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Artigos

0325/2023 - Desempenho do
Performance of the “A Body Shape Index” as a discriminator of obesity and sarcopenic obesity.

Autor:

• Jane Kellen Silva - Silva, J.K - <janekellennut@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3498-1866

Coautor(es):

• Odaleia Barbosa de Aguiar - Aguiar, O.B - <odaleiab@hotmail.com, odaleia@uerj.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9951-042X

• Maria de Fátima Haueisen Sander Diniz - Diniz, M.F.H.S - <mafhsdiniz@ufmg.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9146-5003

• José Ueleres Braga - Braga, J.U - <ueleres@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5247-007X

• Rosane Harter Griep - Griep, R. H. - <rohgriep@ioc.fiocruz.br, rohgriep@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6250-2036

• Maria de Jesus Mendes da Fonseca - Fonseca, M. J. M. - <mariafonseca818@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5319-5513



Resumo:

Objetivou-se determinar o desempenho diagnóstico do ABSI para obesidade e obesidade sarcopênica, comparado aos resultados da bioimpedância (BIA) e do IMC, por sexo e faixa etária. Trata-se de estudo seccional com 12.793 participantes da onda 2 do ELSA-Brasil, que obteve medidas de percentual de gordura corporal utilizando BIA e antropometria, verificando-se a performance dos testes diagnósticos para comparar os índices. Os resultados mostraram que, para obesidade, em homens nas três faixas etárias, a sensibilidade foi abaixo de 49%. A especificidade variou de 73% a 93%, sendo maior na faixa etária de 65 a 79 anos. Esse padrão foi encontrado para as mulheres, sendo a sensibilidade inferior a 42%; a especificidade variou entre 85% e 92%, sendo maior nas idosas. Quanto à obesidade sarcopênica, a sensibilidade e a especificidade entre os homens nas três faixas etárias foram de 72% e 99%, respectivamente. Entre as mulheres, a sensibilidade foi de aproximadamente 95% e a especificidade em torno de 70% em todas as faixas etárias. O ABSI, comparado à BIA, mostrou reduzida capacidade de discriminar obesidade. Mas, mostrou-se bom marcador de obesidade sarcopênica, comparado aos resultados da BIA em homens e mulheres em todas as faixas etárias.

Palavras-chave:

Body Shape Index; Sensibilidade e Especificidade; Obesidade; Obesidade Sarcopênica; Impedância Elétrica.

Abstract:

The objective was to determine the diagnostic performance of ABSI for obesity and sarcopenic obesity, compared with bioimpedance (BIA) and BMI results, by sex and age group. This is a cross-sectional study with 12,793 participants in wave 2 of the ELSA-Brasil, who obtained measurements of body fat percentage using BIA and anthropometry, verifying the performance of the diagnostic tests in order to compare the indices. The results showed that for obesity, in men in all three age groups the sensitivity was below 49%. Specificity ranged73% to 93%, with a higher percentage in the age group65 to 79 years. This pattern was also found for women, with sensitivity below 42% and specificity ranging85% to 92%, being higher in the elderly. As for sarcopenic obesity, the sensitivity and specificity among men in the three age groups were 72% was 99%, respectively. Among women sensitivity was approximately 95% and specificity around 70% in all age groups. ABSI, compared to BIA, showed a reduced ability to discriminate obesity. However, it proved to be a good marker of sarcopenic obesity, when compared with the results of BIA, in men and women in all age groups.

Keywords:

Body Mass Index; Sensitivity and Specificity; Obesity; Sarcopenic Obesity; Electric Impedance.

Conteúdo:

Introdução
A obesidade é uma doença não transmissível multifatorial complexa definida por adiposidade excessiva, além de ser um dos principais fatores de risco para a doença coronariana, hipertensão arterial, diabetes tipo 2, entre outros1. A classificação da obesidade é geralmente realizada por meio do indicador preconizado pela Organização Mundial de Saúde2 - o índice de massa corporal (IMC). Entretanto, tal índice apresenta sensibilidade baixa ou moderada para demonstrar o grau de excesso de gordura corporal, o que pode levar a uma subestimação nas estimativas de prevalência da obesidade em todas as faixas etárias e em ambos os sexos, além de não refletir a distribuição regional da gordura corporal3,4, principalmente considerando as mudanças no sistema musculoesquelético.
A perda de massa e função do músculo esquelético é comum em indivíduos com obesidade, devido a alterações metabólicas associadas a um estilo de vida sedentário, distúrbios do tecido adiposo e morbidades (doenças agudas e crônicas), assim como as modificações relacionadas ao envelhecimento, caracterizadas pelas mudanças na composição estrutural das articulações e tecidos (massa gorda e magra), mostrando uma nova condição chamada obesidade sarcopênica (OS)5.
A obesidade sarcopênica pode ser definida pela coexistência de baixa massa muscular absoluta ou relativa associada a um IMC maior que 30kg/m2 ou a um excesso de adiposidade medido pelo percentual de gordura avaliada por meio absorciometria de raios X de dupla energia (DEXA) ou análise de impedância elétrica (BIA)6. Clinicamente, é definida como uma maior massa gorda (MG) em relação à massa livre de gordura (MLG) no indivíduo. Entretanto, não há acordo de estratégias para prevenção e tratamento para OS, as quais são dificultadas pela indefinição de critérios de diagnóstico universalmente aceitos. Em estudos que avaliaram a prevalência de OS, como o National Health and Nutrition Examination Survey7 (NHANES), a prevalência foi de 8,1% e 28,3% em adultos com idade de 20-59 anos e idosos com idade superior ou igual a 60 anos, respectivamente. No Brasil, a maioria das estimativas de prevalência da obesidade sarcopênica, em diferentes regiões, foram realizadas com a população idosa, variando de 0,7% a 9,4% 8,9. No entanto, no estudo realizado na cidade de Parnamirim, Nordeste do Brasil, com mulheres de 40 a 65 anos de idade, a prevalência foi de 7,1%10.
Considerando que a forma do corpo, principalmente no que diz respeito à massa gorda, é um marcador de risco cardiovascular e de morte prematura, além das limitações do IMC apontadas acima, em 2012, Krakauer e Krakauer11 propuseram o A Body Shape Index (ABSI), baseado na circunferência da cintura (CC) ajustada para altura e massa corporal (MC). Esse índice objetivou escalonar a CC independente de IMC através da análise alométrica, por meio da qual é possível avaliar o impacto da forma do corpo (grau de protuberância central correlacionado com os depósitos de gordura abdominal) em relação ao tamanho do corpo (medido pela altura, MC e IMC), sendo este um instrumento utilizado na prática clínica dos profissionais de saúde12.
Ji et al.13 concluíram, por meio de uma revisão sistemática, que o ABSI se mostrou um índice para ser utilizado como complementar do IMC para o diagnóstico da obesidade e para a predição de algumas doenças crônicas não transmissíveis e mortalidade. Além disso, Ehrampoush et al.14, com uso de BIA, mostraram que o ABSI teve pouca capacidade de predizer o percentual de gordura corporal, com sensibilidade de 0,45% para mulheres e 0,82% para homens e especificidade de 0,79% e 0,56%, respectivamente, e teve forte correlação apenas com o índice de conicidade, índice este que avalia a obesidade e a distribuição da gordura corporal, considerando que a obesidade central está mais associada às doenças cardiovasculares, como encontrado também por Osftad et al.15, que utilizaram o DEXA. No estudo de Rasaei et al.16, comparando sensibilidade e especificidade das medidas antropométricas para prever o fenótipo metabólico não saudável em mulheres com sobrepeso e obesidade, os autores afirmaram que os achados desse estudo sugerem que existe uma relação significativa entre ABSI e IMC.
Nossa hipótese é de que o ABSI prediz melhor a obesidade e obesidade sarcopênica e tem um melhor desempenho que o IMC, quando comparados à BIA. Além disso, como apontado acima, ainda é escassa a literatura que avalia o desempenho do ABSI. Por essa razão, o objetivo deste estudo é determinar o desempenho do índice ABSI para obesidade e obesidade sarcopênica, comparando aos resultados da avaliação da massa corporal realizada pela BIA e ao IMC, em adultos brasileiros, por sexo e faixa etária.
Métodos
POPULAÇÃO DE ESTUDO
O Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (ELSA-Brasil) acompanha a saúde de uma coorte prospectiva multicêntrica e é realizado em seis instituições brasileiras, sendo cinco universidades e um instituto de pesquisa, participando 15.105 funcionários públicos, servidores ativos e aposentados, com idade entre 35 e 74 anos, na linha de base de 2008 a 2010. Os participantes foram submetidos a questionários presenciais e exames clínicos, laboratoriais e de imagem, aplicados por entrevistadores treinados e certificados em cada centro de pesquisa17.
Os dados utilizados neste estudo foram obtidos na primeira visita de seguimento (segunda onda), de 2012-2014, em que 14.014 participantes foram avaliados. Para essa análise, os participantes amputados (n= 2), os que possuíssem próteses metálicas (n= 87), os com alteração de protocolos da BIA (n= 44), bem como os submetidos à cirurgia bariátrica (n= 149) não eram elegíveis para o estudo. Além desses, não utilizamos dados dos participantes que tinham ausência de informação da BIA ou medidas antropométricas tais como: MC, altura e CC (n= 939). Dessa forma, há 282 (2,0%) participantes que não atendem ao protocolo da BIA e 6,7% de informações perdidas, totalizando 12.793 participantes para o presente estudo (5.833 homens e 6.960 mulheres).
VARIÁVEIS DO ESTUDO
Medidas antropométricas
Massa corporal (MC) - medida em quilograma (kg) em balança eletrônica (Toledo), com capacidade máxima para 200,0 kg e precisão de 0,1 kg.
Altura (A) - medida em centímetros (cm) realizada com estadiômetro fixo da marca SECA-SE-216 e escala de 0,1 cm.
Circunferência da cintura (CC) - medida em cm utilizando fita milimétrica inelástica e flexível de 150 cm, aplicada diretamente sobre a pele e aferida no ponto médio entre a borda inferior do arco costal e a crista ilíaca, na linha axilar média 18,19.
Com base nestas medidas foram calculados os seguintes índices antropométricos:
Índice de Massa Corporal (IMC) - calculado pela razão da MC (kg) pela altura (m) ao quadrado.
IMC=(MC(kg))/?A(m)?^2
A Body Shape Index (ABSI) - calculado pela razão da CC (m) pelo IMC (kg/m2) elevado a2/3 vezes a altura (m) elevada a1/2.
ABSI= (CC (m))/(?IMC?^(2/3) ? ×A(m)?^(1/2) )
Medidas de bioimpedância
As quantidades de gordura do tronco e dos membros inferiores, em kg, foram obtidas por um aparelho de bioimpedância elétrica multifrequência segmentar direta vertical (InBody 230 InBodyCo., Seoul, Korea). O equipamento utilizado tem sistema multifrequencial (10 medidas de impedância na frequência de 20 kHz e 100 kHz) de eletrodos tetrapolares, com um eletrodo tátil de oito pontos.
Os seguintes índices de bioimpedância foram calculados:
Índice de Massa Livre de Gordura (IMLG) - calculado pela razão da Massa Livre de Gordura (MLG) (kg), obtida por BIA, pela altura (m) ao quadrado.
IMLG=( MLG(kg))/?A(m)?^2
Índice de Massa Gorda (IMG) - calculado pela razão da Massa Gorda (MG) (kg), obtida por BIA, pela altura (m) ao quadrado.
IMG=(MG(kg))/?A(m)?^2
Índice de Massa Muscular Apendicular (IMMA) - calculado pela razão da Massa Magra Apendicular (MMA) (kg) pela altura (m) ao quadrado.
IMMA=(MMA(kg))/?A(m)?^2
Critérios de classificação dos marcadores antropométricos
Para a avaliação do marcador obesidade, utilizamos os seguintes pontos de corte:
CC
Os pontos de corte adotados foram os recomendados pela WHO2, sendo de ? 80,0 cm para mulheres e ? 94,0 cm para homens.
IMC
Os participantes foram classificados com eutrofia quando o IMC encontrado foi > 18,5 e < 25,0 kg/m2; a classificação de sobrepeso considerou ? 25,0 kg/m2 e < 30,0 kg/m2; naqueles com obesidade o IMC era ? 30,0 kg/m2 (WHO2).
ABSI
A padronização foi a mesma proposta por Krakauer e Krakauer12, que consideraram participantes com obesidade aqueles que apresentavam resultados acima da média da população estudada. Em nossa população de estudo, a média foi 0,0046 m11/6kg-2/3.
BIA
A obesidade avaliada por meio da BIA considerou os pontos de corte propostos por Baumgartner et al.20, tendo o percentual de gordura para homens ? 28% e para mulheres ? 40%.
A obesidade sarcopênica foi definida pela existência conjunta de sarcopenia e obesidade. Para avaliação desse marcador, utilizamos os seguintes critérios:
A obesidade caracterizada pelos pontos de corte citados acima e a sarcopenia definida pelo cálculo do Índice de Massa Muscular Apendicular IMMA = MMA/A2 (Pontos de corte do músculo esquelético ? 5,75 kg/m2 em mulheres e ? 8,50 kg/m2 em homens)20.
Nesta análise, foram avaliados apenas participantes previamente classificados com obesidade pela BIA que cuja precisão diagnóstica foi comparada com os valores encontrados pelo ABSI e pelo IMC.
COVARIÁVEIS DO ESTUDO
Sexo, classificado como homens e mulheres, e faixa etária, com as seguintes categorias: “38-54 anos”, “55-64 anos” e “65-79 anos”, dado que, uma vez que os participantes do estudo tinham entre 38 e 79 anos, foi feita a categorização em terços.
ANÁLISE DE DADOS
A análise foi estratificada por homens e mulheres, considerando as diferenças de composição corporal na distribuição de massa magra e massa gorda apontadas na literatura. Além disso, uma vez que a composição corporal pode variar com o aumento da idade, fizemos a análise por faixas etárias, para verificar se essa variabilidade influenciaria o desempenho dos indicadores.
A análise descritiva foi realizada por faixa etária e sexo, apresentando as médias e desvio padrão das medidas antropométricas e composição corporal na forma contínua e, quando utilizamos os pontos de corte do IMC, ABSI e BIA, descrevemos as proporções.
A precisão diagnóstica de cada uma das medidas para estimar a massa de gordura foi avaliada usando sensibilidade e especificidade por sexo e faixa etária separadamente. A sensibilidade é a capacidade que o teste diagnóstico apresenta de detectar os indivíduos verdadeiramente positivos (VP). Assim sendo, avalia a capacidade de um teste de detectar a doença quando ela realmente está presente. A especificidade é a capacidade que o teste diagnóstico apresenta de detectar os indivíduos verdadeiramente negativos (VN). Assim, avalia a capacidade de um teste de afastar a doença quando ela está ausente21.
A Razão de chance diagnóstica (RCD) foi usada para gerar a estimativa do poder de discriminação de procedimentos de diagnóstico e para comparar precisões de diagnóstico entre dois testes de diagnóstico. O valor da RCD mais alto indica um melhor desempenho discriminatório do teste. O valor de 1(um) significa que um teste não discrimina entre os indivíduos classificados como positivo e os que não são positivos. Valores inferiores a 1 apontam para uma interpretação inadequada do teste (mais testes negativos entre os doentes)22.
O índice de Youden foi utilizado para a comparação entre os testes de diagnóstico. Se o resultado encontrado for igual a 1, indica perfeita concordância entre sensibilidade e especificidade; caso seja negativo, -1, indica perfeita discordância. Portanto, quanto maior for a robustez de um método, mais próximo de 1, maior será a confiança dele relativamente à sua precisão23.
Neste estudo, as características de performance diagnóstica foram calculadas fazendo a comparação do ABSI, tendo como padrão de referência a BIA, segundo critérios definidos por Baumgartner et al.20, e, com o IMC, estratificadas por sexo e faixa etária.
Para a análise estatística dos dados foi utilizado o software R version 3.4.224.
ASPECTOS ÉTICOS
O ELSA-Brasil teve seus protocolos aprovados pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP 976/2006) e pelo Comitê de Ética em Pesquisa, conforme CAAE das instituições envolvidas: 669/06 (USP), 343/06 (FIOCRUZ), 041/06 (UFES), 186/06 (UFMG), 194/06 (UFRGS) e 027/06 (UFBA).
Todos os participantes responderam aos questionários e realizaram os exames e medidas após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Resultados
A amostra foi composta por 12.793 participantes com média de idade 55 anos (desvio-padrão=8,9), sendo 54,4% do sexo feminino. Quanto à faixa etária, 48,3 % tinham entre 38 e 54 anos, 34,2% tinham entre 55 e 64 anos e 17,5 % tinham entre 65 e 79 anos.
No tocante às características antropométricas e à composição corporal (Tabela 1), observamos que a média de MC da população total foi de 75,1 kg (IC 95%: 74,9 – 75,4). Entre homens e mulheres, a maior média de MC foi observada na faixa etária de 38 a 54 anos, 83,0 kg (IC 95%: 82,5 – 83,6) e 71,0 kg (IC 95% 70,5 – 71,5), respectivamente. As mulheres apresentaram uma média de CC de 91,0 cm e os homens, 97,6 cm (dados não apresentados).
No total da população estudada, o percentual de gordura corporal médio foi de 33,9% (IC 95% 33,7 - 34,0) e o IMC de 27,7 kg/m2 (IC95%:27,6 - 27,8). A média de ABSI dos participantes foi de 0,0046 m11/6 kg-2/3, com leve acréscimo no aumento da faixa etária entre os homens (Tabela 1).
Da amostra total, a avaliação da classificação do IMC mostrou que 41,4% apresentam sobrepeso e 26% apresentam obesidade. Entre os homens, os mais jovens apresentaram o maior percentual de obesidade para classificação do IMC (24,9%) e os na faixa etária de 65-79 apresentaram o maior percentual para ABSI e BIA, 59,7% e 75,9%, respectivamente. Assim como entre os homens, entre as mulheres os indicadores de obesidade foram mais altos entre as que se encontravam na faixa etária de mais de 65-79, exceto para o IMC, que as da faixa de 55-64 anos apresentaram o maior percentual de IMC 29,6% para obesidade (Tabela 2).
Quanto aos valores das medidas de performance diagnóstica para homens (Tabela 3), verificamos que para obesidade nas três faixas etárias a sensibilidade encontrada foi abaixo de 49%. Não obstante, a especificidade variou de 73% a 93%, sendo maior percentual na faixa etária de 65 a 79 anos.
Com relação às mulheres, na verificação dos valores das medidas de performance diagnóstica para a obesidade, encontramos resultados semelhantes. A sensibilidade observada ficou abaixo de 42% e a especificidade variou entre 85% a 92%, demonstrando a maior capacidade do ABSI em distinguir as não classificadas como obesidade, quando esta condição estava ausente.
Na classificação de ABSI para obesidade sarcopênica (Tabela 3), os homens mais idosos com obesidade sarcopênica tiveram maior sensibilidade (61%), enquanto a maior especificidade foi semelhante nas três faixas etárias (99%). Para RCD, encontramos valores elevados (81,1) entre os idosos. Para as mulheres, observamos sensibilidade acima de 90% nas três faixas etárias, para obesidade sarcopênica, indicando uma alta capacidade de discriminação do ABSI. A maior especificidade foi encontrada nas mulheres de 38 a 54 anos (76%). A RCD foi mais alta nas mulheres de 55 a 64 anos, 46,2 (IC 95% 23,4 - 91,1); para as mulheres de 38 a 54 anos, 23,5 (IC 95% 10,3 - 53,4); para a faixa etária de 65 a 79 anos, 12,20 (IC 95% 7,1 - 21,1). Tal fato evidencia que o ABSI tem um alto poder discriminatório. Além disso, os valores do Índice de Youden, nas três faixas etárias, indicam a adequação do ABSI em classificar a obesidade sarcopênica, 0,71, 0,67 e 0,60, respectivamente (dados não apresentados).
Na classificação do IMC para obesidade sarcopênica, nos homens, a sensibilidade variou de 78% a 83%, enquanto a especificidade observada foi de 0,02%. Entre as mulheres com obesidade sarcopênica, a maior sensibilidade e especificidade encontradas foi na faixa etária de 65 a 79 anos, 44% e 69%, respectivamente. Entretanto, a RCD foi de 0,09 (IC 95% 0,06- 0,14) e o Índice de Youden foi negativo, demonstrando que o IMC não é um teste aceitável para classificar a obesidade sarcopênica em mulheres com obesidade.
Discussão
Os resultados deste estudo mostraram que o ABSI pode ser um bom marcador de obesidade sarcopênica, quando comparado aos resultados da BIA, em homens e mulheres em todas as faixas etárias. Por sua vez, o IMC mostrou resultados satisfatórios, quando comparados com os resultados da BIA, na população de adultos com obesidade. Entretanto, o ABSI não se mostrou bom marcador de obesidade para todos os grupos de sexo e faixa etária. Possivelmente, os resultados dos testes de diagnóstico para o ABSI não apresentaram resultados satisfatórios em virtude do índice não discriminar suficientemente a massa muscular e a massa gorda, considerando as diferenças da distribuição dos componentes corporais existentes entre homens e mulheres. Ao contrário, o IMC mostrou um desempenho melhor do que o ABSI como marcador de obesidade entre homens e mulheres em todas as faixas etárias. Resultado semelhante foi encontrado na metanálise3 que comparou o IMC com diversas técnicas para avaliação da composição corporal, em que o IMC apresenta sensibilidade e especificidade alta comparado a BIA. Em relação a obesidade sarcopênica, as estimativas de gordura corporal medidas pelo IMC quando comparadas com a BIA, podem subestimar os resultados, por apresentarem alteração nas propriedades de condução elétrica dos tecidos, o que pode alterar a penetração da corrente elétrica25.
Estudos sobre o desempenho do ABSI com obesidade sarcopênica são escassos. No entanto, o estudo realizado por Biolo et al.26 apontou que o ABSI foi um bom preditor de sarcopenia em indivíduos com sobrepeso ou obesidade e concluiu que ele pode contribuir para definir o risco de obesidade sarcopênica em homens e mulheres. Como na análise da obesidade sarcopênica que realizamos foram incluídos apenas os participantes com obesidade, fizemos análise de sensibilidade utilizando os mesmos critérios de classificação que os autores citados acima e as duas categorias (sobrepeso e obesidade), de acordo com a classificação da BIA. Contudo, o desempenho do ABSI não apresentou grandes diferenças (dados não apresentados). Outro estudo que também verificou adequação do ABSI para predição de obesidade sarcopênica medido pela BIA em diabéticos tipo 2 classificados com obesidade, que apresentavam IMC médio de 39,7 kg/m2 para mulheres e 36,4 kg/m2 para homens, observou desempenho satisfátorio27.
A média do ABSI encontrada na população do ELSA-Brasil foi de 0,0046 m11/6 kg-2/3. Quanto ao percentual de gordura medido pela BIA, o indicativo de obesidade foi de 34,1% e o IMC, de 27,7 kg/m2. No Irã, na cidade de Ahvaz14, na pesquisa realizada com homens e mulheres com idade média de 33 anos, os autores avaliaram o ABSI e sua capacidade para estimar a adiposidade corporal. Os resultados mostraram ABSI médio de 0.0790 m11/6 kg-2/3 e percentual de gordura medido pela BIA de 31% (desvio-padrão = 8,33). Na coorte de base populacional entre indivíduos com 55 anos ou mais, no município de Roterdã, na Holanda28, os achados médios de ABSI foram de 0,083 m11/6 kg-2/3 e CC de 0,98m para homens e 0,90m para mulheres.
Como vimos, a maioria dos estudos encontraram a média do ABSI superior ao nosso. No entanto, como o ABSI tem ponto de corte na média da população estudada, a comparabilidade dos dados entre os diferentes estudos fica comprometida, considerando que os compartimentos corporais se modificam de acordo com a idade, sexo, intensidade do trabalho laboral, problemas de saúde, atividade física e outros fatores que influenciam na composição corporal, podendo ser a explicação das diferenças encontradas nos valores de ABSI entre os diferentes estudos. O ABSI não tem, até o momento, pontos de corte universais, o que torna difícil a avaliação das divergências na média dos valores do ABSI entre a nossa população e as populações estudadas.
Assim, destacamos que os achados apontam para uma discriminação da obesidade para homens e mulheres, uma vez que foi encontrada uma especificidade considerada satisfatória, chegando a 93% entre os homens de 65 a 74 anos. Porém, a sensibilidade é baixa, o que leva a concluir que o ABSI discrimina melhor os verdadeiros negativos, comparado com os verdadeiros positivos. O estudo de Ehrampoush et al.14 investigou a capacidade do ABSI de avaliar o percentual de gordura corporal e, como resultado, encontrou sensibilidade de 82% e especificidade de 56% para os homens e sensibilidade de 45% e especificidade de 80% para as mulheres. Muito embora o ABSI tenha como alegação mostrar a alometria corporal, os resultados parecem evidenciar que o índice não distingue muito bem a variação da distribuição de massa muscular e massa gorda entre os sexos e, com o avanço da idade, a limitação da predição pode ser maior ainda.
O teste ideal seria aquele que apresentasse sensibilidade e especificidade altas. Nos casos em que a alta estimação da sensibilidade ou da especificidade não for encontrada, pode-se utilizar uma combinação dos testes para aumentar a qualidade do diagnóstico. Assim, os testes podem ser aplicados em série. Primeiro, um teste com alta sensibilidade para o screening de doenças em grupos populacionais. Se o primeiro teste for positivo, aplica-se um teste com alta especificidade para confirmar o diagnóstico sugerido pelo primeiro teste21. Dessa forma, o ABSI poderia ser utilizado em conjunto com outro índice de alta sensibilidade para a classificação de obesidade em homens de qualquer faixa etária.
A maioria dos estudos utiliza como teste de diagnóstico apenas sensibilidade, especificidade e curva ROC. Entretanto, utilizamos também a Razão de Chance Diagnóstica, que é utilizada para gerar a estimativa do poder de discriminação de procedimentos de diagnóstico23, o que garante maior confiabilidade ao estudo. Apesar de não encontrarmos comparações para essa medida na literatura, consideramos importante chamar atenção ao fato de que esse outro índice corroborou nossa afirmação de que o ABSI parece não ser um bom preditor da obesidade.
Na população estudada, observamos também, em ambos os sexos e em todas as faixas etárias, que os valores médios de CC foram superiores aos sugeridos pela WHO2. As mulheres apresentaram uma média de CC de 91,0 cm e os homens, 97,6 cm, sendo esses valores 14% e 4% acima do ponto de corte da WHO, respectivamente (dados não apresentados). Nos homens, o tecido adiposo tende a ser mais centralmente depositado, sugerindo aumento da CC para uma determinada massa gorda, enquanto nas mulheres o tecido adiposo é depositado principalmente na parte inferior do corpo (gluteofemoral), sugerindo menor CC para uma determinada massa gorda29. Assim, ao contrário do esperado, as mulheres apresentaram maior deposição de gordura abdominal do que os homens. Essa pode ser a razão pela qual o ABSI demonstrou resultados semelhantes para homens e mulheres, sendo que, em ambos os sexos e em todas as faixas etárias, o maior poder discriminatório do índice foi de detectar os verdadeiros negativos, comparado aos verdadeiros positivos.
Os pontos fortes do estudo incluem o tamanho e representatividade de homens e mulheres do estudo ELSA-Brasil e sua natureza multicêntrica, a qualidade dos dados e a distribuição da idade entre 38 e 74 anos. No entanto, este estudo tem algumas limitações. Primeiro, comparado aos marcadores antropométricos mais tradicionais nos estudos, o ABSI é um índice recente que está sendo testado por outros estudos há pouco tempo. Em segundo lugar, o ABSI em torno da média tem baixa variância, o que torna difícil definir um ponto de corte clínico para prática clínica. O mesmo podemos aplicar para a falta de consenso entre os critérios propostos na literatura para classificação da obesidade sarcopênica, que pode afetar a predição dessas condições. Outro ponto é o uso da BIA, que, apesar de apresentar vantagens por sua praticidade e ser um procedimento rápido, não invasivo e não depender de erros inerentes ao avaliador, seu uso pode superestimar os valores observados. Além disso, o uso da definição de obesidade pelo percentual de massa gorda como ponto de corte fixo, independentemente da idade, pode trazer limitações para os resultados encontrados. Entretanto, verificamos que as diferenças entre as faixas etárias foram pequenas.
Não encontramos muitos estudos para usar na comparação dos resultados e acreditamos que possa ser devido a um viés de publicação, uma vez que os autores têm mais dificuldade de publicar resultados que não sejam significativos30,31. Dessa forma, observamos que, para obesidade, o IMC apresentou um desempenho melhor. Entretanto, é importante ressaltar que o ABSI se mostrou um bom marcador de obesidade sarcopênica, quando comparado aos resultados da BIA, em homens e mulheres em todas as faixas etárias. Estudos como o do ELSA-Brasil podem auxiliar na definição de pontos de corte em variáveis contínuas para “discretizar” um biomarcador em diferentes categorias. A vantagem da aplicação de pontos de corte é que o uso de limiares nos parâmetros facilita a tomada de decisão na prática clínica.
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Referências
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