0189/2006 - AVALIAÇÃO DOS SERVIÇOS HOSPITALARES DE EMERGÊNCIA DO PROGRAMA QUALISUS
EVALUATION OF EMERGENCY SERVICES OF THE HOSPITALS FROM THE QUALISUS PROGRAM
Autor:
• Gisele O´Dwyer - O´Dwyer, G. - Fundação Oswaldo Cruz - <odwyer@ensp.fiocruz.br>ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0222-1205
Área Temática:
Não CategorizadoResumo:
Objeto: a assistência prestada nos serviços hospitalares de emergência. Objetivo: avaliar as emergências do programa QualiSUS. Metodologia: o estudo é descritivo com aplicação de questionário aos responsáveis pela emergência de oito hospitais. Resultados: a superlotação das emergências é constante, e as causas apontadas são a baixa resolutividade da atenção básica e a precariedade da rede hospitalar. Seis hospitais não gerenciam a superlotação. A porta de entrada não é organizada e apenas três hospitais fazem classificação de risco. Foram verificadas dificuldades de relacionamento internas e externas demonstrando um isolamento da emergência em relação à rede e ao próprio hospital. As patologias difíceis de encaminhar para o sistema são as crônicas, neurológicas e sociais. Em relação às equipes, a precariedade dos vínculos dificulta a fixação do profissional e sua qualificação Os profissionais não têm capacitação específica e só um serviço utiliza protocolos. Conclusão: constatou-se pouca influência do QualiSUS nos hospitais. A falência da rede interfere com a superlotação e com o perfil do paciente atendido. O investimento QualiSUS não pode restringir-se ao hospital. A emergência deve estar mais integrada ao sistema e ao hospital. A capacitação de recursos humanos é imprescindível assim como a regulação de leitos.Palavras chave: emergência, Avaliação e Qualidade Hospitalar
Abstract:
Object: the aid lent by the emergency services. Objective: to assess the emergency service of the QualiSUS program. Methodology: descriptive study in eight hospitals, with a questionnaire application to the responsible of the emergency service of each hospital. Results: the rule is the overcrowding of the emergency services. Contributing to this there is the primary care decreased resolutivity and the precariousness of the hospital network. Six hospitals do not manage the emergency service. The entrance system is not organized and only three hospitals work with risk classification. All of them refer difficulties with internal and external services. The hardest pathologies to refer to other services are the chronicles, neurological and social. The professionals do not have specific qualification and the precariousness job contracts do not contribute neither for the professional’s fixation nor for his qualification. Clinical protocols are used by one service. Conclusion: It couldn’t be noticed influence of QualiSUS in the hospitals. The failure of the health services network interferes with the emergency patient’s profile. The investment of the QualiSUS cannot restrain to the hospital. The problems of the emergency isolation inside the hospital, the qualification of human resources and the bed’s regulation should be faced.Keywords: emergency, evaluation and hospital quality
Conteúdo:
Introdução
Para contextualizar a situação dos serviços de emergência no país é preciso falar do acesso a esses serviços. É indiscutível o avanço do setor saúde no Brasil, em termos de ampliação da cobertura e níveis de atendimento. Em um trabalho recente sobre as redes de atenção hospitalar1 demonstrou-se que a atenção hospitalar básica está disponível em praticamente todo o território nacional e poucos são os municípios desconectados. Entretanto persiste a desigualdade regional no acesso, que é ainda mais marcada em relação aos serviços mais complexos, como a cirurgia cardíaca, por exemplo. Acesso aqui está sendo entendido como o grau de ajuste entre as necessidades dos usuários e a oferta de serviços de saúde1.
A rede hospitalar do Brasil demonstra que 80% dos hospitais têm convênio com o SUS (Sistema Único de Saúde), alcançando 91.2% no sul2. Proporcionalmente existem mais hospitais no sudeste (33%) e nordeste (30%). A classificação dos hospitais em relação ao número de leitos revela que, de forma geral, 50% dos hospitais têm menos de 40 leitos. A região sudeste concentra o maior número de hospitais com mais de 500 leitos.
Em relação ao tipo de oferta de serviço de saúde, a rede pública é composta principalmente por unidades de atenção básica (95%) e serviços de emergência (65%). Já a rede privada é composta por atenção especializada (74%) e atenção hospitalar (79%). Conseqüentemente existe uma maior utilização de serviços de baixa complexidade e de emergência pela população com menor renda, sugerindo menor acesso à atenção adequada2. Essa falta de acesso à atenção ambulatorial especializada e à atenção hospitalar, com certeza impactam o atendimento de emergência que passa a ser a principal forma de acesso para especialidades e tecnologias médicas, transformando a emergência em depósito dos problemas não resolvidos.
Durante as últimas décadas houve um aumento constante na utilização pelo público dos serviços hospitalares de emergência. São utilizados indevidamente no nosso meio, pois cerca de 65% dos pacientes atendidos poderiam ter sido atendidos em ambulatórios. Desses, 36% não darão seguimento ambulatorial à patologia que motivou a procura ao serviço de emergência3. O grande acúmulo de doentes nos serviços de emergência ocorre tanto no setor público como no privado, tanto no Brasil como no exterior, em países em desenvolvimento ou em grandes potências. Atualmente, no nosso país, os serviços de emergência funcionam acima de sua capacidade máxima, com taxa de ocupação de leitos acima de 100%, com número insuficiente de profissionais, com profissionais sem treinamento ou reciclagem, com excesso de demanda, com demanda inadequada, com verba insuficiente, com gerenciamento precário de recursos, sem leitos de retaguarda e sem planejamento efetivo. Aumenta-se a dificuldade quando coexiste déficit de estrutura e de organização da rede assistencial. A emergência precisa de uma estrutura que propicie maior segurança ao profissional, uma retaguarda de especialistas, leitos de CTI, centro cirúrgico e de recuperação.
O atendimento de emergência deve ser contextualizado ao modelo assistencial de saúde. Em geral, esses serviços não estão amparados por um sistema integrado de informações da rede ambulatorial e os registros produzidos nos pronto-atendimentos não estão disponíveis para a continuidade da assistência4. Além da constatação da pouca conexão entre o atendimento prestado na emergência e o atendimento possível na rede, existe uma dificuldade de absorção pelo próprio hospital do atendimento gerado na emergência, principalmente da urgência clínica.
Conclui-se que as questões centrais para a avaliação da emergência são a resolutividade e a integralidade. A atuação deve ser conjunta a um sistema de regulação com referência e contra-referência, voltada ao atendimento ambulatorial e à triagem intra-hospitalar e que proporcione locais de seguimento após o atendimento emergencial. Para um sistema de emergência ser organizado é necessário5: existência de plano previamente estabelecido envolvendo os hospitais de determinada área; definição de área geográfica de responsabilidade de cada hospital; categorização dos diversos hospitais segundo sua complexidade, havendo em cada área um hospital de referência para os demais; sistema de resgate e transporte de pacientes a partir do local da ocorrência, com pessoal treinado para decidir in loco o tipo de hospital a que deve ser encaminhada a vítima, em função de escala de gravidade de quadro clínico; sistema de comunicação por rádio entre as equipes de resgate e as unidades hospitalares; equipes multiprofissionais e multidisciplinares presentes 24horas/dia nos hospitais de referência e existência de uma autoridade médica controladora, disponível nas 24 horas do dia, com responsabilidade de chefia sobre o sistema.
O padrão de utilização de serviços de saúde de um determinado grupo populacional é principalmente explicado por seu perfil de necessidade em saúde6. A literatura vem referindo que as preferências e escolhas dos usuários influenciam na utilização dos serviços tanto quanto a forma como a rede está estruturada. A disponibilidade, o tipo, a quantidade de serviços e recursos (financeiros, humanos, tecnológicos), a localização geográfica, a cultura médica local, a ideologia do prestador, entre outros, são aspectos da oferta que influenciam o padrão de consumo de serviços de saúde. Por outro lado, as escolhas individuais também são cruciais, embora nem todas as necessidades se convertam em demandas e nem todas as demandas sejam atendidas. Inversamente, por produção de oferta, existe o uso de serviços não relacionado com as necessidades7. Essa realidade pode ser entendida como universal.
Um estudo, realizado na Jordânia com 2841 pacientes, classificou como atendimento de urgência e emergência apenas 9% do total, apesar de não haver na região estudada deficiência da rede básica8.
Na Suécia a proporção de atendimentos inapropriados na emergência variou de 30% a 50% apesar da expansão da atenção básica9.
Já em Hong Kong10, a utilização dos serviços de emergência reflete problemas na atenção básica. Não se pode esquecer que não existe concordância na definição de emergência entre os estudos, podendo comprometer a estimativa da magnitude do problema. O problema que pode ser apontado, por esses e outros estudos, é que pacientes com problemas cuja solução é pertinente à atenção básica freqüentam os serviços de emergência em vários países11 a 18.
Mesmo não havendo relação linear entre a utilização da emergência e a falência da rede básica, pode-se concluir que sem uma revisão ampla do sistema de saúde, a emergência continuará a ser usada inapropriadamente pelos pacientes como alternativa para o atendimento primário. Essa constatação deve ser vista com cuidado para o paciente não ser rotulado como “inapropriado” ao serviço que ele busca e sofrer a frustração de ter seu atendimento negado como eventualmente tem sido sugerido pela literatura19.
Restrições de acesso20 têm sido propostas, mas são inaceitáveis na realidade do Brasil, um país com tanta desigualdade social. Uma solução mais compatível com um atendimento humanizado e coerente com a integralidade poderia se dar através da referência para atenção básica ofertada na porta da saída de forma efetiva, após o atendimento (consultas e exames agendados, referências próximas às residências dos pacientes, com endereços e telefones, por exemplo).
A situação da assistência às urgências é bastante complexa, tendo em vista os diversos fatores envolvidos: a necessidade de assistência para os casos de violência e acidentes nos grandes centros urbanos; a difusão dos serviços de pronto-atendimento; o processo de transferência da gestão do sistema público de saúde para os municípios; os interesses dos prestadores; as expectativas de assistência por parte da população. Independente da dificuldade de abordar uma questão tão complexa, a principal justificativa para o investimento nos serviços de emergência é que são altamente rentáveis em termos de benefícios sociais, isto é, a redução da morbi-mortalidade.
A prestação de serviços em melhores patamares de qualidade é uma preocupação explicitada na política de saúde do atual governo federal e tem sido objeto de reflexão e investimento dos profissionais, gestores e grupos de avaliadores, principalmente nas décadas de 80 e 90. Para a avaliação da qualidade dos serviços a opinião dos usuários é imprescindível.
A partir da pesquisa Saúde na Opinião dos Brasileiros, realizada em 2002 por solicitação do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (CONASS), foram diagnosticadas as principais causas de descontentamento da população com os serviços de saúde. Muitas das queixas diziam respeito aos serviços de emergência (baixa capacidade instalada, pouco acolhimento, entre outras).
O resultado da pesquisa serviu de parâmetro para a elaboração do QualiSUS (Portal da Saúde – www.saude.gov.br - Projeto BRA 98/006 – edital 22/04), um conjunto de mudanças que visa proporcionar maior conforto para o usuário, atendimento de acordo com o grau de risco, atenção mais efetiva pelos profissionais de saúde e menor tempo de permanência no hospital. Além de uma reforma mais estrutural dos hospitais, é criado um grupo de humanização do atendimento e há uma reorganização da oferta de leitos com priorização para a emergência, relevante porta de entrada para o sistema hospitalar. Na sua concepção teórica o QualiSUS é composto por três componentes: 1. qualificação, ampliação, readequação e otimização da oferta de serviços de saúde; 2. humanização, fortalecimento e qualificação da gestão e do controle social na saúde; 3. fortalecimento da capacidade de produção de insumos estratégicos, desenvolvimento tecnológico e do complexo produtivo na saúde.
Outra importante conquista para viabilizar as mudanças propostas pelo QualiSUS, é a Implantação do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU/192), que é um atendimento pré hospitalar, que permite a organização no acesso à emergência e a racionalização da utilização da rede pública. A implementação do QualiSUS começou no estado do Rio de Janeiro, já atende a todas as regiões do país e pretende abranger todas as capitais dos estados brasileiros.
Além da pesquisa de opinião realizada, existem outras justificativas para o investimento nos serviços de emergência. Um recente estudo nacional sobre Cargas de Doenças 21 constatou que 10% dos anos de vida perdidos devem-se a causas externas, que requerem atendimento nas unidades de emergência.
Além do investimento do Ministério da Saúde na atenção hospitalar, grande empenho foi concentrado na reorganização da atenção básica, através da estratégia Saúde da Família. Espera-se que a atenção básica se transforme na principal porta de entrada do sistema de saúde e que garanta acesso universal à saúde básica para a população brasileira. A melhora no acesso ao sistema e o aumento da resolutividade da assistência pretendido pelo Programa Saúde da Família (PSF), deve amenizar a busca de atendimento na emergência, especialmente por problemas de alcance da atenção básica.
Finalmente, a Vigilância Sanitária assume uma pactuação nos Termos de Ajuste e Metas (Brasil, Ministério da Saúde – Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Bases para pactuação do Termo de Ajustes e Metas da Vigilância Sanitária; descentralização com equidade de custeio na repactuação –2205. Brasília, dezembro de 2003), de inspeção anual de 100% dos estabelecimentos hospitalares que tenham serviço de emergência, comprometendo-se com o monitoramento da qualidade desses serviços.
A complexidade do monitoramento da qualidade de um serviço é ainda maior quando se trata de serviços de emergência, visto que seu adequado funcionamento depende da disponibilidade de recursos humanos, físicos, técnicos e tecnológicos diversificados, nem sempre sob sua responsabilidade direta. E ainda, as bases de dados existentes, no caso específico dos serviços de emergência, não possibilitam o seu adequado monitoramento e até mesmo os indicadores de uso corrente lhes são apenas parcialmente aplicáveis.
Objetivo: avaliar os serviços de emergência dos hospitais do Programa QualiSUS.
Material e Métodos
Este estudo foi financiado e atendeu a uma demanda proposta pelo Convênio ENSP/ANVISA de Cooperação Técnica, Pesquisa e Comunicação em Vigilância Sanitária. Trata-se de estudo de caso, com metodologia descritiva e realização de entrevista. com atores importantes dos serviços de emergência: o chefe da emergência; o chefe da enfermagem da emergência e o chefe médico de plantão
Foram avaliados oito hospitais públicos de quatro estados brasileiros. No Estado do Rio de Janeiro foram avaliados os cinco hospitais incluídos no programa QualiSUS. Nos outros estados (Rio Grande do Sul, Pernambuco e Sergipe) foram avaliados um hospital de cada capital incluído no programa QualiSUS até julho de 2005. O critério de escolha baseou-se na importância do hospital para a rede local de serviços de saúde. As visitas foram agendadas pela direção do hospital.
Para a construção do instrumento de avaliação foram revisados: a legislação sanitária; os instrumentos de avaliação do Programa Nacional de Avaliação de Serviços de Saúde (PNASS); os roteiros de inspeção da Vigilância Sanitária e o Manual Brasileiro de Acreditação. A partir destes instrumentos foi construído um questionário que foi submetido a um painel de especialistas para validação. O painel aconteceu no dia 11 de novembro de 2005 e contou com a participação de oito médicos com reconhecida experiência de trabalho em emergências hospitalares. A indicação desses profissionais foi feita pelos componentes da direção da Rede Brasileira de Cooperação em Emergência (RBCE), que integra vários profissionais envolvidos com a questão e que tradicionalmente cooperam com o Ministério da Saúde na discussão e até na formulação de políticas na área. Participaram dois profissionais do município de Niterói; três do Rio de Janeiro; um de Campinas; um de Porto Alegre e um de Juiz de Fora.
O questionário está dividido em cinco partes. A primeira refere-se às características da clientela. São avaliados a abrangência geográfica de origem da clientela, a lotação da emergência e seus determinantes, a estratégia de gerência para a superlotação e se existe regulação de leitos. A segunda parte do questionário trata dos recursos tecnológicos e humanos da emergência. É analisada a pertinência de recursos para a missão pretendida pelo serviço. Na terceira parte do questionário são descritos a porta de entrada, o relacionamento com os serviços internos e externos ao hospital que interferem com a emergência, o tipo de doença ou condição clínica que o sistema tem mais dificuldade de absorver e como é avaliado e registrado o paciente “internado” na emergência. A quarta parte do questionário trata de resultados como taxa de ocupação de leitos hospitalares, tempo de permanência na emergência e tempo de espera para atendimento. E finalmente, o último bloco trata da avaliação do serviço sob o ponto de vista do entrevistado.
Relatórios específicos, com informações individuais de cada hospital participante da pesquisa, foram encaminhados à direção dos oito hospitais com o intuito de dar uma resposta aos hospitais estudados.
O estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca/ Fundação Oswaldo Cruz (CAAE 0130.0.031.000-05) e aprovado no dia 14/09/2005.
Resultados
Os oito chefes das emergências são profissionais experientes e que conhecem bem o serviço. Dos profissionais de enfermagem apenas um era inexperiente e contratado por cooperativa. Foram entrevistados mais quatro chefes de plantão e quatro médicos plantonistas com tempo de experiência em emergência variável. As indicações dos entrevistados foram feitas pela direção que eventualmente determinou que outros médicos, que não os chefes de plantão, deveriam responder ao questionário, reafirmando o seu conhecimento do serviço.
Características da clientela
A primeira constatação foi de que os hospitais convivem com uma superlotação constante. A principal causa apontada foi a abrangência geográfica dos atendimentos. Contribuem com a superlotação o precário funcionamento do sistema de saúde de forma geral, e especialmente a baixa resolutividade da atenção básica. Dois hospitais atribuíram a superlotação às dificuldades internas ao hospital. No primeiro os pacientes renais crônicos são internados na emergência e ficam no serviço aguardando vaga para entrar no programa de diálise. No outro hospital foi citada a pouca resolutividade da abordagem do paciente pelo número e qualidade técnica dos recursos humanos. Interessante foi a credibilidade em relação ao serviço ter sido apontada como importante enquanto geradora de demanda em três hospitais. A maioria (seis) não tem mecanismos definidos de gerenciamento dessa superlotação, sendo que dois desses fecham as portas eventualmente como estratégia de reprimir a demanda. Uma forma apontada de gerenciar a superlotação foi a criação de uma equipe de evolucionistas e o gerenciamento da utilização do leito hospitalar através da regulação de leitos. A regulação de leitos não funciona na prática. Dois hospitais (fora do município do Rio de Janeiro) têm seus leitos disponíveis para a regulação.
Estrutura e pessoal
Metade dos entrevistados avalia que a infraestrutura é adequada para o atendimento que presta em termos de densidade tecnológica e suficiente para o atendimento imediato. Entretanto os recursos são escassos em relação à demanda. Em relação ao recurso humano, para dois hospitais os postos de trabalho estavam completos para as necessidades do serviço. A coexistência de diversos vínculos de trabalho era uma realidade nas emergências estudadas. Existiam funcionários públicos dos níveis federal, estadual e municipal, profissionais contratados pelo ministério por tempo limitado e até profissionais contratados pela sociedade de médicos local. O número de profissionais variou muito, inclusive por plantão no mesmo hospital e faltavam especialidades. Dois hospitais trabalhavam com equipes mistas, com profissionais diaristas e plantonistas. Os outros contavam apenas com plantonistas. Em um hospital as jornadas de trabalho eram acatadas de forma diferenciada por categoria e especialidade. Foi referido um caso onde os plantonistas da emergência, além da sobrecarga do trabalho do serviço, eram responsáveis pelo atendimento das intercorrências das outras clínicas do hospital. Em duas unidades existiam profissionais com capacitação específica em emergência. Um único hospital utilizava protocolos na prática diária e outro tinha protocolos disponíveis que eram pouco utilizados. Um hospital fez referência à baixa qualidade técnica dos seus profissionais. Não havia política de educação permanente em sete hospitais.
Fluxo de trabalho
A porta de entrada era a primeira questão apresentada sobre o fluxo de trabalho. Três hospitais trabalhavam, na porta de entrada, com classificação de risco implementada pelo QualiSUS. Um aspecto importante a ser avaliado em relação ao fluxo de trabalho foi a forma de relacionamento da emergência com o restante do hospital e com os serviços externos ao hospital. As dificuldades externas estavam mais presentes. Todos referiram dificuldades, principalmente com SAMU, bombeiros e clínicas de apoio. Imaginava-se que internamente as dificuldades entre os serviços seriam menores, ou pelo menos mais fáceis de gerenciar. Segundo os entrevistados eram menores que as externas, mas igualmente difíceis de superar. A clínica médica foi o serviço que criou mais dificuldades para a emergência. Apenas dois hospitais negaram dificuldade interna de relacionamento com as outras clínicas.
Outra questão era identificar quais eram as situações clínicas mais difíceis de resolver e encaminhar dentro do sistema de saúde. Muitas doenças eram difíceis de encaminhar para o sistema. Merecem nota as patologias clínicas, em especial pacientes crônicos, neurológicos, idosos e sociais. Todos os entrevistados referiram que a maior dificuldade de internação é para a clínica médica. Os hospitais tratavam de forma diferenciada o paciente que fica “internado” na emergência. Em dois hospitais ocorre co-responsabilização entre as diversas clínicas e a emergência pelo conjunto de pacientes internados na emergência. Em três a emergência é a única responsável pelos seus doentes, sendo que um deles tem uma equipe de diaristas para evoluir esses pacientes. Nos três hospitais restantes apenas alguns serviços cirúrgicos assumiam a responsabilidade pelos doentes localizados na emergência. A co-responsabilidade entre emergência e clínicas foi bem vista pelo conjunto de profissionais entrevistados.
A última questão referente ao fluxo tratou do registro do paciente dentro da emergência. Espera-se que seja aberta Autorização de Internação Hospitalar (AIH) após 24 horas de internação, para caracterizar a necessidade de internação e para fins de pagamento pelo atendimento. Três hospitais trabalhavam dessa forma. Dois outros preferiam abrir AIH assim que a necessidade de internação fosse feita, independente do tempo de permanência do paciente. Em um dos três restantes, com critérios pouco definidos de emissão de AIH, no dia da visita, foi visto um paciente com boletim de atendimento há 30 dias. Um único hospital classifica e monitora o tempo de permanência na emergência. A seguir os principais dados são apresentados em forma de quadro, para permitir uma visualização dos resultados por hospital.
QUADRO COM OS PRINCIPAIS ACHADOS POR HOSPITAL
Condição investigada Hospital 1 Hospital 2 Hospital 3 Hospital 4 Hospital 5 Hospital 6 Hospital 7 Hospital 8
Estratégias de gerenciamento da superlotação Leitos disponíveis para regulação Equipes de médicos diaristas Inexistente Inexistente Inexistente Inexistente Inexistente Inexistente
Leitos disponíveis para regulação Sim Não Sim Não Não Não Não Não
Política de educação permanente Inexistente Inexistente Presente Inexistente Inexistente Inexistente Inexistente Inexistente
Estrutura e recursos suficientes Não Sim
Sim Sim Sim
Sim Não Não
Postos de trabalho completos Sim Não Não Não Não Sim Não Não
Profissionais com capacitação específica Não Não Sim Não Não Não Sim Não
Utilização de protocolos Sim Não Não Não Não Não Não Não
Classificação de risco na porta de entrada Sim Não Sim Sim Não Não Não Não
Dificuldade de relacionamento interno Sim Não Sim Sim Sim Não Sim Sim
Co-responsabilidade entre as diversas clínicas Inexistente Sim Inexistente Só com os serviços cirúrgicos Só com os serviços cirúrgicos Sim Inexistente Só com os serviços cirúrgicos
Monitoramento do tempo na emergência Sim Não Não Não Não Não Não Não
Registro em AIH após 24 horas de permanência Sim Não Sim Não Não Não Sim Não
Indicadores de desempenho
Como era de se esperar, as emergências têm taxa de ocupação maior que 100% e a taxa de ocupação dos hospitais é de 100%. Em três hospitais os pacientes são internados sentados nos bancos e em um, eventualmente até no chão. Em um hospital a taxa de ocupação era de aproximadamente 90% apontando para uma ociosidade do leito apesar da demanda por internação da emergência. O tempo de espera para o atendimento do paciente variou muito entre os hospitais (de vinte minutos até quatro horas) assim como o tempo de permanência de “internação” na emergência (de um dia até três meses). A agilidade para atender os pacientes mais graves foi registrada em todos os hospitais. Duas emergências conseguem manter um tempo de permanência pequeno (entre um e sete dias) provavelmente porque esses hospitais não têm internação eletiva.
Opinião dos entrevistados e condições de trabalho
Esta parte do questionário utilizou principalmente os critérios presentes no PNASS. A intenção foi indicar se algum critério se diferenciou positivamente ou negativamente na avaliação do grupo (figura 1).
Figura 1. - Avaliação do serviço pelos entrevistados
A agilidade do atendimento, o acolhimento e a humanização foram considerados insatisfatórios ou muito ruins por 60% dos entrevistados indicando que as ações referentes ao respeito à condição de usuário do paciente ainda são vistas de forma negativa pelos profissionais. A expectativa e a confiança no serviço foram consideradas muito boas ou satisfatórias por 75% dos entrevistados. Esse dado é importante porque demonstra credibilidade da equipe no seu trabalho e na missão do serviço de emergência. A ambiência (conforto, limpeza, sinalização, ruído) foi considerada insatisfatória ou muito ruim por 91% dos entrevistados. Esse quesito deveria estar melhor avaliado já que sua adequação não exige grande investimento em estrutura e é de fácil solução a partir do investimento no processo de trabalho. O tamanho da equipe, a distribuição das tarefas, a carga de trabalho e o salário foram classificados como insatisfatórios ou muito ruins por 66% dos entrevistados. O relacionamento com os chefes imediatos foi considerado muito bom ou satisfatório por 100% dos entrevistados. O hospital não avalia a satisfação e o desempenho dos trabalhadores de um modo geral. A avaliação da satisfação dos usuários assim como a política de humanização são incipientes.










