0308/2006 - Adolescentes em Conflito com a Lei
Adolescents in Conflict With The Law
Autor:
• Roseana Mara Aredes Priuli - Roseana Mara Aredes Priuli - São José do Rio Preto, São Paulo - Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto - <rosianap@terra.com.br>Área Temática:
Não CategorizadoResumo:
Estudo focou adolescente autor e vítima da violência, fenômeno crescente no Brasil. Dados coletados dos prontuários dos internos residentes em São José do Rio Preto e seleção das variáveis: local de moradia, idade, escolaridade, tipo e local das infrações, uso de drogas e ocupação; composição familiar, renda, escolaridade e trabalho dos pais. Resultados revelaram perfil sociodemográfico, infracional e relacional de parte significativa com 17 anos, ensino fundamental incompleto, evadida da escola, sem trabalho e residente na região norte, de menor poder socioeconômico. Infração de maior percentual foi roubo, seguida de furto, tentativa de homicídio, homicídio, roubo qualificado, tráfico de drogas e roubo com morte incidindo sobre bairros da região norte. Maioria usava tabaco, maconha, álcool, crack, e, minoria, cocaína, thiner e cola. Detectou-se realidade precária de familiares com baixo nível de renda, de escolaridade, de profissão e abuso de álcool, contribuindo para transformar adolescentes em vítimas. Maioria das mães, provedora do lar, principal figura na internação e mediadora entre adolescente, poder judiciário e comunidade. Considerando o elevado custo da violência interpessoal, concluímos, nesse estudo, necessidade de políticas públicas para crianças e adolescentes na cidade de São José do Rio Preto.Palavras – chave: violência – adolescência – políticas públicas
Abstract:
This study is focused on teenagers who behave violently and who are also victims of violence. The data was collected from files of inmates of adolescents in São José do Rio Preto. The variables selected were place of residence, age, school level, type of infractional acts, use of drugs, family income, schooling of parents, occupation. The results revealed social-demographic profile of teenagers around 17 years old with only elementary education. The infraction committed with greatest percentage was robbery; followed by theft, homicide, drug dealing, and robbery leading to death. The majority of the teenagers used tobacco, marijuana, alcoholic beverages, and crack. The data converged on a reality defined by a precarious condition of life, where the family members have low income, low professional qualification, and abuse of alcohol. As a result, they contribute to transforming adolescents into victims of society. The mother; who typically supports the household, is the strongest presence during the period of depriving freedom and the mediator between the teenager in conflict with the law, the judicial power, and the community. Considering the elevated costs of interpersonal violence, we concluded that it is necessary to create and implement a municipal strategy targeting children and adolescents in São José do Rio Preto.Key-words: violence – adolescence – public politics.
Conteúdo:
INTRODUÇÃO
VIOLÊNCIA E O JOVEM BRASILEIRO: AUTOR E VÍTIMA
Nas duas últimas décadas do século XX nas grandes cidades do mundo e em alguns países, como é o caso do Brasil, os dados epidemiológicos têm mostrado crescimento da morbidade e da mortalidade por causas externas.
Estimativas da Organização Mundial de Saúde (OMS) para o ano de 2000 destacam que morreram cerca de 1,6 milhões de pessoas no mundo inteiro como resultado da violência 1 : 25% dessa mortalidade foi por acidentes de transporte, 16% por suicídio, 10% por violência interpessoal, 9% por afogamento, dentre outras 2.
De acordo com os dados do Relatório Mundial sobre Violência e Saúde 1, constata-se que a taxa de homicídios no Brasil foi de 23 por 100.000 habitantes, sendo que da Colômbia foi de 61,6 por 100.000 habitantes. Já na região africana, como um todo, a taxa estimada para o ano e 2000 foi de 22,2 por 100.000 habitantes. Enquanto isso se observam para alguns países europeus, taxas comparativamente muito baixas, como da Dinamarca (1,1); França (0,7); Alemanha (0,9); Grécia (1,2); Portugal (1,1); Reino Unido (0,8); Espanha (0,8); dentre outros. As maiores taxas encontradas na Europa foram da Albânia (21) e da Federação Russa (21,6).
Nos Estados Unidos da América estima-se que a violência interpessoal, que inclui a violência entre membros da família, entre casais, a violência juvenil e entre pessoas estranhas, é de alto custo, chegando a um patamar de 3,3% do Produto Interno Bruto do país. O fenômeno afeta principalmente países de menor poder aquisitivo sendo que o efeito econômico dessa violência é mais severo em países pobres onde, entretanto, são escassos os estudos sobre esse assunto 3,4.
Ainda com relação à dimensão econômica da violência interpessoal chegou-se à conclusão de que os gastos ocorridos na prevenção da violência são menores do que os gastos para repará-la. Intervenções que tinham como focos agressões juvenis resultaram em benefícios econômicos trinta vezes maiores que os gastos para reparar esse tipo de violência 3.
No panorama brasileiro, o aumento da mortalidade por causas violentas vem se tornando um fenômeno de alta relevância, pois no início da década de 80 ocupava o quarto lugar no perfil das principais causas de óbito, passando para o segundo lugar, a partir de 1989, perdendo apenas para as doenças do aparelho circulatório. Trata-se, portanto, de um grave problema de saúde pública fazendo com que a epidemia de mortes violentas na população jovem das grandes cidades, seja uma das pautas da nova agenda da saúde pública, com sinais de evolução desfavorável e remetendo para um cenário futuro inquietante 5,6,7,8.
Se, até meados da década de 1990, o crescimento da violência parecia estar restrito às grandes capitais da região sudeste do Brasil, hoje as taxas estão crescendo em capitais médias e mesmo pequenas. A região sudeste, mais rica e mais desigual, tem as taxas mais insistentemente altas. Este fato mostra que não se pode atribuir à pobreza extrema da região o aumento das taxas de homicídios 9,10.
Estudos têm observado que as mortes por causas externas, muitas vezes, resultantes de homicídio têm como alvo preferencial, adolescentes e jovens adultos, de 15 a 24 anos, masculinos, residentes em áreas periféricas ou menos favorecidas das grandes metrópoles urbanas e, portanto, sócio-economicamente carentes: em geral possuem baixa escolaridade e preferencialmente são negros ou descendentes dessa etnia. É esse grupo de causas externas que explica, respectivamente, 46,5% das mortes na faixa de 05 a 14 anos e 64,4% das mortes dos jovens de 15 a 29 anos, sendo nesses segmentos etários a primeira causa de morte 11,12.
A grande preocupação ante esse cenário de mudanças é a evidência de que grupos de jovens, sobretudo do sexo masculino, estão cada vez mais atingidos como vítimas e autores 13,7,14.
Um estudo de 1999 com 5425 jovens infratores entre 12 e 17 anos na cidade de São Paulo no período de 1988 a 1991 resultou que o envolvimento de jovens com o crime violento seguiu o mesmo padrão observado na população geral. Para um segundo estágio da pesquisa com 3893 jovens infratores, no período de 1993 a 1996, resultou uma mudança no comportamento padrão desses jovens, com o surgimento do crime organizado e a formação de gangues. Quando o padrão de crime na população como um todo foi comparado com o correspondente no caso da delinqüência juvenil, verificou-se um aumento da violência entre os jovens 14.
Também sob o enfoque do adolescente autor de atos infracionais, um estudo no município de Ribeirão Preto-SP, cidade de médio porte do interior paulista, no período entre 1974 e 1996 revelou um grande aumento de delitos cometidos por adolescentes. Além disso, o homicídio foi a infração que mais apresentou crescimento, aumentando 40 vezes no período estudado. Em seguida, apareceu o tráfico de entorpecentes, que aumentou 23,75 vezes e a terceira infração que mais cresceu foi porte de arma (18,8 vezes) 15.
Ainda, dados fornecidos pela Fundação Estadual do Bem Estar do Menor-Febem-SP em 02/12/2003 para o período de Janeiro/2003 a outubro/2003, revelaram um incremento de 21,7% no número de adolescentes infratores internos naquela instituição 16.
Assim sendo, estudos mostram cada vez mais o envolvimento de jovens brasileiros com o mundo do crime, entretanto, pouco se sabe sobre esses jovens e o sistema judicial empregado para as crianças e adolescentes, em especial a competência da lei e das medidas oficiais adotadas para conter o crime entre esta população. Nesse sentido, faz-se necessário pesquisar mais a realidade brasileira no que diz respeito à questão do adolescente em conflito com a lei, com o propósito de subsidiar as ações do judiciário, quando da aplicação das leis, como também as instituições que administram as medidas judiciais designadas aos jovens, representadas pela Fundação Estadual do Bem Estar do Menor.
A partir do exposto, o presente trabalho objetiva levantar o perfil sociodemográfico, infracional e relacional de adolescentes em conflito com a lei do município de São José do Rio Preto no ano de 2003.
METODOLOGIA
A população estudada consistiu de adolescentes do sexo masculino, residentes na cidade de São José do Rio Preto, entre 14 e 18 anos de idade completos os quais cumpriam a medida socioeducativa de internação na Fundação Estadual do Bem Estar do Menor- FEBEM – SP no ano de 2003, totalizando 48 adolescentes.
A instituição FEBEM-SP oferece assistência para aproximadamente 18.000 crianças e adolescentes em todo o Estado de São Paulo, inseridos em programas sócio-educativos específicos, como o de privação de liberdade e de liberdade assistida, dependendo do grau infracional e da idade 17.
Do panorama demográfico, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística 18 São José do Rio Preto possui uma população geral de 367.247 habitantes, caracterizando-se como pólo regional, com influência direta em 96 municípios 19.
O município possui uma Unidade de Internação da FEBEM denominada Grandes Lagos que abriga adolescentes infratores residentes em São José do Rio Preto e cidades vizinhas.
A coleta dos dados do estudo foi realizada mediante consulta aos prontuários dos adolescentes disponibilizados pela instituição, por intermédio de um protocolo, obedecendo a todos os preceitos éticos em pesquisa, segundo o parecer nº. 153/2003 de aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto.
Coletados os dados foi construída uma base de dados em DBase II.I e utilizando-se do programa EPI - INFO foram produzidas as tabulações das informações para a caracterização da população em razão das variáveis arroladas.
O tratamento dos dados forneceu a freqüência dos eventos e respectivas porcentagens, não tendo sido produzidas análises estatísticas e níveis de significância daqueles em função da totalidade da população. Tratou-se de um censo em que não houve o propósito de testar hipóteses e extrapolar os resultados obtidos para outros grupos.
VIOLÊNCIA E O JOVEM BRASILEIRO: AUTOR E VÍTIMA
Nas duas últimas décadas do século XX nas grandes cidades do mundo e em alguns países, como é o caso do Brasil, os dados epidemiológicos têm mostrado crescimento da morbidade e da mortalidade por causas externas.
Estimativas da Organização Mundial de Saúde (OMS) para o ano de 2000 destacam que morreram cerca de 1,6 milhões de pessoas no mundo inteiro como resultado da violência 1 : 25% dessa mortalidade foi por acidentes de transporte, 16% por suicídio, 10% por violência interpessoal, 9% por afogamento, dentre outras 2.
De acordo com os dados do Relatório Mundial sobre Violência e Saúde 1, constata-se que a taxa de homicídios no Brasil foi de 23 por 100.000 habitantes, sendo que da Colômbia foi de 61,6 por 100.000 habitantes. Já na região africana, como um todo, a taxa estimada para o ano e 2000 foi de 22,2 por 100.000 habitantes. Enquanto isso se observam para alguns países europeus, taxas comparativamente muito baixas, como da Dinamarca (1,1); França (0,7); Alemanha (0,9); Grécia (1,2); Portugal (1,1); Reino Unido (0,8); Espanha (0,8); dentre outros. As maiores taxas encontradas na Europa foram da Albânia (21) e da Federação Russa (21,6).
Nos Estados Unidos da América estima-se que a violência interpessoal, que inclui a violência entre membros da família, entre casais, a violência juvenil e entre pessoas estranhas, é de alto custo, chegando a um patamar de 3,3% do Produto Interno Bruto do país. O fenômeno afeta principalmente países de menor poder aquisitivo sendo que o efeito econômico dessa violência é mais severo em países pobres onde, entretanto, são escassos os estudos sobre esse assunto 3,4.
Ainda com relação à dimensão econômica da violência interpessoal chegou-se à conclusão de que os gastos ocorridos na prevenção da violência são menores do que os gastos para repará-la. Intervenções que tinham como focos agressões juvenis resultaram em benefícios econômicos trinta vezes maiores que os gastos para reparar esse tipo de violência 3.
No panorama brasileiro, o aumento da mortalidade por causas violentas vem se tornando um fenômeno de alta relevância, pois no início da década de 80 ocupava o quarto lugar no perfil das principais causas de óbito, passando para o segundo lugar, a partir de 1989, perdendo apenas para as doenças do aparelho circulatório. Trata-se, portanto, de um grave problema de saúde pública fazendo com que a epidemia de mortes violentas na população jovem das grandes cidades, seja uma das pautas da nova agenda da saúde pública, com sinais de evolução desfavorável e remetendo para um cenário futuro inquietante 5,6,7,8.
Se, até meados da década de 1990, o crescimento da violência parecia estar restrito às grandes capitais da região sudeste do Brasil, hoje as taxas estão crescendo em capitais médias e mesmo pequenas. A região sudeste, mais rica e mais desigual, tem as taxas mais insistentemente altas. Este fato mostra que não se pode atribuir à pobreza extrema da região o aumento das taxas de homicídios 9,10.
Estudos têm observado que as mortes por causas externas, muitas vezes, resultantes de homicídio têm como alvo preferencial, adolescentes e jovens adultos, de 15 a 24 anos, masculinos, residentes em áreas periféricas ou menos favorecidas das grandes metrópoles urbanas e, portanto, sócio-economicamente carentes: em geral possuem baixa escolaridade e preferencialmente são negros ou descendentes dessa etnia. É esse grupo de causas externas que explica, respectivamente, 46,5% das mortes na faixa de 05 a 14 anos e 64,4% das mortes dos jovens de 15 a 29 anos, sendo nesses segmentos etários a primeira causa de morte 11,12.
A grande preocupação ante esse cenário de mudanças é a evidência de que grupos de jovens, sobretudo do sexo masculino, estão cada vez mais atingidos como vítimas e autores 13,7,14.
Um estudo de 1999 com 5425 jovens infratores entre 12 e 17 anos na cidade de São Paulo no período de 1988 a 1991 resultou que o envolvimento de jovens com o crime violento seguiu o mesmo padrão observado na população geral. Para um segundo estágio da pesquisa com 3893 jovens infratores, no período de 1993 a 1996, resultou uma mudança no comportamento padrão desses jovens, com o surgimento do crime organizado e a formação de gangues. Quando o padrão de crime na população como um todo foi comparado com o correspondente no caso da delinqüência juvenil, verificou-se um aumento da violência entre os jovens 14.
Também sob o enfoque do adolescente autor de atos infracionais, um estudo no município de Ribeirão Preto-SP, cidade de médio porte do interior paulista, no período entre 1974 e 1996 revelou um grande aumento de delitos cometidos por adolescentes. Além disso, o homicídio foi a infração que mais apresentou crescimento, aumentando 40 vezes no período estudado. Em seguida, apareceu o tráfico de entorpecentes, que aumentou 23,75 vezes e a terceira infração que mais cresceu foi porte de arma (18,8 vezes) 15.
Ainda, dados fornecidos pela Fundação Estadual do Bem Estar do Menor-Febem-SP em 02/12/2003 para o período de Janeiro/2003 a outubro/2003, revelaram um incremento de 21,7% no número de adolescentes infratores internos naquela instituição 16.
Assim sendo, estudos mostram cada vez mais o envolvimento de jovens brasileiros com o mundo do crime, entretanto, pouco se sabe sobre esses jovens e o sistema judicial empregado para as crianças e adolescentes, em especial a competência da lei e das medidas oficiais adotadas para conter o crime entre esta população. Nesse sentido, faz-se necessário pesquisar mais a realidade brasileira no que diz respeito à questão do adolescente em conflito com a lei, com o propósito de subsidiar as ações do judiciário, quando da aplicação das leis, como também as instituições que administram as medidas judiciais designadas aos jovens, representadas pela Fundação Estadual do Bem Estar do Menor.
A partir do exposto, o presente trabalho objetiva levantar o perfil sociodemográfico, infracional e relacional de adolescentes em conflito com a lei do município de São José do Rio Preto no ano de 2003.
METODOLOGIA
A população estudada consistiu de adolescentes do sexo masculino, residentes na cidade de São José do Rio Preto, entre 14 e 18 anos de idade completos os quais cumpriam a medida socioeducativa de internação na Fundação Estadual do Bem Estar do Menor- FEBEM – SP no ano de 2003, totalizando 48 adolescentes.
A instituição FEBEM-SP oferece assistência para aproximadamente 18.000 crianças e adolescentes em todo o Estado de São Paulo, inseridos em programas sócio-educativos específicos, como o de privação de liberdade e de liberdade assistida, dependendo do grau infracional e da idade 17.
Do panorama demográfico, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística 18 São José do Rio Preto possui uma população geral de 367.247 habitantes, caracterizando-se como pólo regional, com influência direta em 96 municípios 19.
O município possui uma Unidade de Internação da FEBEM denominada Grandes Lagos que abriga adolescentes infratores residentes em São José do Rio Preto e cidades vizinhas.
A coleta dos dados do estudo foi realizada mediante consulta aos prontuários dos adolescentes disponibilizados pela instituição, por intermédio de um protocolo, obedecendo a todos os preceitos éticos em pesquisa, segundo o parecer nº. 153/2003 de aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto.
Coletados os dados foi construída uma base de dados em DBase II.I e utilizando-se do programa EPI - INFO foram produzidas as tabulações das informações para a caracterização da população em razão das variáveis arroladas.
O tratamento dos dados forneceu a freqüência dos eventos e respectivas porcentagens, não tendo sido produzidas análises estatísticas e níveis de significância daqueles em função da totalidade da população. Tratou-se de um censo em que não houve o propósito de testar hipóteses e extrapolar os resultados obtidos para outros grupos.










