0072/2008 - Avaliação do grau de implantação do Programa de Qualificação da Atenção Hospitalar de Urgência (Qualisus)
Implementation degree assessment of the Hospital Urgency Care Qualification Program (Qualisus)
Autor:
• Fernando Antônio Ribeiro de Gusmão, filho - Gusmão-filho, F.A.R. - Recife, Pernambuco - Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães - Fiocruz - <fgusmaofilho@gmail.com>Área Temática:
Não CategorizadoResumo:
O presente artigo ter por objetivo avaliar o grau de implantação do Programa de Quali-ficação da Atenção Hospitalar de Urgência – Qualisus – em três hospitais de alta com-plexidade do SUS do município do Recife, Pernambuco. Foi realizada uma avaliação normativa, levando-se em conta atributos estruturais e do processo de trabalho relativos às dimensões do acolhimento e direitos dos usuários e da resolutividade diagnóstica e terapêutica dos serviços. O grau de implantação do programa foi avaliado como inter-mediário nos três hospitais. O artigo detalha e discute os achados referentes ao grau de implantação das ações que compõem o programa nos três serviços.Avaliação de programas; qualidade da assistência à saúde; serviços de emergência;
Abstract:
This study aims to assess the implementation degree of the Hospital Urgency Attention Qualification Program – Qualisus – in three high complexity hospitals of Recife mu-nicipality, Pernambuco. A normative assessment was conducted based on structural and work process attributes concerning to user rights and embracement and to health services diagnostic and therapeutic resolubility. Program implementation degree was evaluated as intermediate at the three hospitals. Results referred to implementation degree of programmatic actions are described and discussed in detail.Program assessment; quality of health care; emergency services.
Conteúdo:
Em conformidade com o Plano Nacional de Saúde foi definida a chamada “Política de Qualificação da Atenção à Saúde do Sistema Único de Saúde”, denominada “Qualisus”. Esta foi lançada publicamente em 2003 com o objetivo central de elevar o nível de qua-lidade da assistência prestada à população pelo SUS, representando assim “a síntese das aspirações e necessidades da população de uma atenção à saúde que garanta o acesso a todos os níveis de complexidade e, principalmente, uma atenção eficaz, efetiva e huma-na como parte de seus direitos de cidadania”1.
Dentre os vários componentes do SUS, os serviços de urgência e emergência das gran-des capitais foram considerados como prioritários no processo de qualificação, com a justificativa de serem reconhecidos como uma das principais fontes de queixas da popu-lação, segundo pesquisa de opinião2,3. Define-se correntemente urgência como “a ocor-rência imprevista de agravo à saúde com ou sem risco potencial de vida, cujo portador necessita de assistência médica imediata” e emergência como “a constatação médica de condições de agravo à saúde que impliquem em risco iminente de vida ou sofrimento intenso, exigindo, portanto, o tratamento médico imediato”4. A superlotação das portas hospitalares de urgência seria decorrente de vários fatores, dentre os quais se destacam a baixa resolutividade da rede primária, a desarticulação entre os níveis de assistência e a própria insuficiência estrutural, gerencial e funcional destes serviços5,6.
Ao priorizar a qualificação dos sistemas de urgências, o Qualisus entra em consonância com a Política Nacional de Atenção às Urgências (PNAU), que pressupõe para este fim: (1) a organização de rede não hospitalar de urgência na atenção básica e numa rede de pronto-atendimentos; (2) o desenvolvimento do atendimento pré-hospitalar de urgência, pela implantação do Serviço Móvel de Urgência (Samu); (3) a instalação de uma central geral de regulação de leitos (Regulação Médica); (4) a organização e qualificação dos hospitais de urgência para dar suporte resolutivo ao sistema de urgência; (5) a definição de retaguarda de leitos hospitalares e atenção domiciliar1,7.
O Qualisus está também em consonância também com a Política Nacional de Humani-zação (PNH), que destaca a humanização como dimensão fundamental do cuidado com qualidade à saúde. Esta política prevê a redução de filas e do tempo de espera, a amplia-ção do acesso, o atendimento acolhedor de acordo com a gravidade, a referência territo-rial, a garantia de informações ao usuário e de acompanhamento por pessoas de sua rede social e a garantia de gestão participativa8.
Assim, o Qualisus, enquanto política de saúde dirigida fundamentalmente aos sistemas de urgências, prevê investimentos em equipamentos e infra-estrutura, na formação e valorização dos trabalhadores, nas propostas de mudanças nas inter-relações entre pro-fissionais de saúde e usuários e na introdução de novas tecnologias organizacionais de atenção e de novos modelos de gestão nas portas hospitalares de urgência5. Dessa for-ma, visando sua implantação, o Qualisus passa a ser um programa do MS dirigido ao sistema de urgência e emergência9.
O conteúdo e a metodologia de implantação do Qualisus foram desenvolvidos a partir da reunião de experiências regionais de qualificação assistencial, em todo o país, por uma equipe técnica reunida sob coordenação ligada à Secretaria Executiva e participan-te do colegiado gestor do Ministério da Saúde (MS). A sua implantação foi iniciada em 2004, a partir de uma experiência piloto em quatro capitais: Porto Alegre, Rio de Janei-ro, Goiânia e Recife. Em meados do segundo semestre de 2005, o programa foi expan-dido para as demais capitais e regiões metropolitanas1,5,6.
A implantação foi precedida pela discussão da proposta entre o MS, os estados e os mu-nicípios, seguida do estabelecimento de um pacto de compromisso entre as esferas, com definição de papéis e contrapartidas. As secretarias estaduais e municipais se encarrega-riam fundamentalmente do gerenciamento da implantação da política na rede assistenci-al local, garantindo insumos e a contratação de recursos humanos quando necessário. Ao MS caberia o financiamento para reformas físicas e aquisição de equipamentos pelos hospitais. A negociação foi firmada pela assinatura de um protocolo de intenções1,5,6.
Em cada região metropolitana, foram preferencialmente selecionados hospitais gerais com porta hospitalar de urgência, pertencentes à rede própria do SUS. Alguns hospitais universitários e filantrópicos também foram incluídos, com a justificativa de causar im-pacto significativo no sistema de saúde. Em Pernambuco, a segunda maior rede pública hospitalar do SUS, foram incluídos o Hospital da Restauração (HR), o Hospital Geral Otávio de Freitas (HGOF) e o Hospital Getúlio Vargas (HGV), que classificados como hospitais de referência de nível III, ou seja, de média e alta complexidade 1,5,6.
O processo de implantação do Qualisus pactuado com os hospitais era composto por quatro eixos: (I) Acolhimento, ambiência e direito dos usuários – que reúne linhas de ação sob a dimensão da humanização, com vistas ao respeito ao direito das pessoas, ao conforto dos u-suários e à sua adaptação aos serviços de saúde; (II) Resolução diagnóstica e terapêutica – que contém linhas de ação visando à efetividade e à resolutividade da assistência à saúde, a valorização dos trabalhadores e a redução dos riscos; (III) Responsabilização e garantia de continuidade do cuidado – que traz linhas de ação direcionadas à presteza da atenção e ao fortalecimento do vínculo dos trabalhadores com usuários e com o sistema de saúde e (IV) Aprimoramento e democratização da gestão – que agrupa linhas de ação objetivando uma maior capacidade de gestão e controle social dos hospitais e setores de urgências1,5.
Assim, o programa Qualisus carrega no seu bojo um conjunto de conceitos complemen-tares baseados em pilares fundamentais do SUS, como a eqüidade e a integralidade das ações, relacionadas com a humanização do cuidado. Cabe lembrar que muitas de suas linhas de ação não são exclusivas, tomando parte de outras políticas, como a PNH, e até mesmo de programas de qualificação próprios dos hospitais. O processo de implantação do Qualisus, assim como o de qualquer outro programa, pode sofrer interferência dos atores envolvidos: consultores, gestores estaduais, municipais e hospitalares e dos traba-lhadores de saúde, agindo em contextos distintos em relação às características dos hos-pitais, do sistema de saúde e às diversidades sócio-econômico-culturais. O objetivo des-te artigo é avaliar o grau de implantação do programa Qualisus em três hospitais do mu-nicípio do Recife, tendo como referência atributos relativos à estrutura (espaço físico, recursos materiais e humanos, estrutura organizacional) e ao processo de trabalho (apli-cação de rotinas, protocolos e normalizações) das suas próprias linhas de ação.
MÉTODOS
Os hospitais incluídos no estudo são classificados como hospitais gerais com porta hos-pitalar de urgência, por atenderem à demanda tanto de urgência como eletiva, de caráter geral e especializado, espontânea e referenciada. Apesar de pertencerem à mesma cate-goria, estes hospitais têm perfis diferentes e papéis distintos na rede de assistência à saúde local. O HR possui a porta de urgência de adultos mais utilizada do estado, com cerca de 12,5 mil atendimentos mensais à época do início da implantação do programa. É referência para casos de acidentes e procedimentos complexos, como a atenção a queimados e neurocirurgias. O HGOF atende predominantemente casos clínicos de uma área bastante populosa da região sudoeste do Recife e do município vizinho de Jaboatão dos Guararapes. É referência para urgências psiquiátricas e traumato-ortopédicas. Já o HGV localiza-se na região oeste do município, assistindo do mesmo modo a uma área bastante populosa do Recife, além de municípios circunvizinhos, a oeste e ao norte. É referência para traumas (Quadro 1) 5,11,12.
As variáveis selecionadas neste estudo para avaliação do grau de implantação foram definidas a partir das próprias linhas de ação reunidas nos Eixos I (Acolhimento, ambi-ência e direito dos usuários) e II (Resolução diagnóstica e terapêutica). Três das linhas de ação do programa ainda não foram devidamente avaliadas e portanto não estão apre-sentadas neste artigo: a Garantia de privacidade no atendimento, o Direito de informa-ção e confidencialidade das informações sobre o estado de saúde e a Aplicação do Es-tatuto do Idoso e da Criança e Adolescente.
A verificação do grau de implantação foi realizada por meio de avaliação normativa, que compara os atributos das variáveis estudadas com critérios pré-estabelecidos 10. O uso de padrões normativos são recomendados na pesquisa avaliativa quando resultantes de valores e conhecimentos aceitos pelo sistema de saúde vigente 11. No presente estudo os critérios e as normas adotadas foram derivados dos documentos oficiais do programa Qualisus e da PNAU 1,5,8,12,14.
Foi elaborado um sistema de pontuação atribuindo-se o mesmo peso aos eixos e às li-nhas de ação dentro dos eixos. Dentro do Eixo I, a pontuação foi distribuída uniforme-mente entre as 5 linhas de ação (50 pontos cada). A linha de ação Acolhimento com classificação de risco se refere à facilitação da adaptação do usuário ao serviço de saúde por uma equipe capacitada e à aplicação de critérios de gravidade para o atendimento. Leva em conta a adequação da área física, a quantidade e qualidade de recursos huma-nos e a aplicação de rotina de trabalho. A linha de ação Garantia de usuário à alimenta-ção adequada refere-se ao fornecimento ao usuário das três refeições diáias principais. Já a linha de ação Garantia ao usuário a acompanhante em consultas e área de obser-vação leva em conta a presença de mobiliário (pelo menos uma cadeira) e de sala de estar para os acompanhantes e a aplicação de rotina de trabalho. A linha de ação Estabe-lecimento de visitas abertas com horários agendados pelos cuidadores diz respeito à flexibilidade para troca de acompanhante, considerando a aplicação de rotina de traba-lho. Por fim, a Formação de Grupo de Trabalho de Humanização reforça a necessidade de equipes especialmente estabelecidas para a aplicação de conceitos e práticas relativas à humanização dentro da organização hospitalar, levando em conta a quantidade e capa-citação de recursos humanos e a aplicação de rotina de trabalho.
O Eixo II, Resolução diagnóstica e terapêutica, foi composto por 7 linhas de ação. De modo arbitrároo, a linha Garantia de quantidade de profissionais adequados à demanda recebeu 40 pontos, enquanto que as demais, 35 pontos. Esta linha se refere à proporção percentual do número de profissionais existentes em relação ao número de vagas exis-tentes em cada serviço. A linha de ação Normalização de condutas médicas considera a elaboração e aplicação de guias de conduta médica e/ou de enfermagem. A linha de ação Adequação da estrutura física leva em conta a divisão do setor de urgências em áreas de observação, de estabilização e de retaguarda, respeitando áreas e planejamento arquitetônico. Já a Adequação de equipamentos na sala de estabilização e de retaguar-da considera a existência de uma lista mínima de aparelhagem em quantidade suficiente para suprir a demanda dos setores de urgência de cada hospital. A linha de ação Organi-zação de retaguarda de especialidades médicas de acordo com a demanda refere-se à existência em número e composição suficiente de equipes clínicas e cirúrgicas de apoio. Já a linha Adequação do serviço de apoio diagnóstico e terapêutico de acordo com a demanda considera a presença em quantidade suficiente desses serviços nos hospitais. Por fim, a linha de ação Implantação de central de equipamentos de suporte e monito-ramento de pacientes críticos refere-se a existência desse serviço nos hospital, conside-rando-se ainda o seu horário de funcionamento. O Quadro 2 resume o sistema de pontu-ação.
Tomou-se como grau de implantação a proporção da pontuação obtida em relação à pontuação máxima alcançável pelos hospitais para cada linha de ação, eixo e para o programa com um todo, conforme o sistema de pontuação. Para determinação do grau de implantação foram arbitrariamente estabelecidos como pontos de corte, de modo que os resultados obtidos apresentassem coerência – (1): 0 a 50% - implantação incipiente; 51 a 75% - implantação intermediária; 76 a 100% - implantação avançada.
A coleta dos dados foi realizada pelo primeiro autor deste artigo por meio de questioná-rio estruturado, contendo 59 perguntas fechadas relativas à qualidade e quantidade de elementos estruturais e à freqüência e aplicação de rotinas. Foram entrevistados em cada hospital pelo menos dois componentes da direção e/ou do setor de urgências, entre os meses de julho e setembro de 2007, ou seja, dois anos após o início da introdução das melhorias. Na ocorrência de disparidades entre respostas, um terceiro ou até um quarto componente foi entrevistado.
Este estudo foi submetido ao Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital da Restauração, aprovado sob o registro CAAE no 0053.0.102.097-06. Os entrevistados assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido ao aceitarem participar da entrevista.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Considerando os dois eixos em conjunto, o grau de implantação foi considerado como intermediário nos três hospitais (HR - 73%; HGOF – 65%; HGV - 57%). A Tabela e os Gráficos 1 e 2 resumem a pontuação obtida e o grau de implantação correspondente para linhas de ação, eixos e hospitais. A seguir, serão apresentados e discutidos os resul-tados de cada eixo.
Eixo I - Acolhimento, ambiência e direito dos usuários
Este eixo reúne cinco linhas de ação sob a dimensão da humanização, relativas ao direi-to das pessoas, ao conforto dos usuários e à sua adaptação aos serviços de saúde. O grau de implantação do Eixo I foi considerado como avançado no HR (78%), intermediário no HGOF (69%) e incipiente no HGV (40%) (Gráfico 1).
A linha de ação Acolhimento com classificação de risco apresentou implantação inter-mediária no HR (52%) e incipiente no HGV (42%) e no HGOF (6%), como mostra o Gráfico 2. Essa linha de ação tenta responder a um dos principais motivos de insatisfa-ção dos usuários do SUS, de acordo com pesquisas recentes – a baixa acolhida por parte dos profissionais de saúde2,3. A noção de Acolhimento quando aplicada no campo da saúde pressupõe a mudança da relação profissional-usuário e profissional-profissional mediante parâmetros técnicos, éticos, humanitários e de solidariedade, levando ao reco-nhecimento do usuário como sujeito e participante ativo no processo de produção da saúde15-18. O Qualisus aplica a noção de Acolhimento nos setores de urgências hospita-lares, enfatizando o seu significado de ação gerencial de reorganização do processo de trabalho, por meio da instituição de espaço físico definido e de equipe capacitada para a aplicação de normalizações e rotinas especializadas. Entre essas, destaca-se a Classifi-cação de risco, uma ferramenta de triagem de largo emprego internacional, que confere agilidade do atendimento a partir da análise da gravidade, do potencial de risco ou do grau de sofrimento do usuário, ao invés da simples ordem de chegada no serviço19-21.
A área destinada ao acolhimento e à classificação de risco nos setores de urgência do HGOF e o HR estava adaptada, neste último de modo adequado (8 dos 10 itens presen-tes). Já o setor de urgências do HGV, apesar de ter passado por reforma estrutural recen-te, não contava com alguns elementos importantes de ambiência, como sala de apoio aos familiares e sala de ouvidoria. No HGOF não se aplicavam as rotinas, enquanto que no HGV e no HR o acolhimento e a classificação de risco eram realizados apenas em alguns períodos, a depender da disponibilidade em quantidade da equipe de enferma-gem. De fato, o principal entrave à composição de equipes de acolhimento é o receio de aumento da carga de trabalho devido ao deslocamento de profissionais de saúde para esse fim20. Franco et al18, em experiência de implantação de acolhimento em uma uni-dade básica de saúde, observaram aumento de horas trabalhadas por parte de enfermei-ros e técnicos de enfermagem. Este aumento, porém, foi acompanhado por acréscimo considerável da produtividade em termos de acesso do usuário ao serviço, que em últi-ma instância traduziu-se em aumento do rendimento do trabalho.
O Acolhimento é, dentre os dispositivos preconizados pela PNH e pelo Qualisus, um dos mais estudados. A maior parte desses estudos diz respeito a implantações bem su-cedidas em serviços de saúde de atenção primária18,22-28, enquanto que apenas um tem como campo um serviço de pronto-atendimento29. Já em relação ao dispositivo Acolhi-mento com Classificação de Risco, encontramos uma pesquisa acadêmica30 e relatos de experiências de implantação em serviços de saúde incluídos na PNH31 e no Qualisus32.
As três linhas de ação referentes aos direitos dos usuários do Eixo I foram as que obti-veram os maiores graus de implantação (Gráfico 2). A linha de ação referente à Garan-tia ao usuário à alimentação adequada, obteve pontuação máxima nos três hospitais. Já a linha Garantia a acompanhante em consultas e na área de observação apresentou implantação avançada no HR e no HGOF (80%), enquanto que no HGV o grau foi inci-piente (40%). Neste hospital, eram apenas permitidos acompanhantes nos casos previs-tos por lei (crianças e idosos, por exemplo). A linha de ação Estabelecimento de visitas abertas com horários agendados pelos cuidadores alcançou 100% de implantação no HR e no HGOF, enquanto que no HGV o grau foi nulo.
Essas linhas trazem mais conceitos derivados da PNH aplicados aos setores de urgên-cia33. A Visita aberta é o dispositivo que amplia o acesso para os visitantes, garantindo o elo entre o paciente, sua rede social e os outros serviços da rede de saúde. Já o Acom-panhante representa esta rede social durante a estadia do paciente no hospital. Ambos atuam em conjunto na garantia de um ambiente mínimo de conforto ao paciente, facili-tando a sua recuperação. São vários os entraves para a sustentação desses elementos nos serviços de saúde, em especial nos setores de urgência. Entre estes, a carência de estru-tura física e a concepção de representarem mais uma demanda potencial na rotina de trabalho21,33,34. Deve-se destacar que nenhum dos hospitais oferecia infra-estrutura ade-quada para o acolhimento dos acompanhantes, como mobiliário e sala de estar.
A última linha de ação do Eixo I refere-se à existência, composição e atuação dos Gru-pos de Trabalho de Humanização (GTH). Os GTH são dispositivos criados pela PNH, formados por profissionais, técnicos, gestores e usuários, com o propósito de auxiliar na melhoria da qualidade da produção de saúde e do processo de trabalho atuando em ser-viços, instâncias gestoras (secretarias de saúde, distritos sanitários) e instituições afins (conselhos profissionais e entidades formadoras)35. No HR e no HGOF, o grau de im-plantação desta linha de ação foi considerado intermediário (60%), enquanto que no HGV, incipiente (20%) (Gráfico 2). Os três hospitais contavam com GTH formalmente constituídos, porém com número de componentes abaixo do ideal para a demanda, na opinião dos entrevistados. Apenas no HR e no HGOF os GTH estavam em atividade regular.
Eixo II – Resolução diagnóstica e terapêutica
Esse eixo reúne sete linhas de ação com vistas à efetividade e resolutividade da assis-tência, à valorização dos trabalhadores e à redução de riscos, mesclando conceitos ad-vindos de teorias organizacionais e da PNH5,6,19. Cinco dessas referem-se estritamente a dimensões estruturais dos serviços de urgências: recursos humanos, área física e equi-pamentos. Já as linhas Implantação de central de equipamentos de suporte e monitora-mento de pacientes críticos e Normalização de condutas médicas concernem também à aplicação de processos. O grau de implantação do Eixo II foi considerado intermediário nos três hospitais (HGV - 74%; HR – 68%; HGOF – 60%) (Gráfico 1).
Em relação à linha de ação Adequação da estrutura física do setor de urgência em áreas de observação, retaguarda e estabilização, apenas o HGV cumpria com o preconizado (grau de implantação de 100%). No HR e no HGOF, os setores de urgência encontra-vam-se adaptados (57% - implantação intermediária) (Gráfico 2). Até a realização desta pesquisa, apenas o setor de urgências do HGV havia passado por reforma estrutural re-cente. O Qualisus preconiza a divisão da área de emergência dos setores de urgência em níveis de complexidade, a fim de facilitar a assistência pela adequação de recursos hu-manos e tecnológicos. Essas salas devem ser identificadas por cores: área vermelha – destinada à estabilização de pacientes em estado grave, instáveis, que requerem atendi-mento imediato; área amarela – para atendimento de pacientes críticos, porém estáveis, aguardando vaga para internamento ou transferência, os quais requerem atendimento em no máximo 15 minutos; área verde – área preparada para o atendimento e observação de usuários não críticos, antes da alta, internamento hospitalar ou transferência, os quais requerem atendimento em até 30 minutos. Há ainda a área azul, destinada às consultas de baixa e média complexidade1,20.
Em relação às linhas de ação Adequação de equipamentos na sala de observação e re-taguarda, Organização da retaguarda de especialidades médicas às equipes e Adequa-ção do serviço de apoio diagnóstico e terapêutico, os três hospitais obtiveram pontua-ção máxima (grau de implantação de 100%) (Gráfico 2). As salas de observação e esta-bilização dos três serviços possuíam conjunto de equipamentos adequado às suas di-mensões, porém insuficiente em relação à grande demanda verificada. Devido aos dife-rentes perfis de atendimento dos hospitais, não foi estabelecido um referencial único para equipamentos, equipes de retaguarda e serviços de apoio diagnóstico e terapêutico. Foi considerada para pontuação a conformidade com a demanda para cada hospital. Os três hospitais ofereciam central de equipamentos de suporte (setor de engenharia clíni-ca), porém, no HGOF este funcionava apenas no horário diurno.
Os três hospitais obtiveram pontuação nula em relação à linha de ação Normalização de condutas médicas, ou seja, nenhum deles seguia qualquer guia de manejo diagnóstico ou terapêutico, clínico ou cirúrgico. Acredita-se que as normalizações de assistência médica com base em evidências científicas contribuam para a qualificação de serviços através da redução de erros, da variabilidade de condutas e, conseqüentemente, dos cus-tos6,36.
Por fim, a linha de ação Garantia de quantidade e qualidade de profissionais adequa-dos à demanda apresentou grau de implantação incipiente nos três hospitais (HR e HGV: 25%; HGOF: 13%) (Gráfico 2). Apesar de serem considerados de alta complexi-dade, possuidores de diversas equipes de especialidades e de um parque tecnológico avançado, os setores de urgência dos três hospitais apresentavam insuficiência de recur-sos humanos, tanto de nível médio e como de nível superior. Apenas as equipes terceiri-zadas (recepção e segurança) apresentavam quadro funcional completo. O setor de ur-gências do HGOF foi o que mostrou o maior déficit de profissionais, com pouco mais de 60% do seu quadro preenchido.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste estudo inédito, avaliou-se a introdução por meio de um programa ministerial de melhorias estruturais e inovações organizacionais complexas em serviços de urgência e emergência de grandes hospitais públicos, setores considerados como pontos críticos do SUS.
Pelos resultados apresentados verificamos que a implantação do Qualisus alcançou grau intermediário nos três hospitais. Considerando-se os eixos em separado, observou-se que as linhas de ação do Eixo I (acolhimento, ambiência e direito dos usuários) obtive-ram maior grau de implantação que as do Eixo II (resolutividade diagnóstica e terapêu-tica) em dois dos três hospitais. Apenas 4 das 12 linhas de ação alcançaram implantação completa. A linha Normalização de condutas médicas apresentou grau de implantação nulo nos três hospitais. Dessa forma, este artigo evidencia que o programa Qualisus ainda não foi adequadamente implantado, indicando a necessidade da continuidade de investimentos em recursos físicos e humanos, assim como no aprimoramento das tecno-logias organizacionais e das relações interpessoais nos serviços hospitalares de urgên-cia.
Uma vez que hospitais de outras regiões metropolitanas também participaram do pro-grama Qualisus, seria útil nesses casos a verificação do grau de sua implantação por meio do emprego de métodos avaliativos, tendo em vista a diversidade regional, organi-zacional, econômica e social que caracteriza o país. Evidencia-se assim a necessidade e importância da institucionalização da prática da avaliação em saúde como auxílio à to-mada de decisões para mudanças ou ajustes na condução de programas públicos.
FAR Gusmão-filho participou da formulação do objetivo, metodologia, coleta e análise dos dados e redação do texto. E Freese de Carvalho contribuiu na formulação do objeti-vo e metodologia e ainda participou da redação do texto. JLAC Araújo Júnior participou da formulação do objetivo e metodologia.
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