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Artigos

0035/2024 - Assistência pré-natal entre adolescentes no extremo Sul do Brasil: um estudo de tendência secular
Prenatal care among adolescent women in the extreme South of Brazil: a secular trend study

Autor:

• Affonso Henrique A. Cesar-e-Silva - Cesar-e-Silva, A. H. A. - <affonsoh41@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9902-2052

Coautor(es):

• Isabella F. Michelon - Michelon, I. F. - <isabella.michelon@sou.ucpel.edu.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7062-0403

• Luana P. Marmitt - Marmitt, L. P. - <luanamarmitt@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0526-7954

• Juraci A. Cesar - Cesar, J. A. - <juraci.a.cesar@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0864-0486



Resumo:

Este estudo mediu prevalência e avaliou tendência para diversos indicadores da
assistência pré-natal entre gestantes adolescentes em Rio Grande, RS. Entre 01/01 e 31/12
dos anos de 2007, 2010, 2013, 2016 e 2019, foi aplicado ainda na maternidade
questionário único, padronizado à todas as parturientes residentes neste município que
tiveram filhos nos hospitais locais. Utilizou-se teste qui-quadrado para comparar
proporções e avaliar tendência. Dentre as 12.645 parturientes identificadas, 2.184
(17,3%) eram adolescentes. Dos 36 indicadores avaliados, houve piora em 2
(planejamento da gravidez e ocorrência de diabete mellitus), estabilidade em 5 (realização
de ultrassonografia abdominal, imunização antitetânica, posse da carteira da gestante e
ocorrência de baixo peso ao nascer e prematuridade) e melhora nos demais, com destaque
para escolaridade materna, taxa de gravidez na adolescência, realização de exames
clínicos e laboratoriais e realização de pré-natal adequado, passando de 13,8%
(IC95%:10,8%-16,7%) em 2007 para 52,5% (46,8%-58,1%) em 2019. Houve melhora
substancial na assistência à gestação e ao parto, mas quase metade das adolescentes
riograndinas ainda não realizou pré-natal considerado adequado, ao mesmo tempo em
que aumentou a ocorrência de gravidez não planejada.

Palavras-chave:

Pré-natal; Gravidez na Adolescência; Saúde do Adolescentes; Mães Adolescentes;

Abstract:

This study aims to measure prevalence and evaluate trends for a set of indicators of
prenatal care among pregnant adolescents in Rio Grande, Southern Brazil. Between 01/01
and 31/12 of the years 2007, 2010, 2013, 2016 and 2019, was applied a standardized
questionnaire in the maternity ward to all parturient women residing in this municipality
who had children in the local hospitals. Chi-square test was used to compare proportions
and assess trends. Among the 12,645 pregnant women identified, 2,184 (17.3%) were
adolescents. Of the 36 indicators evaluated, there was a worsening in 2 (pregnancy
planning and occurrence of diabetes mellitus), stability in 5 (abdominal ultrasound,
immunization against tetanus, possession of the pregnancy card and occurrence of low
birth weight and prematurity) and improvement in 29, with emphasis on the reduction in
the occurrence of teenage pregnancy, maternal education, clinical and laboratory
examinations and adequate prenatal care, rising13.8% (95%CI:10.8%-16.7 %) in
2007 to 52.5% (46.8%-58.1%) in 2019. There was a substantial improvement in
pregnancy and childbirth care, but almost half of the adolescents in the municipality were
unable to receive adequate prenatal care, at the same time as the occurrence of unplanned
pregnancies increased.

Keywords:

Prenatal Care; Adolescent health; Pregnancy in Adolescence; Adolescent Mothers;

Conteúdo:

INTRODUÇÃO
A assistência pré-natal é essencial ao bem-estar materno-infantil desde o período prégravídico até os primeiros anos de vida.1 Os cuidados oferecidos nesse período previnem
a ocorrência de diversos agravos à saúde, possibilitam diagnóstico precoce, manejo
adequado e promovem práticas com repercussão positiva nas etapas seguintes da vida.2
A cobertura da assistência pré-natal vem melhorando no Brasil.3,4 Os últimos
inquéritos nacionais mostram que o acesso ao pré-natal e a ocorrência de parto hospitalar
tornaram-se praticamente universais. Revelam ainda que 71% das gestantes iniciam as
consultas no primeiro trimestre, completam seis ou mais visitas ao serviço de saúde e são
submetidas a pelo menos um exame de sangue, urina e ultrassom pélvico.4 Estes estudos
incluíram gestantes de todas as idades, com as adolescentes (<20 anos) formando um
grupo à parte e, assim, sendo comparadas às demais. Em geral, mostram-se em
desvantagem, principalmente em relação àquelas com 24 a 29 anos de idade.4-7
Mães adolescentes são mais comumente acometidas por eclâmpsia, ruptura
prematura de placenta, endometrite puerperal e infecções sistêmicas.6,7 Seus filhos
apresentam maior risco de nascer com baixo peso (<2500 g), prematuros (<37 semanas
de gestação) e com morbidade neonatal grave.6-9 Apesar disso, há poucos estudos
abordando a assistência pré-natal entre adolescentes, o que dificulta implementar ações
com maior potencial de impacto sobre esse grupo populacional.
Os Estudos Perinatais de Rio Grande, RS, permitiram a coleta de dados primários
sobre a assistência pré-natal recebida por mães adolescentes entre os anos de 2007 e 2019.
Foram cinco inquéritos censitários conduzidos regularmente a cada três anos, com uso de
igual metodologia e com taxa de respondentes da ordem de 98%. Com essas
características e, sobretudo, periodicidade, é situação única no Brasil.
5
A partir desse banco de dados, selecionamos 36 importantes indicadores que
incluem características demográficas, socioeconômicas, reprodutivas, hábitos de vida,
morbidade gestacional, cuidados em saúde durante a gestação e o parto e condições de
nascimento do último filho. Este artigo mede a prevalência e avalia tendência para estes
indicadores entre adolescentes que tiveram filho no município de Rio Grande, RS, ao
longo desses 13 anos.
MÉTODOS
Este artigo faz parte dos Estudos Perinatais de Rio Grande, RS, que são inquéritos
regulares conduzidos a cada três anos. O seu objetivo é monitorar serviços de assistência
à gestação e ao parto oferecidos no município. O primeiro deles foi realizado em 2007,
depois em 2010, 2013, 2016 e 2019.
Rio Grande é município litorâneo localizado no extremo sul gaúcho. Dista 310 km
de Porto Alegre e 250 km da divisa com o Uruguai. Nestes 13 anos, sua população passou
de 195 mil para 211 mil habitantes. O agronegócio e a atividade portuária são a base da
sua economia. A rede pública de saúde é constituída por dois hospitais, sendo um
totalmente público (Hospital Universitário da Universidade Federal do Rio Grande, HUFURG) e um filantrópico (Santa Casa de Misericórdia de Rio Grande, SCMRG). Há ainda
quatro ambulatórios de especialidades médicas e 36 unidades básicas de saúde (UBS).
Para fazer parte destes inquéritos, a puérpera deveria residir em área urbana ou
rural do município, ter tido parto entre 01/01 e 31/12 dos anos já referidos e seu filho ter
alcançado pelo menos 500 gramas ao nascer e/ou 20 semanas de idade gestacional. Tratase, portanto, de um censo. Estas puérperas, quando ainda no hospital e em até 48 horas
6
após o parto, responderam questionário único, padronizado, dividido em blocos,
investigando desde o planejamento da gravidez até o pós-parto imediato.
Estes questionários foram aplicados por quatro entrevistadoras previamente
treinadas no mês anterior ao início da coleta de dados. Esta aplicação se deu por meio de
visitas diárias às maternidades e enfermarias, incluindo finais de semanas e feriados.
Nos inquéritos de 2007 a 2013, utilizou-se questionário físico. Nesta ocasião, eram
codificados e revisados pelas próprias entrevistadoras e entregues na sede do estudo. As
questões abertas eram, então, codificadas, revisadas e duplamente digitadas por diferentes
profissionais e na ordem inversa. Esta etapa foi feita no software livre EpiData 3.110,
enquanto a comparação dos bancos de dados e posterior correção no Epi Info.11
Nos inquéritos de 2016 e 2019, a entrada de dados ocorreu de forma simultânea
durante a entrevista por meio de tablets e do aplicativo REDCap (Research Electronic
Data Capture).12 Ao final de cada dia, estes questionários eram descarregados no servidor
central e revisados. A análise dos dados foi realizada no pacote estatístico Stata versão
12.
13 Maiores detalhes sobre a metodologia dos Estudos Perinatais de Rio Grande podem
ser obtidos em publicação específica.14
Apesar de a maioria das variáveis ser autoexplicativa, algumas delas necessitam
esclarecimentos adicionais, a saber: renda familiar - valor recebido, de qualquer fonte, no
mês imediatamente anterior a entrevista pelos moradores do domicílio; baixo peso - peso
de nascimento inferior a 2.500 g; prematuridade – idade gestacional, avaliada por
ultrassonografia ou data da última menstruação inferior a 37 semanas; tabagismo – ter
fumado pelo menos um cigarro por dia nos últimos 30 dias e hospitalização – ter
permanecido internado por, pelo menos, 24 horas; e pré-natal adequado - ter iniciado no
primeiro trimestre de gestação, realizado seis ou mais consultas e sido submetida a pelo
7
menos dois testes para HIV, sífilis e qualitativo de urina. Estas informações foram obtidas
perguntando-se diretamente à mãe e por meio da Carteira da Gestante.
A análise de dados incluiu verificação da frequência simples para diversos
indicadores em cada inquérito, avaliação da tendência para cada categoria da variável e
comparação de proporções entre categorias de uma mesma variável ao longo do período.
Tanto a análise de tendência quanto a comparação de proporções foram feitas utilizandose do respectivo teste qui-quadrado.15
Aproximadamente 10% de parte das entrevistas foi refeita por telefone em até
duas semanas após entrevista na maternidade. O índice Kappa de concordância variou de
0,60 (planejou gravidez) a 0,99 (tipo de parto), ficando a maioria entre 0,72 e 0,9116.
Todos os protocolos de pesquisas foram aprovados pelo Comitê de Ética em
Pesquisa na Área da Saúde (CEPAS) da Universidade Federal do Rio Grande, este
vinculado ao CONEP, sob os seguintes números: inquérito de 2007 (parecer 05369/2006);
2010 (parecer 06258/2009); 2013 (parecer 02623/2012); 2016 (parecer 0030-2015) e
2019 (parecer 278/2018).
RESULTADOS
Ao longo destes cinco anos houve 12.663 partos nos dois hospitais do município, sendo
possível entrevistar com sucesso 12.645 (98%) puérperas. Deste total, 2.184 (17,4%) era
constituída de adolescentes (<20 anos).
A maioria delas possuía 18 ou 19 anos, vivia com companheiro, era de cor da pele
branca, havia completado pelo menos o ensino fundamental e possuía renda familiar
mensal entre 1 e 2 salários mínimos. Cerca de 15% exerceram trabalho remunerado na
gravidez, enquanto 20% dos seus companheiros estavam desempregados (Tabela 1). Na
8
grande maioria, eram primíparas, 10% haviam fumado antes e durante a gravidez e 20%
estavam em tratamento para hipertensão, diabete mellitus ou depressão (Tabela 2).
Embora uma pequena parcela tenha planejado a gravidez, proporção expressiva
delas iniciou as consultas de pré-natal no primeiro trimestre, realizou 6+ consultas e
diversos testes laboratoriais. Em sua ampla maioria foram suplementadas com sulfato
ferroso, imunizadas contra tétano neonatal e atendidas no Sistema Único de Saúde tanto
durante o pré-natal quanto no momento do parto. No entanto, pouco mais de um terço
delas (35,3%) completou no período pré-natal considerado minimamente adequado,
variando de 13,8% em 2007 a 52,5% em 2019 (Tabela 3); seus filhos nasceram quase que
igualmente distribuídos entre os sexos, de parto único, com 10% e 17% deles com baixo
peso (<2500g) e prematuros (<37 semanas), respectivamente, e com 7% deles sendo
hospitalizados imediatamente ao nascimento. Por fim, quase 60% estavam de posse da
Carteira da Gestante quando da internação no parto (Tabela 4).
Excetuando-se a Tabela 4, que trata das condições de nascimento do filho, a análise
de tendência mostrou-se estatisticamente significativa para a quase totalidade dos
indicadores avaliados.
A Tabela 5 resume as mudanças observadas ao longo destes 13 anos. Dentre os 36
indicadores estudados, verificou-se piora em dois, estabilidade em 13 e melhora em 21
deles. Houve piora no planejamento da gravidez e na ocorrência de diabete mellitus.
Mantiveram-se praticamente estáveis número de moradores no domicílio, proporção que
exerceu trabalho remunerado na gravidez, companheiro desempregado, início precoce de
pré-natal, realização de ultrassonografia pélvica e imunização antitetânica. Os outros
quatro indicadores que se mantiveram estáveis no período foram baixo peso ao nascer,
prematuridade, hospitalização do recém-nascido imediatamente após o parto e posse da
9
Carteira da Gestante por ocasião do parto. Em todos os demais indicadores, sobretudo
naqueles relacionados à assistência à gestação e ao parto, houve substancial melhora na
sua oferta. Vale destacar ainda que todas as gestantes completaram pelo menos um ano
de escolaridade com aprovação e que, ao longo deste período, ganharam em média um
ano de estudo e retardaram o parto em três meses.
DISCUSSÃO
Este estudo mostrou que o perfil da gestante adolescente riograndina mudou ao longo
destes 13 anos. Elas estão engravidando em menor proporção e em idade um pouco mais
avançada, melhoraram o nível de escolaridade, reduziram drasticamente a prevalência de
tabagismo e realizaram mais consultas, exames clínicos e testes laboratoriais no pré-natal
e estão planejando menos a gravidez. Quase metade delas ainda não faz pré-natal
considerado adequado.
Entre 2007 e 2019 a taxa de gravidez entre adolescentes no município de Rio
Grande caiu 35,1%, de 20,2% para 13,1%.14 Em Pelotas, município vizinho, entre 2004 e
2015, esta queda foi de 22,8%, caindo de 18,9% para 14,6%17, enquanto no Brasil como
um todo, entre 2006 e 2015, a queda foi de 15,8% (de 21,5% para 18,1%).18 Ainda, em
Rio Grande a idade média ao parir entre adolescentes aumentou três meses no período,
passando de 17,2 para 17,5 anos. Resultados semelhantes foram observados em outras
localidades no Brasil.19 Isso decorre principalmente da acentuada transição demográfica
aliada à melhoria do nível de escolaridade das mães e da renda familiar.17-20
Em Rio Grande, a melhora observada nos indicadores socioeconômicos advém de
situação muito particular vivida pelo município entre 2008-9 e 2014-15. Nesse período,
Rio Grande se tornou base para montagem de plataformas de petróleo. Com isso, a oferta
10
de emprego foi plena, necessitando, inclusive, buscar por trabalhadores em municípios
vizinhos.21 Isso repercutiu de forma positiva e imediata, não somente aumentando a taxa
de mulheres empregadas no período gestacional, mas, também, elevando a renda das
famílias, o que pode ter evitado evasão escolar ou, até mesmo, por uma condição
econômica melhor, ter feito com que muitas delas retomassem os estudos.14 De qualquer
forma, com o fim destas atividades em 2016, milhares de postos de trabalho foram
fechados a ponto de, em 2019, os indicadores alcançados fossem muito similares àqueles
observados em 2007, ou seja, piores.
A prevalência de tabagismo antes da gestação nesse período caiu 61,5% (de 27,5%
para 10,6%), enquanto durante a gravidez, a queda foi de 58,2% (de 21,3% para 8,9%).
Há poucos estudos de base populacional avaliando prevalência de tabagismo entre
gestantes adolescentes, principalmente no período pré-gestacional. Isto dificulta
comparar nossos achados. No entanto, a redução na prevalência de tabagismo entre
gestantes de todas as idades tem se mostrada consistente há pelo menos 40 anos em
diferentes localidades no Brasil.17 Considerando somente as adolescentes, em Pelotas,
caiu de 41% em 1982 para 18% em 2015, em Ribeirão Preto, SP, de 38% em 1997 para
12% em 2010, enquanto em São Luís, MA, no mesmo período, manteve-se próximo a
4%.25 Esta queda, no entanto, esconde importantes desigualdades, mas, no geral, mostrouse duradoura e progressiva e, no caso de Rio Grande, muito interessante por ter sido mais
acentuada entre adolescentes, as maiores beneficiárias da redução desta exposição.8,9,25
Reitera-se, no entanto, que ainda uma em cada 10 delas segue fumando, tanto antes quanto
durante a gestação, e isto precisa ser enfrentado, mesmo que necessite buscar novas
estratégias antitabaco.
11
Houve melhora importante na grande maioria dos indicadores avaliados,
principalmente naqueles relacionados à assistência pré-natal. Diversos estudos tratando
deste tema identificaram resultados semelhantes em diferente localidades14,17,24,25 e no
Brasil como um todo.3-5,23 O divisor de águas para esta melhoria foi à criação do Sistema
Único de Saúde em 1989. Desde então, diversas iniciativas foram implementados pelo
setor público, com destaque para o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS)
e Programa Saúde da Família (PSF) em meados da década de 1990, fortalecimento destes
programas na primeira metade dos anos 2000 e sua expansão em 2011, sob a denominação
de Estratégia Saúde da Família e, finalmente, a criação do Programa Mais Médicos para
o Brasil (PMMB) em 2013.26-28 Essas iniciativas priorizaram a oferta de cuidado básicos
na periferia das cidades, nas áreas rurais e nos municípios menores, com prioridade
àqueles mais distantes dos grandes centros urbanos. Rio Grande foi beneficiado por todos
esses programas. Entre 2007 e 2019, o número de equipes ESF atuando no município
saltou de 10 para 26, enquanto o de médicos do PMMB variou entre 6 e 15. Esta expansão,
por certo, aumentou a cobertura dos serviços de assistência pré-natal no município.
Assim, de cada 20 adolescentes riograndinas, 19 iniciaram pré-natal e todas tiveram parto
hospitalar ao longo deste período. Considerando que a taxa de respondentes dos nossos
inquéritos foi da ordem de 98%, é possível sugerir que Rio Grande está próximo à
universalização desses serviços, inclusive entre adolescentes.
No entanto, é preciso mencionar, que a taxa de realização de pré-natal adequado
entre adolescentes alcançado no final do período, embora tenha aumentado 2,8 vezes (de
13,8% para 52,5%) está ainda muito aquém do desejado no município e é pior em relação
às demais gestantes, que aumentou 3,5 vezes (de 18,1% para 63,2%).14 A comparação
com outros estudos fica prejudicada em virtude de utilizarem critérios diferentes e de não
12
avaliarem esta condição somente entre as adolescentes. De qualquer forma, a taxa de
realização de pré-natal adequado em Pelotas, entre todas as puérperas, passou de 41,0%
em 1982 para 63,0% em 201529, enquanto em São Luís, MA, de 47,3% em 1997/98 para
58,2% in 2010.8 No Brasil como um todo, nesse mesmo período, passou de 15,0% para
71,4% mostrando tratar-se de melhora consistente.3,5
Aumentar a proporção de mães com pré-natal adequado é, portanto, uma
necessidade no município. Uma possibilidade, com impacto imediato seria aproveitar as
inúmeras oportunidades perdidas decorrentes das consultas pré-natal. A Tabela 3, a
mesma que revela que 47,5% das adolescentes não realizaram pré-natal adequado em
2019, também mostra que cerca de dois terços delas iniciaram o pré-natal no primeiro
trimestre e que pelo menos três quartos realizaram 6+ consultas. Isso evidencia uma
sucessão de oportunidades que poderiam ser utilizadas para aumentar a oferta de exames
clínicos e testes laboratoriais. Assim, somente o aproveitamento dessas consultas elevaria
a cobertura de pré-natal adequado para 75%, o que seria considerado formidável por
ocorrer entre as adolescentes.
Dentre os 36 indicadores avaliados, houve piora em dois deles. A taxa de gestantes
em tratamento para diabete mellitus aumentou, enquanto a proporção daquelas que
planejaram a gravidez diminuiu. O aumento do número de casos de diabetes pode ter
decorrido de melhoria na detecção da doença e/ou maior disponibilidade de medicação,
o que levou a busca por tratamento e assim aumentou a prevalência desta condição, já
que o critério de confirmação diagnóstica utilizado nestes inquéritos era estar sob
tratamento.
A taxa de não planejamento da gravidez aumentou 14% entre estas adolescentes,
passando de 73% em 2007 para 83% em 2019, enquanto entre todas as gestantes o
13
aumento no mesmo período foi de 6%, de 63% para 67%.31 Este aumento entre todas elas
ocorreu nos últimos dois inquéritos, de 2016 e 2019. Até então, era de aproximadamente
75% para as adolescentes e pouco mais de 60% para todas as gestantes. Este aumento
ocorreu logo após a interrupção da montagem das plataformas de petróleo, quando
milhares de postos de trabalho foram extintos sugerindo relação de causalidade entre estes
dois eventos.21 Não se encontrou publicação abordando esta associação. De qualquer
forma, em análise ajustada incluindo todas as gestantes destes inquéritos, verificou-se
maior razão de prevalências de não planejamento da gravidez entre aquelas com maior
risco à ocorrência de eventos desfavoráveis durante a gravidez e o parto, ou seja,
adolescentes, cor da pele preta, maior aglomeração domiciliar, sem companheiro, menor
escolaridade e renda familiar, maior paridade e tabagistas.31
Ao interpretar os resultados deste estudo há que ter em mente que a maioria das
respostas aqui obtidas foi por meio de relato da mãe e não pela verificação em prontuários
e/ou registros dos serviços de saúde, exceto no caso da Carteira da Gestante, que foi
integralmente copiada. Ainda aqui, há dois outros agravantes. O primeiro é que pouco
mais da metade delas (54%) estava de posse da Carteira por ocasião do parto e que não
mais que 30% delas estavam adequadamente preenchidas. Assim, a maioria destas
informações decorrem de resposta direta da mãe, que pode ter sido afetada por
esquecimento, imprecisão ou, até mesmo, por receio de desaprovação, ou seja, pode ter
mencionado a realização de determinado procedimento ou exame sem tê-lo feito,
sobretudo quando este é uma sua responsabilidade. Isso levaria a superestimativa dessas
prevalências. Ainda assim, estes dados são extremamente úteis porque os valores
encontrados, apesar de evidente melhora, estão muito aquém do desejado, o que em nada
afetaria as recomendações aqui feitas. Além disso, esta limitação garante comparabilidade
14
com outros estudos porque todos aqueles realizados com dados primários, sobretudo os
representativos, foram invariavelmente afetados por estes problemas. Por fim, há que
destacar a dificuldade em comparar e discutir estes resultados com outros visto a escassez
de estudos de base populacional incluindo somente adolescentes.
Este estudo mostrou que a realização de pré-natal adequado entre adolescentes
melhorou consideravelmente no município nesse período, mas que há ainda um longo
caminho a percorrer como já identificado para o Brasil como um todo no que diz respeito
à saúde materno-infantil.32 Aumentar a proporção de mães com pré-natal adequado deve
ser uma prioridade em Rio Grande. Aproveitar melhor as oportunidades de consulta
parece ser o caminho mais simples, rápido e de menor custo. Sugere-se ainda adotar uma
espécie de checklist para guiar o atendimento a cada gestante a fim de completar em
tempo oportuno o que falta a cada uma delas. Busca ativa no domicílio com auxílio do
agente comunitário de saúde e de mídias sociais visando recuperar as faltantes também
podem ser meios utilizados. Em relação à gravidez não planejada, cujo aumento foi 2,3
vezes maior em relação às demais, sugere-se veiculação de campanhas de conscientização
em diferentes tipos de midias e locais, inclusive em colégios de ensino fundamental, assim
a oferta de métodos contraceptivos seguros, acompanhada de orientação nos serviços de
saúde. Essas medidas poderiam reduzir a ocorrência de gravidez entre aquelas que não
têm essa intenção, além de propiciar pré-natal com maior potencial de impacto sobre a
saúde da mãe e do recém-nascido. A redução da morbimortalidade materno-infantil no
Brasil passa, obrigatoriamente, pela oferta de atendimento de excelência às adolescentes,
quer seja porque respondem por quase 20% de todos os nascimentos no país, ou pela
carga de doenças a que estão submetidas.
15
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Cesar-e-Silva, A. H. A., Michelon, I. F., Marmitt, L. P., Cesar, J. A.. Assistência pré-natal entre adolescentes no extremo Sul do Brasil: um estudo de tendência secular. Cien Saude Colet [periódico na internet] (2024/fev). [Citado em 22/12/2024]. Está disponível em: http://cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/assistencia-prenatal-entre-adolescentes-no-extremo-sul-do-brasil-um-estudo-de-tendencia-secular/19083?id=19083&id=19083

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