EN PT

Artigos

0104/2007 - Cárie dentária e necessidade de tratamento odontológico entre os índios Baniwa do Alto Rio Negro, Amazonas
xxxx

Autor:

• marília clemente gomes carneiro - marília clemente gomes carneiro - rio de janeiro, rj - escola nacional de saúde pública sergio arouca - <marilia.carneiro@gmail.com>


Área Temática:

Não Categorizado

Resumo:

Pesquisas epidemiológicas em comunidades indígenas no Brasil têm evidenciado forte relação entre a deterioração da saúde bucal e o consumo de itens industrializados (e do açúcar refinado em particular), aliados à precariedade da atenção odontológica. Este estudo abordou a população Baniwa do pólo-base de Tunuí-Cachoeira, São Gabriel da Cachoeira, Amazonas, Brasil. Foi realizado inquérito transversal sobre as condições de saúde bucal, de acordo com critérios da OMS. Foram observadas as condições dentárias e a necessidade de tratamento, examinando-se 590 indivíduos (49,2% da população > 2 anos). A média de dentes atacados pela doença cárie foi 6,0, 8,2 e 22,1 nas faixas etárias 12-14, 15-19 e mais de 50 anos, respectivamente. O maior valor de ceo-d (5,3) foi encontrado na idade de 5 anos. Do total de pessoas examinadas, 73,6% apresentaram alguma necessidade de tratamento cirúrgico-restaurador. Os indivíduos entre 15-19 anos apresentam as mais elevadas freqüências de restaurações. O CPO-D da população Baniwa é elevado, o que deve estar relacionado a processos recentes de mudanças sócio-econômicas, particularmente na dieta. Enfatiza-se a necessidade de ampliação da atenção à saúde bucal, considerando-se a complexidade da questão sócio-cultural dos povos indígenas.
Palavras-chave: Índios Sul-Americanos; Serviços de Saúde; Saúde Bucal; Brasil.

Abstract:

Epidemiologic research conducted with Indian groups in Brazil has shown strong correlation between the deterioration of their oral health and the consumption of industrial products, sugar in particular, added to the lack of structure of the oral health attention. This study was carried out among the Baniwa Indians from the Tunuí-Cachoeira region, São Gabriel da Cachoeira, Northwestern Amazon, Brazil. It was conducted a cross-sectional survey, following WHO criteria and focusing on dental caries and needs for dental treatment. A total of 590 individuals were examined (49.2% of the population older 2 years). The mean numbers of teeth with caries were 6.0, 8.2 and 22.1 in the age groups 12-14, 15-19 and more than 50 years, respectively. In children with deciduous dentition the highest mean value of decayed, missing and filled teeth (5.3) was observed in children age 5. From the total of examined people, 73.6% showed some need for surgery-restoration treatment. Individuals 15-19 years of age show the highest frequencies of restaurations. The DFMT index for the Baniwa might be classified as high. The results show that it is necessary to expand public health control measures related to oral heath, taking into consideration the complex of socio-cultural reality of the Northwestern Amazon region.
Key words: South American Indians; Health Services; Oral Health; Brazil.

Conteúdo:

Introdução
As condições de saúde bucal dos povos indígenas no Brasil são muito pouco conhecidas. Os estudos disponíveis têm evidenciado uma tendência de agravamento, particularmente nas populações mais expostas a mudanças nos padrões de dieta, incluindo a incorporação de itens industrializados, em particular do açúcar refinado1,2,3,4,5,6,7. Arantes et al.4, a partir de pesquisa realizada entre os Xavante que vivem na Terra Indígena de Pimentel Barbosa, Mato Grosso, apontaram para um aumento nos valores do índice CPO-D de quase 13 vezes da década de 1960 até a de 1990. Pesquisas no Alto Xingu, em Mato Grosso, também demonstraram uma tendência de rápido aumento no índice de cárie em todas as idades, passando de uma condição na qual o CPO-D se aproximava de zero, em 1968, para 5,1 em 20015. Em ambos os casos, as populações investigadas vêm passando por significativas alterações em suas dietas. Vale ressaltar que os serviços de saúde ainda estão longe de responder de maneira satisfatória às demandas de atenção odontológica, preventiva e curativa dos povos indígenas6.
Este trabalho apresenta os resultados de um levantamento sobre a cárie dentária e as necessidades de tratamento odontológico dos Baniwa, povo indígena que vive na região do Alto Rio Negro, no Estado do Amazonas. É o primeiro estudo sistemático sobre as condições de saúde bucal indígena nessa região do país.

População e Métodos
Os Baniwa são falantes de um idioma classificado na família lingüística Aruak8 e totalizam cerca de 4.000 indivíduos, distribuídos em aproximadamente 78 aldeias, muitas delas de difícil acesso, na região do Alto Rio Negro9, na fronteira do Brasil com a Colômbia e a Venezuela. Estão em contato permanente com não indígenas há vários séculos, interagindo com missionários, militares, garimpeiros, seringalistas, comerciantes, equipes de saúde e outros que navegam pela região, resultando em significativas transformações sociais, econômicas e culturais10.
A pesquisa foi desenvolvida em setembro de 2004 nas 13 comunidades Baniwa que fazem parte da área de abrangência do pólo-base de Tunuí-Cachoeira (Nazaré, Ambaúba, Castelo Branco, Belém, Taiaçú-Cachoeira, Warirambá, Vista Alegre, São José, Jacaré Poço, Santa Rosa, Tunuí-Cachoeira, Tapira Ponta e Santa Marta), na Terra Indígena Alto Rio Negro (700 20´- 640 40´ W; 10 45´ S e 20 15´ N)8, às margens do rio Içana, no município de São Gabriel da Cachoeira, Estado do Amazonas. Esse pólo-base é uma das unidades do chamado Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Alto Rio Negro, estrutura ligada à Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), responsável pela prestação de serviços de atenção à saúde aos povos indígenas da região.
Nos poucos estudos sobre a saúde dos Baniwa10,11,12, aspectos nutricionais e alimentares não tem sido enfatizados. A base da alimentação da população está assentada na agricultura da mandioca e na pesca. Produtos industrializados fazem parte da rotina alimentar na região, mas não há informações detalhadas sobre consumo alimentar.
A partir do ano 2000 a atenção odontológica passou a ser feita pelas equipes do DSEI Alto Rio Negro, com sede em São Gabriel da Cachoeira, sendo previstas duas visitas da equipe de odontologia por ano em cada comunidade. Nestas ocasiões ocorre a distribuição de um tubo de dentifrício fluoretado e uma escova dental por morador, bem como são realizados atendimentos clínicos individuais, que incluem prioritariamente restaurações feitas com a técnica proposta pelo Tratamento Restaurador Atraumático (ART)13,14 e extrações dentárias. Ocorrem também atividades de educação em saúde e escovação supervisionada. No caso das comunidades investigadas, a água utilizada para consumo é proveniente do rio Içana, não sendo fluoretada artificialmente.
Foi realizado um inquérito epidemiológico com foco no exame das condições da coroa dentária, na necessidade de tratamento e no uso de próteses, seguindo-se os procedimentos preconizados pela OMS15. O exame clínico, feito com sonda de ponta romba e espelho plano, foi realizado por uma única examinadora (Carneiro). Os exames foram conduzidos sob luz natural. Em cada comunidade os objetivos da pesquisa foram apresentados e os moradores convidados a serem examinados. Havia a intenção de incluir o contingente populacional total das comunidades. Foram feitos exercícios de calibração e aplicado o teste estatístico kappa (0,91), que indicou ótima concordância entre os exames16.
As variáveis derivadas dos dados coletados durante o inquérito incluem: (a) condições dentárias pelo índice CPO-D/ceo-d; (b) necessidade de tratamento dental (preventivo, controle de cárie, aplicação de selante, restauração de uma face, de duas faces, coroa por qualquer razão, restauração facetada/laminada, pulpar e restauração, ou exodontia); (c) uso de prótese; e (d) necessidade de prótese. Os dados foram consolidados no programa Excel e posteriormente analisados no programa SPSS 9.0.
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz e pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (parecer no. 1248/2004). Antes de sua realização foi apresentado à coordenação técnica do DSEI Alto Rio Negro, à Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro e às lideranças Baniwa. Previamente ao trabalho de campo foi acordado com a coordenação do DSEI que os resultados da pesquisa seriam repassados para o serviço de saúde, ficando a cargo dele a prestação da atenção curativa identificada nos indivíduos examinados.

Resultados
Foram examinadas 590 pessoas, o que corresponde a 49,2% da população na faixa etária a partir de dois anos, de ambos os sexos. Não houve casos de recusa e a não participação deveu-se à ausência de parte da população nas aldeias na ocasião dos exames, em geral por estarem viajando, trabalhando nas roças ou em atividades de pesca. A cobertura variou entre 25,0% na comunidade de Vista Alegre e 67,0% em Belém e São José.
Os indivíduos examinados distribuem-se da seguinte forma em relação aos valores do CPO-D: zero (21,9%), 1-2 (9,5%), 3-4 (8,8%), 5-7 (8,1%), 8-10 (9,0%), 11-15 (14,9%), 16-20 (13,9%) e 21-32 (13,9%). Metade da amostra apresentou CPO-D &#8804; 9. Para a faixa etária de 5 a 12 anos, a freqüência de indivíduos com CPO-D = 0 foi de 42,4% e 68,6% apresentaram CPO-D &#8804; 2.
Para a amostra como um todo, as freqüências de dentes segundo condição foram as seguintes: hígidos (53,3%), cariados (9,2%), perdidos (34,6%) e restaurados (2,9%). Os dentes restaurados concentram-se na faixa etária de 6 a 19 anos (75% do total). Para a dentição decídua, as 235 crianças entre 2 e 12 anos examinadas apresentaram 25,8% dos dentes cariados, 6,3% perdidos antes da idade de esfoliação, 2,2% restaurados e 65,3% hígidos. As crianças entre 8 e 10 anos tiveram as maiores taxas de restaurações em dentes decíduos (50,0% do total).
Os valores médios do índice CPO-D e seus componentes, bem como de dentes hígidos, estão apresentados na Tabela 1. A média geral foi de 9,7. A idade de 12 anos, considerada referência pela OMS para comparações, está incluída na faixa etária entre 12 e 14 anos, com média igual a 6,0. Nos indivíduos com 20 anos ou mais, as médias são superiores a 13,0, chegando a 22,1 nas pessoas acima de 50 anos. Há em média menos de um dente restaurado e quase dois dentes cariados por pessoa nas várias faixas etárias. Apenas nas idades entre 12 e 19 anos verificou-se uma média de dentes restaurados superior a 1,0, alcançando 2,2 nos adolescentes entre 15 e 19 anos.
Em relação à média de dentes permanentes cariados, observou-se diferença estatisticamente significante entre os sexos na faixa etária de 15 a 19 anos (média de 2,9 em homens e 1,5 em mulheres, p<0,05). Para os dentes permanentes perdidos, cinco faixas etárias apresentaram diferenças estatisticamente significantes entre os sexos (6 a 11; 15 a 19; 30 a 39; 40 a 49; e 50 anos ou mais), sempre com médias mais elevadas nas mulheres. As médias do índice CPO-D apresentaram diferenças estatisticamente significantes entre os sexos nas faixas etárias de 6 a 11, 20 a 29, 30 a 39, 40 a 49 e 50 anos ou mais, também com valores mais elevados em mulheres. Acrescente-se que as médias de idade desses diversos grupos etários não apresentaram diferenças estatisticamente significantes entre os sexos.
As médias de dentes decíduos hígidos, cariados, perdidos, restaurados, e o índice ceo-d, por idade e sexos combinados, estão mostradas na Tabela 2. Os maiores valores de ceo-d estavam nas idades de 5, 6 e 7 anos, nas quais foram também mais elevadas as médias de dentes cariados. A única faixa etária na qual se observou diferença entre os sexos nos valores de ceo-d foi a de 6 a 11 anos (3,6 em homens e 0,5 em mulheres). As médias de dentes restaurados foram baixas, sempre menores do que 1,0.
Quanto às condições dos dentes permanentes, os molares, tanto da arcada superior quanto da inferior, apresentaram as menores porcentagens de dentes hígidos e as maiores nas condições perdido, cariado e restaurado. Os caninos apresentaram a maior porcentagem de dentes hígidos na arcada superior (66,5%) e os incisivos na arcada inferior (90,4%). Em geral, a arcada inferior teve 27,8% de dentes perdidos, 62,6% hígidos, 6,6% cariados e 2,7% restaurados; na arcada superior, as porcentagens foram 40,9%, 45,0%, 10,6% e 3,2%, respectivamente.
Em relação aos dentes decíduos da arcada superior, os segundos molares mostraram as piores condições, com a maior porcentagem de dentes na condição cariado (41,4%) e a menor de hígidos (47,0%). As melhores condições foram observadas no grupo dos caninos (82,7% de preservação). No geral, observaram-se 63,5% dos dentes hígidos, 30,2% cariados e 1,4% restaurados. Na arcada inferior os segundos molares foram também os menos preservados (30,7%) e com as maiores taxas de restauração. A maior porcentagem de dentes cariados foi vista nos primeiros molares (40,2%), seguida pelos segundos molares (38,7%). Os incisivos se apresentaram 93,0% hígidos e 2,5% cariados. Entre os caninos, 93,7% estavam hígidos e 4,6% cariados.
Na arcada inferior quatro pessoas usavam prótese total e nenhuma usava prótese parcial. Na arcada superior observou-se o uso de 61 próteses, a maioria parcial. As mulheres concentraram 63,0% das próteses encontradas.
Um montante de 434 indivíduos (73,6%) apresentou alguma necessidade de tratamento, que se concentrou em 10,4% dos dentes. Ou seja, 89,6% dos dentes examinados não necessitavam de tratamento. Dentre os 1956 dentes que necessitaram de algum tratamento, 57,3% eram restaurações (49,0% de uma face e 51% de duas ou mais faces) e 42,7% extrações. Ao todo a necessidade de tratamento soma 1121 restaurações e 835 extrações.
Na comparação entre as faixas etárias observa-se que até os 19 anos as restaurações foram o tratamento mais necessário, e que a partir dos 20 anos a extração passa a ser a maior necessidade. A maior porcentagem de dentes com alguma necessidade de tratamento ficou concentrada nas idades entre 6 e 11 anos. Na faixa etária entre 15 e 19 anos as mulheres, em comparação com os homens, apresentaram mais dentes que não precisavam ser tratados. Entre os 20 e 29 anos as mulheres também apresentaram maior média de dentes que necessitavam de restauração de duas faces (1,13 contra 0,35 para os homens).
A maior parte do grupo examinado não necessitava de prótese parcial ou total. Dos que necessitavam, a prótese parcial ocupou o primeiro lugar (84,2% na arcada superior e 90,7% na arcada inferior). Na comparação entre os sexos destacou-se a necessidade das mulheres por prótese total (9,8% na arcada superior e 5,7% na inferior, contra 2,7% e 1,0% entre os homens).


Outros idiomas:







Como

Citar

marília clemente gomes carneiro. Cárie dentária e necessidade de tratamento odontológico entre os índios Baniwa do Alto Rio Negro, Amazonas. Cien Saude Colet [periódico na internet] (2007/mar). [Citado em 19/07/2025]. Está disponível em: http://cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/carie-dentaria-e-necessidade-de-tratamento-odontologico-entre-os-indios-baniwa-do-alto-rio-negro-amazonas/550?id=550

Últimos

Artigos



Realização



Patrocínio