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0285/2024 - Doença cerebrovascular isquêmica e hemorrágica no Brasil: tendência de mortalidade e correlação com indicadores socioeconômicos em 20 anos
Doença cerebrovascular isquêmica e hemorrágica no Brasil: tendência de mortalidade e correlação com indicadores socioeconômicos em 20 anos

Autor:

• Alessandro Rocha Milan de Souza - Souza, A. R. M. - <armilan36@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/ 0000-0002-0203-6395

Coautor(es):

• Davi da Silveira Barroso Alves - Alves, D. S. B. - <davi.alves@uniriotec.br>(
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8664-703X

• Glenda Corrêa Borges de Lacerda - Lacerda, G. C. B. - <glenda.lacerda@unirio.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0776-0769

• Paulo Henrique Godoy - Godoy , P. H. - <paulo.godoy@unirio.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0057-7363



Resumo:

O estudo analisa a tendência da mortalidade por doença cerebrovascular (DCBV) no Brasil, regiões e unidades da federação, de 2000 a 2019, e correlação com índice desenvolvimento humano municipal (IDHM) e índice de vulnerabilidade social (IVS). Tem delineamento ecológico e descreve uma série temporal de óbitos. Os códigos para causas por DCBV, segundo CID-10, foram divididos em três grupos: isquêmica (DCBVI), hemorrágica (DCBVH) e não especificada (DCBVNE). O Sudeste apresentou o maior número total de óbitos. A análise estratificada mostrou tendência geral de decréscimo na mortalidade por DCBVH e DCBVNE, no Brasil, com aumento no Norte e Nordeste para DCBVI e DCBVH. Para o IDHM houve correlação positiva forte entre a variação percentual anual do período total (AAPC) e a tendência da taxa de mortalidade para DCBVH, a partir de 40 anos, e para DCBVI em maiores de 80 anos. Não houve correlação entre AAPC do IVS e a tendência da taxa de mortalidade entre os grupos de causas. Conclui-se que a tendência ao aumento de óbitos por DCBVI e DCBVH no Norte e Nordeste, possivelmente, está relacionada a desigualdade econômica e social nestas regiões. O decréscimo da DCBVNE parece refletir no aumento da DCBVI, que pode significar melhoria dos registros no Sistema de Informação de Mortalidade.

Palavras-chave:

Acidente vascular cerebral, Mortalidade, Indicadores de Desenvolvimento

Abstract:

The article analyzes mortality trends due to cerebrovascular disease (CBVD) in Brazil, regions and federation units,2000 to 2019, and its correlation with the municipal human development index (MHDI) and social vulnerability index (SVI). It has an ecological design and describes a time series of deaths. The codes for DCBV, according to ICD-10, were divided into three groups: ischemic (CBVDI), hemorrhagic (CBVDH) and unspecified (CBVDU). The Southeast had the highest total number of deaths. In the stratified analysis, a general decreasing trend was observed in Brazil for CBVDH and CBVDU with an increase in the North and Northeast in CBVDI and CBVDH. For the MHDI, there was a strong positive correlation between AAPC (annual percentage change of the total period) and mortality trends rate for CBVDH40 years of age and for CBVDI in those over 80 years of age. There was no correlation between the AAPC of the SVI and mortality trends rate between the disease groups. It is concluded that the trend towards an increase in deathsCBVDI and CBVDH in the North and Northeast is possibly related to economic and social inequality in these regions. The decrease in CBVDU seems to reflect an increase in CBVDI, which could mean an improvement in mortality registrations.

Keywords:

Ischemic Stroke, Hemorrhagic Stroke, Death Certificates, Development Indicators

Conteúdo:

Introdução

A doença cerebrovascular (DCBV) é a segunda causa de mortalidade no mundo, responsável por 10,2% do total de mortes em 2016. Entre estas, 4,9% foram atribuídas ao acidente vascular cerebral isquêmico (AVCI) e 5,2% ao acidente vascular cerebral hemorrágico (AVCH) 1

No ano de 2019, mais de 6 milhões de pessoas morreram por AVC no mundo com uma tendência, até o ano de 2060, de mais de 10 milhões de óbitos.2 Nos países classificados como renda média-alta, o caso do Brasil, a estimativa é de diminuição de 15,2% em 2016 para 12,8% em 2060. Já nos países de baixa renda, a previsão é de crescimento dos atuais 5,2% em 2016 para 10% em 20603.

As taxas de letalidade após um AVC são de cerca de 15% em 1 mês, 25% em 1 ano e 50% em 5 anos. Aproximadamente 40% dos sobreviventes ficam incapacitados entre 1 mês e 5 anos após o AVC 4. No caso do AVCH, as taxas de letalidade são de cerca de 55% em 1 ano e 70% em 5 anos5.

A prevalência de AVC no Brasil varia entre os estudos e diferentes estados do Brasil, de 1,3 até 6,8%6–8 Essa ampla variação tem sido atribuída às dimensões continentais de nosso país, à desigualdade socioeconômica9 bem como ao método empregado para análise.

A declaração de óbito (DO), sistematizadas pelo Sistema de Informação de Mortalidade (SIM), traz consideráveis informações para análise, com finalidade de vigilância epidemiológica, possibilitando a monitoração quanto às mortes por doenças, que permite realizar projeções para o sistema de saúde brasileiro10. Na literatura, a maioria das investigações incluem todos os códigos sobre DCBV. As causas passíveis de cursar com lesão cerebral, trazem mais morbidades e, portanto, podem estar mais envolvidas com a causa básica do óbito. Há outros trabalhos que não separaram as causas isquêmicas das hemorrágicas, doenças diferentes quanto a faixa etária acometida e fatores de risco, o que pode dificultar a interpretação dos resultados.11

O conceito de Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) foi apresentado em 1990, no primeiro Relatório de Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Em 2012, o PNUD Brasil junto ao Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e a Fundação João Pinheiro adaptaram a metodologia do IDH Global para calcular o IDH Municipal (IDHM) dos 5.565 municípios brasileiros. Esse cálculo foi realizado a partir das informações dos três últimos Censos Demográficos do IBGE – 1991, 2000 e 2010 – e conforme a malha municipal existente em 2010. 12 O Índice de Vulnerabilidade Social (IVS) traduz num indicador sintético a ausência ou a insuficiência de recursos essenciais para o bem-estar e a qualidade de vida da população, conforme situações de vulnerabilidade social. Sua metodologia de construção foi semelhante ao processo do IDHM. Os dados disponíveis a partir de 2017, mantêm os indicadores produzidos para os anos 2000 e 2010. O cálculo de indicadores, dimensões e índices tomaram por referência os dados brutos produzidos pela Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio (PNAD) de 2011 a 201513.

Estes dois indicadores permitem reconhecer, sobretudo na esfera municipal, um acompanhamento progressivo do desenvolvimento humano em contraste com a evolução da vulnerabilidade social no Brasil, de modo a auxiliar a elaboração de políticas públicas além de avaliar sua efetividade.

Estudos de associação entre indicadores socioeconômicos e risco de DCBV em adultos mostraram resultados conflitantes demonstrando correlações negativas e positivas.13,14 No Brasil, o papel destes indicadores na epidemiologia da DCBV segue as mesmas disparidades, inclusive entre regiões.15

Assim, o objetivo deste estudo foi analisar a tendência de óbitos por DCBVI e DCBVH, no Brasil, regiões e unidades da federação, e sua correlação com IDHM e IVS, no período de 2000 a 2019.

Método

a) Desenho do estudo, população e período
Trata-se de um estudo ecológico, com descrição de uma série temporal para análise das tendências dos óbitos e associação com IDHM e IVS para o Brasil, suas regiões e unidades da federação, no período de 2000 a 2019.

b) Coleta e fonte de dados

As causas de óbitos por DCBV foram identificadas nas bases de dados individuais do SIM, conforme a 10a revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-10), junto a outras condições e fatores registrados nas DO.

Para este estudo, optou-se por incluir as DCBV causadoras de lesão cerebral que, em princípio, seriam passíveis de identificação objetiva por neuroimagem. Entre os códigos da CID-10, para estas doenças, estão incluídas causas não especificadas como isquêmica ou hemorrágica. Assim, as doenças, objetos do estudo, foram agrupadas em três grupos segundo as causas de óbitos: a) Doença Cerebrovascular isquêmica (DCBVI): I63 (infarto cerebral), I67.3 (leucoencefalopatia vascular progressiva), I67.8 (outras doenças cerebrovasculares especificadas- Insuficiência cerebrovascular aguda e Isquemia cerebral crônica) e I69.3 (sequelas de infarto cerebral); b) Doença Cerebrovascular hemorrágica(DCBVH): I60 (hemorragia subaracnóide), I61( hemorragia intracerebral), I62 (outras hemorragias intracranianas não-traumáticas), I69.0 (sequelas de hemorragia subaracnoídea), I69.1 (sequelas de hemorragia intracerebral) e I69.2 (sequelas de outras hemorragias intracranianas não traumáticas); c) Doença Cerebrovascular isquêmica ou hemorrágica não especificada(DCBVNE): I64 (acidente vascular cerebral, não especificado como hemorrágico ou isquêmico), I67.9 (doença cerebrovascular não especificada), I69.4 (sequelas de acidente vascular cerebral não especificado como hemorrágico ou isquêmico) e I69.8 (sequelas de outras doenças cerebrovasculares e das não especificadas).

Embora a base de dados, segundo o DATASUS, considere como doenças cerebrovasculares os códigos I60-I69 considerou-se que a fisiopatologia e etiologia de algumas delas são muito peculiares e, em outros casos, não há lesão cerebral objetivamente detectável. Portanto, os códigos I65 (oclusão e estenose de artérias pré-cerebrais que não resultam em infarto cerebral) , I66 (oclusão e estenose de artérias cerebrais que não resultam em infarto cerebral), I67.0 (dissecção de artérias cerebrais, sem rutura), I67.1 (aneurisma cerebral não-roto), I67.2 (aterosclerose cerebral), I67.4 (encefalopatia hipertensiva), I67.5 (doença de Moyamoya), I67.6 (trombose não-piogênica do sistema venoso intracraniano sem infarto cerebral), e I67.7 (arterite cerebral não classificada em outra parte) foram excluídos. O código I68 (transtornos cerebrovasculares em doenças classificadas em outra parte) também foi excluído por referir-se a doenças com etiologia definida e acometimento vascular sem necessariamente dano cerebral identificável.

Em relação à idade, analisou-se adultos, estratificados nas seguintes faixas etárias: 20-39 anos; 40-59 anos; 60-79 anos, 80 anos ou mais e global (todas as faixas etárias).

Foram selecionados dois indicadores de desenvolvimento para correlação: i) o IDHM, que analisa o grau de desenvolvimento humano brasileiro sendo composto pelas mesmas três dimensões do IDH Global – longevidade, educação e renda – mas que adequa a metodologia global ao contexto brasileiro e à disponibilidade de indicadores nacionais. Quanto mais perto de 1 melhor o IDHM; ii) o IVS e suas três dimensões - infraestrutura urbana, capital humano e renda e trabalho - que representam três conjuntos de ativos, cuja posse ou privação determina as condições de bem-estar das populações nas sociedades contemporâneas. Ao contrário do IDHM, quanto mais perto de 1 pior o indicador.

O IDH foi obtido do atlas de desenvolvimento humano12 e o IVS do atlas de vulnerabilidade social16, tendo como base o ano de 2010. Os dados de IDH e IVS são calculados nos anos censitários (2000 e 2010) e com base nos dados brutos das PNAD (2011-2015).


c) Análise estatística

Foram estimadas taxas anuais brutas e padronizadas de mortalidade por 100.000 habitantes pelo método direto 17utilizou-se como referência a população agregada de 2000 a 2019, independente do sexo. O dado populacional para estimativa das taxas foi extraído no site do DATASUS18. A taxa de mortalidade foi padronizada segundo faixa etária e sexo, para cada grupo de causa e sua variação, nas regiões e no Brasil, no período de 2000 a 2019. As análises foram realizadas através do software R.

Para a análise temporal e tendência foi utilizado o modelo de regressão por pontos de inflexão, o joinpoint regression model, com objetivo de identificar pontos de mudanças estatisticamente significativas e a variação percentual anual dos coeficientes de mortalidade entre 2000 e 2019. Este método possibilita identificar a tendência de cada indicador (estacionária, crescente ou decrescente), os pontos no tempo em que há modificação nessa tendência (joins), bem como a variação percentual anual (annual percent change [APC]) e a variação percentual do período total (average annual percent change [AAPC]). O número de joinpoints foi calculado pelo teste de permutação, utilizando as correções de Bonferroni, com intervalo de confiança de 95% (IC 95%) e nível de significância de 5%. Para as análises, foram utilizados os softwares Joinpoint Regression 4.5.0.1, obtido através do National Cancer Institute, USA19.

Foram calculadas a AAPC dos indicadores e seus domínios, em todo período, por UF. Foi realizada correlação entre AAPC dos grupos de doença e AAPC dos indicadores e seus domínios por faixa etária e grupo de doenças no período total.


Resultados

Foram encontrados 1.924.715 óbitos por DCBV isquêmica e hemorrágica, no período. Observaram-se os seguintes números segundo as causas: DCBVI – 361.072 (19%); DCBVH – 442.434 (22%); DCBVNE – 1.121.209 (59%). A região Sudeste apresentou o maior número de óbitos em todas as causas, representando 44,13%, seguida pelo Nordeste com 26,10%; Sul, 18,82%; Centro Oeste, 5,75% e Norte, 5,18%. (tabela 1)

O sexo feminino correspondeu a 50,29% dos óbitos. A faixa etária de 60-79 representou a maior parte dos óbitos com 49,92% seguida por 80 ou mais (35,59%), 40-59(16,93%) e 20-39(2,56%). Ao estratificar segundo sexo, observou-se que a única faixa etária na qual a proporção de mulheres ultrapassou a de homens foi em indivíduos com idade igual ou superior a 80 anos. As taxas de mortalidade foram maiores nas regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste. (tabela 1)

Na análise estratificada dos óbitos por grupo de causas e regiões, realizada no período total (AAPC) verificou-se tendência geral de decréscimo no Brasil para DCBVH e DCBVNE e estabilidade para DCBVI. Quando estratificado por períodos (APC), entretanto, houve aumento a partir de 2015, principalmente nos 2 últimos estratos etários. Esta tendência de aumento para DCBVI foi verificada em todas as regiões, exceto no Nordeste. A DCBVNE apresentou tendência de aumento significativo, apenas, nas regiões Norte e Nordeste, de 2000 a 2007, em octogenários. A DCBVH aumentou entre 2000 e 2017 no Norte e em todo período de análise no Nordeste, na faixa etária maior de 80 anos (tabela 2).

As maiores reduções nas taxas de mortalidade por DCBVI e DCBVH ocorreram na faixa abaixo dos 60 anos. Ao contrário, na população mais idosa houve aumento dessas taxas, com predomínio nos estados do Norte e Nordeste, tendência a estabilidade no Centro- Oeste e diminuição no Sul e Sudeste. A taxa de mortalidade por DCBVNE mostrou tendência a diminuição em todas as faixas etárias e nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul. Nos octagenários, ao contrário, houve aumento importante no Amazonas, Maranhão, Piauí, Paraíba, Alagoas e Sergipe (Figura 1).

Em relação à análise dos indicadores de desenvolvimento, para o IDHM, no geral, houve aumento da AAPC em todos os estados. Os maiores aumentos concentraram-se nos estados do Norte e Nordeste. O domínio educação foi o que apresentou maior aumento da AAPC. O Distrito Federal alcançou o maior IHDM no ano de 2019 (0,86) (Tabela 3).

Para o IVS, de forma geral, a AAPC reduziu em todas as regiões. As maiores reduções ocorreram em Rondônia, Mato Grosso do Sul e Santa Catarina. Os menores valores em 2019 se concentraram nos estados do Sudeste, Sul e Centro-oeste. Ao analisar os domínios do IVS, observou-se os maiores decréscimos na infraestrutura urbana, em Rondônia (9,1%) e Amapá (12,25%) (Tabela 3).

Para o IDHM houve correlação positiva forte entre a tendência temporal em todo período (AAPC) e a tendência das taxas de mortalidade com a DCBVH a partir de 40 nos de idade e correlação positiva forte com DCBVI em maiores de 80 anos As dimensões do IDHM apresentaram correlação positiva semelhantes, exceto para a dimensão renda, em que não houve correlação com a DCBVI. A DCBVNE apresentou correlação positiva, forte, com o IDHM em todos os seus domínios (Tabela 4).

Não houve correlação entre a tendência da AAPC do IVS com as tendências das taxas de mortalidade, entre os grupos de doenças e as faixas etárias. A dimensão infraestrutura, do IVS, foi a única que apresentou correlações negativas, moderadas, de significância, com a DCBVH e DCBVNE nos 3 últimos estratos etários. De forma contrária, na dimensão renda as correlações foram positivas, fracas a moderadas, com a DCBVNE e na dimensão capital as correlações, também, foram positivas, moderadas, com DCBVH e DCBVNE (Tabela 4).

Discussão

O presente estudo mostrou que houve tendência de estabilidade por DCBVI e redução nos óbitos por DCBVH, no Brasil, para o período estudado, ainda ao considerar a DCBVNE. Isto está de acordo com as projeções da Organização Mundial da Saúde (OMS)3

A primeira unidade para cuidados específicos com AVC, no Brasil, situada em Joinville-SC, foi implantada em 1997. A partir de 2008 o Ministério da Saúde promulgou a portaria nº 665/2012 com a finalidade de implantar serviços de referência em todo o país20. Entre 1998 e 2017, houve uma intensa expansão do número de equipe de saúde da família. A associação desta expansão e a redução da mortalidade por doenças cerebrovasculares já foi demonstrada21.

Apesar das tendências descritas para a DCBVI e DCBVH, os números de óbitos continuam elevados no país, superiores aos dos países desenvolvidos e, ainda, com uma das maiores taxas entre os países da América Latina22,23. Segundo os dados do estudo Global Burden of Disease (GBD), em 2019, as maiores taxas de mortalidade, ocorreram no Uruguai (102/100.000) seguido do Brasil (60,47/ 100.000), Chile (57,95/100.000) e Argentina (57,78/100.000) 24.

Ao estratificar segundo sexo, observou-se que a única faixa etária na qual a proporção de óbitos em mulheres ultrapassou a de homens foi em indivíduos com idade igual ou superior a 80 anos. De Souza et al encontraram resultado semelhante, em nosso país, ao analisarem a mortalidade por DCBV entre 1996 e 201525. Verifica-se tal achado, também, na américa do Norte e Europa26. Entre fatores que possam explicar a maior mortalidade em mulheres octogenárias estão a maior propensão de hipertensão arterial sistêmica (HAS) em mulheres pós-menopausa27 e a fibrilação atrial, fator de risco que aumenta em 4 vezes a chance de DCBVI, ocorrer em cerca de 60% das mulheres, com mais de 75 anos de idade28. A maior proporção de mulheres do que homens, nesta faixa etária, pela maior sobrevida no sexo feminino, também, poderia estar entre os possíveis motivos29.

Na DCBVI foram observadas maiores taxas de mortalidade nas faixas etárias mais avançadas e na DCBVH na faixa etária mais jovem. Esses achados corroboram com os de De Moraes et al que estudaram a mortalidade por DCBV em pacientes jovens (10-49 anos), nas regiões Sul e Sudeste do Brasil, e encontraram que 76% das mortes eram por DCBVH 30 . O risco de mortalidade por DCBV na população idosa é substancialmente maior do que em outras faixas etárias. Uma das razões é o acúmulo de fatores de risco, como HAS, diabetes, etilismo, tabagismo e hábitos alimentares inadequados. 31

As taxas de mortalidades por DCBVI e DCBVH foram maiores nas regiões Sudeste e Sul, porém, com tendência de redução significativa. Em contraste, o Norte e o Nordeste apresentaram as menores taxas, mas com tendência de crescimento significativo. As maiores taxas observadas nos estados mais desenvolvidos refletem maior participação das condições crônicas no perfil de mortalidade, em regiões mais populosas25 Regiões mais vulneráveis, de forma diferente, podem apresentar menores taxas, por estas doenças, em razão da persistência da mortalidade de outras doenças relacionadas à pobreza como as causas infecciosas e parasitárias.32

Os achados de maior AAPC por DCBVI no Norte e Nordeste são consonantes com os de Mansur e Guimarães, que também utilizaram o SIM para analisar a mortalidade cardiovascular no Brasil, embora com análise de períodos diferentes do nosso33,34.Essas regiões apresentam pior consumo de frutas e hortaliças, menor taxa de prática de exercícios físicos regulares por semana e maior taxa de inatividade física, maior índice de pessoas que consideram seu estado de saúde ruim, e elevada prevalência de HAS35. Somam-se a isso menor chance de obter pelo menos um medicamento para HAS em farmácia popular e a maior taxa de AVC ocorrer na população do Nordeste, conforme dados da Pesquisa Nacional de Saúde, realizada pelo IBGE, em 201936. A maior prevalência de obesidade no Brasil se dá nestas mesmas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste37 .Todos esses fatores conferem risco aumentado para DCBV38 e podem justificar os resultados encontrados para estas regiões, no presente estudo.

Diferente de Lotufo et al, que encontraram redução, em cerca de 50%, na proporção de mortes por DCBV abaixo dos 70 anos, entre 1990 e 2015 39, a redução mais importante para DCBVI, no presente estudo, se verificou em maiores de 80 anos. O oposto aconteceu para DCBVH, em que houve aumento nos octogenários apenas no sexo masculino. Estes achados não estão em concordância com o estudo de Passos et al40 que observou diminuição progressiva e importante da mortalidade por DCBV em todos os estratos etários. É possível que isto seja justificado pelo método do estudo, particularmente, ao que se refere ao critério de inclusão para as causas das DCBV. Os estudos de outros autores incluíram todos os códigos para DCBV do CID-1011,41 enquanto na presente investigação considerou-se analisar, somente, as DCBV passíveis de causar lesão cerebral que, em princípio, seriam identificáveis por neuroimagem, no caso a DCBVI e a DCBVH. Acresce-se o fato de que, nesse estudo, essas doenças foram analisadas individualmente.

Dentre as seis metas associadas a DCBV, propostas em 2011 42 e agora analisadas no Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas e Agravos não Transmissíveis no Brasil 2021-2030, observou-se que, no período de 2015-2019, houve diminuição na velocidade de decréscimo para 4 delas: redução de mortalidade prematura (30-69 anos) por doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) em 2% ao ano, redução da prevalência de tabagismo em 30%, detenção do crescimento da obesidade em adultos e aumento do consumo recomendado de frutas e hortaliças em 10%43. Tal fato, possivelmente, pode contribuir, como uma das possíveis justificativas, para o aumento dos casos de DCBVI em todas as regiões, a partir de 2015, observado na estratificação por períodos (APC) do presente estudo.

Esta investigação encontrou redução para DCBVH no Brasil, o que está de acordo com os achados de Oliveira GMM et al44 que utilizaram dados do GBD de 2017. Entretanto, ressalta-se, mais uma vez, a situação das regiões menos favorecidas, como Nordeste e Norte, que apresentaram aumento na AAPC em maiores de 80 anos e APC no Norte, entre 2011 e 2017 chegando a 9,0.

A tendência de queda na DCBVNE no país reflete, possivelmente, a melhoria no preenchimento das declarações de óbitos45 embora ainda represente a maior parte dos registros nas bases de dados do SIM. Ao analisar as regiões do Brasil, observou-se menor diminuição para DCBVNE nas regiões Norte e Nordeste, apenas ao considerar-se em conjunto os três primeiros estratos etários. Entretanto, naqueles com mais de 80 anos as taxas aumentaram. Garritano et al, também, observaram uma maior proporção de óbitos por causas não especificadas com valores superiores a 15% em idosos do Norte11 enquanto Jorge et al verificaram valores superiores a 20% no Norte e Nordeste46. Nestas regiões, entre os principais problemas, está a falta de acesso à assistência em saúde, relacionado não só à sua enorme dimensão territorial, mas também aos aspectos culturais, que regem a conduta das comunidades locais47. A qualidade dos registros no SIM, também, é menor nestas áreas. 48

Os óbitos por DCBVNE ainda representam um desafio, no que concerne a estimativa adequada para a DCBV. Rolim e Martins investigaram a realização de tomografia computadorizada de crânio (TCC) utilizando o Sistema de Informação Hospitalar do Sistema Único de Saúde (SIH-SUS) em internações com suspeitas de AVC, revelou que o exame não foi realizado em 73% dos casos, apesar de metade das internações terem ocorrido em hospital com tomógrafo. Paradoxalmente, a ausência do exame não foi o principal fator para classificação como DCBVNE. Ao contrário, a realização da TCC foi maior no grupo classificado como não especificado49 .

É provável que a maior causa de óbitos, no Brasil e regiões, seja a DCBVI pela sua maior prevalência, conforme a literatura50. Os achados de diminuição das DCBVNE, discreto aumento das DCBVH e aumento importante das DCBVI, no Norte e Nordeste corroboram para esta hipótese. Como citado, provavelmente, a melhora dos registros no SIM, nessas regiões, pode ter contribuído para a diminuição de óbitos por DCBVNE, com o consequente aumento nos registros das DCBVI.

As correlações positivas encontradas entre todos os domínios do IDHM e as três causas estudadas podem ser explicadas pelo fato de que as maiores variações desse índice ocorreram nas áreas onde ele era menor no ano 2000. Mesmo diante de melhoras, estas ainda são insuficientes para provocarem impactos positivos nas taxas de mortalidade, ao analisar as causas por DCBV isoladamente. Essa correlação positiva é verificada em países de renda média-alta, mas não em países de renda alta onde os níveis de IDH são elevados por um período maior e o acesso a rede especializada está bem consolidada.51

Os achados das correlações positivas da DCBH e DCBVNE com IVS renda-trabalho e capital-humano sugerem que onde aumentou a vulnerabilidade social também aumentou a mortalidade. Estes domínios relacionam-se principalmente com educação, emprego e renda, fatores associados a DCBV52. Por outro lado, houve correlação negativa da DCBVH e DCBVNE com IVS infraestrutura. O domínio infraestrutura reflete as condições de acesso aos serviços de saneamento básico e de mobilidade urbana, dois aspectos relacionados ao lugar de domicílio das pessoas que impactam significativamente seu bem-estar e influenciam no acesso aos serviços de saúde. O resultado encontrado, no presente estudo, pode significar um acesso, ainda, mal utilizado pelos indivíduos, por falta de informação à utilização adequada dos serviços disponíveis.

Por fim, este estudo possui como principal limitação a influência do grau de organização dos registros, nas bases de dados do SIM. Um total de 198 óbitos por DCBV não tiveram registro adequado quanto às informações necessárias para a investigação, o que representou menos de 1% de perda. Tal fato corrobora com os esforços do Ministério da Saúde em parcerias com os estados e municípios, como o Projeto de Redução das Desigualdades Regionais e de Redução da Mortalidade Infantil nos estados da região Nordeste e Amazônia Legal, e o Projeto de Redução das Causas Mal Definidas no ano de 200553 . Este trabalho é o primeiro, na literatura brasileira, a considerar somente os códigos CID-10 para DCBV com dano cerebral detectável por imagem, abrangendo exclusivamente as DCBV isquêmicas e hemorrágicas, excluindo os códigos que representam fatores de risco sem, necessariamente, dano cerebral. Este fato deve diferenciar os resultados encontrados de outros estudos com DCBV.

Conclusões:
Embora a taxa de mortalidade por DCBV, de modo geral, tenha tendência ao decréscimo no Brasil, no período de 2000 a 2019, a análise, por grupos de causas, regiões e faixa etária, reflete realidades diferentes, em um país com grande dimensão continental. As regiões menos favorecidas, como Norte e Nordeste, parecem contemplar tendência ao aumento de óbitos por DCBVI e DCBVH, mais acentuada naqueles com mais de 60 anos. O aumento progressivo do IDHM e a diminuição do IVS, no país, ainda não conseguiram impactar as taxas de mortalidade, particularmente, nas regiões mais carentes. O decréscimo da DCBVNE, no Brasil, em contraposição com a tendência de estabilidade para DCBVI parecem refletir a melhoria dos registros no SIM.

Referências:
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Souza, A. R. M., Alves, D. S. B., Lacerda, G. C. B., Godoy , P. H.. Doença cerebrovascular isquêmica e hemorrágica no Brasil: tendência de mortalidade e correlação com indicadores socioeconômicos em 20 anos. Cien Saude Colet [periódico na internet] (2024/ago). [Citado em 22/12/2024]. Está disponível em: http://cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/doenca-cerebrovascular-isquemica-e-hemorragica-no-brasil-tendencia-de-mortalidade-e-correlacao-com-indicadores-socioeconomicos-em-20-anos/19333?id=19333

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