0280/2006 - A PREVENÇÃO DO CÂNCER DE PRÓSTATA: UMA REVISÃO DA LITERATURA
PROSTATE CANCER PREVENTION: A LITERATURE REVIEW
Autor:
• Romeu Gomes - Romeu Gomes - Rio de Janeiro - Instituto Fernandes Figueira - FIOCRUZ - <romeugo@gmail.com> +ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3100-8091
Área Temática:
Não CategorizadoResumo:
O presente estudo tem como objetivo analisar as recomendações voltadas para prevenção do câncer de próstata presentes na literatura específica sobre o assunto. O método consistiu numa revisão da literatura sobre o assunto, realizada a partir de uma abordagem qualitativa. O material revisado foi estudado a partir da técnica de análise de conteúdo temática. A discussão dos resultados do estudo se desenvolve a partir das seguintes categorias de análise: (1) prevenção primária, (2) prevenção secundária; (3) masculinidade-prevenção. Concluiu-se que: (a) as recomendações apresentam tanto uma diversidade quanto certa polêmica entre os diferentes posicionamentos; (b) a produção de artigos científicos da área da saúde coletiva sobre o assunto é escassa; (c) faz-se necessário o desenvolvimento de uma abordagem mais interdisciplinar no trato da temática e (d) poucas fontes levam em conta as especificidades de ser homem nas recomendações da prevenção do câncer de próstata.Palavras-chave: prevenção, câncer de próstata, masculinidade.
Abstract:
The present study is aimed to analyze the recommendations towards prostate cancer prevention reported in the specific literature about the issue. The method consisted of a review on the matter, from a qualitative approach. The revised material was studied by using the theme content analysis technique. The study results discussion developed from the following analysis categories: primary prevention, secondary prevention and masculinity and prevention it concluded that: (a) the recommendations present either a diversity or certain polemic among the different viewpoints, (b) the scientific papers production of the public health care branch on this issue is scarce, (c) the development of a more interdisciplinary approach in treating the theme is necessary and (d) few research sources take the specifity of being male into account in the recommendations for prostate cancer prevention.Key words: prevention, prostate cancer, masculinity
Conteúdo:
Introdução
No Brasil, como em outros países do mundo, o perfil de morbimortalidade por câncer de próstata também tem se alterado nas últimas décadas. Segundo o Instituto Nacional do Câncer – INCA 1, 2, o número de casos novos estimados para o Brasil em 2005 era de 46.330. Este valor corresponde a um risco estimado de 51 casos novos a cada 100 mil homens, sendo o tipo de câncer mais freqüente em todas as regiões do país. O risco estimado é de 69/100.000 no Sul, 63/100.000 no Sudeste, 46/100.000 no Centro-Oeste, 34/100.000 no Nordeste e 20/100.000 no Norte. De acordo com a Sociedade Brasileira de Urologia - SBU 3, um em cada seis homens com idade acima de 45 anos, pode ter a doença sem que nem sequer saiba disso. O aumento nas taxas de incidência pode ser parcialmente justificado pela evolução dos métodos diagnósticos, melhoria na qualidade dos sistemas de informação do país e aumento na expectativa de vida do brasileiro 1.
Ainda segundo dados do INCA 1, o número de casos novos diagnosticados de câncer de próstata no mundo é de aproximadamente 543 mil casos por ano, representando 15,3% de todos os casos incidentes de câncer em países desenvolvidos e 4,3 % dos casos em países em desenvolvimento. O câncer de próstata é o tipo de neoplasia mais prevalente em homens, com estimativa de 1,5 milhões com diagnóstico nos últimos anos. É, também, considerado o câncer da terceira idade, uma vez que cerca de três quartos dos casos no mundo ocorrem a partir dos 65 anos.
A mortalidade por câncer de próstata é relativamente baixa, o que em parte reflete seu bom prognóstico. Nos países desenvolvidos a sobrevida média estimada em cinco anos é de 64%; enquanto que, para países em desenvolvimento a sobrevida média é de 41%. A média mundial é de 58% 1.
Segundo o Sistema Nacional de Auditoria, órgão do Ministério da Saúde 4, no quadro da saúde pública brasileira, o câncer de próstata é um dos grandes problemas. Esse tipo de câncer já é duas vezes mais freqüente do que o câncer de mama.
Em setembro de 2001, a Lei 10.289 instituiu o Programa Nacional de Controle do Câncer de Próstata. Caminhando na direção da implementação dessa lei, diferentes órgãos públicos que tratam do assunto, sob a coordenação do INCA, chegaram a um consenso sobre o Programa Nacional do Câncer de Próstata 5, 6.
Especificamente em termos de prevenção do câncer prostático, o INCA – órgão responsável pela política de prevenção e controle do câncer em geral – vem divulgando material informativo pela internet 7.
Como foi visto, o câncer de próstata, é notadamente reconhecido como um problema de saúde pública, dado a sua magnitude no quadro de morbimortalidade masculina, já possuindo consenso entre órgãos oficiais sobre o seu controle e a sua prevenção. Para que se avance na discussão de medidas específicas de prevenção desse tipo de câncer, faz-se necessário investigar qual é o estado da arte das recomendações sobre o assunto divulgadas acerca desse tema.
Antes, entretanto, de se desenhar um estudo que busca analisar tal produção, faz-se necessário apontar o que se entende por prevenção no campo da Saúde Coletiva. A reflexão de Czeresnia 8, 9 é no sentido de auxiliar o estabelecimento de um marco conceitual sobre o assunto.
Segundo a autora, as ações preventivas podem ser definidas como intervenções orientadas a evitar o surgimento de doenças específicas, reduzindo sua incidência e prevalência nas populações 8. No espaço clínico, as intervenções preventivas podem ser tradicionalmente médicas, como imunização, screening, ou tratamento com quimioterápicos, ou, ainda, envolver intervenções educativas sobre mudanças de estilos de vida individuais 9.
Com base em Terris, Czeresnia indica que as estratégias de promoção, por sua vez, enfatizam a transformação das condições de vida e de trabalho que conformam a estrutura subjacente aos problemas de saúde, demandando uma abordagem intersetorial de ações em saúde 8.
Retomando o conceito de prevenção em saúde, observa-se que esse termo se relaciona a uma ação antecipada, baseada no conhecimento da história natural a fim de tornar improvável o progresso posterior da doença 8.
Assim, falar de prevenir implica, obrigatoriamente, fazer referência aos fatores causais ou predisponentes. É sobre esses fatores que incide o nível de prevenção primária – em doenças cujas causas são conhecidas - orientando ações de uso de imunizações específicas; uso de alimentos específicos; proteção contra substâncias carcinogênicas, para citar alguns exemplos 9.
Nesse sentido, a prevenção se volta para uma ação orientada para que o sujeito não adoeça e possa desfrutar de melhor qualidade de vida; para tal é necessário envolvê-lo com informações relevantes para que se insira ativamente e possa incorporar hábitos preventivos 8.
As doenças cujas causas são menos conhecidas exigem um outro tipo de ação preventiva, que envolve fazer um diagnóstico precoce e uma abordagem terapêutica adequada, para prevenir a incapacidade que a doença pode provocar. Esse tipo de ação é definido como prevenção secundária e encontra-se subdividido em dois níveis de aplicação: diagnóstico e tratamento precoce – medidas individuais e coletivas para descoberta de casos; pesquisas de triagem utilizando exames seletivos – e limitação da invalidez – tratamento adequado para interromper o processo mórbido e evitar futuras complicações e seqüelas; provisão de meios para limitar a invalidez e evitar a morte 8.
A partir dessa perspectiva preventivista, este estudo tem como objetivo analisar as recomendações voltadas para prevenção do câncer de próstata presentes na literatura específica sobre o assunto. Como foco central dessa análise, busca-se saber se as recomendações apresentam consensos ou divergências, bem como problematizar se as medidas de prevenção levam em conta as especificidades do ser homem no processo saúde-doença.
Material e Método
Há inúmeros caminhos para se refletir sobre a produção de um conhecimento de uma área. Neste estudo, a opção foi por uma revisão da literatura, realizada a partir de uma abordagem qualitativa.
O material para leitura e análise foi selecionado a partir de pesquisa: (1) no site de busca Google, escolhido por apresentar uma coleção detalhada das páginas mais úteis da Internet; (2) em livrarias e editoras virtuais - Saraiva, Abrasco, Hucitec, Siciliano, Artmed, Eduerj e Editora Unicamp e (3) em bibliotecas virtuais: biblioteca virtual Scielo – Scientific Eletronic Library Online (http//www.scielo.org/index.php), Bibliomed (http//www.bibliomed.com.br), que disponibiliza artigos médicos atualizados por profissionais da medicina, BVS - Biblioteca Virtual em Saúde (http//www.base.bvs.br/index.php) . Na BVS, consta uma seção específica de ciências da saúde em geral, que possibilita acesso à Lilacs (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde) e Medline (Literatura Internacional em Ciências da Saúde). A produção veiculada eletronicamente, além de possibilitar o acesso às discussões atuais sobre prevenção de câncer de próstata, é a mais facilmente acessada.
O primeiro acesso foi em 30 de julho de 2005, com as seguintes palavras-chave: prevenção do câncer de próstata, diagnóstico precoce do câncer de próstata, toque retal e exame de toque digital e as expressões equivalentes em inglês e espanhol. Em 31 de outubro desse mesmo ano foi feito outro acesso.
Antes de se iniciar a análise qualitativa propriamente dita, foi realizada uma caracterização das fontes do estudo. Tal caracterização, além de fornecer um panorama geral sobre os diferentes textos veiculados sobre o assunto, serviu de cenário para a análise realizada.
A análise dos artigos baseou-se numa adaptação da Técnica de Análise de Conteúdo, modalidade Temática. A técnica de análise temática “consiste em descobrir os ‘núcleos de sentido‘ que compõem a comunicação e cuja presença, ou freqüência de aparição, podem significar alguma coisa para o objetivo analítico escolhido” 10 (p.105). Com esta técnica, pode-se caminhar, também, na direção da “descoberta do que está por trás dos conteúdos manifestos, indo além das aparências do que está sendo analisado” 11 (p.74).
Para a análise dos conteúdos do material, foram estabelecidas três categorias analíticas: prevenção primária, prevenção secundária e masculinidade e prevenção. Essas categorias foram elaboradas após ter sido realizada uma primeira leitura do conjunto de fontes estudadas. As duas primeiras categorias expressam uma classificação da prevenção presente tanto na literatura em geral sobre o assunto como também em algumas fontes analisadas. Já a terceira categoria analítica se configura a partir de questões relacionadas a modelos hegemônicos de masculinidade que podem problematizar a prevenção do câncer de próstata.
A partir desses princípios, basicamente, foram percorridos os seguintes passos de análise: (a) distribuição das idéias presentes nas fontes estudadas pelas três categorias analíticas; (b) identificação das idéias centrais (núcleos de sentido) por cada categoria; (c) comparação entre os diferentes núcleos de sentido; (d) classificação dos núcleos de sentido em temas em torno dos quais giravam as recomendações de prevenção e (d) problematização das discussões presente em cada uma das temáticas.
Percorridos esses passos, em cada categoria analítica, procurou-se estabelecer uma comparação entre as recomendações das fontes estudadas e as presentes nos documentos de órgãos oficiais, que serviram de base para introduzir o presente estudo 3, 4, 5, 6, 7.
Caracterização das Fontes da Análise
O conjunto das fontes pesquisadas sobre prevenção ao câncer de próstata integra referências de distinta natureza: livros especializados sobre a temática do câncer de próstata voltados ao público leigo, artigos científicos publicados tanto em revistas brasileiras quanto em jornais e revistas internacionais e textos voltados para público em geral, encontrados na internet a partir do site de busca Google. O referido site é o mais usual em encontrar textos a partir das palavras desejadas
Ao todo foram selecionadas 31 referências voltadas especificamente para o propósito do estudo, sendo 26 em português (83,9%), 3 em inglês (9,7%) e 2 em espanhol (6,4%).
Do material selecionado, foram encontrados 6 livros (19,4%), 5 artigos publicados em periódicos científicos (16,1%) e 20 textos voltados para o público em geral, encontrados em sites (64,5%).
Dos 20 textos voltados para o público em geral, 8 (40%) foram encontrados em páginas de hospitais que realizam tratamento com pacientes que possuem câncer e traziam informações gerais de forma bem acessível ao leitor leigo.
No Quadro I, encontram-se todas as fontes selecionadas para o presente estudo, com suas respectivas referências.
Quadro 1 – Distribuição dos Tipos de Fontes
Fontes Nº Referências
Artigos Científicos 5 Gomes 12, Lucumí-Cuesta et al 13, Miranda et al 14, Sorum et al 15, Tucunduva et al 16.
Livros 6 Fagundes et al 17, Freire 18, Palma et al 19, Srougi 20, Walsh et al 21, Zerbib 22.
Textos/internet 20 ABC da Saúde 23, Boa Saúde 24, EME 25, Fonseca et al 26, HCANC 27, HCMT 28, HIAE 29, HP 30, HSM 31, HSL 32, MC 33, Nascimento 34, NCI 35, Ribas 36, Santos 37, Serta-Oggi 38, Shimizu 39, Srougi 40, Varella 41, Zaqueta 42.
Total 31
A distribuição das fontes por categorias analíticas encontra-se no Quadro II. Como pode ser visto nesse quadro, há fontes que se classificam em mais de uma dessas categorias. A maior parte das fontes se encontra concentradas na prevenção secundária.
Quadro II
Referências Analisadas por Categoria Analítica
Categorias Referências
Prevenção primária Abc da Saúde 23, Boa Saúde 24, EME 25, Fagundes et al 17, HCANC 27, HCMT 28, HSL 32, MC 33, NCI 35, Palma et al 19, Srougi 20, Srougi 40, Tucunduva et al 16, Walsh et al 21, Zaqueta 42.
Prevenção secundária EME 25, Fagundes et al 17, Fonseca et al 26, Freire 18, HCANC 27, HCMT 28, HIAE 29, HP 30, HSM 31, HSL 32, Lucumí-Cuesta et al 13, MC 33, Miranda et al 14, Nascimento 34, Palma et al 19, Ribas 36, Santos 37, Serta-Oggi 38, Shimizu 39, Sorum et al 15, Srougi 40, Tucunduva et al 16, Varella 41, Walsh et al 21, Zaqueta 42, Zerbib 22.
Masculinidade e prevenção Freire 18, Gomes 12, Lucumí-Cuesta et al 13, Nascimento 34, Ribas 36, Srougi 20, Srougi 40, Varella 41, Zaqueta 42, Zerbib 22.
A Prevenção Primária do Câncer de Próstata
A prevenção primária do câncer de próstata apresentada pelo conjunto das fontes estudadas se estrutura a partir dos seguintes temas: ausência de um conhecimento sólido; fatores de risco; adoção de hábitos saudáveis; uso de drogas e o poder da informação.
Em relação à ausência de um conhecimento sólido, observa-se que, em geral, as informações veiculadas ou apontam para o desconhecimento de medidas específicas de prevenção ou revelam que o conhecimento ainda deve ser mais solidificado através de pesquisas.
Principalmente, em quatro das fontes estudadas 20, 25, 28, 40, verifica-se que não há como se precisar medidas preventivas contra o câncer de próstata. O argumento para tal afirmação encontra-se melhor explicitado em 20: “O aparecimento do câncer de próstata não pode ser evitado, porque ainda não são perfeitamente conhecidos os mecanismos que modificam a maquinaria das células normais da glândula [a próstata], tornando-as malignas” (p. 86).
Em outra obra, o autor, de certa forma, relativiza tal desconhecimento: “Todo homem nasce programado para ter câncer de próstata, pois todos carregam em seu código genético os chamados ‘proto-oncogens’, que dão a ordem para uma célula normal se transformar em outra maligna. Isto só não ocorre indiscriminadamente porque a função dos proto-oncogens é antagonizada por outro grupo de gens protetores, chamados de ‘supressores’ (...) Com o decorrer dos anos acumulam-se perdas dos gens supressores, que libera a atividade dos proto-oncogens e permite a degeneração das células prostáticas” 40 (p.2).
Embora, em geral, os materiais consultados não tenham esse tom enfático do posicionamento de que todos os homens nascem programados para ter o câncer de próstata, algumas fontes estudadas observam que, com o aumento da expectativa de vida dos homens, as possibilidades de se ter câncer de próstata podem ser aumentadas. “Estima-se que, aos 80 anos, cerca de 50% dos homens sejam atingidos pelo câncer de próstata” 32 (p.18). Assim, é comum considerar que o risco de se desenvolver o câncer de próstata aumenta na medida em que o homem envelhece 35.
A ausência de conhecimentos sólidos para a recomendação de medidas preventivas para o câncer de próstata também pode ser explicada pelo fato de muitos estudos que tendem a identificar fatores de risco relacionados à prevenção, ou ainda estão em fase de desenvolvimento ou ainda demandam mais pesquisas internacionais para que os dados que se dispõem atualmente sejam validados.
Os fatores de risco para o aparecimento do câncer em geral e, em específico, para o de próstata são comumente presentes no conjunto do material estudado. O conhecimento de tais fatores, de certa forma, pode ser entendido como uma prevenção primária.
Os fatores de risco para câncer de próstata são, na maioria, desconhecidos e inevitáveis. Os dois fatores que apresentam certo consenso entre as fontes no que ser refere ao aumento do risco de desenvolvimento do câncer de próstata são a idade e história familiar. A grande maioria dos casos ocorre em homens com idade superior a 50 anos 23, 33, 35, 42 e naqueles com história de pai ou irmão com câncer de próstata 23, 27, 32, 33, 35, 40, 42.
Sobre a história familiar como fator de risco, de acordo com Srougi 40 “os riscos aumentam de 2,2 vezes quando um parente de 1º grau (pai ou irmão) é acometido pelo problema, de 4,9 vezes quando dois parentes de 1º grau são portadores do tumor e de 10,9 vezes quando três parentes de 1º grau têm a doença” (p.2). Nos casos de histórico familiar, recomenda-se que os homens façam exames preventivos a partir dos 40 anos.
Alguns materiais que trazem informações veiculadas sobre raça/etnia como fator de risco para o aparecimento do câncer, em geral, também apresentam consensos entre eles. Em relação a isso, são apresentadas faixas de riscos alta, intermediária e baixa, situando-se os negros norte-americanos na primeira, os brancos na segunda e os japoneses na terceira 23, 25, 27, 33, 35.
De certa forma essas informações são relativizadas por Srougi 20: “Curiosamente, alguns estudos epidemiológicos apontaram que a doença é 10 vezes mais comum em norte-americanos do que em japoneses que residem no Japão. A freqüência, contudo, se iguala quando os japoneses passam a residir nos EUA, indicando que são fatores ambientais ou dietéticos, e não a hereditariedade, os responsáveis pelo fenômeno” (p.49).
Um determinado tipo de dieta é apontado como outro fator de risco para desenvolver o câncer de próstata. Nesse sentido, a “dieta rica em gordura saturada (especialmente gordura animal) e pobre em fibra aumenta o risco de câncer de próstata” 17(p.26). Entretanto, algumas fontes consultadas observam que a relação dieta – risco de câncer de próstata ainda está sendo estudada, faltando haver uma maior confirmação científica 22, 33. Já Walsh et al 21 observam que, ainda que a dieta sozinha não seja suficiente para provocar o câncer de próstata, não se deve menosprezá-la como fator de risco significativo.
Um ambiente em que haja pouca exposição ao sol também é considerado um fator de risco para desenvolvimento do câncer de próstata 17, 20, 21. Segundo Fagundes et al 17, “homens que vivem no sul têm menor chance de morrer de câncer de próstata do que homens que vivem no norte. A teoria é que a exposição à irradiação ultravioleta do sol tem efeito protetor contra o câncer de próstata” (p.25). Em países mais frios, onde os homens recebem menos irradiação solar, casos dessa doença costumam ser mais freqüentes. Essa afirmação é defendida por Srougi 20, observando que “vários experimentos científicos demonstraram que a vitamina D, sintetizada somente quando nosso organismo é exposto ao sol, inibe a multiplicação de células cancerosas da próstata” (p. 50).
Walsh et al 21 apresentam dados sobre um estudo que levou em conta a distribuição geográfica dos raios ultravioletas e o número de mortes por câncer de próstata, apontando um alarmante padrão norte-sul, com áreas de maior incidência desse tipo de câncer. Com base nesse estudo, concluiu-se que a “radiação ultravioleta pode proteger os homens contra o câncer de próstata clínico” 21 (p.38).
A exposição ao cádmio – mineral que se encontra em quantidades mínimas na fumaça do cigarro e nas pilhas alcalinas – também é apontada como um possível fator de risco para o câncer de próstata 21, 27. “Uma explicação talvez seja a de que o cádmio de certa forma opõe-se ao zinco, um elemento necessário a muitas das atividades do nosso corpo – e já se constatou que a próstata de pacientes com câncer nesse órgão têm níveis de zinco menores do que os de outros homens” 21 (p.39).
A notícia de que a vasectomia é um fator de risco para o câncer de próstata é apresentada por Srougi 21 e Walsh et al 21. Entretanto, essa notícia é contestada por esses mesmos autores que a apresentam, apontando que não há indícios de que a vasectomia aumente o risco de um homem desenvolver câncer de próstata.
Ainda sobre o conhecimento dos fatores de risco como forma de prevenção, o National Cancer Institute dos Estados Unidos da América – NCI 35 observa que alguns fatores de riscos podem ser evitados, nesse caso estaria a idéia de prevenção primária propriamente dita, mas muitos não são evitáveis. Segundo essa instituição, por exemplo, o fumo e gens específicos são considerados fatores para certos tipos de câncer, mas somente o fumo pode ser evitado.
A adoção de hábitos saudáveis aparece em algumas fontes consultadas como uma forma de prevenir as doenças em gerais, aí podendo se incluir o câncer de próstata, tais como comer adequadamente, controlar o peso, beber com moderação, limitar o uso de açúcar e sal, não fumar e praticar exercícios físicos. Dentre esses hábitos, dietas consideradas saudáveis ocupam um espaço significativo. Em geral, se recomenda uma dieta com baixa gordura saturada (principalmente gordura animal), rica em fibras, frutas, vegetais e grãos 27, 28, 33. Ainda em relação à dieta, algumas das fontes estudadas veiculam conclusões de estudos que sugerem a redução do câncer de próstata através de determinado tipo de alimentação.
Caminhando nessa direção, Srougi 40 informa que estudo realizado na Universidade de Harvard (EUA) conclui que a “ingestão abundante de tomate e seus derivados parece diminuir de 35% os riscos de câncer de próstata (...) O efeito benéfico do tomate resultaria da presença de grandes quantidades de lycopene, um b-caroteno natural precursor da vitamina A” (p. 7). Esse autor, em outra obra 20, observa que pesquisadores neozelandeses revelam que a ingestão de ácidos graxos não saturados de cadeia longa, encontrados em óleos de peixes, sobretudo o salmão, previne o aparecimento de tumores do câncer de próstata.
O texto Boa Saúde 24 também traz uma notícia de do Journal of the National Cancer Institute de que “uma alimentação rica em vegetais que apresentam flores em formato de cruz, principalmente do tipo do brócolis e da couve-flor, diminui substancialmente o risco de câncer de próstata em homens (p. 1).
Fagundes et al 17, em sua obra, traz uma seção específica sobre a prevenção do câncer de próstata através de uma dieta saudável. Dentre suas recomendações, destacam-se as seguintes: aumentar o consumo de fibras de 25 a 30 gramas/dia, com limite superior a 35 gramas; usar 1 a 2 porções de peixe por semana; consumir no mínimo 5 porções de verduras e frutas ao dia.
A complementação dietética com vitaminas também é abordada como forma de prevenção. Segundo Srougi 40, a “complementação dietética com vitamina E (800 mg ao dia) e com selenium (200 µg ao dia) talvez tenha um efeito protetor contra o câncer de próstata, de acordo com dados do Memorial Sloan Kettering Cancer Center, de Nova York” (p. 7).
O uso de drogas é outra forma de prevenção tratada por algumas fontes. No entanto, essa forma se encontra pouco desenvolvida por se tratar de uma matéria que ainda carece de maiores estudos para sustentar as conclusões estabelecidas até o momento. As informações acerca desse assunto encontram-se em várias fontes 20, 33, 35, 40.
Srougi 20 traz informações sobre dois estudos norte-americanos que investigaram pacientes com doenças articulares que ingeriam antiinflamatórios. Segundo tais estudos, a incidência de câncer de próstata foi menor nesses pacientes. Também foi observado que “o efeito protetor foi maior em indivíduos idosos e que para cada ano de uso de antiinflamatório o risco de aparecimento de câncer diminuía 6%” 20 (p.88). O autor, entretanto, observa que esses dados precisam ser validados com outros estudos internacionais.
Em MC 33, NCI 35 e Srougi 40, há informações sobre um estudo norte-americano, envolvendo 18000 homens, com o uso de finasterida. Tal estudo partiu do princípio de que a testosterona é um dos combustíveis que alimenta o câncer de próstata e que o bloqueio parcial desse hormônio pode reduzir a incidência desse tipo de câncer. A partir dessa perspectiva, o estudo investigou um eventual papel da finasterida na prevenção de tumores malignos da próstata. Uma conclusão desse estudo que se tem notícia é que essa droga reduziu a taxa do câncer de próstata em 25% 33.
Em geral, implícita ou explicitamente, as fontes estudadas apontam para o poder da informação na prevenção primária do câncer de próstata. Os materiais veiculados revelam um investimento de esforços para tornar as informações acessíveis a um público mais amplo. A maioria desses materiais parece conseguir maior êxito nesse empreendimento, utilizando ilustrações e termos bem simples para um público de baixa escolaridade.
A partir das mensagens veiculadas, subtende-se que para se prevenir é preciso obter informações. Nesse sentido, precedendo ou seguindo as considerações sobre prevenção, as fontes costumam apresentar informações sobre a próstata (glândula masculina que se localiza na parte baixa do abdômen), câncer de próstata (crescimento incontrolável de células e disseminação das células modificadas pelo corpo), adenoma da próstata ou hiperplasia benigna da próstata (crescimento benigno da próstata que pode causar dificuldades de urinar e de ejacular) e prostatite (inflamação da próstata causada ou não por bactérias). Essas informações costumam ocupar um espaço maior do que as considerações específicas sobre as medidas preventivas.
Outro tipo de informação divulgado pelos livros que foram consultados – a exemplo de Palma et al 19 e Srougi 20 – se refere a um questionário auto-aplicado recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) que visa uma auto-avaliação dos sintomas prostáticos. Nesse questionário, há sete questões e cada uma delas tem respostas com graduação de 0 a 5. Em geral, as questões procuram obter informações sobre o número de vezes que a pessoa urina durante o dia, acorda à noite para urinar etc. Através da soma dos pontos de todas as respostas, o leitor sabe como anda a sua próstata. Esse questionário não é específico para a prevenção do câncer prostático, mas para qualquer problema de próstata.
Ainda sobre informações, há autores que costumam associar a falta de informação sobre a prevenção ou sobre o tratamento do câncer de próstata a baixos níveis de escolaridade. Lucumí-Cuesta et al 13, por exemplo, indicam que a desinformação atinge com maior intensidade a população masculina com menor nível de escolaridade e poder socioeconômico, demandando ações educativas voltadas, principalmente, para este grupo.
Apesar do poder que a informação assume na prevenção do câncer de próstata, faz-se necessário observar que nem sempre a informação resulta em prevenção. A pesquisa realizada por Miranda et al 14 pode ser utilizada para sustentar tal afirmação. Tal pesquisa concluiu que 20,7% dos professores-médicos de uma universidade estudados, mesmo tendo acesso fácil à informação e aos serviços de diagnóstico clínico e complementar, nunca realizaram práticas preventivas para câncer de próstata. Assim, o acesso à informação pode ser um caminho para a prática preventiva, porém não justifica, por si só, a não realização desta.
Comparando as fontes estudadas com a literatura utilizada como referência, em termos de recomendações acerca da prevenção primária do câncer de próstata, verifica-se que há mais consenso do que dissenso. Em termos de fatores de risco, tanto a Sociedade Brasileira de Urologia – SBU 3 quanto o Instituto Nacional de Câncer – INCA 2, 5, 6 destacam como os dois fatores de risco importantes para o desenvolvimento do câncer de próstata a idade acima de 50 anos e a história familiar desse tipo de câncer.
A SBU 3 e o INCA 2, 5, 6, 7, como as fontes estudadas, fazem recomendações no uso de um determinado tipo de dieta para a prevenção primária do câncer de próstata. Entretanto o INCA 5, 6 observa que a influência da dieta na gênese do câncer prostático ainda é incerta.
O INCA 7 observa que, até o momento, não são conhecidas formas específicas para a prevenção do câncer de próstata. Entretanto, observa que a adoção de hábitos saudáveis de vida pode evitar o aparecimento de doenças, entre elas o câncer. Nesse sentido, recomenda: praticar atividades físicas, no mínimo, durante 30 minutos por dia; ter uma dieta rica em fibras, frutas, vegetais, leguminosas; reduzir a quantidade de gordura na alimentação, principalmente a de origem animal; evitar o uso abusivo do álcool; não fumar; manter o peso na medida certa7.
Polêmicas na Prevenção Secundária do Câncer de Próstata
Ao se analisar as fontes do estudo que tratam sobre a detecção precoce do câncer de próstata, entendida neste estudo como prevenção secundária, observa-se que o conjunto das recomendações veiculadas se configura numa única temática: polêmicas entre as recomendações.
O primeiro tipo de polêmica se refere à definição de qual deve ser o público-alvo do diagnóstico precoce. As recomendações apontam diferentes parâmetros etários para a realização anual do diagnóstico precoce: (a) homens com mais de 50 anos ou com 40 anos quando têm história familiar de câncer prostático 17, 27, 32, 36; (b) homens com 45 anos ou com 40 anos, no caso de haver histórico familiar desse tipo de câncer 28; (c) homens com 40 anos ou com 35 para os que têm história familiar da doença 37; (d) todos os homens com 50 anos ou mais 20, 31, 32, 41; (e) todos os homens a partir dos 45 anos 18; (e) todos os homens a partir dos 40 anos 29, 30; (f) homens brancos a partir dos 45 anos e homens negros a partir dos 40 anos 42.
Ainda em termos de qual deve ser o público-alvo do diagnóstico precoce de câncer de próstata, Nascimento 34 observa que há uma controvérsia em recomendar o exame de diagnóstico para homens assintomáticos. No entanto, ainda segundo o autor, “pesquisadores e médicos continuam postulando a importância desse procedimento como única forma de reduzir a mortalidade” (p. 6).
Outra polêmica facilmente verificada no conjunto das fontes analisadas se refere à forma mais eficaz de se fazer a detecção precoce do câncer de próstata. Em geral, esse diagnóstico é recomendado para ser realizado através do exame clínico (toque retal ou toque digital da próstata) e o exame de sangue para a dosagem do antígeno prostático específico, conhecido por PSA, sigla inglesa da expressão prostatic specific antigen. Algumas fontes, como Palma et al 19 e Srougi 20, também observam que, quando necessário, deverá ser realizada uma ultra-sonografia transretal.
Discussões sobre a eficácia do toque retal e do PSA são foco de atenção de algumas fontes consultadas neste estudo. Walsh et al 21, por exemplo, questionam o toque retal, afirmando que muitos homens quando têm o câncer prostático detectado por esse exame já se encontra em estado avançado da doença. Segundo o autor, “Além disso, esse exame depende inteiramente da qualidade do médico que o faz, sendo, portanto, muito subjetivo” (p. 46).
Já Shimizu 39 traz o posicionamento de Thomas Stamey da Universidade de Stanford (EUA), que coloca em xeque o PSA, afirmando que tal exame tem seus dias contados. Stamey foi um dos primeiros a defender esse exame, mas atualmente – baseado em pesquisa por ele liderada e em outros estudos – questiona tanto a sua eficácia quanto a necessidade de ser utilizado. “Se o teste PSA é inconclusivo, qual deve ser então o procedimento adequado para identificar o risco de câncer de próstata? Segundo Stamey, a melhor solução ainda é o tradicional exame de toque digital (retal)” 39 (p.3). Esse questionamento de Stamey também é apresentado por Serta-Oggi 38.
Paralelamente a esses dois tipos de posicionamentos, há fontes que defendem que a melhor forma de detecção precoce é a que utiliza tanto o exame clínico quanto o de sangue. Nesse sentido, afirma Srougi 40: “melhor forma de diagnosticar o câncer de próstata é representada pela combinação de toque digital e dosagem do PSA. O toque exclusivo falha em 30% a 40% dos casos, as medidas de PSA falham em 20%, mas a execução conjunta dos dois exames deixa de identificar o câncer em menos 5% dos pacientes” (p. 3).
Tucunduva et al 16, que investigaram a atitude e o conhecimento de médicos não oncologistas em relação a medidas de prevenção e rastreamento de câncer, observam que não há “consenso em relação aos métodos preventivos para câncer de próstata. Enquanto urologistas preconizam a dosagem de PSA sérico e o toque retal anuais para homens maiores de 50 anos, os consensos de prevenção são heterogêneos, indicando PSA somado ao toque retal, apenas o toque retal ou nenhum deles” (p. 260).
Os próprios documentos utilizados como referência de análise das fontes, em alguns pontos, também divergem entre si, ao abordarem a detecção precoce do câncer de próstata. O Instituto Nacional de Câncer 5, 6 procura regular a detecção precoce do câncer de próstata, apresentando recomendações que surgiram a partir de consensos. Tal instituto recomenda: (a) “não indicar rastreamento populacional, baseado na ausência de evidências da efetividade das modalidades terapêuticas propostas para o câncer em estádios iniciais e do risco de seus efeitos adversos” 5 (p.11) e 6, (p.4); (b) “indicar o rastreamento oportunístico (case finding), ou seja, a sensibilização de homens com idade entre 50 e 70 anos que procuram os serviços de saúde por motivos outros que [não] o câncer da próstata sobre a possibilidade de detecção precoce deste câncer (...)” 5 (p.11) e 6, (p.4).
Numa posição diferente desse consenso, o órgão do Ministério da Saúde, em texto veiculado pela internet, aponta para a “necessidade de todos os homens brasileiros, entre 45 e 75 anos, de se submeterem a exames de prevenção e diagnóstico precoce de câncer de próstata com urologistas do SUS, dos planos de saúde e nos demais órgãos públicos federais, estaduais e municipais” 4 (p.1).
A Sociedade Brasileira de Urologia 3, por sua vez, recomenda que os homens que têm acima de 50 anos e os que têm 40 anos e com histórico familiar de câncer de próstata, pensem na possibilidade de “ir anualmente ao urologista para fazer check-up da próstata” (p. 37), mesmo que não tenham sintomas urinários.
Em relação aos tipos de diagnóstico, o INCA recomenda, em termos de rastreamento oportunístico, a realização “dos exames de toque retal e da dosagem do PSA total, informando-se sobre as limitações, os benefícios e os riscos da detecção precoce do câncer de próstata” 5 (p.12) e 6, (p.4). Recomenda ainda que, a partir desses exames e havendo indicação, se realize a ultra-sonografia pélvica, ou prostática transretal, se disponível 5, 6.
Segundo o INCA 2, apesar da detecção e do tratamento precoce prevenirem a progressão do câncer e o aparecimento de metástase, também é provável que sejam detectados tumores que teriam um crescimento muito lento e que não causariam problemas à saúde do homem. Sendo assim, recomenda uma ação preventiva em nível primário, baseada em ações educativas. Ações voltadas à população masculina, sensibilizando os homens sobre a possibilidade de detecção precoce do câncer de próstata; esclarecendo-os quanto aos métodos diagnósticos existentes, estimulando-os a buscar uma unidade de saúde. E, ainda, ações dirigidas aos profissionais de saúde, atualizando-os sobre os sinais de alerta para suspeição do câncer da próstata e os procedimentos de encaminhamento para diagnóstico precoce dos casos.
A Sociedade Brasileira de Urologia 3, por considerar que o toque retal não é infalível, recomenda que esse deva ser associado ao exame PSA. Já o texto de um órgão do Ministério da Saúde 4 não entra na discussão sobre o assunto.
Comparando o conjunto das fontes estudadas com os textos que serviram de referência para a análise 3, 5, 6, 7, verifica-se que o consenso sobre o diagnóstico precoce do câncer de próstata ou ainda não está consolidado, ou não é consenso.
Masculinidade e Prevenção
Em geral as fontes estudadas tratam a prevenção do câncer de próstata a partir de uma fundamentação que integra conhecimentos da pesquisa básica, clínica médica e epidemiologia. Poucos textos analisados abordam a relação que pode ser estabelecida entre o toque retal, um dos principais alvos da prevenção secundária, e modelos hegemônicos de masculinidade. Há outros poucos que só mencionam aspectos relacionados a tais modelos, não desenvolvendo uma discussão sobre o assunto ou reduzindo o problema a meros preconceitos.
Considerando as fontes que mencionam a relação masculinidade e prevenção do câncer de próstata, de forma ligeira ou com maior aprofundamento, dois temas podem ser apontados para sintetizar a discussão: preconceitos e medos infundados e toque retal problematizado pela masculinidade hegemônica.
No que se refere a preconceitos e medos infundados, o problema de determinados homens em se submeter ao exame do toque retal é apenas mencionado, sem grandes aprofundamentos. Três citações ilustram esse tema:
“Trata-se de um exame indolor e que pouco incomoda o homem, a não ser quando o indivíduo apresenta tendências machistas e pode se considerar molestado em seu brio masculino por este procedimento largamente utilizado em todo mundo” 18 (p.43).
“O homem, até por questão meio cultural, tem uma prevenção [resistência] muito grande contra o exame da próstata, que é o toque retal. É preciso vencer esse preconceito para ter maior zelo pelo nosso corpo (...)” 36 (p.1).
“Ainda têm muitos homens com receio do exame de toque. Podem ficar tranqüilos, o exame não dói, não deixa cicatriz, não deixa seqüelas e dura em torno de dois minutos. Tudo isso é preconceito” 42 (p.1).
Essas citações não vêm acompanhadas por uma maior discussão sobre o problema. Como estão, podem fazer com que se pense que a resistência ao toque retal é problema relacionado a meros preconceitos. Na raiz desses preconceitos, dentre outros aspectos, se destacaria uma ignorância em pensar que o toque retal provocaria dor. Independentemente ao fato de haver ou não dor nesse tipo de exame, as considerações sobre o medo infundado da dor parecem ignorar a dimensão subjetiva do problema, reduzindo-o apenas a sua dimensão física.
Principalmente na primeira citação, a resistência ao exame também é atribuída a pessoas com tendências machistas, tratando o problema como um desvio. Nela, parece estar ausente a consideração de que a construção social da masculinidade passa por modelos hegemônicos, fazendo com que sirvam de referência para o ser homem, ainda que tais modelos sejam criticados pelos indivíduos.
No que se refere ao tema toque retal problematizado pela masculinidade hegemônica, observa-se que as fontes que tratam sobre o assunto também discutem preconceitos e medos. No entanto, não reduzem a discussão à ignorância, nem a remete a desvios. Nela se encontra uma maior complexificação em torno da realização do toque retal à luz do processo social da construção da masculinidade.
Caminhando nessa direção, Gomes 12 procura aprofundar a discussão da dor e do medo. Considera que o toque retal é uma prática que pode suscitar no homem o medo de ser tocado na sua parte “inferior”. Segundo o autor, esse medo pode se desdobrar em inúmeros outros medos. O toque, que envolve penetração, pode estar associado à dor, tanto física quanto simbólica, que se associa também à violação. “Mesmo que o homem não sinta a dor, no mínimo, experimenta o desconforto físico e psicológico de estar sendo tocado, numa parte interdita” 12 (p.828).
Outro medo considerado pelo autor é da possível ereção que pode surgir a partir do toque e ser vista como indicador de prazer. No imaginário masculino, “a ereção pode estar associada tão fortemente ao prazer que não se consegue imaginá-la apenas como uma reação fisiológica” 12 (p.828).
O fato de ficar descontraído, a pedido do médico, para que o toque seja menos evasivo também pode ser motivo de outro temor. “O homem pode pensar que a sua descontração pode ser interpretada como sinal de que o toque nessa parte é algo comum e/ou prazerosa” 12 (p.828).
O referido autor arremata tais considerações observando que, embora para a racionalidade médica não caiba tais interpretações, não se pode descartar a possibilidade de o médico “ter um certo constrangimento em prever a existências dos medos que podem ser suscitados pelo seu toque e não saber lidar com as possíveis fantasias que podem ser provocadas pelo procedimento” 12 (p.829).
Ampliando a discussão para o campo da representação da masculinidade em geral, Lucumí-Cuesta et al 13 apontam que a possibilidade de admitir debilidade ou fraqueza, ou sentir que a enfermidade possa reduzir sua capacidade produtiva, poderia colocar em risco a invulnerabilidade atribuída ao homem e conseqüentemente sua masculinidade. Assim, frente a um possível diagnóstico de câncer de próstata emerge no homem a fantasia da perda da virilidade.
Esses autores destacam que as pessoas tomam decisões relacionadas com práticas preventivas de acordo com as suas visões de mundo, as formas como percebem as coisas. Nesse sentido, sugerem que as percepções dos sujeitos devam ser levadas em conta no desenho de programas voltados para prevenção.
Nascimento 34 também aponta que, frente ao exame digital, os homens podem apresentar resistência e constrangimento porque tal procedimento “viola” a masculinidade, em sua condição de ser ativo. Assim, o autor considera que a resistência pode surgir porque os homens podem ver o toque retal como algo que conspiraria contra a noção de masculino. Ele observa ainda que os estudos voltados para a temática não tocam na questão da masculinidade como fator impeditivo para a realização do exame de toque retal, embora mencionem de forma marginal o desconforto e o constrangimento frente a esse exame.
No Brasil, como em outros países do mundo, o perfil de morbimortalidade por câncer de próstata também tem se alterado nas últimas décadas. Segundo o Instituto Nacional do Câncer – INCA 1, 2, o número de casos novos estimados para o Brasil em 2005 era de 46.330. Este valor corresponde a um risco estimado de 51 casos novos a cada 100 mil homens, sendo o tipo de câncer mais freqüente em todas as regiões do país. O risco estimado é de 69/100.000 no Sul, 63/100.000 no Sudeste, 46/100.000 no Centro-Oeste, 34/100.000 no Nordeste e 20/100.000 no Norte. De acordo com a Sociedade Brasileira de Urologia - SBU 3, um em cada seis homens com idade acima de 45 anos, pode ter a doença sem que nem sequer saiba disso. O aumento nas taxas de incidência pode ser parcialmente justificado pela evolução dos métodos diagnósticos, melhoria na qualidade dos sistemas de informação do país e aumento na expectativa de vida do brasileiro 1.
Ainda segundo dados do INCA 1, o número de casos novos diagnosticados de câncer de próstata no mundo é de aproximadamente 543 mil casos por ano, representando 15,3% de todos os casos incidentes de câncer em países desenvolvidos e 4,3 % dos casos em países em desenvolvimento. O câncer de próstata é o tipo de neoplasia mais prevalente em homens, com estimativa de 1,5 milhões com diagnóstico nos últimos anos. É, também, considerado o câncer da terceira idade, uma vez que cerca de três quartos dos casos no mundo ocorrem a partir dos 65 anos.
A mortalidade por câncer de próstata é relativamente baixa, o que em parte reflete seu bom prognóstico. Nos países desenvolvidos a sobrevida média estimada em cinco anos é de 64%; enquanto que, para países em desenvolvimento a sobrevida média é de 41%. A média mundial é de 58% 1.
Segundo o Sistema Nacional de Auditoria, órgão do Ministério da Saúde 4, no quadro da saúde pública brasileira, o câncer de próstata é um dos grandes problemas. Esse tipo de câncer já é duas vezes mais freqüente do que o câncer de mama.
Em setembro de 2001, a Lei 10.289 instituiu o Programa Nacional de Controle do Câncer de Próstata. Caminhando na direção da implementação dessa lei, diferentes órgãos públicos que tratam do assunto, sob a coordenação do INCA, chegaram a um consenso sobre o Programa Nacional do Câncer de Próstata 5, 6.
Especificamente em termos de prevenção do câncer prostático, o INCA – órgão responsável pela política de prevenção e controle do câncer em geral – vem divulgando material informativo pela internet 7.
Como foi visto, o câncer de próstata, é notadamente reconhecido como um problema de saúde pública, dado a sua magnitude no quadro de morbimortalidade masculina, já possuindo consenso entre órgãos oficiais sobre o seu controle e a sua prevenção. Para que se avance na discussão de medidas específicas de prevenção desse tipo de câncer, faz-se necessário investigar qual é o estado da arte das recomendações sobre o assunto divulgadas acerca desse tema.
Antes, entretanto, de se desenhar um estudo que busca analisar tal produção, faz-se necessário apontar o que se entende por prevenção no campo da Saúde Coletiva. A reflexão de Czeresnia 8, 9 é no sentido de auxiliar o estabelecimento de um marco conceitual sobre o assunto.
Segundo a autora, as ações preventivas podem ser definidas como intervenções orientadas a evitar o surgimento de doenças específicas, reduzindo sua incidência e prevalência nas populações 8. No espaço clínico, as intervenções preventivas podem ser tradicionalmente médicas, como imunização, screening, ou tratamento com quimioterápicos, ou, ainda, envolver intervenções educativas sobre mudanças de estilos de vida individuais 9.
Com base em Terris, Czeresnia indica que as estratégias de promoção, por sua vez, enfatizam a transformação das condições de vida e de trabalho que conformam a estrutura subjacente aos problemas de saúde, demandando uma abordagem intersetorial de ações em saúde 8.
Retomando o conceito de prevenção em saúde, observa-se que esse termo se relaciona a uma ação antecipada, baseada no conhecimento da história natural a fim de tornar improvável o progresso posterior da doença 8.
Assim, falar de prevenir implica, obrigatoriamente, fazer referência aos fatores causais ou predisponentes. É sobre esses fatores que incide o nível de prevenção primária – em doenças cujas causas são conhecidas - orientando ações de uso de imunizações específicas; uso de alimentos específicos; proteção contra substâncias carcinogênicas, para citar alguns exemplos 9.
Nesse sentido, a prevenção se volta para uma ação orientada para que o sujeito não adoeça e possa desfrutar de melhor qualidade de vida; para tal é necessário envolvê-lo com informações relevantes para que se insira ativamente e possa incorporar hábitos preventivos 8.
As doenças cujas causas são menos conhecidas exigem um outro tipo de ação preventiva, que envolve fazer um diagnóstico precoce e uma abordagem terapêutica adequada, para prevenir a incapacidade que a doença pode provocar. Esse tipo de ação é definido como prevenção secundária e encontra-se subdividido em dois níveis de aplicação: diagnóstico e tratamento precoce – medidas individuais e coletivas para descoberta de casos; pesquisas de triagem utilizando exames seletivos – e limitação da invalidez – tratamento adequado para interromper o processo mórbido e evitar futuras complicações e seqüelas; provisão de meios para limitar a invalidez e evitar a morte 8.
A partir dessa perspectiva preventivista, este estudo tem como objetivo analisar as recomendações voltadas para prevenção do câncer de próstata presentes na literatura específica sobre o assunto. Como foco central dessa análise, busca-se saber se as recomendações apresentam consensos ou divergências, bem como problematizar se as medidas de prevenção levam em conta as especificidades do ser homem no processo saúde-doença.
Material e Método
Há inúmeros caminhos para se refletir sobre a produção de um conhecimento de uma área. Neste estudo, a opção foi por uma revisão da literatura, realizada a partir de uma abordagem qualitativa.
O material para leitura e análise foi selecionado a partir de pesquisa: (1) no site de busca Google, escolhido por apresentar uma coleção detalhada das páginas mais úteis da Internet; (2) em livrarias e editoras virtuais - Saraiva, Abrasco, Hucitec, Siciliano, Artmed, Eduerj e Editora Unicamp e (3) em bibliotecas virtuais: biblioteca virtual Scielo – Scientific Eletronic Library Online (http//www.scielo.org/index.php), Bibliomed (http//www.bibliomed.com.br), que disponibiliza artigos médicos atualizados por profissionais da medicina, BVS - Biblioteca Virtual em Saúde (http//www.base.bvs.br/index.php) . Na BVS, consta uma seção específica de ciências da saúde em geral, que possibilita acesso à Lilacs (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde) e Medline (Literatura Internacional em Ciências da Saúde). A produção veiculada eletronicamente, além de possibilitar o acesso às discussões atuais sobre prevenção de câncer de próstata, é a mais facilmente acessada.
O primeiro acesso foi em 30 de julho de 2005, com as seguintes palavras-chave: prevenção do câncer de próstata, diagnóstico precoce do câncer de próstata, toque retal e exame de toque digital e as expressões equivalentes em inglês e espanhol. Em 31 de outubro desse mesmo ano foi feito outro acesso.
Antes de se iniciar a análise qualitativa propriamente dita, foi realizada uma caracterização das fontes do estudo. Tal caracterização, além de fornecer um panorama geral sobre os diferentes textos veiculados sobre o assunto, serviu de cenário para a análise realizada.
A análise dos artigos baseou-se numa adaptação da Técnica de Análise de Conteúdo, modalidade Temática. A técnica de análise temática “consiste em descobrir os ‘núcleos de sentido‘ que compõem a comunicação e cuja presença, ou freqüência de aparição, podem significar alguma coisa para o objetivo analítico escolhido” 10 (p.105). Com esta técnica, pode-se caminhar, também, na direção da “descoberta do que está por trás dos conteúdos manifestos, indo além das aparências do que está sendo analisado” 11 (p.74).
Para a análise dos conteúdos do material, foram estabelecidas três categorias analíticas: prevenção primária, prevenção secundária e masculinidade e prevenção. Essas categorias foram elaboradas após ter sido realizada uma primeira leitura do conjunto de fontes estudadas. As duas primeiras categorias expressam uma classificação da prevenção presente tanto na literatura em geral sobre o assunto como também em algumas fontes analisadas. Já a terceira categoria analítica se configura a partir de questões relacionadas a modelos hegemônicos de masculinidade que podem problematizar a prevenção do câncer de próstata.
A partir desses princípios, basicamente, foram percorridos os seguintes passos de análise: (a) distribuição das idéias presentes nas fontes estudadas pelas três categorias analíticas; (b) identificação das idéias centrais (núcleos de sentido) por cada categoria; (c) comparação entre os diferentes núcleos de sentido; (d) classificação dos núcleos de sentido em temas em torno dos quais giravam as recomendações de prevenção e (d) problematização das discussões presente em cada uma das temáticas.
Percorridos esses passos, em cada categoria analítica, procurou-se estabelecer uma comparação entre as recomendações das fontes estudadas e as presentes nos documentos de órgãos oficiais, que serviram de base para introduzir o presente estudo 3, 4, 5, 6, 7.
Caracterização das Fontes da Análise
O conjunto das fontes pesquisadas sobre prevenção ao câncer de próstata integra referências de distinta natureza: livros especializados sobre a temática do câncer de próstata voltados ao público leigo, artigos científicos publicados tanto em revistas brasileiras quanto em jornais e revistas internacionais e textos voltados para público em geral, encontrados na internet a partir do site de busca Google. O referido site é o mais usual em encontrar textos a partir das palavras desejadas
Ao todo foram selecionadas 31 referências voltadas especificamente para o propósito do estudo, sendo 26 em português (83,9%), 3 em inglês (9,7%) e 2 em espanhol (6,4%).
Do material selecionado, foram encontrados 6 livros (19,4%), 5 artigos publicados em periódicos científicos (16,1%) e 20 textos voltados para o público em geral, encontrados em sites (64,5%).
Dos 20 textos voltados para o público em geral, 8 (40%) foram encontrados em páginas de hospitais que realizam tratamento com pacientes que possuem câncer e traziam informações gerais de forma bem acessível ao leitor leigo.
No Quadro I, encontram-se todas as fontes selecionadas para o presente estudo, com suas respectivas referências.
Quadro 1 – Distribuição dos Tipos de Fontes
Fontes Nº Referências
Artigos Científicos 5 Gomes 12, Lucumí-Cuesta et al 13, Miranda et al 14, Sorum et al 15, Tucunduva et al 16.
Livros 6 Fagundes et al 17, Freire 18, Palma et al 19, Srougi 20, Walsh et al 21, Zerbib 22.
Textos/internet 20 ABC da Saúde 23, Boa Saúde 24, EME 25, Fonseca et al 26, HCANC 27, HCMT 28, HIAE 29, HP 30, HSM 31, HSL 32, MC 33, Nascimento 34, NCI 35, Ribas 36, Santos 37, Serta-Oggi 38, Shimizu 39, Srougi 40, Varella 41, Zaqueta 42.
Total 31
A distribuição das fontes por categorias analíticas encontra-se no Quadro II. Como pode ser visto nesse quadro, há fontes que se classificam em mais de uma dessas categorias. A maior parte das fontes se encontra concentradas na prevenção secundária.
Quadro II
Referências Analisadas por Categoria Analítica
Categorias Referências
Prevenção primária Abc da Saúde 23, Boa Saúde 24, EME 25, Fagundes et al 17, HCANC 27, HCMT 28, HSL 32, MC 33, NCI 35, Palma et al 19, Srougi 20, Srougi 40, Tucunduva et al 16, Walsh et al 21, Zaqueta 42.
Prevenção secundária EME 25, Fagundes et al 17, Fonseca et al 26, Freire 18, HCANC 27, HCMT 28, HIAE 29, HP 30, HSM 31, HSL 32, Lucumí-Cuesta et al 13, MC 33, Miranda et al 14, Nascimento 34, Palma et al 19, Ribas 36, Santos 37, Serta-Oggi 38, Shimizu 39, Sorum et al 15, Srougi 40, Tucunduva et al 16, Varella 41, Walsh et al 21, Zaqueta 42, Zerbib 22.
Masculinidade e prevenção Freire 18, Gomes 12, Lucumí-Cuesta et al 13, Nascimento 34, Ribas 36, Srougi 20, Srougi 40, Varella 41, Zaqueta 42, Zerbib 22.
A Prevenção Primária do Câncer de Próstata
A prevenção primária do câncer de próstata apresentada pelo conjunto das fontes estudadas se estrutura a partir dos seguintes temas: ausência de um conhecimento sólido; fatores de risco; adoção de hábitos saudáveis; uso de drogas e o poder da informação.
Em relação à ausência de um conhecimento sólido, observa-se que, em geral, as informações veiculadas ou apontam para o desconhecimento de medidas específicas de prevenção ou revelam que o conhecimento ainda deve ser mais solidificado através de pesquisas.
Principalmente, em quatro das fontes estudadas 20, 25, 28, 40, verifica-se que não há como se precisar medidas preventivas contra o câncer de próstata. O argumento para tal afirmação encontra-se melhor explicitado em 20: “O aparecimento do câncer de próstata não pode ser evitado, porque ainda não são perfeitamente conhecidos os mecanismos que modificam a maquinaria das células normais da glândula [a próstata], tornando-as malignas” (p. 86).
Em outra obra, o autor, de certa forma, relativiza tal desconhecimento: “Todo homem nasce programado para ter câncer de próstata, pois todos carregam em seu código genético os chamados ‘proto-oncogens’, que dão a ordem para uma célula normal se transformar em outra maligna. Isto só não ocorre indiscriminadamente porque a função dos proto-oncogens é antagonizada por outro grupo de gens protetores, chamados de ‘supressores’ (...) Com o decorrer dos anos acumulam-se perdas dos gens supressores, que libera a atividade dos proto-oncogens e permite a degeneração das células prostáticas” 40 (p.2).
Embora, em geral, os materiais consultados não tenham esse tom enfático do posicionamento de que todos os homens nascem programados para ter o câncer de próstata, algumas fontes estudadas observam que, com o aumento da expectativa de vida dos homens, as possibilidades de se ter câncer de próstata podem ser aumentadas. “Estima-se que, aos 80 anos, cerca de 50% dos homens sejam atingidos pelo câncer de próstata” 32 (p.18). Assim, é comum considerar que o risco de se desenvolver o câncer de próstata aumenta na medida em que o homem envelhece 35.
A ausência de conhecimentos sólidos para a recomendação de medidas preventivas para o câncer de próstata também pode ser explicada pelo fato de muitos estudos que tendem a identificar fatores de risco relacionados à prevenção, ou ainda estão em fase de desenvolvimento ou ainda demandam mais pesquisas internacionais para que os dados que se dispõem atualmente sejam validados.
Os fatores de risco para o aparecimento do câncer em geral e, em específico, para o de próstata são comumente presentes no conjunto do material estudado. O conhecimento de tais fatores, de certa forma, pode ser entendido como uma prevenção primária.
Os fatores de risco para câncer de próstata são, na maioria, desconhecidos e inevitáveis. Os dois fatores que apresentam certo consenso entre as fontes no que ser refere ao aumento do risco de desenvolvimento do câncer de próstata são a idade e história familiar. A grande maioria dos casos ocorre em homens com idade superior a 50 anos 23, 33, 35, 42 e naqueles com história de pai ou irmão com câncer de próstata 23, 27, 32, 33, 35, 40, 42.
Sobre a história familiar como fator de risco, de acordo com Srougi 40 “os riscos aumentam de 2,2 vezes quando um parente de 1º grau (pai ou irmão) é acometido pelo problema, de 4,9 vezes quando dois parentes de 1º grau são portadores do tumor e de 10,9 vezes quando três parentes de 1º grau têm a doença” (p.2). Nos casos de histórico familiar, recomenda-se que os homens façam exames preventivos a partir dos 40 anos.
Alguns materiais que trazem informações veiculadas sobre raça/etnia como fator de risco para o aparecimento do câncer, em geral, também apresentam consensos entre eles. Em relação a isso, são apresentadas faixas de riscos alta, intermediária e baixa, situando-se os negros norte-americanos na primeira, os brancos na segunda e os japoneses na terceira 23, 25, 27, 33, 35.
De certa forma essas informações são relativizadas por Srougi 20: “Curiosamente, alguns estudos epidemiológicos apontaram que a doença é 10 vezes mais comum em norte-americanos do que em japoneses que residem no Japão. A freqüência, contudo, se iguala quando os japoneses passam a residir nos EUA, indicando que são fatores ambientais ou dietéticos, e não a hereditariedade, os responsáveis pelo fenômeno” (p.49).
Um determinado tipo de dieta é apontado como outro fator de risco para desenvolver o câncer de próstata. Nesse sentido, a “dieta rica em gordura saturada (especialmente gordura animal) e pobre em fibra aumenta o risco de câncer de próstata” 17(p.26). Entretanto, algumas fontes consultadas observam que a relação dieta – risco de câncer de próstata ainda está sendo estudada, faltando haver uma maior confirmação científica 22, 33. Já Walsh et al 21 observam que, ainda que a dieta sozinha não seja suficiente para provocar o câncer de próstata, não se deve menosprezá-la como fator de risco significativo.
Um ambiente em que haja pouca exposição ao sol também é considerado um fator de risco para desenvolvimento do câncer de próstata 17, 20, 21. Segundo Fagundes et al 17, “homens que vivem no sul têm menor chance de morrer de câncer de próstata do que homens que vivem no norte. A teoria é que a exposição à irradiação ultravioleta do sol tem efeito protetor contra o câncer de próstata” (p.25). Em países mais frios, onde os homens recebem menos irradiação solar, casos dessa doença costumam ser mais freqüentes. Essa afirmação é defendida por Srougi 20, observando que “vários experimentos científicos demonstraram que a vitamina D, sintetizada somente quando nosso organismo é exposto ao sol, inibe a multiplicação de células cancerosas da próstata” (p. 50).
Walsh et al 21 apresentam dados sobre um estudo que levou em conta a distribuição geográfica dos raios ultravioletas e o número de mortes por câncer de próstata, apontando um alarmante padrão norte-sul, com áreas de maior incidência desse tipo de câncer. Com base nesse estudo, concluiu-se que a “radiação ultravioleta pode proteger os homens contra o câncer de próstata clínico” 21 (p.38).
A exposição ao cádmio – mineral que se encontra em quantidades mínimas na fumaça do cigarro e nas pilhas alcalinas – também é apontada como um possível fator de risco para o câncer de próstata 21, 27. “Uma explicação talvez seja a de que o cádmio de certa forma opõe-se ao zinco, um elemento necessário a muitas das atividades do nosso corpo – e já se constatou que a próstata de pacientes com câncer nesse órgão têm níveis de zinco menores do que os de outros homens” 21 (p.39).
A notícia de que a vasectomia é um fator de risco para o câncer de próstata é apresentada por Srougi 21 e Walsh et al 21. Entretanto, essa notícia é contestada por esses mesmos autores que a apresentam, apontando que não há indícios de que a vasectomia aumente o risco de um homem desenvolver câncer de próstata.
Ainda sobre o conhecimento dos fatores de risco como forma de prevenção, o National Cancer Institute dos Estados Unidos da América – NCI 35 observa que alguns fatores de riscos podem ser evitados, nesse caso estaria a idéia de prevenção primária propriamente dita, mas muitos não são evitáveis. Segundo essa instituição, por exemplo, o fumo e gens específicos são considerados fatores para certos tipos de câncer, mas somente o fumo pode ser evitado.
A adoção de hábitos saudáveis aparece em algumas fontes consultadas como uma forma de prevenir as doenças em gerais, aí podendo se incluir o câncer de próstata, tais como comer adequadamente, controlar o peso, beber com moderação, limitar o uso de açúcar e sal, não fumar e praticar exercícios físicos. Dentre esses hábitos, dietas consideradas saudáveis ocupam um espaço significativo. Em geral, se recomenda uma dieta com baixa gordura saturada (principalmente gordura animal), rica em fibras, frutas, vegetais e grãos 27, 28, 33. Ainda em relação à dieta, algumas das fontes estudadas veiculam conclusões de estudos que sugerem a redução do câncer de próstata através de determinado tipo de alimentação.
Caminhando nessa direção, Srougi 40 informa que estudo realizado na Universidade de Harvard (EUA) conclui que a “ingestão abundante de tomate e seus derivados parece diminuir de 35% os riscos de câncer de próstata (...) O efeito benéfico do tomate resultaria da presença de grandes quantidades de lycopene, um b-caroteno natural precursor da vitamina A” (p. 7). Esse autor, em outra obra 20, observa que pesquisadores neozelandeses revelam que a ingestão de ácidos graxos não saturados de cadeia longa, encontrados em óleos de peixes, sobretudo o salmão, previne o aparecimento de tumores do câncer de próstata.
O texto Boa Saúde 24 também traz uma notícia de do Journal of the National Cancer Institute de que “uma alimentação rica em vegetais que apresentam flores em formato de cruz, principalmente do tipo do brócolis e da couve-flor, diminui substancialmente o risco de câncer de próstata em homens (p. 1).
Fagundes et al 17, em sua obra, traz uma seção específica sobre a prevenção do câncer de próstata através de uma dieta saudável. Dentre suas recomendações, destacam-se as seguintes: aumentar o consumo de fibras de 25 a 30 gramas/dia, com limite superior a 35 gramas; usar 1 a 2 porções de peixe por semana; consumir no mínimo 5 porções de verduras e frutas ao dia.
A complementação dietética com vitaminas também é abordada como forma de prevenção. Segundo Srougi 40, a “complementação dietética com vitamina E (800 mg ao dia) e com selenium (200 µg ao dia) talvez tenha um efeito protetor contra o câncer de próstata, de acordo com dados do Memorial Sloan Kettering Cancer Center, de Nova York” (p. 7).
O uso de drogas é outra forma de prevenção tratada por algumas fontes. No entanto, essa forma se encontra pouco desenvolvida por se tratar de uma matéria que ainda carece de maiores estudos para sustentar as conclusões estabelecidas até o momento. As informações acerca desse assunto encontram-se em várias fontes 20, 33, 35, 40.
Srougi 20 traz informações sobre dois estudos norte-americanos que investigaram pacientes com doenças articulares que ingeriam antiinflamatórios. Segundo tais estudos, a incidência de câncer de próstata foi menor nesses pacientes. Também foi observado que “o efeito protetor foi maior em indivíduos idosos e que para cada ano de uso de antiinflamatório o risco de aparecimento de câncer diminuía 6%” 20 (p.88). O autor, entretanto, observa que esses dados precisam ser validados com outros estudos internacionais.
Em MC 33, NCI 35 e Srougi 40, há informações sobre um estudo norte-americano, envolvendo 18000 homens, com o uso de finasterida. Tal estudo partiu do princípio de que a testosterona é um dos combustíveis que alimenta o câncer de próstata e que o bloqueio parcial desse hormônio pode reduzir a incidência desse tipo de câncer. A partir dessa perspectiva, o estudo investigou um eventual papel da finasterida na prevenção de tumores malignos da próstata. Uma conclusão desse estudo que se tem notícia é que essa droga reduziu a taxa do câncer de próstata em 25% 33.
Em geral, implícita ou explicitamente, as fontes estudadas apontam para o poder da informação na prevenção primária do câncer de próstata. Os materiais veiculados revelam um investimento de esforços para tornar as informações acessíveis a um público mais amplo. A maioria desses materiais parece conseguir maior êxito nesse empreendimento, utilizando ilustrações e termos bem simples para um público de baixa escolaridade.
A partir das mensagens veiculadas, subtende-se que para se prevenir é preciso obter informações. Nesse sentido, precedendo ou seguindo as considerações sobre prevenção, as fontes costumam apresentar informações sobre a próstata (glândula masculina que se localiza na parte baixa do abdômen), câncer de próstata (crescimento incontrolável de células e disseminação das células modificadas pelo corpo), adenoma da próstata ou hiperplasia benigna da próstata (crescimento benigno da próstata que pode causar dificuldades de urinar e de ejacular) e prostatite (inflamação da próstata causada ou não por bactérias). Essas informações costumam ocupar um espaço maior do que as considerações específicas sobre as medidas preventivas.
Outro tipo de informação divulgado pelos livros que foram consultados – a exemplo de Palma et al 19 e Srougi 20 – se refere a um questionário auto-aplicado recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) que visa uma auto-avaliação dos sintomas prostáticos. Nesse questionário, há sete questões e cada uma delas tem respostas com graduação de 0 a 5. Em geral, as questões procuram obter informações sobre o número de vezes que a pessoa urina durante o dia, acorda à noite para urinar etc. Através da soma dos pontos de todas as respostas, o leitor sabe como anda a sua próstata. Esse questionário não é específico para a prevenção do câncer prostático, mas para qualquer problema de próstata.
Ainda sobre informações, há autores que costumam associar a falta de informação sobre a prevenção ou sobre o tratamento do câncer de próstata a baixos níveis de escolaridade. Lucumí-Cuesta et al 13, por exemplo, indicam que a desinformação atinge com maior intensidade a população masculina com menor nível de escolaridade e poder socioeconômico, demandando ações educativas voltadas, principalmente, para este grupo.
Apesar do poder que a informação assume na prevenção do câncer de próstata, faz-se necessário observar que nem sempre a informação resulta em prevenção. A pesquisa realizada por Miranda et al 14 pode ser utilizada para sustentar tal afirmação. Tal pesquisa concluiu que 20,7% dos professores-médicos de uma universidade estudados, mesmo tendo acesso fácil à informação e aos serviços de diagnóstico clínico e complementar, nunca realizaram práticas preventivas para câncer de próstata. Assim, o acesso à informação pode ser um caminho para a prática preventiva, porém não justifica, por si só, a não realização desta.
Comparando as fontes estudadas com a literatura utilizada como referência, em termos de recomendações acerca da prevenção primária do câncer de próstata, verifica-se que há mais consenso do que dissenso. Em termos de fatores de risco, tanto a Sociedade Brasileira de Urologia – SBU 3 quanto o Instituto Nacional de Câncer – INCA 2, 5, 6 destacam como os dois fatores de risco importantes para o desenvolvimento do câncer de próstata a idade acima de 50 anos e a história familiar desse tipo de câncer.
A SBU 3 e o INCA 2, 5, 6, 7, como as fontes estudadas, fazem recomendações no uso de um determinado tipo de dieta para a prevenção primária do câncer de próstata. Entretanto o INCA 5, 6 observa que a influência da dieta na gênese do câncer prostático ainda é incerta.
O INCA 7 observa que, até o momento, não são conhecidas formas específicas para a prevenção do câncer de próstata. Entretanto, observa que a adoção de hábitos saudáveis de vida pode evitar o aparecimento de doenças, entre elas o câncer. Nesse sentido, recomenda: praticar atividades físicas, no mínimo, durante 30 minutos por dia; ter uma dieta rica em fibras, frutas, vegetais, leguminosas; reduzir a quantidade de gordura na alimentação, principalmente a de origem animal; evitar o uso abusivo do álcool; não fumar; manter o peso na medida certa7.
Polêmicas na Prevenção Secundária do Câncer de Próstata
Ao se analisar as fontes do estudo que tratam sobre a detecção precoce do câncer de próstata, entendida neste estudo como prevenção secundária, observa-se que o conjunto das recomendações veiculadas se configura numa única temática: polêmicas entre as recomendações.
O primeiro tipo de polêmica se refere à definição de qual deve ser o público-alvo do diagnóstico precoce. As recomendações apontam diferentes parâmetros etários para a realização anual do diagnóstico precoce: (a) homens com mais de 50 anos ou com 40 anos quando têm história familiar de câncer prostático 17, 27, 32, 36; (b) homens com 45 anos ou com 40 anos, no caso de haver histórico familiar desse tipo de câncer 28; (c) homens com 40 anos ou com 35 para os que têm história familiar da doença 37; (d) todos os homens com 50 anos ou mais 20, 31, 32, 41; (e) todos os homens a partir dos 45 anos 18; (e) todos os homens a partir dos 40 anos 29, 30; (f) homens brancos a partir dos 45 anos e homens negros a partir dos 40 anos 42.
Ainda em termos de qual deve ser o público-alvo do diagnóstico precoce de câncer de próstata, Nascimento 34 observa que há uma controvérsia em recomendar o exame de diagnóstico para homens assintomáticos. No entanto, ainda segundo o autor, “pesquisadores e médicos continuam postulando a importância desse procedimento como única forma de reduzir a mortalidade” (p. 6).
Outra polêmica facilmente verificada no conjunto das fontes analisadas se refere à forma mais eficaz de se fazer a detecção precoce do câncer de próstata. Em geral, esse diagnóstico é recomendado para ser realizado através do exame clínico (toque retal ou toque digital da próstata) e o exame de sangue para a dosagem do antígeno prostático específico, conhecido por PSA, sigla inglesa da expressão prostatic specific antigen. Algumas fontes, como Palma et al 19 e Srougi 20, também observam que, quando necessário, deverá ser realizada uma ultra-sonografia transretal.
Discussões sobre a eficácia do toque retal e do PSA são foco de atenção de algumas fontes consultadas neste estudo. Walsh et al 21, por exemplo, questionam o toque retal, afirmando que muitos homens quando têm o câncer prostático detectado por esse exame já se encontra em estado avançado da doença. Segundo o autor, “Além disso, esse exame depende inteiramente da qualidade do médico que o faz, sendo, portanto, muito subjetivo” (p. 46).
Já Shimizu 39 traz o posicionamento de Thomas Stamey da Universidade de Stanford (EUA), que coloca em xeque o PSA, afirmando que tal exame tem seus dias contados. Stamey foi um dos primeiros a defender esse exame, mas atualmente – baseado em pesquisa por ele liderada e em outros estudos – questiona tanto a sua eficácia quanto a necessidade de ser utilizado. “Se o teste PSA é inconclusivo, qual deve ser então o procedimento adequado para identificar o risco de câncer de próstata? Segundo Stamey, a melhor solução ainda é o tradicional exame de toque digital (retal)” 39 (p.3). Esse questionamento de Stamey também é apresentado por Serta-Oggi 38.
Paralelamente a esses dois tipos de posicionamentos, há fontes que defendem que a melhor forma de detecção precoce é a que utiliza tanto o exame clínico quanto o de sangue. Nesse sentido, afirma Srougi 40: “melhor forma de diagnosticar o câncer de próstata é representada pela combinação de toque digital e dosagem do PSA. O toque exclusivo falha em 30% a 40% dos casos, as medidas de PSA falham em 20%, mas a execução conjunta dos dois exames deixa de identificar o câncer em menos 5% dos pacientes” (p. 3).
Tucunduva et al 16, que investigaram a atitude e o conhecimento de médicos não oncologistas em relação a medidas de prevenção e rastreamento de câncer, observam que não há “consenso em relação aos métodos preventivos para câncer de próstata. Enquanto urologistas preconizam a dosagem de PSA sérico e o toque retal anuais para homens maiores de 50 anos, os consensos de prevenção são heterogêneos, indicando PSA somado ao toque retal, apenas o toque retal ou nenhum deles” (p. 260).
Os próprios documentos utilizados como referência de análise das fontes, em alguns pontos, também divergem entre si, ao abordarem a detecção precoce do câncer de próstata. O Instituto Nacional de Câncer 5, 6 procura regular a detecção precoce do câncer de próstata, apresentando recomendações que surgiram a partir de consensos. Tal instituto recomenda: (a) “não indicar rastreamento populacional, baseado na ausência de evidências da efetividade das modalidades terapêuticas propostas para o câncer em estádios iniciais e do risco de seus efeitos adversos” 5 (p.11) e 6, (p.4); (b) “indicar o rastreamento oportunístico (case finding), ou seja, a sensibilização de homens com idade entre 50 e 70 anos que procuram os serviços de saúde por motivos outros que [não] o câncer da próstata sobre a possibilidade de detecção precoce deste câncer (...)” 5 (p.11) e 6, (p.4).
Numa posição diferente desse consenso, o órgão do Ministério da Saúde, em texto veiculado pela internet, aponta para a “necessidade de todos os homens brasileiros, entre 45 e 75 anos, de se submeterem a exames de prevenção e diagnóstico precoce de câncer de próstata com urologistas do SUS, dos planos de saúde e nos demais órgãos públicos federais, estaduais e municipais” 4 (p.1).
A Sociedade Brasileira de Urologia 3, por sua vez, recomenda que os homens que têm acima de 50 anos e os que têm 40 anos e com histórico familiar de câncer de próstata, pensem na possibilidade de “ir anualmente ao urologista para fazer check-up da próstata” (p. 37), mesmo que não tenham sintomas urinários.
Em relação aos tipos de diagnóstico, o INCA recomenda, em termos de rastreamento oportunístico, a realização “dos exames de toque retal e da dosagem do PSA total, informando-se sobre as limitações, os benefícios e os riscos da detecção precoce do câncer de próstata” 5 (p.12) e 6, (p.4). Recomenda ainda que, a partir desses exames e havendo indicação, se realize a ultra-sonografia pélvica, ou prostática transretal, se disponível 5, 6.
Segundo o INCA 2, apesar da detecção e do tratamento precoce prevenirem a progressão do câncer e o aparecimento de metástase, também é provável que sejam detectados tumores que teriam um crescimento muito lento e que não causariam problemas à saúde do homem. Sendo assim, recomenda uma ação preventiva em nível primário, baseada em ações educativas. Ações voltadas à população masculina, sensibilizando os homens sobre a possibilidade de detecção precoce do câncer de próstata; esclarecendo-os quanto aos métodos diagnósticos existentes, estimulando-os a buscar uma unidade de saúde. E, ainda, ações dirigidas aos profissionais de saúde, atualizando-os sobre os sinais de alerta para suspeição do câncer da próstata e os procedimentos de encaminhamento para diagnóstico precoce dos casos.
A Sociedade Brasileira de Urologia 3, por considerar que o toque retal não é infalível, recomenda que esse deva ser associado ao exame PSA. Já o texto de um órgão do Ministério da Saúde 4 não entra na discussão sobre o assunto.
Comparando o conjunto das fontes estudadas com os textos que serviram de referência para a análise 3, 5, 6, 7, verifica-se que o consenso sobre o diagnóstico precoce do câncer de próstata ou ainda não está consolidado, ou não é consenso.
Masculinidade e Prevenção
Em geral as fontes estudadas tratam a prevenção do câncer de próstata a partir de uma fundamentação que integra conhecimentos da pesquisa básica, clínica médica e epidemiologia. Poucos textos analisados abordam a relação que pode ser estabelecida entre o toque retal, um dos principais alvos da prevenção secundária, e modelos hegemônicos de masculinidade. Há outros poucos que só mencionam aspectos relacionados a tais modelos, não desenvolvendo uma discussão sobre o assunto ou reduzindo o problema a meros preconceitos.
Considerando as fontes que mencionam a relação masculinidade e prevenção do câncer de próstata, de forma ligeira ou com maior aprofundamento, dois temas podem ser apontados para sintetizar a discussão: preconceitos e medos infundados e toque retal problematizado pela masculinidade hegemônica.
No que se refere a preconceitos e medos infundados, o problema de determinados homens em se submeter ao exame do toque retal é apenas mencionado, sem grandes aprofundamentos. Três citações ilustram esse tema:
“Trata-se de um exame indolor e que pouco incomoda o homem, a não ser quando o indivíduo apresenta tendências machistas e pode se considerar molestado em seu brio masculino por este procedimento largamente utilizado em todo mundo” 18 (p.43).
“O homem, até por questão meio cultural, tem uma prevenção [resistência] muito grande contra o exame da próstata, que é o toque retal. É preciso vencer esse preconceito para ter maior zelo pelo nosso corpo (...)” 36 (p.1).
“Ainda têm muitos homens com receio do exame de toque. Podem ficar tranqüilos, o exame não dói, não deixa cicatriz, não deixa seqüelas e dura em torno de dois minutos. Tudo isso é preconceito” 42 (p.1).
Essas citações não vêm acompanhadas por uma maior discussão sobre o problema. Como estão, podem fazer com que se pense que a resistência ao toque retal é problema relacionado a meros preconceitos. Na raiz desses preconceitos, dentre outros aspectos, se destacaria uma ignorância em pensar que o toque retal provocaria dor. Independentemente ao fato de haver ou não dor nesse tipo de exame, as considerações sobre o medo infundado da dor parecem ignorar a dimensão subjetiva do problema, reduzindo-o apenas a sua dimensão física.
Principalmente na primeira citação, a resistência ao exame também é atribuída a pessoas com tendências machistas, tratando o problema como um desvio. Nela, parece estar ausente a consideração de que a construção social da masculinidade passa por modelos hegemônicos, fazendo com que sirvam de referência para o ser homem, ainda que tais modelos sejam criticados pelos indivíduos.
No que se refere ao tema toque retal problematizado pela masculinidade hegemônica, observa-se que as fontes que tratam sobre o assunto também discutem preconceitos e medos. No entanto, não reduzem a discussão à ignorância, nem a remete a desvios. Nela se encontra uma maior complexificação em torno da realização do toque retal à luz do processo social da construção da masculinidade.
Caminhando nessa direção, Gomes 12 procura aprofundar a discussão da dor e do medo. Considera que o toque retal é uma prática que pode suscitar no homem o medo de ser tocado na sua parte “inferior”. Segundo o autor, esse medo pode se desdobrar em inúmeros outros medos. O toque, que envolve penetração, pode estar associado à dor, tanto física quanto simbólica, que se associa também à violação. “Mesmo que o homem não sinta a dor, no mínimo, experimenta o desconforto físico e psicológico de estar sendo tocado, numa parte interdita” 12 (p.828).
Outro medo considerado pelo autor é da possível ereção que pode surgir a partir do toque e ser vista como indicador de prazer. No imaginário masculino, “a ereção pode estar associada tão fortemente ao prazer que não se consegue imaginá-la apenas como uma reação fisiológica” 12 (p.828).
O fato de ficar descontraído, a pedido do médico, para que o toque seja menos evasivo também pode ser motivo de outro temor. “O homem pode pensar que a sua descontração pode ser interpretada como sinal de que o toque nessa parte é algo comum e/ou prazerosa” 12 (p.828).
O referido autor arremata tais considerações observando que, embora para a racionalidade médica não caiba tais interpretações, não se pode descartar a possibilidade de o médico “ter um certo constrangimento em prever a existências dos medos que podem ser suscitados pelo seu toque e não saber lidar com as possíveis fantasias que podem ser provocadas pelo procedimento” 12 (p.829).
Ampliando a discussão para o campo da representação da masculinidade em geral, Lucumí-Cuesta et al 13 apontam que a possibilidade de admitir debilidade ou fraqueza, ou sentir que a enfermidade possa reduzir sua capacidade produtiva, poderia colocar em risco a invulnerabilidade atribuída ao homem e conseqüentemente sua masculinidade. Assim, frente a um possível diagnóstico de câncer de próstata emerge no homem a fantasia da perda da virilidade.
Esses autores destacam que as pessoas tomam decisões relacionadas com práticas preventivas de acordo com as suas visões de mundo, as formas como percebem as coisas. Nesse sentido, sugerem que as percepções dos sujeitos devam ser levadas em conta no desenho de programas voltados para prevenção.
Nascimento 34 também aponta que, frente ao exame digital, os homens podem apresentar resistência e constrangimento porque tal procedimento “viola” a masculinidade, em sua condição de ser ativo. Assim, o autor considera que a resistência pode surgir porque os homens podem ver o toque retal como algo que conspiraria contra a noção de masculino. Ele observa ainda que os estudos voltados para a temática não tocam na questão da masculinidade como fator impeditivo para a realização do exame de toque retal, embora mencionem de forma marginal o desconforto e o constrangimento frente a esse exame.










