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0678/2007 - Conselho Municipal de Saúde: (re) pensando a lacuna entre o formato institucional e o espaço de participação social
Municipal Council of Health: thinking the gap between the institutional pattern and the space of social participation

Autor:

• Rosângela Minardi Mitre Cotta - Cotta, Minardi,R.M. - Viçosa, Minas Gerais - Universidade Federal de Viçosa/Departamento de Nutrição e Saúde - <rmmitre@ufv.br>


Área Temática:

Não Categorizado

Resumo:

O presente trabalho inscreve-se no contexto da construção da participação da sociedade civil organizada em saúde como exercício da cidadania e, do espaço dos Conselhos Municipais de Saúde (CMS) neste processo de participação. O estudo tem por objetivo, analisar o formato institucional do CMS de Viçosa-MG, abordando sua estrutura e dinâmica de funcionamento, regras de composição e competências. Trata-se de um estudo observacional de cunho transversal, onde se utilizou como instrumentos de análises; entrevistas individuais dirigida aos conselheiros de saúde, observação direta não participativa das reuniões do CMS e análise documental. Dos 34 membros entrevistados (77,2% dos membros do CMS), 44,2% afirmaram que as decisões tomadas no CMS não são informadas à população e, 35,3% não repassam as informações sobre as propostas e discussões tomadas no CMS para discussão e deliberação por seus pares. Pela análise documental, constatou-se que a composição do CMS de Viçosa, na gestão estudada, não está de acordo com a distribuição prevista pela legislação federal. Os resultados sugerem a existência de problemas relacionados à representação, limitando a participação social no conselho.

Palavras chave: Participação social, Conselho Municipal de Saúde, Controle Social, Sistema Único de Saúde


Abstract:

The present assay enrolls in the context of construction of the participation of organized civil society in health as citizenship exercise and of the place of Municipal Council of Health (MCH) in this participation process. The study has as objective to analyze the institutional pattern of the MCH of Viçosa – MG, approaching the structure and operation dynamics, composition rules and competences. It is related to the observational study of traverse stamp, where individual interviews with the counselors of health, non participative direct observation of meetings of the MCH and documents were used as instrument of analysis. A number of 34 members (77, 2%) of the respective council were interviewed. Among the results, it stands out that 44, 2% of the interviewed said that the decisions taken in the MCH are not informed to the population and 35, 3% does not run the information of the proposals and discussions taken in the MCH for discussion and deliberation for their pairs. For the documental analysis, it was verified that the composition of MCH of the Viçosa - MG is not in agreement with the foreseen distribution by the federal legislation. The results suggest the existence of problems related to the representation, limiting he participation of the population in the councils.

Key-words: Social Participation, Municipal Council of Health, Social control, Single Health System


Conteúdo:

INTRODUÇÃO
No Brasil, a reforma da política de saúde deve ser compreendida a partir da questão mais ampla da descentralização e democratização do Estado, a qual se inscreve no contexto das reformas sociais iniciadas a partir da segunda metade da década de 19701.
A transição política do regime militar para uma democracia participativa, gerou uma abertura política impulsionada pela pressão da sociedade civil, através da força dos movimentos sociais, que se diferenciam por expressar fortes conteúdos reivindicativos e de oposição ao regime militar, tendo a liberdade política o ponto de partida da mobilização social 2,3.
A busca de uma vida com mais saúde, educação, moradia, saneamento, renda, e a crescente perda da qualidade de vida, diante da falta destes bens, ocasionou um "caráter" de oposição e reivindicação por mudanças na estrutura social, econômica e política do país. Diante desta realidade, as políticas sociais adquiriram o sentido de instrumento de justiça social, e se tornaram o fio transmissor entre a sociedade e o Estado, até então omisso. Neste período, a interdição do Estado torna-se insuficiente para controlar a ação coletiva destes novos atores, criando possibilidades para que os movimentos sociais passem a se articular enquanto organismos políticos de representação da sociedade 1, 2.
Não obstante, a transição para a democracia assume características peculiares, em que uma descompressão planejada abre espaços para coalizões heterogêneas, resultando no que COTTA et al.1 denominaram “pacto interelites”. Para os diversos atores sociais envolvidos neste “pacto” (burocracia pública e áreas profissionais e intelectuais), a descentralização e a instituição de práticas participativas constituíram estratégias fundamentais para a implementação das reformas do Estado1.
Pode-se considerar como um marco deste período, a realização da VIII Conferência Nacional de Saúde (VIII CNS) no ano de 1986, onde a participação ativa de diversos segmentos da sociedade abriu a possibilidade para um modelo de política de saúde mais democrático4.
Desse modo, a Constituição Federal de 1988, em seus artigos, 196 a 200, incorporou as propostas originais da Reforma Sanitária, sintetizadas na VIII CNS, na forma do Sistema Único de Saúde (SUS). O SUS é regulamentado pelas Leis Orgânicas da Saúde 8080/90 e 8142/90, na qual encontra o detalhamento de suas diretrizes e da operacionalização de alguns aspectos do sistema. As Normas de Operação Básica (NOB’s), Normas de Assistência à Saúde (NOAS), o Pacto pela Saúde e demais portarias e resoluções do Ministério da Saúde, complementam, organizam e definem as balizas para implementação da política de saúde em nosso país. Assim, com o SUS a saúde emerge como questão de cidadania e a participação social como condição essencial para o seu exercício 1,5.
A institucionalização da participação social no SUS foi feita por meio de vários dispositivos legais, a começar pelo texto constitucional de 1988 que, define o “caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa, com a participação da comunidade” 6.
Assim, no setor saúde, a participação social passa a ser um dos princípios orientadores do SUS, constituindo para sua concretização a criação dos novos canais participativos, nas três esferas de governo - Conselhos e Conferências de Saúde - sendo os Conselhos de Saúde os principais órgãos de controle social na definição do sistema e dos serviços de saúde7.
Em 1991, é sancionada a Lei 8.142 que define a competência dos Conselhos de Saúde: art 1o, parágrafo 2 o: “O Conselho de Saúde, em caráter permanente e deliberativo, órgão colegiado composto por representantes do governo, prestadores de serviço, profissionais de saúde e usuários, atua na formulação de estratégias e no controle da execução da política de saúde na instância correspondente, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros, cujas decisões serão homologadas pelo chefe do poder legalmente constituído em cada esfera do governo” 8.
Desde esta perspectiva, vale salientar que os Conselhos de Saúde constituem-se como novos espaços públicos propiciados pela reestruturação do Estado, obtida pelas forças políticas com base no pressuposto de que a participação da sociedade deva ser acolhida pelo Estado como forma de controle social e interferência na definição e desempenho das políticas públicas. Assim, com a criação dos Conselhos, o controle social assume lugar estratégico na definição e execução das políticas de saúde no Brasil 5,9.
Considerando que a participação e o exercício do controle social realizados pelos Conselhos de Saúde ocorrem em espaço público, esse exercício tem como contrapartida fundamental a idéia de que a visibilidade e o compartilhamento do que é público devem ser baseados na premissa de que tudo o que vem a público pode ser ouvido, visto, e comentado por todos 10. Sem visibilidade e compartilhamento não há ação pública ou projeto político, porque ser visto e ouvido pluralmente pelos outros é uma forma de direcionar a ação social e constituir a realidade.
Tendo como base essas premissas, este estudo tem por objetivo, analisar o formato institucional do CMS de Viçosa-MG, abordando sua estrutura, dinâmica de funcionamento, regras de composição e competências. Pese a que, o formato institucional não explique como se dão as disputas e negociações internas, pode determinar o significado dos conselhos e a possibilidade destas instituições ampliarem os espaços de participação social.

METODOLOGIA:
Trata-se de um estudo observacional de corte transversal, fundamentado pelo referencial teórico da pesquisa qualitativa em saúde, onde se utilizou três instrumentos de investigação: entrevistas semi-estruturadas, realizadas por um único entrevistador devidamente treinado, durante o período de abril a julho de 2006; observação direta, não participativa, das reuniões do CMS; e análise documental.
Criou-se um questionário, dirigido aos Conselheiros de Saúde, especificamente para esta pesquisa que abrangia as seguintes dimensões: temáticas discutidas nas reuniões do CMS, prioridades dos temas discutidos, divulgação das informações, periodicidade das reuniões, recebimento prévio da pauta de reunião, acompanhamento do Relatório de Gestão e implementação das deliberações do CMS. As entrevistas foram gravadas e realizadas em local definido previamente pelos próprios conselheiros.
Em relação à análise documental, foram avaliados os seguintes documentos do município: Regimento Interno do CMS, Plano Municipal de Saúde e Relatório de Gestão
O estudo foi realizado no município de Viçosa, situado na Zona da Mata de Minas Gerais, localizado à 152,9 Km de Belo Horizonte. A população residente é de 64.910, sendo que destes, 59.896 (92,27%) moram na zona urbana e 5.014 (7,73%) na zona rural, segundo o último censo demográfico realizado em 2000, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística11. Possui uma área territorial de 300,2 km², densidade demográfica de 216,2 hab/km² e uma altitude de 648 m. A principal ocupação econômica da população concentra-se no setor de serviços. Quanto ao Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o município apresenta um desenvolvimento relativamente alto, com índice acima de 0,8 12.
Desde sua implantação, em 1991, o CMS do município estudado é formado 44 membros, sendo 22 titulares e seus respectivos suplentes. Participaram do estudo 34 (77,2%) conselheiros da gestão atual do CMS, dos 10 (22,73%) conselheiros que não participaram do estudo, 2 (4,56%) se recusaram a participar, 5 (11,4%) não foram encontrados e 3 (6,83%) os cargos estavam vagos. Todos os indivíduos que aceitaram participar do estudo assinaram um Termo de Consentimento Livre Esclarecido.
Os dados coletados foram digitados e analisados no SPSS versão 11.5, com auxílio do programa Microsoft Excel 2003.

RESULTADOS:
Dos 34 conselheiros de saúde entrevistados, 19 (55,9%) eram do sexo masculino e 15 (44,1%) do sexo feminino, com média de idade de 46,82 anos, variando de 22 a 69 anos. No que se refere à renda familiar dos conselheiros, a média encontrada foi de 8,03 salários mínimos (SM), variando de 1 a 40 SM e em relação à escolaridade. A maioria dos entrevistados, 21 conselheiros (61,8%), tinha nível superior completo.
A composição do Conselho não obedece às recomendações da legislação vigente, onde o principio da paridade deve ser respeitado, isso é, 50% das vagas ocupadas por representantes dos usuários e os outros 50% de vagas divididas da seguinte forma: 25% para entidades dos trabalhadores de saúde e, 25% para representantes de governo, de prestadores de serviços privados conveniados, ou sem fins lucrativos13. A realidade encontra, retrata uma incoerência entre a proporção de representantes dos profissionais da saúde. Uma vez que, a distribuição dos conselheiros apresenta a seguinte proporção: 50% dos conselheiros são representantes dos usuários; 22,7% Governo Municipal; 18,2% de prestadores de serviço; 9% de representantes dos profissionais de saúde.
Segundo 97,1% dos conselheiros, as reuniões do CMS ocorrem mensalmente, sendo que, 2,9% não souberam responder sobre a periodicidade das reuniões. De acordo com o Regimento Interno do CMS, o Secretário Municipal de Saúde (SMS), é membro nato do mesmo, sendo também o responsável pela presidência do órgão.
Sobre os temas abordados nas reuniões, 44,1% dos conselheiros destacaram a diversidade de temas discutidos, abordando desde promoção da saúde até a prestação de contas; 23,5% disseram que são todos os assuntos referentes às ações e serviços de saúde; 29,4% responderam de forma vaga, informando que são discutidos assuntos relacionados à saúde e de relevância para o município, não sabendo citar exemplos os temas discutidos quando solicitados; e 2,9% afirmaram que são assuntos de interesse da presidência do conselho, ou seja, do SMS.
Em relação à prioridade de assuntos discutidos nas reuniões do CMS, estes são determinados pelo SMS, segundo 12 (35,3%) dos entrevistados; para 11 (32,4%), além do SMS, os conselheiros também determinam prioridades dos temas; 4 (11,8%) afirmam que as prioridades dos temas são determinadas apenas pelos conselheiros, sem interferência do SMS; 5 (14,6%) informaram que os temas que compõem a pauta do conselho são definidas tanto pelo SMS, quanto pelos conselheiros tendo como referência a urgência dos mesmo; e 2 (5,9%) dos conselheiros não souberam responder.
Na tabela 1, pode-se visualizar, algumas características de funcionamento e competências do CMS analisado. Em relação ao período de tempo de antecedência de recebimento das pautas das reuniões do CMS, nota-se que 70,6 % dos conselheiros relataram receber as atas com 4 a 7 dias de antecedência.
Em relação à divulgação das decisões tomadas no CMS, 44,2% afirmaram que estas não são informadas à população. Sobre a implantação das deliberações tomadas pelos conselheiros durante as assembléias, 4 (11,8%) dos mesmos não souberam responder se as deliberações do CMS são efetivadas e 30 (88,2%) afirmaram que as deliberações tomadas nas reuniões do CMS são implantadas (tabela 1).
Quando interrogados sobre o meio utilizado para afirmar que as deliberações tomadas no CMS são efetivadas na prática, 12 (40%) e 6 (20%) dos entrevistados obtinham esse conhecimento por meio de informações do SMS nas reuniões do CMS e da comunidade, respectivamente. Vale ressaltar que, apenas 5 (16,6%) disseram que utilizam a fiscalização em serviços de saúde para afirmar que as deliberações tomadas no CMS são implantadas (Tabela 2).
No que diz respeito ao repasse das informações pelos conselheiros das propostas e discussões tomadas no CMS para seus pares, 35,3% dos conselheiros entrevistados disseram que não as repassam.
Sobre a forma de ingresso no CMS, 38,2% foram eleitos por seus pares, 8,8% foram convocados por serem os presidentes das entidades que representam no CMS e 52,9% foram indicados, dentre estes últimos, 32,4% foram indicados pela diretoria da instituição, 8,8% pelo titular, 8,8% pelo prefeito e 2,9% pela Secretaria Municipal de Saúde.
Quanto ao envio do Relatório de Gestão pelo SMS para avaliação e aprovação pelo CMS, 50% dos conselheiros não souberam informar se este é avaliado todos anos ao CMS, já 29,4% afirmaram que não é enviado e 20,6% afirmam que o Relatório de Gestão é enviado anualmente ao CMS para avaliação e aprovação do mesmo.

DISCUSSÃO

Os resultados do presente estudo apontam para o fato de que a composição do CMS de Viçosa, na gestão estudada, não está de acordo com a distribuição prevista pela legislação federal. Verificou-se que, apesar de garantida a paridade na representação dos usuários em relação aos demais segmentos, tem-se uma inadequação na representação dos profissionais de saúde (9%), uma vez que o percentual definido pela a Resolução n 0 333/2003 do Conselho Nacional de Saúde, é de 25% dos conselheiros13. Já os representantes do governo e prestadores de serviços, ocupavam 41% das vagas do CMS, mas deveriam ocupar apenas 25% das vagas.
Os dados encontrados vão ao encontro dos resultados apresentados por Stralen et al.14 em estudo que objetivava avaliar a efetividade do controle social em municípios dos estados de Goiás e Mato Grosso do Sul. Estes autores observaram também uma sub-representação dos profissionais de saúde (abaixo de 25% dos conselheiros) em três conselhos estudados, sugerindo que a permanência dessa sub-representação pode estar ligada à ausência ou a falta de mobilização dos órgãos de classe.
Em consonância com a realidade estudada, se faz imprescindível questionar a efetividade de atuação e representatividade dos interesses dos diversos segmentos sociais no CMS. Lembrando que, dentre as competências do poder executivo no processo de criação e reformulação dos conselhos, que respeitando os princípios da democracia, este deve garantir condições para a participação efetiva de todos os segmentos sociais na avaliação e controle das políticas de saúde. Assim, fica difícil pensar que a verdadeira participação possa ocorrer, diante do não cumprimento legal da forma de composição do CMS, fortalecendo algumas categorias em detrimento de outras 4.
Esse dado aponta para um aumento da influência de poder do governo e dos prestadores de serviços no CMS, o que pode privilegiar o setor privado em detrimento do setor público, ou ainda transformar a municipalização em seu efeito indesejável da “prefeiturização”, situação predominante de hegemonia, em que a dominação política exercida pelo executivo decorre de relações patrimonialistas ou de algum tipo de liderança carismática1, 2.
Outro ponto que pode reforçar essa influência de um segmento específico nas deliberações do CMS, é o fato de ser definido em seu Regimento Interno (1991), que o SMS, como membro nato do CMS, deve exercer a função de presidente do mesmo. Stralen et al. 14 analisando a presidência dos CMS estudados, encontrou que cinco dos nove municípios pesquisados tinham também o SMS como presidente dos conselhos. A permanência do SMS como presidente do conselho pode assinalar uma possível restrição da autonomia do CMS, sendo o próprio SMS que delibera e homologa as decisões tomadas neste.
Não obstante, ao se considerar os assuntos tratados nas reuniões do CMS, um ponto importante a ser avaliado é o ator responsável pela definição da pauta das reuniões. Observa-se, que a maioria dos conselheiros (35,3%) relatou que a prioridade de assuntos é definida pelo SMS.
Destarte, através destas regularidades organizacionais, pretende-se colocar em questão o grau de democratização interno das organizações de saúde, que demarca o fluxo do processo decisório e o grau de influência de cada instância ou unidade de organização na gestão institucional. Este fato é muitas vezes criticado por permitir a manipulação dos interesses dos representantes do Governo Municipal sobre os demais segmentos, tornando a representação destes outros segmentos, ineficaz; o que pode se agravar quando a representação entre as diferentes categorias é desigual, conforme encontrado no presente estudo.
Quanto a divulgação das deliberações do CMS, 44,1% dos entrevistados afirmaram que estas não são informadas à população, desobedecendo a Resolução n0 333/2003 que define como competência dos Conselhos: “estabelecer ações de informação, educação e comunicação em saúde e divulgar as funções e competências do Conselho de Saúde, seus trabalhos e decisões para todos os meios de comunicação, incluindo informações sobre as agendas, datas e local das reuniões” 13. A visibilidade dos conselhos é um ponto crucial, para o exercício do controle social, caracterizando-se pela transparência das ações, na criação de canais de comunicação com a população.
Democratizar as informações e permitir sua avaliação por parte dos usuários, seria colocar o usuário no centro do processo, numa relação de co-responsabilidade. Mas, para que essa gestão participativa aconteça, torna-se necessário a existência de canais de participação desobstruídos e fluxo constante de informações. Requer também, processos que favoreçam a participação ativa, representativa, autônoma e co-responsável, que propiciem, de modo mais completo, o crescimento das pessoas ou das organizações coletivas7.
Vale salientar a importância de canais de comunicação e instrumentos que possibilitem a democratização da informação, como cartilhas, boletins informativos, jornais, entre outros, garantindo maior visibilidade dos Conselhos de Saúde17. Entretanto, não se pode esquecer, que a existência de alguma forma de divulgação não significa que a população e entidades civis tenham conhecimento das decisões e discussões dos Conselhos14.
A publicização das decisões tomadas é fundamental, porque indica comprometimento e responsabilidade dos conselhos; além disso, essa é uma etapa que assegura a confiabilidade nos mecanismos participativos e também cumpre um papel educativo junto à população, porque mostra a possibilidade da real efetivação da participação da sociedade civil na gestão compartilhada de políticas públicas, é a atuação dos grupos, movimentos e outros coletivos organizados como sujeitos coletivos na esfera pública o que fortalece a sociedade civil e a sociedade política 18.
Estudo realizado por Martins (2007) observou que a maioria dos usuários do SUS (94,1%), residentes em um município vizinho à Viçosa, não conheciam o CMS16. Assim, pode-se ressaltar que o conselho pode até ser uma instituição muito valorizada por aqueles que dele participam, mas é desconhecido pela grande parte dos cidadãos.
Segundo Westphal19, um dos grandes problemas da participação nos CMS é a representatividade. Muitos representantes comparecem ao órgão colegiado sem consultar suas bases, falando em seu nome e não em nome do grupo, e muito menos compartilham as decisões tomadas nas reuniões com seus pares. A baixa representatividade das lideranças revela-se, portanto, um elemento essencial para a compreensão da fragilidade de certas instâncias. No entanto, caberia explorar o papel que a participação nestas instâncias, dentre outros mecanismos, pode desempenhar no processo de capacitação desses atores para a negociação, junto a outros, do atendimento de suas demandas 20.
No presente estudo, 35,3% dos entrevistados afirmaram que não discutem com seus pares as questões tratadas nas reuniões do CMS, e muito menos transmitem as informações e/ou decisões para seus pares. Como forma de ilustração, destaca-se a fala de dois representantes dos usuários, que justificam a não divulgação das informações:
“as pautas vêm prontas, apenas para serem votadas, por isso elas não são discutidas previamente”.
“nunca foi pedido pela instituição que represento”.

Esse distanciamento entre representantes e representados foi encontrado também em outros estudos. Stralen et al.14, ao analisar a efetiva participação dos conselheiros de saúde, detectando esse distanciamento ao indagar aos conselheiros sobre como as necessidades dos usuários chegam ao conhecimento do conselho, sendo que apenas um dos representantes, fez referência ao próprio segmento e às associações que eles representavam no CMS. O estudo de Guizardi & Pinheiro15 por sua vez, também problematizou a concretização da representatividade, referindo nos seus resultados que a maioria dos conselheiros disse “sentir-se presença individual, e não institucional, no conselho”.
Para Oliveira9, o debate é a expressão da pluralidade e uma forma de esforço e de ação para a emergência do que é público como expressão da potencialidade dos homens agindo em conjunto. Por esta razão, o poder não pode prescindir da comunicação, para construir e interferir no espaço público e organizar politicamente os interesses coletivos. Para alterar esse quadro, deve haver um deslocamento do poder de regiões verticais para regiões horizontais, possibilitando que segmentos sociais desprovidos de capacidade de intervenção possam participar de maneira mais concreta e ética na cena pública.
Nesse sentido, os resultados do presente estudo apontam para uma falta de interesse na participação e divulgação das propostas e discussões por partes dos gestores, representantes e representados, comprometendo assim, a legitimidade destes junto ao CMS.
A comunicação entre os conselhos e a comunidade tem sido apontada como sendo um grande aspecto a ser aprimorado para incrementar o grau de representatividade desse fórum de participação social. No Brasil, ainda está sendo construída uma prática de participação cidadã, sendo muito comum, todavia a não prestação de contas do representante para com seus representados, e os representados exercem pouco ou quase nada seu direito de cobrança em relação às ações dos representantes 21.
Deve-se destacar que esse membros foram indicados ou eleitos por seus pares para os representa-los nos CMS. Como observado no estudo, 52,9% dos conselheiros relataram ter sido indicados por seus pares para comporem o CMS. Realidade semelhante foi encontrada município de Bertioga S.P., por Morita et al. 15, onde a maioria dos entrevistados ingressou no conselho por indicação das suas entidades de classe, não considerando a necessidade de eleição. Este mesmo estudo concluiu que, ao invés de seguir um processo mais transparente e democrático, a eleição dos conselheiros acaba se transformando possivelmente num instrumento de manipulação política.
O conselheiro deve ter consciência da importância de seu papel representativo, entendendo que ele não representa interesses individuais e sim da coletividade. Daí a necessidade de existirem meios de comunicação e articulação entre os conselheiros e a sociedade para que haja, de um lado, a consulta, discussão e divulgação sobre o que é tratado no CMS garantindo a representatividade do conselheiro e, de outro, a visibilidade das atividades e deliberações e do Conselho na sociedade 22.
Neste mesmo sentido, Morita et al.15, afirma que em uma sociedade de classe, questões relacionadas ao conhecimento e poder continuam presentes dificultando a participação dos desiguais. Uma série de obstáculos ainda se faz presente em função de uma história política caracterizada por regimes centralizadores e autoritários, que afastam os trabalhadores dos processos de tomada de decisão, dando origem a gerações de brasileiros que precisarão (re) aprender a participar da nova conjuntura social e política.
O desenvolvimento de práticas democráticas efetivas podem fortalecer o controle social; uma vez que a participação não é um conteúdo que se possa transmitir, tampouco, uma destreza que se possa adquirir pelo mero treinamento, mas, outro sim, uma mentalidade e um comportamento a ser construído pela reflexão crítica e pelo amadurecimento do cidadão. Compreendo que a participação popular é um processo que se constrói, diante da magnitude de criação de uma nova cultura política democrática, em oposição à cultura de “exclusão” criada historicamente pelas elites dominantes em todo o país 16 .
Outro ponto estudado, foi o Relatório de Gestão, segundo a Resolução n 0 333/2003, compete aos Conselhos de Saúde analisá-lo, discuti-lo e aprová-lo, com a prestação de contas e informações financeiras, repassadas em tempo hábil aos conselheiros, acompanhado do devido assessoramento. Cabendo também ao CMS, fiscalizar, controlar gastos e deliberar sobre critérios de movimentação do Fundo de Saúde13. Os resultados deste estudo apontam para o descumprimento da legislação vigente, e que conseqüentemente, dificulta a atuação do CMS sobre a aplicação dos recursos financeiros, já que, 29,4 % dos entrevistados disseram que o CMS não recebe anualmente o Relatório de Gestão da Secretaria Municipal de Saúde para ser avaliado e aprovado, fato comprovado pelo próprio SMS ao afirmar que o relatório do ano de 2005 não foi elaborado. Vale ressaltar, que cabe ao conselho solicitar, através de sua Mesa Diretora, o cumprimento dessa questão pelo poder executivo municipal.
Todas as evidências aqui apresentadas, destaca-se a necessidade de esforços para possibilitar um sistema com co-responsabilidade, envolvendo gestores, profissionais de saúde, prestadores de serviço e usuários, no qual todos devem assumir uma postura com a “coisa pública”, no sentido de dar maior visibilidade à planejamento e avaliação das políticas de saúde 17.

CONCLUSÃO
Na sociedade brasileira, os Conselhos de Saúde, fazem parte historicamente de um amplo processo de movimentação social, que desde a década de 70 vêm convergindo para transformar e reconfigurar democraticamente o espaço público e a relação da sociedade civil com o Estado.
A análise da estrutura e da dinâmica de funcionamento do conselho pesquisado aponta para alguns aspectos importantes ao campo do debate acerca da participação social em saúde: o processo de institucionalização do CMS objeto deste estudo, limita a participação e o controle social, o que pode ser confirmado ao constatar-se que a composição do conselho não está de acordo com a legislação prevista - a maioria dos conselheiros não são eleitos e sim indicados; as decisões e propostas não são divulgadas à população e muito menos aos pares dos conselheiros; o Plano Municipal de Saúde está desatualizado e por último o Relatório de Gestão não é repassado anualmente. Todos estes aspectos dificultam a concreta e eficaz capacidade de intervenção dos conselheiros sobre as políticas e ações implementadas no município.
Outrossim, os resultados aqui apresentados informam sobre a existência de dificuldade por parte dos representantes do poder executivo, em partilhar o poder decisório nos espaços do Conselho. Se por um lado, a sociedade civil tem o direito de participar das decisões políticas do setor saúde, a desigualdade que marca as relações sociais em nosso país, faz-se presente também nos Conselhos de Saúde, muitas vezes engessando a participação política dos grupos populares, mesmo onde essa presença se encontra juridicamente assegurada.
Essa relação assimétrica de poder, em que o espaço de deliberação política se faz inacessível e fragilizado, pode ter um efeito de burocratização dos conselhos, que deve ser insistentemente combatida para que o conselho seja um espaço efetivamente democrático legitimando os direitos conquistados pelos cidadãos.
Não obstante, vale ressaltar que ao discutir os problemas encontrados neste estudo, não se pretendeu minimizar a importância do CMS de Viçosa para o município, mas sim, identificar quais os entraves estariam dificultando a concretização da participação social de forma mais ativa. Ao contrário, o que se pretende é colaborar para que o conselho funcione como um órgão de controle e de transparência nas decisões e ações do poder público. Neste sentido, é nossa proposta trabalhar na capacitação dos novos conselheiros, aproveitando a atual renovação deste CMS, instrumentalizando-os desta forma, para uma mais adequada participação e controle social.
Por fim, vale ressaltar que apesar dos entraves apontados por diversos estudos sobre a efetivação do controle social, o conselho de saúde continua sendo espaço de participação da sociedade - fruto de uma longa luta democrática -, e lugar de encontro de sujeitos sociais que antes, estavam excluídos do jogo político e do processo de decisão.

Esse estudo faz parte do Projeto de Pesquisa Intitulado: “Consolidação do Sistema Único de Saúde: A estratégia de Saúde da Família enquanto instrumento de reorganização do sistema de saúde local e estímulo à participação social”, e foi financiado pela FAPEMIG EDT – Processo n0. 075/05- 2005.

Agradecimentos
Os autores agradecem aos representantes do CMS participantes desse estudo, bem como a Secretaria Municipal de Saúde, por nos ter cedido os documentos necessários à pesquisa.

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Cotta, Minardi,R.M.. Conselho Municipal de Saúde: (re) pensando a lacuna entre o formato institucional e o espaço de participação social. Cien Saude Colet [periódico na internet] (2008/jul). [Citado em 08/12/2025]. Está disponível em: http://cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/conselho-municipal-de-saude-re-pensando-a-lacuna-entre-o-formato-institucional-e-o-espaco-de-participacao-social/2487

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