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0379/2024 - Ações de coping e prevenção de agravos no serviço sexual: estrutura das representações sociais de trabalhadoras sexuais
Coping strategies and injuries prevention in sexual service: structure of social representations by female sex workers

Autor:

• Pablo Luiz Santos Couto - Couto, P.L.S - <pablocouto0710@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2692-9243

Coautor(es):

• Antônio Marcos Tosoli Gomes - Gomes, A.M.T - <mtosoli@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4235-9647

• Luiz Carlos Moraes França - França, L.C.M - <lcmoraesfranca@hotmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6370-115X

• Tarcísio da Silva Flores - Flores, T.S - <tarcisiosflores@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6350-2698

• Carle Porcino - Porcino, C. - <carle.porcino@outlook.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6392-0291

• Alba Benemérita Alves Vilela - Vilela, A.B.A - <albavilela@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1187-0437

• Cleuma Sueli Santos Suto - Suto, C.S.S - <cleuma.suto@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6427-5535

• Priscila Cristina da Silva Thiengo de Andrade - Andrade, P.C.S.T - <proprithiengo@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0840-4838



Resumo:

Objetivou-se analisar a estrutura das representações sociais de trabalhadoras sexuais sobre estratégias de coping e prevenção de agravos. Estudo quali-quantitativo, apoiado na Teoria da Representações Sociais, na sua abordagem estrutural. Usou-se como instrumento o teste de evocação livre de palavras, aplicado a 191 mulheres, procedentes dos cinco maiores e mais populosos municípios da Região Sudoeste da Bahia. As palavras evocadas foram analisadas com o quadro de casas, índice de similitude e os testes de centralidade mise-en-cause e choix-par-bloc. As representações sociais estão estruturadas nos elementos centrais: deus, dinheiro, cuidar da saúde, sexo seguro. O que, possivelmente, demonstra que elas desenvolvem o coping religioso, ações de (auto)cuidado ao desenvolverem relações sexuais protegidas, bem como a preocupação em manter os corpos saudáveis, livre de outros doenças; o dinheiro se apresenta central, devido a necessidade de terem uma fonte de renda para desenvolver o coping e suprir necessidades. O serviço sexual exercido por mulheres é marcado por iniquidades interseccionais que potencializam vulnerabilidades, o que demanda atitudes e comportamentos para proteção da saúde biopsicoemocional.

Palavras-chave:

Profissionais do Sexo; Saúde da Mulher; Populações Vulneráveis; Representações Sociais; Adaptação Psicológica.

Abstract:

The objective was to analyze the structure of social representations bay female sex workers on coping strategies and take-care myself. Quali-quantitative study, supported by the Theory of Social Representations, in its structural approach. The free evocation of words test was used as an instrument, applied to 191 women,the five largest and most populous cities in the Southwest Region of Bahia. The evoked words were analyzed using the four house frame, similarity index and the two centrality tests mise-en-cause and choix-par-bloc. Tha social representations are structured around central elements: God, money, taking care of your health, safe sex. Which possibly demonstrates that they develop religious coping, (self)care actions when developing protected sexual relations, as well as concern about keeping their bodies healthy, freeother diseases; Money is central, due to the need to have a source of income to develop coping and meet needs. The sexual service performed by women is marked by intersectional inequities that increase vulnerabilities, which demands attitudes and behaviors to protect biopsychoemotional health.

Keywords:

Sex Workers; Women\'s Health; Vulnerable Populations; Social Representation; Adaptation, Psychological.

Conteúdo:

INTRODUÇÃO
A exposição de trabalhadoras sexuais a situações de vulnerabilidade (diversos tipos de violência, ausência de direitos trabalhistas, dificuldades em acessar serviços de saúde e direitos sociais básicos, estigma e preconceito institucional, ausência do Estado, iniquidades interseccionais), favorecem o surgimento de danos que dificultam tanto a obtenção da qualidade de vida e bem-estar, quanto o enfrentamento aos possíveis agravos1-3.
Países Africanos3 Latino-americanos, como Colômbia4, México5 e, nesse estudo, o Brasil1,6-7 tem visto os seus governos adotarem estratégias duvidosas e pouco efetivas para implementação de direitos humanos básicos que garantam a cidadania de tal grupo de mulheres, dissonantes daquilo que é direcionado pela Organização Mundial de Saúde (OMS)3,6,8-9.
Em se tratando do Brasil, ainda que se tenha a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PNAISM), construída com fundamentos em uma visão holística sobre saúde feminina, deveria no mínimo ser útil à promoção da saúde de trabalhadoras sexuais, o que não ocorre em sua totalidade, justamente pelo foco ser apenas na prevenção de Infecções Sexualmente Transmissíveis e HIV/AIDS10.
Embora o serviço sexual seja reconhecido pelo Ministério do Trabalho e Emprego (TEM) com a expressão ‘profissional do sexo’ na Classificação Brasileira de Ocupações do MTE, enquanto uma profissão desde 2002, lhes são negadas direitos básicos a classe trabalhadora, mantendo-as em condições de vulnerabilidade11-12.
Dessa forma, (re)pensar no conceito de vulnerabilidade é evidenciar aspectos sociais e estatais, como as políticas públicas e os serviços ofertados pelo Estado, que ao invés de romper com barreiras de acessos, contribuem com obstáculos que desestabilizam o processo saúde-doença de grupos populacionais segmentados e marginalizados, dificultando a produção de respostas, atitudes, estratégias de enfrentamento às situações vulnerabilizadoras, que se configuram no coping13-14.
O conceito de vulnerabilidade difere da noção de risco ou comportamento de risco, por tangenciar o olhar para a exposição de pessoas e grupos sociais aos agravos à saúde, além de possibilitar que sejam desfeitas as concepções de responsabilização e culpabilização da pessoa como a responsável pelo seu adoecimento15-16.
Destaca-se que o trabalho sexual desempenhado por mulheres cisgêneras, sob o viés de teóricas feministas progressistas, é entendido como uma atividade laboral, cuja prática sexual remunerada e consentida, é negociada diretamente com os clientes, com troca do prazer sexual (do cliente) por renda ou outros meios que possibilitem meios de se sustentarem e subsistirem, pontuado em estudos tanto do Brasil6-7, tanto na Malásia18 quanto na França18.
Diante da exposição às diversas situações vulnerabilizantes, as trabalhadoras sexuais tendem a adotar formas de enfrentamento às adversidades presentes no cotidiano do serviço sexual, com comportamentos, práticas e atitudes, que confluem para estratégias de coping14. O componente teórico do Coping, conhecido também pelo termo enfrentamento, aponta para a compreensão da adaptação psicológica das pessoas com ações cognitivo-comportamentais de cuidado/autocuidado usadas para manejar situações estressoras causadoras de desordens físicas e psicoemocionais, como superação de problema e emoções negativas13-14.
Assim, este estudo poderá apontar meios para que profissionais de saúde repensem sua práxis e a assistência dispensadas as trabalhadoras sexuais, focados nas necessidades, demandas e práticas comportamentais, apontadas por elas em suas representações sociais, de modo que seja um cuidado congruente à realidade. Também permitirá que o foco da assistência não se restrinja ao tratamento e prevenção de infecções sexualmente transmissíveis (IST) e do vírus da imunodeficiência humana (HIV), mas na promoção da saúde biopsicossocial, bem-estar e qualidade de vida, por compreendê-las enquanto seres holísticos.
Outrossim, traçou-se como questões norteadoras: quais elementos estruturam o núcleo central das representações sociais (RS) de trabalhadoras sexuais sobre suas estratégias de coping e prevenção de agravos, no exercício do serviço sexual? Para auxiliar a responder tal questionamento, objetivou-se analisar a estrutura das representações sociais de trabalhadoras sexuais sobre estratégias de coping e prevenção de agravos.

MÉTODOS
Trata-se de um estudo quali-quantitativo, com aporte na Teoria das Representações Sociais, em sua abordagem estrutural. A vantagem desse tipo de pesquisa é a complementaridade, quando os métodos quanti-qualitativos se cruzam, e duas das linguagens da comunicação humana, as palavras e os números, se incrementam19.
A TRS se adequa a esta proposta de estudo, por fornecer mecanismos metodológicos que auxiliam nas interpretações de um determinado contexto ou fenômeno social, através da visão que um grupo de pertença possui sobre fenômenos sociais20. Nessa perspectiva, a abordagem estrutural da TRS, também denominada de Teoria do Núcleo Central, desvela o modo como a estrutura das RS está organizada, em torno de um núcleo central21-22.
O local de desenvolvimento do Estudo foi a Região Sudoeste da Bahia, especificamente nos cinco municípios, maiores e mais populosos, localizados no Semiárido baiano: Vitória da Conquista, Jequié, Guanambi, Bom Jesus da Lapa e Brumado. Para se chegar até o grupo social investigado, partiu-se das informações oriundas de um projeto de Extensão desenvolvido pelo pesquisador principal desse presente estudo, ainda em 2017, no Munícipio de Guanambi-BA, junto ao Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA) para ISTs/Aids, com as trabalhadoras sexuais e, a partir daí, as mulheres iam indicando as demais. Nesse sentido, os locais de desenvolvimento da pesquisa foram nos vários estabelecimentos que as trabalhadoras utilizavam para negociar o serviço: feiras-livre, bares, restaurantes, pensões, pousadas e nos postos de combustíveis à beira da BR-116 nas cidades de Vitória da Conquista e Jequié.
Estabeleceu-se como critérios de elegibilidade ter idade maior que 18 anos e estar inserida no serviço sexual há pelo menos 01 ano (a experiência possibilita uma visão mais ampliada do serviço sexual). Deve ser posto que não houve determinação prévia de quantas mulheres dentre as cinco cidades que compuseram o universo de pesquisa, deveriam participar, pois era mediante o aceite do convite e uma indicando a outra pelo critério de seleção e recrutamento de participantes determinado de Bola de Neve (snowball)23.
Apesar da snowball dispensar o uso de critérios de exclusão23, adotou-se como determinante para excluir as participantes, aquelas que não responderam ao instrumento em sua completude, sendo dispensadas 23 participantes dentre as 224 que se disponibilizaram inicialmente. A amostra final, com as participantes que participaram foi composta de 191 mulheres que desempenhavam o serviço sexual remunerado. A quantidade de trabalhadoras sexuais de cada uma das cinco cidades que responderam foram: Vitória da Conquista (71), Jequié (48), Guanambi (31), Bom Jesus da Lapa (27) e Brumado (14).
A coleta de informações foi desenvolvida por dois dos pesquisadores responsáveis pelo estudo, de forma individual, em espaços reservados, nos próprios locais de trabalho que foram indicados pelas trabalhadoras e nos momentos que estavam sem clientes. Ocorreu entre novembro de 2022 e janeiro de 2023. Utilizou-se um roteiro composto por itens para a caracterização sociodemográfica e uma expressão indutora, que guiou o Teste de Associação Livre de Palavras (TALP)21,24, técnica de coleta adotada: ‘O que vem em sua cabeça quando falo enfrentamento e prevenção de agravos no exercício do serviço sexual?’. As entrevistadas deveriam responder/evocar imediatamente (em até 30 segundos) 05 palavras que viessem à mente em relação a expressão indutora.
As palavras evocadas através da TALP foram analisadas com o auxílio do software EVOC 2003 por meio da hierarquização expressa pela frequência e pela ordem média de evocação, através do Quadro de Quatro Casas, onde foram distribuídas, considerando os critérios supracitados, chamada de análise prototípica25. O quadro de quatro casas possibilita a visualização e as inferências dos elementos estruturantes que constituem o possível núcleo central e o sistema de periferia (primeira e segunda periferia e zona de contraste)21.
Ainda da análise das evocações para o entendimento do núcleo central, procedeu-se com a análise de similitude por coocorrência, uma vez que essa é uma técnica essencial para detecção do grau de conexidade dos diversos elementos representados por meio do quadro de quatro casas26. Para essa pesquisa, adotou-se a técnica manual, que se dá entre os pares de palavras, divididos pelo número de sujeitos, resultando no índice de similitude: (Isimilitude = nº de coocorrências entre dois cognemas / nº de sujeitos que evocou duas ou mais palavras do quadrante)25-27.
Optou-se por duas técnicas de confirmação de centralidade, a saber o mise-en-cause (MEC) e choix-par-bloc (CPB). A MSC, também chamada de técnicas de questionamentos e negação, se caracteriza na incondicionalidade ou não negociação dos elementos que se propõem como núcleo central 22,27.
Pondera-se que a análise com a MEC se dá com o cálculo percentual de uma das três respostas feitas pelos participantes, sim, não ou talvez. Assim, quando uma resposta negativa a um questionamento negativo é maior que 75%, infere-se que o léxico que compõe a indagação estrutura o núcleo representacional22,27.
O CPB, possibilita a exploração da relação que se estabelece entre os elementos que compõe o possível núcleo central (sempre dois a dois), a partir da hierarquização dos termos evocados. A importância de cada termo ou expressão é calculada conforme o valor que a participante atribui/atribuiu em cada item colocado em um bloco de assuntos, que varia de +1 (mais característico), -1 (menos característico) e 0 (palavras restantes indiferentes). Assim, calcula-se o destaque médio para cada item, com a soma do total de valores acrescidos da relação entre dois elementos, dividindo-o pela quantidade de pessoas que compuseram a etapa de centralidade. Logo, a conexão de cada item é calculada pela quantidade de relações entre duas palavras22,27.
Para os testes de centralidade, participaram 42 trabalhadoras sexuais dentre as 191 da amostra inicial, de três dos cinco municípios (19 de Guanambi; 14 de Bom Jesus da Lapa; 09 de Brumado). Os testes foram aplicados em Abril de 2023, após a análise inicial do resultados apontados no quadro de quatro casas, com aquelas que aceitaram participar dessa etapa. Em estudo mais antigos25,26 apontaram que o quantitativo mínimo de pessoas para se testar a centralidade seria de 60. Todavia, estudo mais recente indica que esse quantitativo pode ser aleatório e não probabilístico, logo menor que 60 pois dependerá do perfil dos participantes, bem como da amostra inicial22.
Durante todo o processo de operacionalização da pesquisa e escrita do artigo os autores seguiram todas as normas e critérios de rigor da qualidade em estudos qualitativos, ao guiarem-se pelas diretrizes do Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ). O estudo esteve vinculado aos resultados de uma tese, oriunda de um projeto guarda-chuva, que respeitou às normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa com seres humanos, como a Resolução 674/2022, do Conselho Nacional de Saúde, sendo submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, a partir da plataforma Brasil, aprovado em novembro de 2022 pelo protocolo número 5.735.368 /2022 e CAAE: 60984022.9.0000.0055.

RESULTADOS
O quadro de casas, referente ao estímulo ‘enfrentamento e prevenção de agravos no trabalho sexual’, apresenta a configuração da possível estrutura das RS acerca do modo como enfrentam as situações de vulnerabilidade e agravos ao estarem no serviço sexual. Os valores que foram estipulados como determinantes para que os elementos mais relevantes constituíssem o núcleo central e as periferias, estiveram presentes no relatório Rangmot, emitido pelo software EVOC, foram: frequência mínima = 19, frequência intermediária > 34 e Ordem Média das Evocações (OME) = 2,9. Verificou-se que a expressão indutora produziu um total de 957 termos evocados, sendo 48 diferentes.

Quadro 1

Os termos presentes no provável núcleo central (Quadro 1) referentes à expressão utilizada como indução, guia a visualização das evocações que possuíram maior frequência e foram respondidas rapidamente (menor OME), conformando o quadrante superior esquerdo. As principais palavras associadas pelas participantes foram: ‘acesso aos benefícios’, ‘deus’ e ‘rede de apoio’, caracterizando simbologia à memória social que estrutura as RS dessas mulheres.
Por sua vez, as associações respondidas a expressão indutora, destacadas na primeira periferia do quadro, possuíram maior frequência e OME (que não foram evocadas tão rápido, conferindo característica dessa sessão). Compõe esse quadrante, vocábulos considerados ao mesmo tempo flexíveis e claros, contudo com facilidade de estarem no núcleo central. Os termos são: ‘dinheiro’, ‘autoestima’, ‘cuidar da saúde’, ‘preservativo’, ‘preventivo’, ‘teste rápido’ e ‘anticoncepcional’.
No quadrante inferior esquerdo, conhecida por zona de contraste (ou muda), se localizam as palavras que tiveram uma frequência menor que os dois quadrantes anteriores, todavia foi evocada prontamente e no ímpeto da aplicação da expressão indutora. Por possuir tais propriedade tem-se: ‘bolsa família’, ‘conhecimento’, ‘informação’ e ‘sexo seguro’.
Tudo o que fora expressado pelo grupo de mulheres e que compõem a zona muda, tem característica de complementaridade ao possível núcleo central, quanto na primeira periferia, o que sugere a inferência que possuem formas coletivas de se cuidar e suprir as necessidades próprias e dos familiares.
Na sequência, a árvore máxima de similitude (Figura 1) demonstra como se conformam as conexões entre os termos evocados para a expressão enfrentamento/cuidado de mim no trabalho sexual, com os maiores graus/forças de conexidades e, consequentemente, as ligações que há com os elementos diferentes da possível estrutura representacional.
A forma como a figura 01 se dispõe, apresenta a palavra ‘preservativo’ como o termo mais importante para a organização espacial do núcleo central, pois, ainda que esteja na primeira periferia (tem a maior frequência, todavia com um OME que não é das mais elevadas), tem o maior número de conexões, seis ao total, incluindo com o termo que compõe o núcleo central ‘Deus’.
Fig.1

O elemento ‘preservativo’, estabelece o maior número de conexões mais fortes, sendo elas: preventivo (0,151), teste rápido (0,126), deus (0,101) e higiene pessoal (0,101). Na sequência, os léxicos ‘cuidar da saúde’ e ‘autoestima’, cada uma com alto grau de conexidade: cuidar da saúde – postinho (0,138) e autoestima-deus (0,101).
Por conseguinte, os termos ‘deus’, ‘acesso aos benefícios’ e ‘dinheiro’ fazem três ligações importantes, dentre algumas supracitadas com o valor de conexidade alto, bem como a que ocorre entre acesso aos benefícios e dinheiro (0,101). Das palavras que estão no possível núcleo central, a única que só faz uma ligação e, não tão forte, é rede de apoio.
Todos elementos que comportaram os resultados da análise prototípica e que foram significativos no quadro de quatro casas 01 (núcleo central, primeira periferia e zona de contraste) tiveram a centralidade testadas com MEC e o CPB. Os testes permitiram confirmar ou refutar, de fato, o que estrutura o núcleo central das RS para as trabalhadoras sexuais do presente estudo.
O primeiro a ser aplicado e analisado foi o MEC, no qual os cognemas emergidos da análise prototípica, foram dispostos a fim de que elas respondessem “sim, não ou talvez”, se determinado elemento não era central. Todas respostas negativas para cada elemento que obtivesse um percentual igual ou superior que 75% foi considerado um indício de centralidade, conforme Tabela 01.
Os resultados decorrem das respostas negativas a uma pergunta negativa, ou seja, nessa técnica de questionamento tem-se a conformação de uma dupla negação para se reconhecer a centralidade.

Tab.1

Conforme a tabela 01, referente ao MEC, as respostas negativas, consideradas estatisticamente significantes, portanto, candidatas a serem centrais, foram: dinheiro, cuidar da saúde e sexo seguro, todas com 100% de dupla negação, bem como deus (88,1%).
O elemento deus, que comportou o possível núcleo central do quadro de casas da análise prototípica (quadro 01) teve sua centralidade confirmada no MEC. As palavras acesso aos benefícios (38,1%) e rede de apoio (40,5%), mesmo presentes no mesmo espaço que deus, apresentaram baixos percentuais na dupla negação, com sua centralidade não confirmada, consideradas não tão relevantes para o enfrentamento delas.
As palavras dinheiro e cuidar da saúde, mesmo fazendo parte da primeira periferia do quadro 01, podem ter indicativo de centralidade, visto que obtiveram altos percentuais. Destaca-se também, que dentre os termos que comporam a zona de contraste (quadro 01), sexo seguro, obteve um elevado percentual, necessário para a confirmação de sua centralidade.
No segundo teste de centralidade, o CPB (ver figura 02), que é a escolha sucessiva por blocos, houve o teste das mesmas palavras usadas no MEC, cujo intuito foi de favorecer a compreensão entre as conexões que são formadas entre os cognemas com alto percentual, bem como a quantidade de conexões evidenciadas, como os mais característicos para ‘enfrentamento e cuidado de si no serviço sexual’.
Na aplicação do CPB, após as participantes fazerem a escolha das palavras, conforme a sua importância, fez-se o cálculo de similitude desenvolvido com o suporte de uma planilha feita no Microsoft Excel, organizada em uma nova árvore de similitude, para melhor visualização.

Fig.2

Percebe-se com a figura 02, que os elementos que estabeleceram mais conexões foram: sexo seguro e cuidar da saúde (04), deus e preservativo (03), dinheiro e conhecimento (02). Verifica-se que os elementos sexo seguro, cuidar da saúde, deus e dinheiro, nessa sequência, têm sua centralidade confirmada, na medida em que aparecem em destaque nas primeiras análises (quadro de quatro casas e similitude por coocorrência) e são reforçadas nos testes de centralidade, MEC e no CPB.
No CPB da figura 02, sexo seguro está ligado a preventivo, preservativo, teste rápido e deus. Associada à essa ideia, tem-se a noção de cuidado com o corpo, visto que é o instrumento de trabalho de delas e, o mesmo, deve estar saudável.
A noção de práticas preventivas para a promoção da saúde sexual e reprodutiva, foi verificada no eixo do ‘preservativo’ (higiene pessoal, preventivo, CTA e teste rápido); ‘deus’ como outro elemento de conexões, pode indicar a questão da fé como forma de enfrentamento e força para superar as situações vulnerabilizadoras as quais as mulheres são expostas.
Cuidar da saúde é outra expressão relevante, que talvez denote que o cuidado com o corpo está para além da prevenção de doenças infectocontagiosas, mas na prevenção de uma gravidez não planejada (anticoncepcional) ou de outros agravos (‘postinho’). A expressão ‘acesso aos benefícios’ vai tomando significado quando vê-se as conexões com os léxicos ‘políticas públicas’ (esse com o termo ‘bolsa família’), ‘direitos’ e ‘dinheiro’.
O modelo esquemático abaixo apresenta uma forma clara e visual para facilitar o entendimento da estrutura representacional, com o auxílio das multianálises, conforme figura 03, cuja núcleo central das RS encontra-se na zona de intersecção entre os círculos.

Fig.3

DISCUSSÃO
Quanto as RS que as trabalhadoras sexuais elaboraram sobre o enfrentamento adotado no serviço sexual, estas remetem aos conceito dado pela psicologia, que coloca a capacidade da pessoa se adaptar às diversas situações estressoras no transcorrer das fases do desenvolvimento humano, como na morte de um familiar, um agravo ou doença, o desemprego, problemas sociodemográficos13-15. Por esse motivo, a capacidade de enfrentar contextos adversos, envolve o uso de recursos cognitivos e motores que possibilitam pessoas em situações de vulnerabilidade preservar sua integridade física, psicossocial e espiritual13,26,28.
Além da função cognitiva de permitir compreensões e explicações, as RS também tem como função situar as pessoas e seus grupos dentro do campo social. Aqui chega-se ao ponto que favorece a reflexão das trabalhadoras sexuais enquanto seres individuais e coletivos, cuja existência no mundo não é entendida sem fazer correlações com as outras pessoas que conformam grupos de pertencimento20,26. Assim, vê-se que tais estratégias adotadas enquanto coping são conhecimentos, técnicas e habilidades experenciadas e apreendidas no dia-a-dia, seja no meio familiar ou durante o serviço sexual13-14.
Com a TRS, os significados dados a algo ou fenômeno, se constroem e passam a existir dentro de uma realidade social, o que os tornam conhecidos. Passam a ser incorporados dentro de universos consensuais, cujos saberes são apreendidos nas relações entre os seres e nos meios de comunicação, num vai e vem em que há trocas interindividuais20,21.
Ao representarem a fé em um ser superior (Deus) enquanto uma forma de enfrentamento, é demonstrada a importância que a crença em uma divindade tem-se para a sobrevivência e superação dos desafios cotidianos para pessoas que compõem grupos populacionais vulneráveis7.
Não menos importante, deve-se destacar o coping espiritual desenvolvido pelas participantes do presente estudo, representado no elemento Deus. Importante trazer à tona o conceito de coping religioso, definido como a utilização da fé, espiritualidade ou religiosidade para manejo do situações estressoras ou enfrentamento de adversidades, quando não se é possível ter o apoio de instâncias da sociedade e/ou do Estado29,na medida em que surgem necessidades de adaptação em relação aos processos enfrentados, aos agravos e problemas aos quais estão expostas, com interferência direta saúde física e psicoemocional29-30.
Resultados de estudos anteriores desenvolvidos tanto no Brasil (em Belo Horizonte e no Alto Sertão Produtivo Baiano), quanto na fronteira amazônica com a Colômbia e o Peru, mostram a importância da crença em Deus e a fé enquanto uma representação da QV, como meio para equilibrar as emoções, manter a saúde mental e suportar os agravos e perigos aos quais estão expostas diariamente1,6,31.
As elaborações mentais que possibilitam evidenciar as RS se desvelam, na medida em que, as práticas desenvolvidas no cotidiano mostram a realidade que os grupos vulneráveis estão inseridos e o quanto influenciam e são influenciadas por ela, numa troca de vivências, ideias e atitudes no cotidiano da profissão20,24.
O estigma construído socioculturalmente acerca da transmissão do HIV por parte das trabalhadoras sexuais, assim como a representação social de que elas são um ‘depósito de IST/HIV/Aids’, como já fora apontado por estudos anteriores nacionais e internacionais10-11,13,17-18,32-33, deixam de fazer sentido, na medida em que a noção de prevenção à saúde sexual e reprodutiva permeia a estrutura das RS das participantes desse presente estudo, evidenciado pelos léxicos: cuidar da saúde, preservativo, preventivo, teste rápido e anticoncepcional.
Resultado encorajador, no que concerne às medidas de (auto)cuidado para promoção da saúde sexual e reprodutiva, manter o corpo saudável, por também não ser interessante expor o cliente aos perigos de adquirirem uma IST, e assim, não tecerem comentários, fazendo uma propaganda com outros possíveis clientes ao compartilhar informações sobre as condições da mulher, sobretudo na zona ou rua (local de exercício desse labor), onde há um frequência de homens que possuem relação de amizade1,6,13,32.
As iniciativas desenvolvidadas pelos serviços de saúde pública, como o CTA, cada vez mais devem superar as diversas barreiras socio-culturais, com vistas no alcance as pessoas vulneráveis, favorecendo a criação de um ambiente favorável que apoie a mudança de comportamento, por meio do conhecimento, logo de estratégias de enfrentamento9,33.
Atualmente, países como Malásia17, Iran34, França18, revelou uma alta adesão às práticas preventivas propostas pelas políticas públicas, corroborando com os achados presentes aqui e em outros estudos no Brasil6,10,35, visto que os CTA têm desenvolvido ações de promoção à saúde e prevenção de agravos, sobretudo, os infectocontagiosos9-12.
A autoestima esteve relacionada a uma forma de enfrentamento em pesquisa qualitativa anterior desenvolvida com trabalhadoras do sexo de Belo Horizonte, que teceu críticas a idealização simbólica de mulher “porca”, “sem higiene”, visto que elas tinha rotina de (auto)cuidado: como prevenção e cuidado com a saúde de seus corpos, hábitos de higiene íntima, preocupação com aparência física; logo, uma modo de experenciarem a sensação de bem-estar emocional e psíquico, como o amor próprio e preocupação com a higidez de seu instrumento de trabalho, o corpo1,18,35.
As trabalhadoras sexuais, que vivem tanto nos países desenvolvidos quanto nos em desenvolvimento ou pobres são expostas uma dura realidade: a falta de regularização ou reconhecimento do serviço sexual remunerado como uma profissão6,9,18,35. No Canadá tem sido discutido nos últimos anos a readequação da lei C-36 (Lei de Proteção de Comunidades e Pessoas Exploradas), no intuito de reajustá-la e emendá-la, por proibir qualquer pessoa de comprar ou anunciar serviços sexuais, a não ser a própria mulher36-37. No Brasil, a exploração sexual é considerada crime, ao passo, o livre exercício do trabalho sexual, é reconhecido como profissão, todavia sem regulamentação ou garantias de direitos trabalhistas1,6,31.
Não à toa, na possível estrutura representacional desse presente estudo há o elemento rede de apoio e na zona de contraste o termo bolsa família. O que sinaliza que elas entendem o ínfimo apoio do governo, mas sobretudo de organizações não governamentais (ONGs), enquanto redes que sustentam demandas pessoais e sociais do grupo de trabalhadoras do sexo, frente às ausências e negligência do Estado6,9,18,35.
Resultados de pesquisas anteriores, de cunho qualitativo etnográfico e fundamentada na TRS, apontaram que as redes de apoio (ONGs) e programas assistencialista estatais de apoio financeiro, como o Bolsa Família, são essenciais para complementação de renda e sobrevivência4,6,31.
Estratégias de enfrentamento no âmbito da saúde coletiva bem delimitadas, são iniciativas que precisam romper com a barreira do estigma para atingir populações consideradas vulneráveis, a exemplo das trabalhadoras sexuais, no intuito de criar um ambiente que seja favorável para garantia dos direitos humanos9,11,33. Tais recomendações têm sido feitas ao longo das últimas décadas pela Organização Mundial de Saúde para possibilitar mecanismos de cuidado, enfrentamento e a assistência de forma intersetorial11,36.
No Reino Unido tem-se um exemplo de políticas públicas de apoio às pessoas em condição de vulnerabilidade, pois contribuiu com o setor responsável por caridade £ 750 milhões (€ 855 milhões; $ 922 milhões) de subsídios para as necessidades básicas dessas pessoas. Alia-se a esse fato a questão da pandemia da COVID-19, que nesse mesmo país foi destinado financiamento para moradia temporária e emergencial para pessoas necessitadas ou que perderam fonte de renda3.
O dinheiro adquirido com o serviço sexual é fundamental para o sustento delas e da família, o que permite a aquisição de bens de consumo e promoção da saúde, além de acessar serviços de saúde privados, revelado em pesquisas anteriores na França18 e no Brasil1,6-7, que apontaram que os profissionais à frente do SUS tendem a desenvolver uma assistência falha no que tange aos preceitos da universalidade, integralidade e equidade. Além disso, resultados de estudos qualitativos (TRS) de outrora, mostraram que o dinheiro teve sua representação associada a sexualidade, visto que o intuito delas se manterem no trabalhado sexual é a aquisição de renda6,17.
Os elementos que estruturam a possível RS de enfrentamento e prevenção de agravos destacam a relação que as trabalhadoras do sexo possuem com o objeto representado, com o meio em que se inserem e, por isso, expressam as práticas sociais adotadas, estritamente concatenadas nas interelações que estabelecem20,24.
As limitações residem, a priori, na realização da pesquisa, que ocorreu em região carente do nordeste brasileiro e distante dos grandes centros. Também houve dificuldades em se obter estudos que apontassem a relação entre a TRS, trabalhadoras sexuais e coping, dificultando a discussão e comparações com trabalhadoras sexuais de outras realidades e contextos. Como esse trabalho é um desdobramento de um estudo maior, a coleta de dados foi demasiadamente longa e, aquelas que contribuíram, apresentaram-se cansadas e ansiosas pelo término da aplicação dos instrumentos.
Ao apresentar os resultados desse estudo, no âmbito do serviço sexual remunerado e consentido, aprofundado na TRS, torna-se relevante e inédito, pois permitirá que profissionais de saúde, ao repensaram o cuidado, poderá focá-lo em orientações que reforcem as ações já desenvolvidas e, também, que elas possam implementar outras, congruentes ao conhecimento científico, equânime, integral, universal, individual e livre de discriminação.
Assim, poderá minimizar os estigmas e preconceitos, acolhe-las, de forma a confiar no profissional, com instruções de ações preventivas eficazes e formas de enfrentamento, bem como meios de minimização e superação das vulnerabilidades impostas a elas. Salienta-se que conhecer RS presentes no pensamento social, permitirá que seja dada atenção aos aspectos holísticos que interferem no processo saúde-doença.
CONCLUSÃO
Conclui-se que o núcleo central das RS sobre enfrentamento e prevenção aos agravos no serviço sexual, para as trabalhadoras sexuais da Região Sudoeste da Bahia estão estruturadas nos elementos: deus, dinheiro, cuidar da saúde, sexo seguro. O que indica que elas desenvolvem o coping religioso, enquanto fator protetivo das emoções e condições psicoespirituais. As ações de (auto)cuidado foram representadas nas relações sexuais protegidas, bem como a preocupação em manter os corpos saudáveis, livre de outras doenças, assim como na preocupação com a prevenção de outros agravos que ultrapassam às IST/HIVA. O dinheiro enquanto central, indica a necessidade obter uma fonte de renda para desenvolver demais estratégias de coping e suprir necessidades pessoais e de familiares, como filhos. Destarte a estrutura das RS de tal grupo de mulheres no exercício do serviço sexual apontam para o desenvolvimento de atitudes e comportamentos, por vezes fundamentada no senso comum e outras no conhecimento científico difundido entre elas para proteção da saúde integrativa e holística.

Autor correspondente:
Pablo Luiz Santos Couto
Endereço: Avenida José Moreira Sobrinho, s/n, Bairro Jequiezinho. CEP: 45200-000.
Telefone: (77) 99144-2107
E-mail: pablocouto0710@gmail.com

Contribuições de autoria:
Pablo Luiz Santos Couto – contribuiu com: a concepção e o delineamento ou a análise e interpretação dos dados; redação do artigo ou a sua revisão crítica; aprovação da versão a ser publicada.
Antônio Marcos Tosoli Gomes – contribuiu com: a concepção e o delineamento ou a análise e interpretação dos dados; redação do artigo ou a sua revisão crítica; aprovação da versão a ser publicada.
Luiz Carlos Moraes França - contribuiu com: a análise e interpretação dos dados; redação do artigo ou a sua revisão crítica; aprovação da versão a ser publicada.
Tarcísio da Silva Flores – contribuiu com: a análise e interpretação dos dados; redação do artigo ou a sua revisão crítica; aprovação da versão a ser publicada.
Carle Porcino – contribuiu com: a concepção e o delineamento ou a análise e interpretação dos dados; redação do artigo ou a sua revisão crítica; aprovação da versão a ser publicada.
Alba Benemérita Alves Vilela – contribuiu com: a concepção e o delineamento ou a análise e interpretação dos dados; redação do artigo ou a sua revisão crítica; aprovação da versão a ser publicada.
Cleuma Sueli Santos Suto - contribuiu com: a análise e interpretação dos dados; redação do artigo ou a sua revisão crítica; aprovação da versão a ser publicada.
Priscila Cristina da Silva Thiengo de Andrade - contribuiu com: a análise e interpretação dos dados; redação do artigo ou a sua revisão crítica; aprovação da versão a ser publicada.

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Couto, P.L.S, Gomes, A.M.T, França, L.C.M, Flores, T.S, Porcino, C., Vilela, A.B.A, Suto, C.S.S, Andrade, P.C.S.T. Ações de coping e prevenção de agravos no serviço sexual: estrutura das representações sociais de trabalhadoras sexuais. Cien Saude Colet [periódico na internet] (2024/nov). [Citado em 22/12/2024]. Está disponível em: http://cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/acoes-de-coping-e-prevencao-de-agravos-no-servico-sexual-estrutura-das-representacoes-sociais-de-trabalhadoras-sexuais/19427?id=19427

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