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Artigos

0176/2024 - Cyberbullying entre escolares brasileiros: dados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar, 2019
Cyberbullying among Brazilian schoolchildren: datathe National School Health Survey, 2019

Autor:

• Deborah Carvalho Malta - Malta, D. C. - <dcmalta@uol.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8214-5734

Coautor(es):

• Juliana Bottoni de Souza - Souza, J. B. - <juliana_bottoni@yahoo.com.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9308-7445

• Nádia Machado de Vasconcelos - Vasconcelos, N. M. - <nadiamv87@yahoo.com.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2323-3064

• Flávia Carvalho Malta de Mello - MELLO, F.C.M. - <fcmalta@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5019-8316

• Júlia Bicas Buback - Buback, J. B. - <jbbuback@gmail.com>
ORCID: 0000-0002-8292-7015

• Crizian Saar Gomes - Gomes, C. S. - <criziansaar@gmail.com, criziansaar@hotmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6586-4561



Resumo:

O estudo analisou a associação entre Cyberbullying e fatores sociodemográficos, familiares, de saúde mental e comportamentais em escolares (13 a 17 anos) brasileiros. Trata-se de um estudo transversal com dados da PeNSE 2019. Realizou-se análise multivariada com regressão de Poisson. A prevalência de Cyberbullying foi de 13,2% e foi maior entre os adolescentes que sentiam que ninguem se preocupava com eles (RP= 1,47; 1,36-1,59); se sentiam tristes (RP= 1,5; 1,4-1,7); referiram que a vida não vale a pena (RP= 1,71; 1,59-1,84); não tinham amigos (RP= 1,68; 1,50-1,87); sofriam agresão dos pais (RP= 1,54; 1,45-1,65); faltavam às aulas sem autorização (RP= 1,13; 1,06-1,20); usavam tabaco (RP= 1,19; 1,10-1,30); bebidas alcóolicas (RP= 1,16; 1,08-1,25); drogas ilícitas (RP= 1,14; 1,04-1,25); e tiveram relação sexual (RP= 1,23; 1,14-1,33). Tiveram menor prevalência os adolescentes do sexo masculino (RP= 0,85; 0,80-0,91), os mais velhos (16-17 anos) (RP=0,88; 0,82-0,95) e que reportaram ter supervisão dos pais no tempo livre (RP=0,78; 0,73-0,83). O Cyberbullyin tem elevada prevalência e destaca-se a importância de monitorar a prática, estabelecendo ações de prevenção nas escolas.

Palavras-chave:

Cyberbullying. Adolescentes. Violência. Inquérito epidemiológico. Saúde mental.

Abstract:

The study analyzed the association of Cyberbullying with sociodemographic, family, mental health and behavioral factors in Brazilian schoolchildren This is a cross-sectional study with dataPeNSE 2019. Multivariate analysis was performed with Poisson regression. The prevalence of Cyberbullying was 13.2% and was higher among adolescents who felt he nobody cared about them (RP= 1.47; 1.36-1.59); who felt sad (RP= 1.5; 1.4-1.7); reported that life is not worth it (RP= 1.71; 1.59-1.84); has no friends (RP= 1.68; 1.50-1.87); were beaten by their parents (RP= 1.54; 1.45-1.65); missed classes without authorization (RP= 1.13; 1.06-1.20); used tobacco (RP= 1.19; 1.10-1.30); alcoholic beverages (RP= 1.16; 1.08-1.25); illicit drugs (RP= 1.14; 1.04-1.25); had sexual intercourse (RP= 1.23; 1.14-1.33). The following had a lower prevalence: boys (RP= 0.85; 0.80-0.91); 16-17 years old (RP=0.88; 0.82-0.95); and who reported having parental supervision in their free time (RP=0.78; 0.73-0.83). Cyberbullying has a high prevalence and the importance of monitoring the practice is highlighted, establishing prevention actions in schools.

Keywords:

Cyberbullying; Teenagers; Violence, epidemiological survey. Mental health.

Conteúdo:

Introdução
O bullying caracteriza-se como agressões sistemáticas, praticadas de forma intencional e presencial1,2,3 e inclui agressões físicas, verbais ou relacionais4. Pode ser considerado um tipo de violência, sendo importante fator de risco para a saúde física e mental dos adolescentes4,5. Na literatura, este formato, vem o sendo tratado com bullying tradicional, em função da emergência de novas formas de vitimização, como o cyberbullying, ou a prática de agressões de forma virtual. Este último tem sido descrito na última década, como uma nova forma de violência4,6 e se caracteriza pela prática de agressões pela internet, com divulgação de imagens, vídeos ou mensagens ofensivas sobre um indivíduo ou um grupo.
Com a constante evolução da comunicação mais crianças e adolescentes têm sido expostos a smartphones nos últimos anos. Estudos têm apontado que mais de 90% dos adolescentes com idade entre 13 e 17 anos tem acesso constante a smartphones,4 e tem aumentado o tempo gasto online7, tanto com celulares, quanto usando computadores.7 Telefones celulares ou computadores tem sido utilizados como meios para o envio de mensagens, vídeos, telefonemas, e-mails, comentários em salas de bate-papo e mensagens em redes sociais8,9. Hamm et al10 destacam que o aumento no uso da internet associa-se à uma frequência aumentada de cyberbullying .
Meta-análise conduzida com 42 estudos e 266.888 participantes, entre 8 a 22 anos, identificou a concomitância das situações de vitimização, sendo que cerca de dois terços dos jovens que sofreram o cyberbullying também sofreram o bullying tradicional4. As vítimas de cyberbullying podem sofrer danos variados, como ansiedade, sentimento de solidão, depressão, sintomas psicossomáticos e comportamento suicida, enquanto os autores do cyberbullying costumam apresentar outros comportamentos agressivos e infratores, além de maior frequência no consumo abusivo de substâncias psicoativas11. Além disso, quando praticado por pares, tanto vítimas quanto autores de Cyberbullying apresentam piores resultados em testes que avaliam saúde psicológica e física, baixo rendimento escolar12 e sensação de baixa autoestima13.
O cyberbullying é um fenômeno contemporâneo e ainda são escassos os estudos sobre sua ocorrência, em especial em escala nacional. Pela primeira vez, em 2019, a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), inseriu uma pergunta sobre cyberbullying, identificando que 13,2% dos escolares já referiram ter sido vitimizados por meio virtual 1. Torna-se oportuno analisar os fatores associados a esta prática, sendo este o primeiro artigo a analisar esta temática em âmbito nacional.
Nesse sentido, o objetivo do trabalho atual foi analisar a associação entre Cyberbullying e fatores sociodemográficos, familiares, de saúde mental e comportamentais em escolares (13 a 17 anos) brasileiros.
Métodos
Trata-se de análise de dados secundários da PeNSE 2019, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em parceria com o Ministério da Saúde.
Os estudantes foram previamente informados sobre os objetivos e as principais características da pesquisa, sobre a participação voluntária e que poderiam interrompe-la em qualquer momento. Aqueles que concordaram em participar responderam a um questionário estruturado, autoaplicável por meio de smartphone sob a supervisão de pesquisadores do IBGE. Este questionário contemplava informações sobre situação socioeconômica, contexto familiar, experimentação e uso de cigarro, álcool e outras drogas, violência, segurança, acidentes e outras condições de vida14.
A amostra foi composta por escolares de 13 a 17 anos, do Ensino Fundamental e Médio de escolas públicas e privadas, para os seguintes níveis geográficos: Brasil, Grandes Regiões, Unidades da Federação, Municípios das Capitais e Distrito Federal. O plano amostral da pesquisa foi definido como uma amostra de conglomerados em dois estágios, em que as escolas correspondem ao primeiro estágio de seleção e as turmas de alunos matriculados ao segundo. O conjunto dos estudantes das turmas selecionadas formaram a amostra de alunos. Foram coletados dados em 4.242 escolas, 6.612 turmas e entre 159.245 escolares14. Considerando-se os alunos matriculados e não respondentes, a perda amostral foi de 15,4% em 2019. Mais detalhes sobre a metodologia podem ser encontrados em outras publicações14, 1.
No presente estudo foi avaliado o indicador sofrer cyberbullying, que foi coletado por meio da seguinte questão: “NOS ÚLTIMOS 30 DIAS, você se sentiu ameaçado(a), ofendido(a) ou humilhado(a) nas redes sociais ou aplicativos de celular?” As opções de resposta foram sim ou não.
As seguintes variáveis explicativas foram selecionadas:
1) Sociodemográficas
a) sexo: masculino ou feminino
b) faixa etária:13-15, 16 - 17 anos
c) cor/raça: branca, preta, amarela, parda ou indígena
d) tipo de escola:pública ou privada
e) escolaridade da mãe:sem escolaridade, primário (incompleto/completo), secundário (incompleto/completo), superior (incompleto/completo)
2) Relação com pais e familiares
a) sofrer violência/agressão dos pais: NOS ÚLTIMOS 12 MESES, quantas vezes você foi agredido(a) fisicamente por sua mãe, pai ou responsável?. Categorias: não (Nenhuma vez nos ultimos 12 meses); sim (1 vez; 2 a 5 vezes; 6 ou mais vezes.
b) supervisão familiar: NOS ÚLTIMOS 30 DIAS, com que frequência sua mãe, pai ou responsável sabia realmente o que você estava fazendo em seu tempo livre? - Categorias: não (Nunca; Raramente); sim (Ás vezes; Na maioria das vezes; Sempre).
c) morar com pai e ou mãe:categorias: não e sim
d) faltar às aulas sem autorização: NOS ÚLTIMOS 30 DIAS, em quantos dias você faltou às aulas ou à escola sem permissão de sua mãe, pai ou responsável?. Categorias: Não (Nenhum dia nos últimos 30 dias); sim (1 ou 2 dias; 3 a 5 dias; 6 a 9 dias; 10 ou mais dias).
3) Saúde mental
a) sentir que ninguém se importava: NOS ÚLTIMOS 30 DIAS, com que frequência você sentiu que ninguém se preocupa com você?. Categorias: não (Nunca; Raramente); sim (Ás vezes; Na maioria das vezes; Sempre).
b) sentir-se triste: NOS ÚLTIMOS 30 DIAS, com que frequência você se sentiu triste?. Categorias: não (Nunca; Raramente) e sim (Ás vezes; Na maioria das vezes; Sempre); c) amigos próximos: Quantos(as) amigos(as) próximos você tem? Categorias: Nenhum amigo; 1 ou mais amigo.d) sentir que a vida não vale a pena ser vivida : NOS ÚLTIMOS 30 DIAS, com que frequência você sentiu que a vida não vale a pena ser vivida?. Categorias: não (Nunca; Raramente); sim (Ás vezes; Na maioria das vezes; Sempre).
4) Estilo de vida
a) uso regularde bebidas alcoólicas : NOS ÚLTIMOS 30 DIAS, em quantos dias você tomou pelo menos um copo ou uma dose de bebida alcoólica?. Categorias: Não (Nenhum dia nos últimos 30 dias); Sim (1 ou 2 dias; 3 a 5 dias; 6 a 9 dias; 10 a 19 dias; 20 a 29 dias; Todos os dias )
b) uso regular de drogas : NOS ÚLTIMOS 30 DIAS, quantos dias você usou alguma droga? Categorias: Não (Nenhum dia nos últimos 30 dias); Sim (1 ou 2 dias; 3 a 5 dias; 6 a 9 dias; 10 a 19 dias.
c) uso de cigarro: NOS ÚLTIMOS 30 DIAS, em quantos dias você fumou cigarros?. Categorias: não (Nenhum dia nos últimos 30 dias); sim (1 ou 2 dias; 3 a 5 dias; 6 a 9 dias; 10 a 19 dias; 20 a 29 dias; Todos os dias.
d) uso de tabaco nos últimos 30 dias: ter usado cigarro e outros tipos de tabaco) (não e sim), e) Relação sexual alguma vez na vida: Você já teve relação sexual (transou) alguma vez? Categorias: sim ou não).
Para a análise descritiva, foram estimadas as prevalências com os respectivos Intervalos de Confiança de 95% (IC95%) de cyberbullying de acordo com cada variável explicativa. Para avaliar a associação do desfecho com as variáveis, inicialmente foi realizada análise bivariada para avaliação isolada do efeito de cada variável. A medida de associação estimada foi a Razão de Prevalência (RP) bruta, com IC 95%. Em seguida, foi feita a análise multivariada por meio da regressão de Poisson, sendo selecionadas para o modelo final as variáveis que apresentaram p < 0,05, e calculada a RP . A análise estatística foi feita no software Stata, versão 14.1 (StataCorp LP, College Station, Estados Unidos), utilizando-se o procedimento “svy” com ponderação. A regressao de Poisson, com resultados em razão de prevalência foram utilizados no estudo por se tratar de um estudo de base populacional, para expressar melhor a estimativa da variável estudada.
A PeNSE foi aprovada pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa do Ministério da Saúde (CONEP/MS), sob o Certificados de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) no 3.249.26814 e está em conformidade com as Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisa Envolvendo Seres Humanos.

Resultados
A prevalência de cyberbullying foi de 13,2% (12,8-13,7), sendo mais elevada no sexo feminino (16,2; IC95%: 15,6-16,8), entre escolares de escola pública (13,5%; IC95%:13,0-14,0) e filhos de mães sem escolaridade (16,2; IC95%: 14,2-18,4). A prevalência foi maior também para os escolares que relatam sofrer agressão dos pais (22,6; IC95%: 21,6-23,7), que não tem supervisão dos pais para o que fazem no tempo livre (18,1; IC95%: 17,3-18,9), que não moram com os pais (15,4; IC95%: 13,9-17,1), que faltam às aulas sem autorização dos pais (18,4; IC95%: 17-3-19,4), que sentem que ninguem se importava com eles (18,6; IC95%: 18-19,2), se sentem tristes (17,0; IC95%: 16,5-17,6), que não tem amigos (26,1; IC95%: 23,8-28,6) e que referem que a vida não vale a pena (22,3%; IC95%: 21-5-23,2). Além disso, escolares que usam bebidas alcóolicas (19,1; IC95%: 18,1-20,1) , cigarro (24,8; IC95%: 22,4-27,4), tabaco (22,4; IC95%: 20,9-24,1) e drogas ilícitas (26,4; IC95%: 23,9-29,1) e que referem já ter tido relação sexual (17,1; IC95%: 16,2-18,0) também apresentaram maior prevalência de cyberbullying (Tabela 1).
Na análise multivariada, apresentaram maior prevalência de sofrer cyberbullying os adolescentes que sofriam agressão dos pais (RP= 1,54; 1,45-1,65); que faltavam às aulas sem autorização dos pais (RP= 1,13; 1,06-1,20); que sentia que ninguem se importava com eles (RP= 1,47; 1,36-1,59) e se sentiam tristes (RP= 1,5; 1,4-1,7); que relataram não ter amigos (RP= 1,68; 1,50-1,87); que referiram que a vida não vale a pena (RP= 1,71; 1,59-1,84); que faziam uso de bebidas alcóolicas (RP= 1,16; 1,08-1,25), tabaco (RP= 1,19; 1,10-1,30) e drogas ilícitas (RP= 1,14; 1,04-1,25); e que já tiveram relação sexual (RP= 1,23; 1,14-1,33). Por outro lado, adolescentes do sexo masculino (RP= 0,85; 0,80-0,91); que tinham entre 16-17 anos (RP=0,88; 0,82-0,95); e que tinham supervisão dos pais sobre o tempo livre (RP=0,78; 0,73-0,83) tiveram menor prevalência de Cyberbullying.

Discussão
O estudo analisou, pela primeira vez, os fatores associados ao cyberbullying em todo o território nacional, mostrando maior prevalência de cyberbullying entre os escolares que declaram estar tristes e que ninguém se importava com eles , não terem amigos e referiram que a vida não vale a pena, sofreram agressões dos pais, faltaram às aulas sem autorização dos pais e tiveram comportamentos de risco como o uso de tabaco, álcool e drogas, e já tiveram relação sexual. Ter supervisão dos pais sobre seu tempo livre, ser do sexo masculino e idade de 16-17 anos, associou-se a menor prevalência de cyberbullying.
No Brasil, a PeNSE identificou que o bullying foi de 23.0% (22.4-23.6)14, quase duas vezes mais elevado que o cyberbullying. Este dado é concordante com uma meta-análise que estimou que a prevalência de vitimização por bullying globalmente foi de 24,3% (IC 95% 20,3–28,8%) e cyberbullying, 11,1% (IC 95% 9,12–13,44%)4.
O presente estudo encontrou que os adolescentes mais novos (13 a 15 anos) tiveram maior prevalência de cyberbullying. Esse achado é discrepante com o de alguns estudos internacionais, que têm apontado maior exposição entre os mais velhos. Tarapdar e Kellett15 notaram que alunos ingleses de 14 e 16 anos se envolveram com mais frequência em vitimização por Cyberbullying do que alunos de 12 e 13 anos e a prática ocorreu por formas mais complexas e “criativas”, como gravar vídeos da vítima e divulgá-los na Internet.
Quanto ao sexo, no estudo atual, a prática foi mais comum entre as meninas, o que tem sido controverso na literatura. Meta-análise de Barlett e Coyne,16 em que foram analisados 122 artigos, mostrou que os homens eram ligeiramente mais propensos ao cyberbullying do que as mulheres; no entanto, a idade moderou o efeito global. Assim, as meninas praticaram mais o cyberbullying, durante o início e meados da adolescência, enquanto os homens apresentavam níveis mais elevados de cyberbullying durante o final da adolescência. Os autores hipotetizam que o desenvolvimento cognitivo necessário para práticas mais sutis e sofisticadas de agressão ocorrem mais precocemente em meninas do que em meninos. 16 No nosso estudo encontramos prevalências mais elevadas entre as meninas, o que precisa ser aprofundado em estudos qualitativos, mas, concordamos que o amadurecimento mais precoce das meninas pode ser um importante fator para o inicio da pratica mais cedo.
Foi observado que o cyberbullying foi fortemente associado com indicadores de pior saúde mental. Adolescentes que referiram não ter amigos, sentir que ninguém se importava com eles e que a vida não vale a pena, reportaram mais cyberbullying. Esses resultados estão em conformidade com a literatura, que identificou que as vítimas que sofreram cyberbullying tiveram um aumento substancial nos riscos relacionados com depressão, ideações suicidas, tentativas de suicídio e automutilação, 4,17,18,19, ou seja, piores indicadores saúde mental, tal como o estudo atual.
O cyberbullying também foi associado com o consumo de substâncias como tabaco, bebidas alcóolicas e drogas ilícitas. A literatura identifica também que as experiências de cyberbullying podem levar ao abuso de substâncias, piora do desempenho acadêmico e outros problemas de saúde4.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) destaca a complexidade do tema, seu crescimento global, bem como a diversificação de práticas da violência online contra criança. Além do cyberbullying crescem também a exploração e abuso sexual infantil online, a produção e transmissão de abuso sexual infantil e outras formas vitimização. A OMS define estratégias para o enfrentamento como programas sobre prevenção focada nos jovens; programas de segurança online para crianças e adolescentes; medidas regulatórias e de segurança de internet, cyberbullying. 20
No Brasil, um cenário positivo foi a aprovação em janeiro de 2024, de nova Lei 14.811/2024 que define que os municípios deverão estabelecer protocolos de proteção às crianças e adolescentes contra todas as formas de violência no ambiente escolar, bem como viabilizar a capacitação de profissionais docentes.21 As medidas deverão ser executadas em parceria com os estados e a União. A lei define punições e multas contra adultos que cometam bullying contra crianças ou adolescentes, e no caso de agressão cometida por adolescentes, eles responder por meio de medidas socioeducativas e no caso de crianças, os responsáveis legais são processados. No caso do cyberbullying, caso a intimidação ocorra por meio da Internet, redes sociais, aplicativos ou jogos, a pena passa a ser de reclusão de 2 a 4 anos, além da multa.21
Dentre as limitações do estudo, destaca-se que pelo desenho do estudo, de corte transversal, as associações aqui encontradas, não necessariamente são causais, na medida em que o desfecho e variáveis explicativas foram medidas no mesmo momento, impedindo as conclusões sobre causa e efeito, dessa forma, faz-se necessário que os resultados sejam confirmadas em outros desenhos, como estudos de coorte ou outros. A variável cyberbullying foi medida por apenas uma pergunta, seguindo o modelo utilizado pela OMS, no estudo GLOBAL SCHOOL-BASED STUDENT HEALTH SURVEY (GSHS). 22 Existem outros modelos de questionários com maior número de questões, que abordam diferentes aspectos do problema, 23 que poderão ser recomendados e validados em versões futuras da PeNSE. As variáveis que compõem o bloco de saúde mental também podem apresentar limitação em suas associações, com possivel correlação entre elas, porém o seu efeito na variável cyber bullying é de grande importância, sendo significativas em suas interpretações.
Em conclusão, o estudo encontrou elevada prevalência de cyberbullyin, sendo maior entre meninas e adolescentes mais jovens e foi associado com piores indicadores de saúde mental, uso de substâncias psicoativas e agressão dos pais. Destaca-se a importância de monitorar a prática de cyberbullyin. Faz-se importante pensar em seu enfrentamento efetivo, uma vez que mensagens ofensivas podem se disseminar e se manter no espaço virtual de forma permanente. Ainda, com a dificuldade de se identificar os agressores na Internet, muitas vezes essa forma de violência é ainda mais desafiadora, com poucas punições e permanência oculta da identidade de seus perpetradores24. Estes fatos destacam para a necessidade de ações intersetoriais, envolvendo a saúde, educação, além da sociedade e familiares, visando avançar na agenda 2030 bem-estar dos adolescentes e deter todas as formas de violência. 25.26

Referências
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Malta, D. C., Souza, J. B., Vasconcelos, N. M., MELLO, F.C.M., Buback, J. B., Gomes, C. S.. Cyberbullying entre escolares brasileiros: dados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar, 2019. Cien Saude Colet [periódico na internet] (2024/Mai). [Citado em 23/05/2024]. Está disponível em: http://cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/cyberbullying-entre-escolares-brasileiros-dados-da-pesquisa-nacional-de-saude-do-escolar-2019/19224?id=19224

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