0442/2007 - Avaliação da existência de controle de infecção oral nos pacientes internados em hospitais do estado do Rio de Janeiro.
Evaluating the existence of oral infection control in patients admited in state hospitals in Rio de Janeiro.
Autor:
• Sérgio Kahn - Sérgio Kahn - Rio de Janeiro, Rio de Janeiro - Universidade Veiga de Almeida - <sergiokahn@terra.com.br>Área Temática:
Não CategorizadoResumo:
O objetivo do presente estudo foi verificar a existência de um protocolo de controle de infecção oral nos hospitais do Estado do Rio de Janeiro. 62 hospitais da rede pública e privada, foram avaliados. Quando questionados se existia na instituição algum procedimento destinado aos pacientes internados, (no caso de UTI’s), 39% dos hospitais pesquisados responderam positivamente. Das instituições pesquisadas, apenas 15% possuem um protocolo regular para o controle de placa nos pacientes internados. Pesquisas têm demonstrado a inter-relação da doença periodontal com doenças sistêmicas, como doenças cardiovasculares, osteoporose, nascimento de bebês de baixo peso e parto prematuro, diabetes e doenças respiratórias. A cavidade oral tem sido considerada como um potente reservatório de patógenos respiratórios. Diante destes fatos, evidencia-se a importância da higiene bucal como um meio de se prevenir patologias diversas. Desta forma existe a necessidade de se criar um protocolo de controle de infecção da cavidade oral para contribuir na redução da mortalidade de pacientes internados e propor medidas preventivas para este fim.Palavras Chaves: Doença sistêmica; infecção respiratória; controle de infecção; placa
bacteriana; biofilme; pneumonia.
Abstract:
The aim of the present study is to ascertain whether an oral infection control protocol is being used in Rio de Janeiro State hospitals. 62 hospitals, both public and private have been surveyed. When asked whether any procedure was being adopted with admited patients ( in case of ICU patients), 39% of the hospitals being surveyed responded positively. Of all institutions surveyed, only 15% conduct a regular protocol to plaque control in admited patients. Research studies have shown that there is an inter-relationship between periodontal disease and systemic diseases, such as cardiovascular disease, osteoporosis, pre low birth weight, diabetes and respiratory diseases. The oral cavity is considered a potent reservoir of respiratory pathogens. Based on these findings, it has become evident that buccal hygiene is an important means of preventing a number of pathologies. Thus the need arises not only to create an oral cavity infection control protocol that will contribute to reduce mortality in admited patients but also to propose preventive measures towards this end.Key words: Systemic diseases: respiratory infection: infection control; bacteria plaque;
biofilm; pneumonia.
Conteúdo:
Com o grande progresso das pesquisas na área da saúde um novo conceito, cada vez mais evidente, fortalece a inter-relação da doença periodontal com doenças sistêmicas. As evidências acumuladas sugerem que as doenças orais, principalmente a doença periodontal, podem influenciar o curso da infecção respiratória 2. As doenças respiratórias são responsáveis por uma significativa parcela de morbidade e mortalidade em pacientes de todas as idades.
A prevalência de colonização de patógenos respiratórios na placa e mucosa oral de um grupo de pacientes internados em UTI (Unidade de Tratamento Intensivo) foi comparada a um grupo de pacientes de uma clínica odontológica em tratamento clínico regular 3. Nos pacientes de UTI a higiene oral foi mais pobre que nos pacientes clínicos. Placa dental e/ou mucosa oral de 65% dos pacientes de UTI apresentaram colonização por patógenos respiratórios, em contraste com apenas 16% dos pacientes clínicos. Os autores concluíram que a placa dental pode ser um importante reservatório de patógenos respiratórios e que a melhoria da higiene oral em pacientes internados pode reduzir placa dental e possibilitar a redução de colonização orofaríngea.
A efetividade de gluconato de clorexidina a 0,12% como descontaminante orofaríngeo foi testada em um grupo de 353 pacientes submetidos à cirurgia cardíaca (n=173 grupo teste e n=180 grupo controle), comparando com uma solução placebo 4. O índice de infecção nosocomial foi reduzido em 65%, enquanto a incidência total de infecções do trato respiratório foi 69% menor no grupo de pacientes que utilizaram clorexidina no pré-operatório (bochecho) e pós-operatório (solução rigorosamente aplicada na bochecha, faringe, gengiva, língua e superfícies dentárias por 30 segundos, duas vezes ao dia). Esses pesquisadores também notaram uma redução de 43% no uso de antibioticoterapia não-profilática nos pacientes tratados com clorexidina. Finalmente, a taxa de mortalidade total foi de 1,16% no grupo tratado com clorexidina contra 5,56% no grupo placebo.
A prevalência de gengivite em crianças com asma mostrou-se significativamente maior que no grupo controle, podendo ser explicado em parte, por uma alteração na resposta imune e devido à desidratação da mucosa alveolar pela tendência de respiração bucal por estes pacientes, especialmente durante os episódios de rinite ou ataque asmático agudo 5.
A importância da utilização de solução antimicrobiana como coadjuvante ou método principal para higiene oral de idosos ou indivíduos com deficiência física foi enfatizado por Okuda et al.6, objetivando com isto, prevenir doenças sistêmicas como pneumonia bacteriana e endocardites. Os autores citaram como solução antimicrobiana oral: uma substância contendo derivados fenólicos como o timol, gluconato de clorexidina, cloridrato de cetilpiridíneo, triclosan e povidine.
A cavidade oral tem sido considerada um potente reservatório para os patógenos respiratórios e a pneumonia nosocomial é a segunda infecção mais comum nas instituições de caridade, representando aproximadamente de 10 a 15% do total de infecções adquiridas em hospitais, sendo que 20 a 50% dos pacientes afetados morrem por causa da infecção 7. As condições que predispõem a aspiração de patógenos orais ou secreções orofaríngeas são epilepsia, derrame cerebral, doença de Parkinson e alcoolismo. A doença periodontal e a pobre higienização bucal podem resultar em uma maior concentração dos patógenos orais na saliva, podendo ser aspirados para dentro do pulmão, confundindo a defesa imunológica. Os patógenos periodontais podem facilitar a colonização dos patógenos pulmonares nas vias aéreas superiores.
A efetividade da solução oral de gluconato de clorexidina a 0,12%, comparado ao Listerine (mistura fenólica), foi testada como meio de diminuir a colonização bacteriana do trato respiratório, e assim, reduzir pneumonia nosocomial em pacientes submetidos à cirurgia cardíaca aberta 8. Nos pacientes entubados por mais de 24 horas que mostraram alto grau de crescimento bacteriano na cultura de amostras de escarro coletadas durante a extubação, a taxa de pneumonia foi 71% menor no grupo de pacientes em que foi utilizado o gluconato de clorexidina para limpeza das superfícies da cavidade oral no pré e pós-operatório.
Em um estudo de 2 anos de duração com pacientes idosos, em asilo, Yoneyama et al.9 concluíram que cuidados de higiene oral pode ser útil na prevenção de pneumonia em idosos. No grupo de idosos que receberam cuidados de higiene oral regular, a incidência de pneumonia e o número de pacientes que morreram em conseqüência de pneumonia foi significativamente menor que no grupo de idosos que não receberam tais cuidados.
A eficácia de cuidados profissionais de higiene oral em idosos executados por higienista 1 (uma) vez por semana foi avaliada durante 24 meses 10. Os autores concluíram que a prevalência de febre e a proporção de óbito decorrente de pneumonia por aspiração foi significativamente menor no grupo de pacientes com cuidados de higiene oral profissional, quando comparado com o grupo que não recebeu tais cuidados.
A pneumonia por aspiração tem como principal via de ocorrência a aspiração de conteúdos da orofaringe. Os autores concluem também que a higiene oral é um importante fator no combate à pneumonia por aspiração, pois a placa bacteriana pode atuar como reservatório de patógenos respiratórios. Diabéticos, idosos, imunossuprimidos, pacientes com doenças pulmonares e com doença periodontal devem receber cuidados redobrados por serem mais suscetíveis à aspiração de secreções da orofaringe, e mais vulneráveis à colonização de bacilos Gram-negativos e bactérias anaeróbias, que são as principais responsáveis pelo desenvolvimento de pneumonia por aspiração 11.
OBJETIVO
O objetivo do presente estudo foi verificar se existe algum protocolo de controle de infecção oral nos hospitais do Estado do Rio de Janeiro e saber quais são os procedimentos de higiene bucal adotados com pacientes internados.
MÉTODOS
Para a obtenção de dados sobre o assunto proposto foi elaborado um questionário contendo 03 (três) questões dicotômicas, 03 (três) questões de múltipla escolha e 01 (uma) questão aberta, que fora posteriormente enviado a 62 hospitais do Estado do Rio de Janeiro, localizados em diferentes municípios. Este universo englobou 25 hospitais particulares (41%), 12 hospitais públicos municipais (20%), 7 hospitais públicos estaduais (11%), 7 hospitais militares (11%), 4 hospitais públicos federais (6%), 4 hospitais universitários (6%) e 3 hospitais filantrópicos (5%).
Os questionários foram enviados aos hospitais acompanhados com requisição de autorização prévia utilizando-se para tal: fax, correio eletrônico ou contato direto.
Como a intenção era saber se as instituições adotavam protocolos de controle de infecção oral e saber quais eram seus procedimentos com pacientes internados em relação a este assunto, os profissionais em questão deveriam ter contato direto com os pacientes, ou então, deveriam ter pleno conhecimento das medidas de controle de infecção oral que eram realizadas ou não no local. Os profissionais qualificados para responder às questões foram dentistas, médicos, enfermeiros ou auxiliares de enfermagem.
As questões que foram respondidas nas instituições pesquisadas constam no Anexo 1.
RESULTADOS
Das instituições que fizeram parte deste estudo, 32% afirmaram que quando um paciente é internado para realização de um procedimento cirúrgico este é submetido anteriormente a uma avaliação da cavidade bucal, enquanto 53% dos hospitais pesquisados não realizam tal conduta. Um total de 15% dos entrevistados não responderam este quesito. Os principais dados avaliados pelos hospitais que avaliam a cavidade bucal de tais pacientes são apresentados no gráfico1Quando questionados se existia no hospital em questão um protocolo para o controle de placa bacteriana nos pacientes internados, 15% das instituições responderam positivamente enquanto 85% afirmaram não haver nenhuma conduta específica para tal controle. Os resultados dos métodos de higiene oral utilizados pelas instituições que fazem controle de placa bacteriana nos pacientes internados são mostrados no gráfico 2.A utilização de solução anti-séptica foi o método de higiene oral predominante utilizado nos pacientes internados nos hospitais pesquisados. Deste montante, o gráfico 3 apresenta o percentual dos hospitais e as respectivas soluções utilizadas pelos mesmos.Quando questionados se existia na instituição algum procedimento destinado aos pacientes internados, impossibilitados de realizarem, por si somente, a prática de métodos mecânicos e químicos de remoção de placa (no caso de UTI’s), 39% dos hospitais pesquisados responderam positivamente, 13% não responderam e em 48% responderam negativamente. Os principais métodos de controle de placa bacteriana utilizados pelos hospitais que o fazem são apresentados no gráfico 4.DISCUSSÃO
A cavidade oral, no que diz respeito às doenças periodontais e a certas desordens sistêmicas, tem um importante papel em infecções adquiridas em hospitais e enfermarias, especialmente infecções do trato respiratório 12. Tem sido demonstrado que higiene oral mecânica com ou sem antissépticos como o gluconato de clorexidina a 0,12% não somente reduz a prevalência de colonização por patógenos orais mas também reduz a ocorrência de pneumonias em 50%. Também têm fortes correlações pobre saúde oral e doenças pulmonares obstrutivas crônicas. É possível que mediadores do hospedeiro, como citocinas e prostaglandinas, que são elevadas na saliva de indivíduos com doença periodontal, promovam inflamação pulmonar e infecção se aspiradas para as vias aéreas baixas. Três vias ligam infecções orais e efeitos sistêmicos: toxinas e produtos de infecção como resultado de bacteremia; injúrias metastáticas devido à circulação de toxinas de bactérias orais e o processo inflamatório que estes microorganismos provocam.
Os resultados obtidos dos questionários respondidos pela amostragem da pesquisa apontam um sério descaso por parte dos dirigentes e profissionais de saúde no que diz respeito ao controle de infecção da cavidade oral de pacientes internados nos hospitais do Estado do Rio de Janeiro. Os estabelecimentos de saúde que realizam inspeção da cavidade oral dos pacientes antes das cirurgias (32% da amostra) em sua maioria objetivam principalmente a verificação da existência de próteses e ferimentos, possivelmente preocupados numa possível deglutição das mesmas (próteses removíveis). Um percentual relativamente baixo (21% dos que realizam a inspeção oral pré-cirúrgica) estão preocupados com a existência de doenças gengivais .
A cavidade oral é o primeiro portal de entrada para microorganismos patogênicos que causam infecções sistêmicas, sendo a pneumonia uma delas 13. A pneumonia por aspiração é o tipo mais comum de pneumonia nosocomial e é uma infecção prevalente, de alto custo e representa uma significativa causa de morbidade e mortalidade 14. A ausência de atenção com a higiene bucal resulta no aumento da quantidade e complexidade da placa dental, que pode favorecer a interação bacteriana entre bactérias indígenas da placa e patógenos respiratórios como P. aeruginosa e bacilos entéricos. Essas interações podem resultar na colonização da placa dental pelos patógenos respiratórios. A placa dental pode, além disso, atuar como um reservatório para a colonização dos patógenos respiratórios, que podem ser encontrados na saliva 7. A contaminação da porção distal da árvore respiratória pela saliva contém certos microrganismos que podem provocar infecções respiratórias 15.
As bactérias orais podem ser liberadas da placa bacteriana dental para as secreções salivares, podendo então ser aspiradas no trato respiratório inferior e causar doença respiratória, especialmente nos pacientes com doença periodontal 16. Uma variedade de microorganismos anaeróbios orais e espécies facultativas, considerados como agentes etiológicos na patogênese da doença periodontal, têm sido cultivados a partir dos fluidos de pulmões infectados.