re-avaliadas para que a concordância pudesse ser determinada. Aplicou-se o teste de concordância Kappa (K) encontrando valores considerados satisfatórios para profundidade de sondagem (0,81), perda de inserção clínica (0,91) e sangramento à sondagem (0,79).
O roteiro das entrevistas foram testados em um segundo estudo piloto, envolvendo 10 usuários e o gerente de uma unidade de saúde, não incluídos no estudo principal. Alguns pequenos ajustes foram realizados no roteiro das entrevistas e na ficha clínica com objetivo de adequar melhor os instrumentos a serem utilizados no estudo principal.
Os exames clínicos foram realizados em consultório odontológico, utilizando o refletor para iluminação, seringa tríplice para secagem dos dentes, espelhos bucais, gazes e sonda periodontal tipo Willians (Hu-Friedy®), respeitando-se as normas de biossegurança15. A presença de doença periodontal foi avaliada através dos parâmetros clínicos: profundidade de sondagem, perda de inserção clínica e sangramento à sondagem. Para determinação do diagnóstico, foram considerados como gengivite, os indivíduos que apresentaram pelo menos um sítio com sangramento à sondagem16 e com periodontite os indivíduos que apresentaram pelo menos um sítio com profundidade de sondagem > 4 mm e perda de inserção clínica > 4 mm, no mesmo sítio17.
Nas entrevistas com os diabéticos foram coletados dados relativos ao atendimento na unidade, condições socioeconômicas e comportamentais. Nas entrevistas com os 26 gerentes das unidades estudadas, foram coletados os dados relativos à existência de grupos operativos na UBS, participação dos profissionais da saúde nos grupos, freqüência de participação do dentista, encaminhamento de indivíduos com DM ao serviço odontológico, prioridade para atendimento do paciente com DM na saúde bucal e forma de organização dos prontuários nas UBS.
Os resultados do estudo foram digitados e organizados em um banco de dados utilizando-se o software Statistical Package for Social Science (SPSS) versão 12.0. A análise descritiva dos dados epidemiológicos baseou-se em cálculo de proporções e medidas de tendência central para as variáveis estudadas. Os resultados das entrevistas foram apresentados em percentuais e foram discutidos a partir dos sentidos de integralidade descrito por Mattos1.
RESULTADOS
Não se organizam políticas e serviços em saúde sem conhecer o problema que deverá ser enfrentado. Neste sentido, o estudo teve inicio com a descrição do perfil do paciente com DM atendido pelo SUS em Belo Horizonte. Participaram do estudo 300 indivíduos cuja idade apresentou média de 55,3 (±10,0) com mediana em 55 anos. Os resultados que caracterizam a amostra estudada se encontram dispostos na Tabela 1.
Entre os diabéticos avaliados, 9,7% apresentaram o periodonto saudável, 55% apresentaram gengivite e 35,3%, periodontite ou seja, 90,3% da amostra necessitava de algum tipo de intervenção.
Tabela 1. Caracterização da amostra, Belo Horizonte, 2006.
Variáveis N %
Gênero
Masculino 120 40%
Feminino 180 60%
Idade
30-54 anos 148 49,3%
Acima de 55 anos 152 50,7%
Estado civil
Sem companheiro 128 42,7%
Com companheiro 172 57,3%
Renda
Até 400 reais 150 50%
Acima de 401reais 150 50%
Escolaridade
Superior e médio 48 16%
Fundamental e sem estudo 252 84%
Tipo de diabetes melito
Tipo 1 86 28,7%
Tipo 2 214 71,3%
Tabagismo
Sim 46 15,3%
Não 254 84,7%
Dentes perdidos
Até 12 dentes 153 51%
Acima de 12 dentes 147 49%
Os dados relacionados ao atendimento odontológico e à organização do programa para diabéticos, na UBS, estão relatados nas tabelas 2 e 3 respectivamente.
Tabela 2. Distribuição da amostra quanto ao atendimento odontológico recebido na UBS, Belo Horizonte, 2006.
N %
Atendimento pelo CD na época do estudo
Não 218 72,7%
Sim 82 27,3%
Consultas com o dentista no último ano
Foi ao dentista 115 38,9%
Não foi 185 61,1%
Local de atendimento
Unidade Básica de Saúde 52 63,4%
Referência Especializada 3 3,6%
Outros 27 33%
Tabela 3. Organização das atividades do programa para diabéticos na UBS, Belo Horizonte, 2006.
N %
Presença de grupos Operativos
Sim 24 92,3%
Não 2 7,7%
Profissionais
Dentista 8 33,3%
Nutricionista/ Psicólogo 2 8,4%
Fisioterapeuta 6 25%
Assistente Social 3 12,5%
Participação do Dentista
Participação contínua 3 12,5%
Participação eventual 5 20,8%
Prontuário
Separado 20 76,9%
Único 6 23,1%
Encaminhamento à Saúde Bucal
Sim 7 26,9%
Não 5 19,2%
Eventualmente 14 53,9%
Prioridade de atendimento na Saúde Bucal
Sim 10 38,5%
Não 4 15,3%
Eventualmente 12 46,2%
Total 26 100
Em relação à prioridade de atendimento ao diabético, em 61,5% das UBS ela existe somente em caso de “necessidade” ou determinada urgência.
DISCUSSÃO
A expressiva prevalência de gengivite (55%) e periodontite (35,3%) no grupo estudado já se configurava como hipótese neste estudo. A literatura tem mostrado que indivíduos diabéticos apresentam maior prevalência de doenças gengivais20,21,22 e periodontais21,24,25, quando comparada a população geral. Os dados do SB-BRASIL23, inquérito epidemiológico de abrangência nacional, mostram um prevalência de gengivite na população brasileira de 9,97% em indivíduos entre 35-44 anos e 3,27% em indivíduos entre 65-74 anos. Em relação a periodontite a prevalência de indivíduos com bolsas peridontais acima de 4mm foi de 1,34 para a faixa etária de 15 a 19 anos, 9,98% na população de 35 a 44 anos e 6,3% nos indivíduos de 65 a 74 anos. Considerando que os critérios de exame neste estudo e no SB-BRASIL23 foram os mesmos, os dados confirmam a gravidade da saúde periodontal deste grupo de diabéticos.
Outros estudos também mencionam que os portadores de diabetes apresentam percentuais mais elevados de bolsas profundas e perdas graves de inserção periodontal do que os indivíduos não diabéticos26; que adultos diabéticos apresentam maior gravidade das condições periodontais quando comparados aos não diabéticos e que estes apresentam três vezes mais chance de sofrer perda de tecido periodontal de suporte27,28.
Apesar desta gravidade, o exame periodontal parece não fazer parte integrante da rotina da maioria dos profissionais do serviço público ou privado. O que se observa freqüentemente, é uma profissão que se organizou em torno de uma patologia - a cárie dentária e, tem na prótese, que deveria ser a marca do fracasso da odontologia (resultado da perda dentária) um “totem e marco distintivo da profissão”30. Procedimentos para controle e tratamento da DP vão sendo relegados a segundo plano29.
Este fato é demonstrado quando, apesar do padrão epidemiológico apresentado, somente 27,3% dos diabéticos relataram estar em atendimento odontológico na UBS à época do estudo e apenas 38,9% haviam procurado o dentista no último ano. Considerando que a gengivite tem grandes chances de ser controlada, por meio de procedimentos incluídos no rol de atividades da UBS (atenção básica), 55% dos diabéticos deveriam estar em tratamento. Entre os diabéticos examinados, 35,3% apresentou periodontite mas, somente 3,6% dos entrevistados estavam em tratamento na clínica odontológica especializada.
No entanto, todos os incluídos no estudo eram cadastrados no HIPERDIA, indicando que a grande maioria dos indivíduos diabéticos estava sendo atendida periodicamente pelos médicos das unidades.
Entre as atividades previstas pelo Ministério da Saúde7, encontra-se a formação de grupos operativos, sobretudo no caso de doenças crônicas como a DM, como forma de vinculação com a UBS e desenvolvimento de programas educativos para controle da doença e promoção de saúde. Através das entrevistas com os gerentes, observou-se que 92,3% das unidades realizavam trabalho com grupos voltados ao diabético. Dentre os profissionais da saúde, excetuando-se os médicos e enfermeiros, que participam efetivamente destes grupos, o dentista seria o mais presente (33,3%), sendo que 12,5% apresentavam uma participação contínua e 20,8% uma colaboração quando solicitado. Deste modo a participação da odontologia no atendimento ao diabético é incipiente, em todas as faces onde se investe no controle da doença.
Acredita-se que a participação dos dentistas nos grupos operativos melhoraria de maneira significativa a prevalência de gengivite nos diabéticos (55%). Medidas simples como a orientação e a motivação a estes indivíduos, por exemplo, representaria melhorias das condições gengivais. Para Tinoco e Tinoco29 um indivíduo motivado em relação à sua saúde periodontal tem mais chances de se beneficiar das medidas de prevenção. Como o grau de motivação oscila com o passar do tempo seria importante a presença do dentista nestes grupos, com maior freqüência.
Apesar da importância do trabalho em equipe, outros profissionais são ainda menos presentes nos trabalho dos grupos operativos. Nas entrevistas com os diabéticos, apenas 3,4% dos entrevistados relataram receber atendimento com outros profissionais como nutricionista, fisioterapeuta, psicólogo e assistente social. Ressalte-se que, estes profissionais são escassos na maioria das equipes, em Belo Horizonte.
Quanto ao encaminhamento dos diabéticos para consulta odontológica, em 73,1% das UBS, constatou-se que o indivíduo diabético não era encaminhado para tratamento na saúde bucal como rotina mas, apenas em casos de “necessidade” ou urgência. O mesmo critério era adotado para priorizar o atendimento do diabético, em 61,5% das UBS.
Deste modo, o atendimento odontológico é completamente desvinculado do atendimento feito pela equipe do PSF (medico e enfermeiro). Os cuidados em saúde que deveriam ser planejados interdisciplinarmente têm sido realizados isoladamente, por cada profissional. Somente 23,1% das UBS trabalham com prontuário único.
Considerando a integralidade da atenção ao diabético, o primeiro sentido descrito por Mattos1 aborda a visão integral do profissional de saúde em relação ao usuário do serviço. A atitude de um profissional de saúde frente a um paciente que traz uma necessidade seria buscar conhecer todos os aspectos que envolvem a sua vida, em prol da construção de uma imagem mais ampla desse campo de necessidades, permitindo que as ações a serem definidas contemplem fatores de risco à saúde e condições outras que não relacionadas somente ao motivo da consulta1. Dentro desta perspectiva o ideal seria que nas UBS os profissionais envolvidos no atendimento dos usuário pudessem ter esta visão, mas, no entanto, percebe-se que na prática isto não ocorre. Os indivíduos com DM atendidos pelo médicos sequer eram encaminhados para atendimento odontológico. Isto evidencia a grande dificuldade em perceber até as necessidades de saúde dos indivíduos como um todo. Baldani et al.31 afirmam que o fato da odontologia não estar presente desde o início do programa PSF, possivelmente acarretou prejuízos no processo de integralização dos profissionais co-relacionados. Outro aspecto que merece ser evidenciado é que o pequeno número de psicólogos, fisioterapeutas, nutricionistas e assistentes sociais, na rede municipal de Belo Horizonte, pode estar comprometendo a organização de uma equipe de saúde mais efetiva e com maior clareza das necessidades globais dos usuários.
O segundo sentido da integralidade a ser considerado na análise se refere às formas de organizar as práticas e processos de trabalho em saúde1. Os resultados encontrados mostram ainda que existe pouca integração entre os profissionais das unidades de saúde. Dentre as pessoas estudadas a grande maioria 218 (72,7%) não estava sob tratamento odontológico, 61,1% não haviam sido atendidos pelo dentista, no último ano, embora, 96,6% realizassem controle médico periódico. O pequeno número de indivíduos atendidos pelo dentista (27,3%) pode retratar uma falta de integração das ações médicas e odontológicas, visto que quase todas as unidades do Município possuem dentista. O trabalho em equipe é fundamental uma vez que os dados relatados na literatura nacional e internacional bem como os descritos neste estudo apontam para uma maior prevalência e gravidade de gengivite e periodontite em indivíduos com DM quando comparados a prevalência da doença na população geral23. Juntando-se a estes dados o fato da doença periodontal poder dificultar o controle da glicemia reafirma-se a necessidade de serem revistas as práticas e processos de trabalho em saúde no sentido de enfatizar o trabalho interdisciplinar no controle da glicemia dos diabéticos.
Considerando-se o pequeno número de unidades que referenciam os indivíduos diabéticos para tratamento odontológico - 26,9%, e ainda os 73,1% das unidades que não o encaminham regularmente, pode-se supor que existe um desconhecimento da equipe de saúde sobre a necessidade de atendimento odontológico ao indivíduo com DM, ou uma dificuldade de acesso ao serviço odontológico que faz com que o indivíduo seja encaminhado apenas quando apresenta um quadro de urgência. Outra questão a ser abordada é que os profissionais da saúde apresentam uma concepção compartimentalizada do conhecimento de cada área e ainda que atuem no mesmo espaço de trabalho, a prática permanece centrada no núcleo de conhecimento de cada trabalhador, ocasionando um desencontro dos saberes32. Os resultados apresentados mostram que nas UBS o trabalho tem sido organizado de forma fragmentada, sem a participação efetiva e o envolvimento de outros profissionais da área da saúde que são fundamentais ao desenvolvimento da prática profissional. A própria divisão do prontuário em médico e odontológico retrata esta segmentação. Neste estudo apenas 23,1% das unidades de saúde da família utilizam prontuários únicos para os indivíduos. O trabalho em equipe interdisciplinar é uma potencial ferramenta de mudança nos processos de trabalho, alicerçando a integralidade e seus dispositivos (acolhimento, vínculo, autonomia, resolubilidade, responsabilização)33. É um caminho que deve ser almejado pelas equipes de saúde.
Em relação à integração entre os diferentes níveis de atenção, terceiro sentido da integralidade utilizado nesta análise1, observa-se um pequeno número de diabéticos atendidos na atenção básica (27,3%) e atenção especializada (3,6% ) no SUS/BH. No que concerne a atenção básica, o número encontrado – 27,3% pode mostrar uma dificuldade da saúde bucal em responder as necessidades da população no âmbito da atenção primária. Como a assistência odontológica pública no Brasil tem-se restringido quase completamente aos serviços básicos - ainda assim, com grande demanda reprimida34, para que o grau de resolutividade neste nível de atenção básica seja satisfatório para os diabéticos, ou seja, os casos com gengivite (55%) sejam solucionados deve se tornar rotina, a utilização adequada dos meios disponíveis de diagnóstico no exame periodontal29, coordenada com procedimentos de controle e prevenção desta doença que incluem o trabalho nos grupos operativos. É claro que a prática odontológica apresenta certas especificidades uma vez que incluem num mesmo ato o diagnóstico e a terapêutica cirúrgica, cuja conclusão pode se arrastar por semanas ou meses. Esta característica do ato odontológico introduz um complicador a mais quando se discute acesso a serviços que é a combinação de uma alta prevalência de doenças (e, conseqüentemente de necessidades), com uma lógica de tratamento complexa, demorada e onerosa33.
A Política Nacional de Saúde Bucal, Brasil Sorridente reúne uma série de ações em saúde bucal, voltadas para cidadãos de todas as idades. Até seu lançamento, em 2004, apenas 3,3% dos atendimentos odontológicos feito no SUS correspondiam a tratamentos especializados. A quase totalidade era de procedimentos mais simples, como extração dentária, restauração e pequenas cirurgias35. Dado muito semelhante ao encontrado neste estudo em que apenas 3,6% do atendimento ao diabético era ofertado pela rede secundária. Este valor não corresponde as necessidades de atendimento dos indivíduos com DM uma vez que estes podem ter suas condições de saúde bucal agravadas e, portanto, necessitarem de atendimento especializado. É evidente a baixa capacidade de oferta dos serviços de atenção secundária e terciária, comprometendo, em conseqüência, o estabelecimento de adequados sistemas de referência e contra-referência em saúde bucal na quase totalidade dos sistemas locoregionais de saúde35. A expansão da rede assistencial de atenção secundária e terciária não acompanhou, no setor odontológico, o crescimento da oferta de serviços de atenção básica35.
Nesse sentido, a Política Brasil Sorridente propõe garantir as ações de promoção, prevenção e recuperação da saúde bucal dos brasileiros. No âmbito da assistência, estas diretrizes apontam para a ampliação e qualificação da atenção básica, possibilitando o acesso a todas as faixas etárias e a oferta de mais serviços, assegurando atendimento no nível secundário de modo a buscar a integralidade da atenção. Os centros de especialidades odontológicas estão preparados para oferecer à população os serviços de diagnóstico bucal, periodontia especializada, cirurgia oral menor, endodontia e atendimento a portadores de necessidades especiais35.
A organização das instituições na busca da integração dos cuidados em saúde, em todo o sistema, através da conformação de uma rede de serviços estruturada de forma a maximizar as possibilidades de atendimento é de fundamental importância. Também a articulação entre os diferentes níveis, com a estruturação de sistemas de referência e contra-referência que dêem conta das necessidades destes indivíduos bem como a ação interdisciplinar torna-se imperiosa para seguir-se os caminhos rumo à integralidade da atenção36.
CONCLUSÕES
Foi observada uma prevalência significativa de gengivite e periodontite na população de diabéticos estudada 55% e 35,3% respectivamente o que torna a atenção à saúde bucal de grande importância, tanto para melhoria das condições de saúde bucal quanto para o controle da glicemia para os indivíduos diabéticos. Em relação à rotina de atendimento do indivíduo diabético no SUS-BH, com vistas à integralidade da atenção, pôde-se observar, através das entrevistas com os diabéticos, uma participação incipiente de outros profissionais da saúde, além do médico, no atendimento a estes indivíduos (3,4%). Apesar de o dentista estar presente em quase todas as UBS, o acesso a este ainda é restrito e apenas 27,3% dos indivíduos estudados estavam sob tratamento odontológico na atenção básica, 3,6% na atenção especializada e apenas 38,9% haviam procurado o atendimento odontológico no último ano. Em relação ao desenvolvimento de grupos operativos com vistas à prevenção e controle do diabetes pôde-se verificar, através das entrevistas com os gerentes, que a maioria das Unidades de Saúde estudadas realizavam estes grupos (92,3%). Em 33,3% destas o dentista participava dos grupos sendo sua presença vinculada geralmente ao convite da equipe. Em 73,1% das unidades os indivíduos diabéticos não eram encaminhados para a odontologia ou o era em caso de alguma necessidade/dor. Em 61,5% das unidades o diabético não tinha prioridade no atendimento na saúde bucal ou a tinha em caso de necessidade/dor. Outros profissionais como nutricionistas, fisioterapeutas, psicólogos e assistentes sociais participavam das atividades dos grupos em 4,2%, 25%, 4,2% e 12,5% das unidades estudadas respectivamente. Outro aspecto relevante é que na maioria das UBS (76,9%) o prontuário da medicina e da odontologia eram separados o que reforça a hipótese de existir pouca integração entre os profissionais nas equipes. A atenção integral ao paciente diabético garantindo o atendimento em todos os níveis, bem como a integração dos profissionais dentro da própria unidade de saúde são fatores essenciais para contemplar a integralidade das ações em saúde no atendimento ao indivíduo com DM.
COLABORADORES
SILVA, AS; VARGAS, AMD; FERREIRA, EF participaram da elaboração do artigo nas fases de concepção, delineamento, análises e redação do artigo. ABREU, MHNG participou da fase de análise e interpretação dos dados.
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A integralidade da atenção possui como representante histórico mais significativo a Medicina Integral, movimento surgido nos Estados Unidos da América em resposta à fragmentação da medicina proposta pelo modelo flexineriano, que ressaltava os aspectos biológicos do ser humano em detrimento dos aspectos psicológicos e sociais. A necessidade de se resgatar a percepção do todo e, assim, melhor atender às necessidades da população desencadeou este movimento1.
Na literatura, diversos autores procuram estabelecer definições do termo integralidade da atenção à saúde. Para Mattos1 a integralidade poderia ser definida em três conjuntos de sentidos. O primeiro estaria relacionado à visão integral do profissional de saúde em relação ao usuário do serviço. O segundo seria referente às formas de organizar as práticas e processos de trabalho em saúde que deveriam articular as ações de promoção, prevenção, assistência e recuperação da saúde. O terceiro estaria relacionado às políticas especiais de saúde com o estabelecimento de integração entre os diferentes níveis de atenção e a estruturação de sistemas de referência e contra-referência, objetivando o atendimento integral dos usuários.
A discussão sobre a integralidade da atenção no Brasil surge como uma das principais bandeiras de luta da Reforma Sanitária nos anos 70, em busca de um sistema de saúde mais justo e universal2. Na década de 80, debates importantes foram travados no campo da saúde coletiva e da medicina comunitária em busca de valores a serem sustentados pelos profissionais de saúde em termos de suas práticas1. A integralidade aparece como um diferencial no Brasil, com a proposta da construção de um Sistema Único de Saúde (SUS) que contemplasse as ações de saúde de forma integrada e articulada entre os diferentes níveis do sistema3.
Desde sua implantação vários progressos têm sido alcançados no desenvolvimento da Atenção Básica à Saúde. As unidades de saúde destinadas a prestarem serviços à população experimentaram um crescimento bastante expressivo, tanto em número absoluto quanto em produção de serviços e aumento de cobertura assistencial em áreas antes desassistidas4. Apesar dos avanços obtidos com o SUS, seus princípios orientadores ainda não são realidade no cotidiano dos serviços de saúde5. Dentre seus princípios e diretrizes talvez a integralidade seja o menos visível na trajetória do sistema e de suas práticas. Isto porque a criação do SUS modificou o arranjo institucional, mas, não necessariamente, transformou as práticas dos serviços de modo a articular a prevenção e a assistência5. Nas Unidades Básicas, o trabalho tem sido organizado, tradicionalmente, de forma fracionada, em função da consolidação das corporações profissionais nos serviços, pela especialização do saber e, conseqüentemente, do trabalho em saúde 6.
No contexto da integralidade, faz-se necessária uma reflexão crítica sobre os processos de trabalho em saúde visando à produção de novos conhecimentos e ao desenvolvimento de novas práticas de saúde consoantes com os princípios e diretrizes do SUS. Neste escopo de reflexões deve ser incluída a atenção à saúde prestada ao indivíduo com Diabetes Melito (DM), em vista à complexidade exigida no seu atendimento e portanto, necessidade da integração dos profissionais que constituem as equipes de saúde das unidades básicas e especializadas do SUS. Além disto, a inserção de outros profissionais como nutricionistas, assistentes sociais, psicólogos, professores de educação física é fundamental para o desenvolvimento de uma ação interdisciplinar e integral na prevenção e tratamento do DM7. A prestação de um atendimento integral a este grupo é de suma relevância, uma vez que o DM configura um problema de saúde publica mundial e nacional - 140 milhões de pessoas afetadas em todo mundo e 5 milhões no Brasil7.
Com o propósito de reorganizar a rede de saúde, com melhoria da atenção aos portadores de DM e estabelecer diretrizes e metas para a reorganização da atenção a estes indivíduos no SUS, o Ministério da Saúde (MS) lançou o Plano de Reorganização da Atenção à Hipertensão Arterial e ao DM8. O objetivo deste plano foi garantir o diagnóstico, a vinculação do indivíduo às unidades de saúde para tratamento e acompanhamento, a reestruturação e a ampliação do atendimento resolutivo e de qualidade para os portadores dessas patologias na rede pública de serviços de saúde8. Apesar da importância das ações implementadas pelo MS, em relação à atenção à saúde dos indivíduos com DM, observa-se que as ações em saúde bucal não foram incluídas no elenco de propostas para garantir o controle e melhoria da qualidade de vida deste grupo. Destaca-se aqui a relação de risco estabelecida na literatura entre o DM e a doença periodontal9.
Estudos sugerem que o DM pode acelerar a destruição periodontal e que, em contrapartida, o tratamento periodontal pode reduzir as exigências de insulina e melhorar o equilíbrio metabólico do indivíduo com DM. Portanto, os diabéticos precisam de tratamento e controle da doença periodontal9,10. Nesta perspectiva, a participação efetiva da equipe de saúde bucal no apoio ao cuidado aos usuários que apresentam doenças crônicas como o DM aponta para uma abordagem voltada aos princípios da integralidade. Este trabalho pretende avaliar como está organizado o atendimento aos indivíduos com diabetes melito, usuários do SUS, a partir dos dados das condições periodontais apresentadas por este grupo, em Belo Horizonte.
MÉTODOS
O presente estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) através do parecer n º 030/05 e pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte através do protocolo 012 ⁄ 200411.
O trabalho foi desenvolvido nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) do Município de Belo Horizonte-MG, distribuídas pelos nove Distritos Sanitários que compõem a divisão político administrativa do Município. Em cada distrito foram sorteadas duas UBS para a realização da coleta de dados.
O estudo foi constituído por duas etapas: na primeira foi realizado um estudo epidemiológico em que se utilizou uma amostra representativa de indivíduos diabéticos para determinar a prevalência e gravidade da doença periodontal nesta população. Na segunda etapa foram realizadas entrevistas estruturadas com estes indivíduos e com os gerentes das UBS estudadas, para conhecer a organização e rotina de atendimento dos diabéticos nas UBS.
Para o cálculo da amostra dos pacientes com DM, utilizou-se o método de estimativa de proporção populacional para a ocorrência de doenças, da Organização Mundial de Saúde (OMS)12. Considerando um nível de significância de 95%, erro de 5% e a prevalência de doença periodontal em diabéticos de 75%13 seriam necessários avaliar 288 indivíduos. Para prevenir possíveis perdas a pesquisa foi concluída com uma amostra final de 300 indivíduos diabéticos, de ambos os sexos.
A partir do total de indivíduos diabéticos atendidos em cada Distrito Sanitário, verificado no cadastro do HIPERDIA (sistema informatizado que permite cadastrar e acompanhar os portadores de hipertensão arterial e/ou diabetes melito em todas as unidades ambulatoriais do SUS)14, obteve-se a proporcionalidade da amostra, por distrito. Os indivíduos participantes foram sorteados aleatoriamente entre aqueles cadastrados nas UBS até que se obtivesse um número de exames necessários a cada unidade. Considerou-se como critério de inclusão: indivíduo diabético, dentado, inscritos no HIPERDIA/SUS/BH e com mais de 30 anos.
Para a coleta dos dados epidemiológicos, foi realizado um estudo piloto, com objetivo de realizar a calibração intra-examinador, testar os instrumentos e para treinamento do pesquisador. Os exames de calibração tiveram um intervalo de sete dias entre o primeiro e o segundo exame. Um total de 588 superfícies foram avaliadas e re-avaliadas para que a concordância pudesse ser determinada. Aplicou-se o teste de concordância Kappa (K) encontrando valores considerados satisfatórios para profundidade de sondagem (0,81), perda de inserção clínica (0,91) e sangramento à sondagem (0,79).
O roteiro das entrevistas foram testados em um segundo estudo piloto, envolvendo 10 usuários e o gerente de uma unidade de saúde, não incluídos no estudo principal. Alguns pequenos ajustes foram realizados no roteiro das entrevistas e na ficha clínica com objetivo de adequar melhor os instrumentos a serem utilizados no estudo principal.
Os exames clínicos foram realizados em consultório odontológico, utilizando o refletor para iluminação, seringa tríplice para secagem dos dentes, espelhos bucais, gazes e sonda periodontal tipo Willians (Hu-Friedy®), respeitando-se as normas de biossegurança15. A presença de doença periodontal foi avaliada através dos parâmetros clínicos: profundidade de sondagem, perda de inserção clínica e sangramento à sondagem. Para determinação do diagnóstico, foram considerados como gengivite, os indivíduos que apresentaram pelo menos um sítio com sangramento à sondagem16 e com periodontite os indivíduos que apresentaram pelo menos um sítio com profundidade de sondagem > 4 mm e perda de inserção clínica > 4 mm, no mesmo sítio17.
Nas entrevistas com os diabéticos foram coletados dados relativos ao atendimento na unidade, condições socioeconômicas e comportamentais. Nas entrevistas com os 26 gerentes das unidades estudadas, foram coletados os dados relativos à existência de grupos operativos na UBS, participação dos profissionais da saúde nos grupos, freqüência de participação do dentista, encaminhamento de indivíduos com DM ao serviço odontológico, prioridade para atendimento do paciente com DM na saúde bucal e forma de organização dos prontuários nas UBS.
Os resultados do estudo foram digitados e organizados em um banco de dados utilizando-se o software Statistical Package for Social Science (SPSS) versão 12.0. A análise descritiva dos dados epidemiológicos baseou-se em cálculo de proporções e medidas de tendência central para as variáveis estudadas. Os resultados das entrevistas foram apresentados em percentuais e foram discutidos a partir dos sentidos de integralidade descrito por Mattos1.
RESULTADOS
Não se organizam políticas e serviços em saúde sem conhecer o problema que deverá ser enfrentado. Neste sentido, o estudo teve inicio com a descrição do perfil do paciente com DM atendido pelo SUS em Belo Horizonte. Participaram do estudo 300 indivíduos cuja idade apresentou média de 55,3 (±10,0) com mediana em 55 anos. Os resultados que caracterizam a amostra estudada se encontram dispostos na Tabela 1.
Entre os diabéticos avaliados, 9,7% apresentaram o periodonto saudável, 55% apresentaram gengivite e 35,3%, periodontite ou seja, 90,3% da amostra necessitava de algum tipo de intervenção.
Tabela 1. Caracterização da amostra, Belo Horizonte, 2006.
Variáveis N %
Gênero
Masculino 120 40%
Feminino 180 60%
Idade
30-54 anos 148 49,3%
Acima de 55 anos 152 50,7%
Estado civil
Sem companheiro 128 42,7%
Com companheiro 172 57,3%
Renda
Até 400 reais 150 50%
Acima de 401reais 150 50%
Escolaridade
Superior e médio 48 16%
Fundamental e sem estudo 252 84%
Tipo de diabetes melito
Tipo 1 86 28,7%
Tipo 2 214 71,3%
Tabagismo
Sim 46 15,3%
Não 254 84,7%
Dentes perdidos
Até 12 dentes 153 51%
Acima de 12 dentes 147 49%
Os dados relacionados ao atendimento odontológico e à organização do programa para diabéticos, na UBS, estão relatados nas tabelas 2 e 3 respectivamente.
Tabela 2. Distribuição da amostra quanto ao atendimento odontológico recebido na UBS, Belo Horizonte, 2006.
N %
Atendimento pelo CD na época do estudo
Não 218 72,7%
Sim 82 27,3%
Consultas com o dentista no último ano
Foi ao dentista 115 38,9%
Não foi 185 61,1%
Local de atendimento
Unidade Básica de Saúde 52 63,4%
Referência Especializada 3 3,6%
Outros 27 33%
Tabela 3. Organização das atividades do programa para diabéticos na UBS, Belo Horizonte, 2006.
N %
Presença de grupos Operativos
Sim 24 92,3%
Não 2 7,7%
Profissionais
Dentista 8 33,3%
Nutricionista/ Psicólogo 2 8,4%
Fisioterapeuta 6 25%
Assistente Social 3 12,5%
Participação do Dentista
Participação contínua 3 12,5%
Participação eventual 5 20,8%
Prontuário
Separado 20 76,9%
Único 6 23,1%
Encaminhamento à Saúde Bucal
Sim 7 26,9%
Não 5 19,2%
Eventualmente 14 53,9%
Prioridade de atendimento na Saúde Bucal
Sim 10 38,5%
Não 4 15,3%
Eventualmente 12 46,2%
Total 26 100
Em relação à prioridade de atendimento ao diabético, em 61,5% das UBS ela existe somente em caso de “necessidade” ou determinada urgência.
DISCUSSÃO
A expressiva prevalência de gengivite (55%) e periodontite (35,3%) no grupo estudado já se configurava como hipótese neste estudo. A literatura tem mostrado que indivíduos diabéticos apresentam maior prevalência de doenças gengivais20,21,22 e periodontais21,24,25, quando comparada a população geral. Os dados do SB-BRASIL23, inquérito epidemiológico de abrangência nacional, mostram um prevalência de gengivite na população brasileira de 9,97% em indivíduos entre 35-44 anos e 3,27% em indivíduos entre 65-74 anos. Em relação a periodontite a prevalência de indivíduos com bolsas peridontais acima de 4mm foi de 1,34 para a faixa etária de 15 a 19 anos, 9,98% na população de 35 a 44 anos e 6,3% nos indivíduos de 65 a 74 anos. Considerando que os critérios de exame neste estudo e no SB-BRASIL23 foram os mesmos, os dados confirmam a gravidade da saúde periodontal deste grupo de diabéticos.
Outros estudos também mencionam que os portadores de diabetes apresentam percentuais mais elevados de bolsas profundas e perdas graves de inserção periodontal do que os indivíduos não diabéticos26; que adultos diabéticos apresentam maior gravidade das condições periodontais quando comparados aos não diabéticos e que estes apresentam três vezes mais chance de sofrer perda de tecido periodontal de suporte27,28.
Apesar desta gravidade, o exame periodontal parece não fazer parte integrante da rotina da maioria dos profissionais do serviço público ou privado. O que se observa freqüentemente, é uma profissão que se organizou em torno de uma patologia - a cárie dentária e, tem na prótese, que deveria ser a marca do fracasso da odontologia (resultado da perda dentária) um “totem e marco distintivo da profissão”30. Procedimentos para controle e tratamento da DP vão sendo relegados a segundo plano29.
Este fato é demonstrado quando, apesar do padrão epidemiológico apresentado, somente 27,3% dos diabéticos relataram estar em atendimento odontológico na UBS à época do estudo e apenas 38,9% haviam procurado o dentista no último ano. Considerando que a gengivite tem grandes chances de ser controlada, por meio de procedimentos incluídos no rol de atividades da UBS (atenção básica), 55% dos diabéticos deveriam estar em tratamento. Entre os diabéticos examinados, 35,3% apresentou periodontite mas, somente 3,6% dos entrevistados estavam em tratamento na clínica odontológica especializada.
No entanto, todos os incluídos no estudo eram cadastrados no HIPERDIA, indicando que a grande maioria dos indivíduos diabéticos estava sendo atendida periodicamente pelos médicos das unidades.
Entre as atividades previstas pelo Ministério da Saúde7, encontra-se a formação de grupos operativos, sobretudo no caso de doenças crônicas como a DM, como forma de vinculação com a UBS e desenvolvimento de programas educativos para controle da doença e promoção de saúde. Através das entrevistas com os gerentes, observou-se que 92,3% das unidades realizavam trabalho com grupos voltados ao diabético. Dentre os profissionais da saúde, excetuando-se os médicos e enfermeiros, que participam efetivamente destes grupos, o dentista seria o mais presente (33,3%), sendo que 12,5% apresentavam uma participação contínua e 20,8% uma colaboração quando solicitado. Deste modo a participação da odontologia no atendimento ao diabético é incipiente, em todas as faces onde se investe no controle da doença.
Acredita-se que a participação dos dentistas nos grupos operativos melhoraria de maneira significativa a prevalência de gengivite nos diabéticos (55%). Medidas simples como a orientação e a motivação a estes indivíduos, por exemplo, representaria melhorias das condições gengivais. Para Tinoco e Tinoco29 um indivíduo motivado em relação à sua saúde periodontal tem mais chances de se beneficiar das medidas de prevenção. Como o grau de motivação oscila com o passar do tempo seria importante a presença do dentista nestes grupos, com maior freqüência.
Apesar da importância do trabalho em equipe, outros profissionais são ainda menos presentes nos trabalho dos grupos operativos. Nas entrevistas com os diabéticos, apenas 3,4% dos entrevistados relataram receber atendimento com outros profissionais como nutricionista, fisioterapeuta, psicólogo e assistente social. Ressalte-se que, estes profissionais são escassos na maioria das equipes, em Belo Horizonte.
Quanto ao encaminhamento dos diabéticos para consulta odontológica, em 73,1% das UBS, constatou-se que o indivíduo diabético não era encaminhado para tratamento na saúde bucal como rotina mas, apenas em casos de “necessidade” ou urgência. O mesmo critério era adotado para priorizar o atendimento do diabético, em 61,5% das UBS.
Deste modo, o atendimento odontológico é completamente desvinculado do atendimento feito pela equipe do PSF (medico e enfermeiro). Os cuidados em saúde que deveriam ser planejados interdisciplinarmente têm sido realizados isoladamente, por cada profissional. Somente 23,1% das UBS trabalham com prontuário único.
Considerando a integralidade da atenção ao diabético, o primeiro sentido descrito por Mattos1 aborda a visão integral do profissional de saúde em relação ao usuário do serviço. A atitude de um profissional de saúde frente a um paciente que traz uma necessidade seria buscar conhecer todos os aspectos que envolvem a sua vida, em prol da construção de uma imagem mais ampla desse campo de necessidades, permitindo que as ações a serem definidas contemplem fatores de risco à saúde e condições outras que não relacionadas somente ao motivo da consulta1. Dentro desta perspectiva o ideal seria que nas UBS os profissionais envolvidos no atendimento dos usuário pudessem ter esta visão, mas, no entanto, percebe-se que na prática isto não ocorre. Os indivíduos com DM atendidos pelo médicos sequer eram encaminhados para atendimento odontológico. Isto evidencia a grande dificuldade em perceber até as necessidades de saúde dos indivíduos como um todo. Baldani et al.31 afirmam que o fato da odontologia não estar presente desde o início do programa PSF, possivelmente acarretou prejuízos no processo de integralização dos profissionais co-relacionados. Outro aspecto que merece ser evidenciado é que o pequeno número de psicólogos, fisioterapeutas, nutricionistas e assistentes sociais, na rede municipal de Belo Horizonte, pode estar comprometendo a organização de uma equipe de saúde mais efetiva e com maior clareza das necessidades globais dos usuários.
O segundo sentido da integralidade a ser considerado na análise se refere às formas de organizar as práticas e processos de trabalho em saúde1. Os resultados encontrados mostram ainda que existe pouca integração entre os profissionais das unidades de saúde. Dentre as pessoas estudadas a grande maioria 218 (72,7%) não estava sob tratamento odontológico, 61,1% não haviam sido atendidos pelo dentista, no último ano, embora, 96,6% realizassem controle médico periódico. O pequeno número de indivíduos atendidos pelo dentista (27,3%) pode retratar uma falta de integração das ações médicas e odontológicas, visto que quase todas as unidades do Município possuem dentista. O trabalho em equipe é fundamental uma vez que os dados relatados na literatura nacional e internacional bem como os descritos neste estudo apontam para uma maior prevalência e gravidade de gengivite e periodontite em indivíduos com DM quando comparados a prevalência da doença na população geral23. Juntando-se a estes dados o fato da doença periodontal poder dificultar o controle da glicemia reafirma-se a necessidade de serem revistas as práticas e processos de trabalho em saúde no sentido de enfatizar o trabalho interdisciplinar no controle da glicemia dos diabéticos.
Considerando-se o pequeno número de unidades que referenciam os indivíduos diabéticos para tratamento odontológico - 26,9%, e ainda os 73,1% das unidades que não o encaminham regularmente, pode-se supor que existe um desconhecimento da equipe de saúde sobre a necessidade de atendimento odontológico ao indivíduo com DM, ou uma dificuldade de acesso ao serviço odontológico que faz com que o indivíduo seja encaminhado apenas quando apresenta um quadro de urgência. Outra questão a ser abordada é que os profissionais da saúde apresentam uma concepção compartimentalizada do conhecimento de cada área e ainda que atuem no mesmo espaço de trabalho, a prática permanece centrada no núcleo de conhecimento de cada trabalhador, ocasionando um desencontro dos saberes32. Os resultados apresentados mostram que nas UBS o trabalho tem sido organizado de forma fragmentada, sem a participação efetiva e o envolvimento de outros profissionais da área da saúde que são fundamentais ao desenvolvimento da prática profissional. A própria divisão do prontuário em médico e odontológico retrata esta segmentação. Neste estudo apenas 23,1% das unidades de saúde da família utilizam prontuários únicos para os indivíduos. O trabalho em equipe interdisciplinar é uma potencial ferramenta de mudança nos processos de trabalho, alicerçando a integralidade e seus dispositivos (acolhimento, vínculo, autonomia, resolubilidade, responsabilização)33. É um caminho que deve ser almejado pelas equipes de saúde.
Em relação à integração entre os diferentes níveis de atenção, terceiro sentido da integralidade utilizado nesta análise1, observa-se um pequeno número de diabéticos atendidos na atenção básica (27,3%) e atenção especializada (3,6% ) no SUS/BH. No que concerne a atenção básica, o número encontrado – 27,3% pode mostrar uma dificuldade da saúde bucal em responder as necessidades da população no âmbito da atenção primária. Como a assistência odontológica pública no Brasil tem-se restringido quase completamente aos serviços básicos - ainda assim, com grande demanda reprimida34, para que o grau de resolutividade neste nível de atenção básica seja satisfatório para os diabéticos, ou seja, os casos com gengivite (55%) sejam solucionados deve se tornar rotina, a utilização adequada dos meios disponíveis de diagnóstico no exame periodontal29, coordenada com procedimentos de controle e prevenção desta doença que incluem o trabalho nos grupos operativos. É claro que a prática odontológica apresenta certas especificidades uma vez que incluem num mesmo ato o diagnóstico e a terapêutica cirúrgica, cuja conclusão pode se arrastar por semanas ou meses. Esta característica do ato odontológico introduz um complicador a mais quando se discute acesso a serviços que é a combinação de uma alta prevalência de doenças (e, conseqüentemente de necessidades), com uma lógica de tratamento complexa, demorada e onerosa33.
A Política Nacional de Saúde Bucal, Brasil Sorridente reúne uma série de ações em saúde bucal, voltadas para cidadãos de todas as idades. Até seu lançamento, em 2004, apenas 3,3% dos atendimentos odontológicos feito no SUS correspondiam a tratamentos especializados. A quase totalidade era de procedimentos mais simples, como extração dentária, restauração e pequenas cirurgias35. Dado muito semelhante ao encontrado neste estudo em que apenas 3,6% do atendimento ao diabético era ofertado pela rede secundária. Este valor não corresponde as necessidades de atendimento dos indivíduos com DM uma vez que estes podem ter suas condições de saúde bucal agravadas e, portanto, necessitarem de atendimento especializado. É evidente a baixa capacidade de oferta dos serviços de atenção secundária e terciária, comprometendo, em conseqüência, o estabelecimento de adequados sistemas de referência e contra-referência em saúde bucal na quase totalidade dos sistemas locoregionais de saúde35. A expansão da rede assistencial de atenção secundária e terciária não acompanhou, no setor odontológico, o crescimento da oferta de serviços de atenção básica35.
Nesse sentido, a Política Brasil Sorridente propõe garantir as ações de promoção, prevenção e recuperação da saúde bucal dos brasileiros. No âmbito da assistência, estas diretrizes apontam para a ampliação e qualificação da atenção básica, possibilitando o acesso a todas as faixas etárias e a oferta de mais serviços, assegurando atendimento no nível secundário de modo a buscar a integralidade da atenção. Os centros de especialidades odontológicas estão preparados para oferecer à população os serviços de diagnóstico bucal, periodontia especializada, cirurgia oral menor, endodontia e atendimento a portadores de necessidades especiais35.
A organização das instituições na busca da integração dos cuidados em saúde, em todo o sistema, através da conformação de uma rede de serviços estruturada de forma a maximizar as possibilidades de atendimento é de fundamental importância. Também a articulação entre os diferentes níveis, com a estruturação de sistemas de referência e contra-referência que dêem conta das necessidades destes indivíduos bem como a ação interdisciplinar torna-se imperiosa para seguir-se os caminhos rumo à integralidade da atenção36.
CONCLUSÕES
Foi observada uma prevalência significativa de gengivite e periodontite na população de diabéticos estudada 55% e 35,3% respectivamente o que torna a atenção à saúde bucal de grande importância, tanto para melhoria das condições de saúde bucal quanto para o controle da glicemia para os indivíduos diabéticos. Em relação à rotina de atendimento do indivíduo diabético no SUS-BH, com vistas à integralidade da atenção, pôde-se observar, através das entrevistas com os diabéticos, uma participação incipiente de outros profissionais da saúde, além do médico, no atendimento a estes indivíduos (3,4%). Apesar de o dentista estar presente em quase todas as UBS, o acesso a este ainda é restrito e apenas 27,3% dos indivíduos estudados estavam sob tratamento odontológico na atenção básica, 3,6% na atenção especializada e apenas 38,9% haviam procurado o atendimento odontológico no último ano. Em relação ao desenvolvimento de grupos operativos com vistas à prevenção e controle do diabetes pôde-se verificar, através das entrevistas com os gerentes, que a maioria das Unidades de Saúde estudadas realizavam estes grupos (92,3%). Em 33,3% destas o dentista participava dos grupos sendo sua presença vinculada geralmente ao convite da equipe. Em 73,1% das unidades os indivíduos diabéticos não eram encaminhados para a odontologia ou o era em caso de alguma necessidade/dor. Em 61,5% das unidades o diabético não tinha prioridade no atendimento na saúde bucal ou a tinha em caso de necessidade/dor. Outros profissionais como nutricionistas, fisioterapeutas, psicólogos e assistentes sociais participavam das atividades dos grupos em 4,2%, 25%, 4,2% e 12,5% das unidades estudadas respectivamente. Outro aspecto relevante é que na maioria das UBS (76,9%) o prontuário da medicina e da odontologia eram separados o que reforça a hipótese de existir pouca integração entre os profissionais nas equipes. A atenção integral ao paciente diabético garantindo o atendimento em todos os níveis, bem como a integração dos profissionais dentro da própria unidade de saúde são fatores essenciais para contemplar a integralidade das ações em saúde no atendimento ao indivíduo com DM.
COLABORADORES
SILVA, AS; VARGAS, AMD; FERREIRA, EF participaram da elaboração do artigo nas fases de concepção, delineamento, análises e redação do artigo. ABREU, MHNG participou da fase de análise e interpretação dos dados.
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