0192/2025 - EDUCAÇÃO EM SEXUALIDADE DE ADOLESCENTES COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA: UMA REVISÃO INTEGRATIVA DA LITERATURA
SEXUALITY EDUCATION FOR ADOLESCENTS WITH AUTISM SPECTRUM DISORDER: AN INTEGRATIVE LITERATURE REVIEW
Autor:
• Felipe Franklin Leite Lira - Lira, FFL - <fflira82@gmail.com>ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0378-5654
Coautor(es):
• Maria Júlia Barros da Silva Martins - Martins, MJBS - <maria.martins@eenf.ufal.br>ORCID: https://orcid.org/0009-0001-4656-3541
• Ana Beatriz Salgueiro dos Santos - Santos, ABS - <ana.salgueiro@eenf.ufal.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3589-7711
• Lucas Cavalcante Chalegre - Chalegre, LC - <chalegre10@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0009-0008-4950-277X
• Ivanise Gomes de Souza Bittencourt - Bittencourt, IGS - <ivanise.gomes@eenf.ufal.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9416-3964
Resumo:
O estudo teve como objetivo identificar abordagens científicas sobre o ensino de educação em sexualidade a adolescentes com Transtorno do Espectro Autista, analisando implicações sociais e o papel de pais, responsáveis e profissionais. Trata-se de uma revisão integrativa da literatura, baseada no método do Instituto Joanna Briggs, que permite mapear conceitos-chave e lacunas na literatura. A pergunta de pesquisa utilizou a estratégia População, Conceito e Contexto para a revisão, sendo: P - pais, responsáveis e profissionais da saúde; C - como aplicar adequadamente a educação em sexualidade na adolescência; C - adolescentes com TEA. A amostra final contou com 24 estudos analisados, organizados em quatro eixos: mudanças corporais, relações sexuais, relações afetivas e autoproteção. Os achados revelaram divergências sobre quem deve abordar o tema com os adolescentes (pais, escolas ou profissionais de saúde), além da escassez de programas personalizados e eficazes. Diante disso, destaca-se a necessidade de iniciativas que garantam uma educação em sexualidade adaptada às particularidades dos adolescentes com TEA, promovendo o desenvolvimento saudável e a proteção desses indivíduos.Palavras-chave:
Transtorno do Espectro Autista; Adolescente; Educação em Sexualidade; Saúde.Abstract:
The study aimed to identify scientific approaches to teaching sexuality education to adolescents with Autism Spectrum Disorder (ASD), analyzing social implications and the roles of parents, caregivers, and professionals. This is an integrative literature review based on the Joanna Briggs Institute methodology, which allows for mapping key concepts and identifying gaps in the literature. The research question was developed using the Population, Concept, and Context (PCC) strategy for the review, as follows: P – parents, caregivers, and health professionals; C – how to adequately implement sexuality education during adolescence; C – adolescents with ASD. The final sample included 24 studies, which were organized into four thematic axes: bodily changes, sexual relationships, affective relationships, and self-protection. The findings revealed divergences regarding who should address the topic with adolescents (parents, schools, or health professionals), in addition to the scarcity of personalized and effective programs. In light of this, the need for initiatives that ensure sexuality education adapted to the particularities of adolescents with ASD is highlighted, promoting their healthy development and protection.Keywords:
Autism Spectrum Disorder; Adolescent; Sexuality Education; Health.Conteúdo:
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) engloba um conjunto diversificado de condições relacionadas ao desenvolvimento cerebral. A estimativa mais recente da prevalência do TEA nos Estados Unidos, divulgada pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), aponta que aproximadamente 1 em cada 31 crianças de 8 anos foi diagnosticada com TEA em 2022, representando cerca de 3,2% da população infantil nessa faixa etária. Esse aumento em relação à estimativa anterior de 1 em 36 crianças em 2020 reflete avanços na conscientização, aprimoramento dos critérios diagnósticos e ampliação do acesso a serviços de triagem e diagnóstico. Embora os dados se refiram a uma amostra específica, eles são fundamentais para compreender a magnitude do TEA e orientar políticas públicas e práticas educacionais voltadas a essa população. Embora as características possam ser identificadas na primeira infância, o diagnóstico de TEA frequentemente ocorre tardiamente. 1
A realidade brasileira e da América Latina ainda apresenta grandes desafios no que diz respeito à inclusão efetiva de adolescentes com TEA nas políticas públicas de saúde e educação, especialmente em temas sensíveis e negligenciados, como a educação em sexualidade. A escassez de programas específicos, a falta de capacitação de profissionais e a inexistência de diretrizes adaptadas à singularidade desse público comprometem o desenvolvimento de uma abordagem integral e respeitosa das suas necessidades. Nesse contexto, uma revisão da literatura se mostra social e cientificamente relevante, pois permite reunir e analisar evidências sobre práticas, lacunas e avanços relacionados ao tema, contribuindo para fundamentar a formulação de políticas públicas mais inclusivas, baseadas em evidências e alinhadas às diretrizes internacionais de direitos humanos. Ao identificar estratégias eficazes e contextos de sucesso, a revisão pode apoiar gestores, educadores e profissionais da saúde na implementação de ações que promovam autonomia, proteção e qualidade de vida para adolescentes com TEA no Brasil e em outros países da região.
As habilidades e necessidades das pessoas no espectro autista variam e podem modificar-se ao longo do tempo. Enquanto algumas podem viver de maneira independente, outras enfrentam deficiências significativas, demandando cuidados e apoio ao longo da vida. Intervenções psicossociais, respaldadas por evidências, têm o potencial de aprimorar a comunicação e as habilidades sociais, gerando impactos positivos no bem-estar e na qualidade de vida, tanto das pessoas com TEA quanto de seus cuidadores. Os cuidados destinados aos indivíduos no espectro autista devem ser complementados por ações em nível comunitário e social, visando promover maior acessibilidade, inclusão e apoio. 2
Diante dessas particularidades, o adolescente com TEA enfrenta desafios adicionais que complicam e influenciam a expressão e vivência de sua sexualidade, impactando suas capacidades de compreender e interpretar as dinâmicas relacionais.3 Essa situação torna-se especialmente evidente durante a adolescência, quando as relações românticas e sexuais ganham cada vez mais importância e complexidade. O desenvolvimento das habilidades sociais dos indivíduos com TEA, muitas vezes, não consegue acompanhar as crescentes demandas sociais desse período, acrescentando desafios significativos. 4
Com isso, esta revisão tem como objetivo identificar as abordagens científicas relacionadas ao ensino de adolescentes com TEA sobre educação em sexualidade, de forma a conhecer as implicações e influências sociais associadas a esse contexto, e as possibilidades de direcionamento desse assunto pelos pais, responsáveis e profissionais.
2 METODOLOGIA
Esta é uma revisão integrativa de literatura, seguindo o método de revisão delineado pelo Instituto Joanna Briggs (JBI). Esse tipo de estudo permite mapear os principais conceitos que sustentam uma área de pesquisa e identificar lacunas que estejam relacionadas à mesma 5. Para construção da pergunta de pesquisa, utilizou-se a estratégia População, Conceito e Contexto (PCC) para a revisão. Foram definidos: P - pais e/ou responsáveis de adolescentes com TEA e profissionais da saúde; C - como aplicar adequadamente a educação em sexualidade na adolescência e C - no âmbito de adolescentes com TEA. Foram excluídos os estudos que abordassem outras faixas etárias. Com base nisso, foi estabelecida a pergunta norteadora: “Quais as abordagens científicas relacionadas ao ensino de adolescentes com TEA sobre educação em sexualidade?”
A investigação foi realizada a partir das bases de dados da PubMed (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov) plataforma de busca da National Library of Medicine (NLM), que reúne registros da base de dados MEDLINE (principal base produzida pela NLM), na Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) do Ministério da Saúde, LILACS, evidência científica em saúde dos países da América Latina e do Caribe, e no portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES (http://www.periodicos.capes.gov.br).
As buscas nas plataformas abrangeram o período compreendido entre 2018 e 2023 e se deu por meio dos seguintes descritores encontrados no DeCS em inglês e suas combinações: “Autism Spectrum Disorder”; “Adolescent”; “Sex Education”; “Health”. determinando-se, durante a procura nos portais, que estes deveriam estar presentes no título ou no assunto, refinando-se a busca pela seleção do tópico “Autism Spectrum Disorder”; “Adolescent”; “Sex Education”; “Health”, sendo identificados e incluídos por abordarem a questão temática,
Como esta pesquisa é uma revisão integrativa da literatura em base de dados, a aprovação ética para realizar o estudo não foi necessária, mas atendeu aos princípios atuais da resolução nº 466 do Conselho Nacional de Saúde de 2012.
O método de seleção dos artigos se deu por meio da plataforma Rayyan (https://rayyan.ai), que envolveu a comparação de informações de título e resumo de cada estudo para determinar a elegibilidade. Participaram dessa etapa cinco autores/revisores, que realizaram a triagem de forma individual. Quando um revisor selecionava um estudo, este era analisado por todos os demais. Quaisquer discordâncias sobre quais estudos seriam incluídos na revisão, foram resolvidas em consenso por todos os revisores. Quanto à análise das evidências científicas sobre a educação em sexualidade de adolescentes com TEA desses estudos, foi adotado o método da Análise Temática, identificando-se conteúdos semelhantes e complementares entre os estudos selecionados, permitindo a categorização temática do material.
O relato foi norteado pelo Preferred Reporting Items for Systematic reviews and Meta-Analyses extension for Scoping Reviews (PRISMA-ScR) Checklist, que consiste em um roteiro para guiar a redação do relatório de revisão integrativa da literatura. O PRISMA-ScR é composto por 22 itens divididos nos capítulos obrigatórios do relatório de revisão: Título, Resumo, Introdução, Método, Resultados, Discussão e Financiamento. Esclarecimentos acerca do desenvolvimento da revisão, das adequações realizadas e dos conhecimentos prévios à revisão serão descritos.
3 RESULTADOS
Inicialmente, foram encontrados 478 artigos relacionados à temática nas bases de dados. Após uma análise detalhada e abrangente dos títulos e resumos dos artigos, foram excluídos 205 que estavam duplicados, 89 por não se ter acesso na íntegra e 12 que não atendiam aos critérios de inclusão estabelecidos na pergunta norteadora. Dentre os selecionados, 147 estudos foram excluídos por abordarem faixas etárias diferentes da infância e por não estarem relacionados diretamente ao tema central da pesquisa: educação em sexualidade. Após a avaliação, a amostra final consistiu em 25 estudos selecionados. O processo de busca e seleção dos estudos que compõem esta pesquisa foi organizado em um fluxograma (Figura 1), seguindo as diretrizes do Instituto Joanna Briggs (JBI), conforme o checklist adaptado do Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA).
Figura 1 - Fluxograma de revisão integrativa da literatura que inclui buscas em bases de dados - PRISMA
Fig.1
Após a análise dos artigos, foram registrados os seguintes achados: 6 artigos no portal PUBMED, 9 artigos na CAPES e 6 artigos na BVS que estão dispostos nas Tabelas (1), (2) e (3) abaixo:
Tabela 1 - Artigos da PUBMED relacionados à educação em sexualidade de adolescentes com TEA.
Tab.1
Tabela 2 - Artigos da CAPES relacionados à educação em sexualidade de adolescentes com TEA.
Tab.2
Tabela 3 - Artigos da BVS relacionados à educação em sexualidade de adolescentes com TEA.
Tab.3
4 DISCUSSÕES
A partir da análise das evidências científicas sobre educação em sexualidade de adolescentes com TEA desses estudos, emergiram das articulações dos conteúdos semelhantes e complementares, as seguintes unidades temáticas: mudanças no corpo; relações sexuais; relações afetivas e autoproteção.
4.1 Mudanças no corpo
Com o passar da fase de vida da infância para adolescência, várias são as mudanças que ocorrem no corpo dos jovens com a chegada da puberdade. Nos meninos, podemos observar o crescimento dos testículos e pelos pelo corpo e nas meninas o crescimento do broto mamário e da menarca. Mudanças hormonais, idênticas em indivíduos neurotípicos e com TEA, iniciam o desenvolvimento sexual. Os neurotípicos são socialmente maduros e, apesar de ser uma fase confusa da vida, são capazes de lidar com estas mudanças. Os adolescentes com TEA podem não ter uma maturidade social correspondente à sua sexualidade, portanto, podem enfrentar dificuldades maiores para interpretar e lidar com essas alterações. 6
Para algumas pessoas com TEA, a principal causa da má compreensão dessas mudanças pode ser especialmente as dificuldades de comunicação. Como resultado, muitos adolescentes e adultos com TEA podem ter informações incompletas e imprecisas sobre sexualidade. Stankova T, Trajkovski V. (2021) avaliaram os efeitos do uso de Histórias Sociais para implementar a educação em sexualidade com três participantes com TEA. Foram determinadas através da avaliação das seguintes áreas: as partes privadas e reprodutivas do corpo, mudanças que ocorrem durante o período da puberdade, distinguir toque agradável e desagradável, relações sexuais e contracepção; as quais se mostraram efetivas dentro do objetivo proposto. Um dos relatos dos pais foi a percepção de que seu filho estava mais consciente a respeito do seu próprio corpo e que tentava aplicar as mesmas coisas das ilustrações das Histórias Sociais, tais como: fechar a porta ao ir ao banheiro e que raramente tocava as partes íntimas quando estava rodeado de pessoas. O período de seis meses de aplicação da educação em sexualidade por meio de Histórias Sociais mostrou-se eficaz para atualizar e ampliar o entendimento, porém claramente não foi adequado para observar mudanças comportamentais visíveis, visto que a comunicação com adolescentes com TEA deve ser feita de maneira individualizada e correspondendo a cada tipo de necessidade. 7-8
4.2 Relações sexuais
O estudo de André, TG. et al. 2022 examinou predominantemente questões relacionadas à sexualidade, expectativas românticas dos pais em relação aos filhos e experiências sexuais. No que diz respeito à sexualidade, os estudos indicaram que os pais geralmente têm conversas genéricas com seus filhos sobre o assunto. Discutem sobre higiene, contato físico, puberdade e privacidade corporal. No entanto, poucos estudos mencionaram uma comunicação mais específica sobre tópicos relevantes, temas como menstruação, relação sexual, gravidez e infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), que são importantes para essa população específica. Isso pode ser atribuído ao medo dos pais ou à crença de que essas informações são desnecessárias para seus filhos9. Apesar dessa falta de comunicação entre pais com filhos autistas, um estudo mostra que, de forma geral, foram observadas poucas diferenças quantitativas na atividade sexual entre participantes autistas e não autistas. Confirmou-se descobertas anteriores em amostras menores, onde os homens autistas e as mulheres autistas eram ambos menos propensos a relatar terem se envolvido em atividade sexual em comparação com seus pares não autistas. Especificamente, os homens autistas eram particularmente menos propensos a terem se envolvido em atividade sexual. No entanto, a maioria de todos os grupos, incluindo mulheres autistas, homens autistas, mulheres não autistas e homens não autistas, relataram ter sido sexualmente ativos.10
De acordo com os estudos analisados por Maggio et al. (2022) a consciência sexual é composta por quatro dimensões: Consciência Íntima, que envolve a capacidade de refletir e contemplar as próprias características sexuais, incluindo a atenção aos sinais de excitação e motivação sexual; Vigilância Sexual, que diz respeito à percepção da avaliação dos outros sobre a própria sexualidade; Assertividade Íntima, que implica em ser assertivo em relação à própria sexualidade; e Reconhecimento do Apelo Sexual, relacionado à consciência de sua própria atratividade sexual. A percepção da privacidade é menos pronunciada em pessoas com TEA em comparação com aquelas sem esse transtorno. Isso pode levar os pacientes com TEA a terem uma compreensão reduzida das nuances das interações sexuais e das normas de privacidade que devem ser seguidas, aumentando assim a probabilidade de se envolverem em comportamentos inapropriados ou até mesmo abusivos. 11
Ortega JT et al. (2023) enfatizam a necessidade de uma capacitação especializada para todos os profissionais envolvidos na prestação de cuidados de saúde a esses jovens, além de uma coordenação mais eficaz das necessidades desses adolescentes em diferentes áreas. Tanto os profissionais de saúde quanto os educadores concordam que é fundamental receber capacitação especializada em questões de afetividade e sexualidade, o que lhes permitiria lidar de maneira mais eficaz com esse tema ao interagir com pais, alunos e outros envolvidos. É imperativo desenvolver programas de educação precoce nesta área, que posteriormente possam evoluir para uma abordagem integrada, abrangente e destituída de estigmas tanto na educação quanto na saúde. Um dos pontos chaves que os autores trazem em seu artigo é a não infantilização de palavras como medida de minimizar futuros transtornos para que os adolescentes com TEA entendam o real sentido, pois eles levam ao pé da letra.12
André, TG et al. (2020) reafirmam essa necessidade de capacitação de profissionais de saúde e de programas de educação em sexualidade para pais de adolescentes com TEA 13. Alguns estudos mostraram a relevância do desenvolvimento de estratégias que devem ser ajustadas e personalizadas, visto que essas estratégias precisam levar em conta a ampla diversidade dentro do espectro do TEA. Essa abordagem individualizada é crucial para abordar as necessidades específicas de cada pessoa com TEA, reconhecendo as diferentes formas como o transtorno se manifesta em cada indivíduo. Os estudos que propõem também enfatizam que a instrução sobre sexualidade deve ser um processo em curso e deve iniciar o quanto antes possível.14
Gkogkos, G et al (2021) ampliam o conhecimento existente sobre programas de educação abordando puberdade, higiene e conduta sexual em adolescentes com TEA. A conduta sexual de adolescentes com TEA pode representar um desafio para seus pais. No entanto, quando os pais recebem treinamento apropriado sobre como abordar a sexualidade de seus filhos de maneira sistemática, a comunicação geral entre pais e filhos pode melhorar significativamente. Além disso, a adoção de comportamentos sexuais apropriados pode contribuir para a redução de comportamentos problemáticos e para a prevenção da exploração sexual de crianças e adolescentes com TEA. 15
Considerando as dificuldades que os adolescentes com TEA enfrentam em relação à interação social, diversos programas de intervenção foram criados para atender a essa demanda. Mas segundo Picard-Pageau, W., Morales, E. (2022) a complexidade das circunstâncias enfrentadas por esses jovens restringe a eficácia desses programas, e é crucial realizar mais pesquisas para capacitar os profissionais de saúde a intervirem de forma adequada na sexualidade de jovens com TEA. 16
4.3 Relações afetivas
Em seu relatório clínico Houtrow A, et al. (2021) trazem que os profissionais de saúde podem revisar e adaptar, ou reforçar, seus conhecimentos, crenças e atitudes em relação à sexualidade e identidade de gênero, garantindo que seu próprio comportamento reflita a inclusão e a autonomia de todos os seus pacientes, especialmente adolescentes com TEA. Todos têm o direito de desenvolver relacionamentos, fazer escolhas e exercer autonomia, além de receber educação para promover uma sexualidade saudável, independentemente de orientação sexual ou identidade de gênero. Uma comunicação aberta e respeitosa pode contribuir para o desenvolvimento da confiança e facilitar a tomada de decisões compartilhadas. O consultório do profissional de saúde pediátrica deve ser um ambiente seguro para discutir essas questões com todos os jovens, incluindo aqueles com deficiência.17
A maioria dos adolescentes e jovens adultos com TEA expressam interesse em buscar relacionamentos românticos, casamento e formação de família. Embora demonstrem uma compreensão básica sobre sexo e relacionamentos, eles se sentem frustrados devido à falta de conhecimento e habilidades para desenvolver e gerenciar um relacionamento romântico. Essa combinação de forte desejo, porém baixo conhecimento prático, pode indicar uma lacuna que dificulta a capacidade dos adolescentes e jovens adultos de alcançarem seus objetivos de vida.18 Esses adolescentes desejam características similares, em um grau semelhante, aos adolescentes típicos em relação a seus parceiros e amigos. Além disso, em comparação com os adolescentes típicos, os adolescentes com TEA buscam um parceiro e amigo que seja semelhante em grande parte das características intrínsecas, porém menos semelhante em outras características (como status social e traços extrínsecos) em relação a si próprios. 19
A pesquisa de Nancy, CZ et al., (2019) investigou e contrastou as vivências sexuais e afetivas de 27 adolescentes e jovens adultos com TEA. A maioria dos participantes relatou discutir questões relacionadas a sexo e relacionamentos com seus pais e amigos, porém, não com profissionais de saúde. Todos os adolescentes e jovens expressaram a carência de mais educação sobre o assunto. 20
Outro fator analisado foi a questão da orientação sexual e identidade de gênero, que se mostrou bem presente nos artigos, evidenciando que a prevalência de outras variantes de orientação sexual (isto é, homossexualidade, assexualidade, bissexualidade, etc.) é maior em adolescentes com TEA do que em adolescentes típicos, sendo exposto por Maggio, MG et al., (2022) e que isso pode ocorrer tanto em homens quanto mulheres na fase da adolescência segundo Weir, E; Allison, C.; Baron CS. (2021) 21,10.
4.4 Autoproteção
Adolescentes com TEA apresentam características intrínsecas próprias de sua neurodiversidade, o que os leva a perceber o mundo de maneira distinta e os torna suscetíveis ao abuso, tanto como vítimas quanto como perpetradores. Compreender essas características nos proporciona indicadores para monitorar os riscos e necessidades individuais de cada pessoa. O conhecimento desempenha um papel fundamental como um fator de proteção, capacitando os jovens a aprenderem a desenvolver relacionamentos afetivos e sexuais saudáveis, bem como a identificar seus próprios limites e os dos outros 12.
Crianças e adolescentes com TEA são alvos de abuso sexual em frequências mais altas do que aqueles sem tais desafios. Reese, S; Deutsch, SA. (2020) descrevem o caso de uma jovem com TEA que buscou ajuda após ser vítima de violência sexual, porém, seu atendimento foi prejudicado devido a várias deficiências nos sistemas envolvidos, incluindo falhas na comunicação em relação às suas necessidades específicas e falta de conhecimento consistente entre os membros da equipe multidisciplinar sobre as adaptações necessárias. A agressão sexual é uma experiência extremamente traumática para crianças e jovens, e o cuidado com os sobreviventes requer uma abordagem sensível ao trauma. Crianças e jovens com deficiências de desenvolvimento são vítimas de abuso sexual em taxas mais elevadas do que aqueles sem deficiência. Especificamente, crianças com TEA podem estar em maior risco de sofrer eventos traumáticos e de desenvolver sequelas após a experiência de agressão sexual 22.
As mudanças no corpo durante a adolescência representam um momento de transição fundamental que, para adolescentes com TEA, pode ser vivenciado com confusão, ansiedade e dificuldades de compreensão. Essas transformações físicas influenciam diretamente a forma como esses adolescentes percebem a si mesmos e se relacionam afetivamente com os outros, afetando o desenvolvimento da autoestima, da empatia e da noção de limites interpessoais. Quando não acompanhadas por orientações claras e adaptadas, essas mudanças também comprometem a capacidade de autoproteção, tornando-os mais vulneráveis a abusos e violências. Nesse sentido, uma educação em sexualidade que contemple essas dimensões de forma acessível e respeitosa é essencial para promover não apenas o conhecimento sobre o corpo, mas também o fortalecimento das relações afetivas saudáveis e da autonomia pessoal.
Portanto, as evidências científicas revelam uma expressiva carência de pesquisas nacionais sobre a educação em sexualidade voltada para adolescentes com TEA no campo da saúde e da educação inclusiva. A escassez de estudos que abordem as necessidades específicas desse público limita a criação de estratégias pedagógicas adequadas e a formulação de políticas públicas que garantam o direito à informação, à proteção e ao desenvolvimento saudável da sexualidade desses adolescentes.
5 CONCLUSÃO
Esta revisão integrativa da literatura enriquece o corpo de conhecimento ao investigar o tópico da educação em sexualidade e intervenções para adolescentes com TEA, destacando as circunstâncias em que tais intervenções se mostram eficientes e eficazes. É fundamental que os programas de educação em sexualidade sejam implementados precocemente, adaptados e aplicáveis na prática, a fim de atender de maneira mais eficaz às necessidades do adolescente com TEA. Em consonância com as correntes recentes na pesquisa voltada para indivíduos com deficiência, as intervenções devem ser orientadas pela voz das próprias pessoas com TEA, garantindo sua participação e consideração de suas perspectivas para a escolha do método mais indicado.
Além disso, a sustentabilidade dos resultados positivos a longo prazo, depende da implementação de intervenções conduzidas por profissionais especializados, devidamente treinados e supervisionados continuamente, juntamente com orientações específicas fornecidas aos pais para apoiarem efetivamente seus filhos. Adicionalmente, esta análise ressalta a carência de estratégias e ferramentas baseadas em evidências que sejam suficientemente sensíveis para identificar mudanças comportamentais, que são os resultados almejados de cada intervenção. Em suma, esta contribuição proporciona uma reflexão crítica sobre a importância de intervenções validadas que possam auxiliar pessoas com TEA a desenvolver habilidades úteis e comportamentos sexuais apropriados, possibilitando uma vivência da sexualidade e dos relacionamentos de forma positiva e saudável.
Esta pesquisa de revisão da literatura colabora para a reflexão sobre a necessidade de formulação de políticas públicas que atendam às necessidades educacionais e de saúde de adolescentes com TEA, especialmente no que diz respeito à educação em sexualidade. Ao reunir e analisar evidências científicas, este estudo possibilita identificar melhores práticas, lacunas de conhecimento e oportunidades de melhoria nas políticas nacionais existentes, garantindo que as abordagens sejam adequadas, inclusivas e sensíveis às necessidades dessa população.
Além disso, este estudo sobre educação em sexualidade voltada para adolescentes com TEA, considerando as unidades temáticas "mudanças no corpo", "relações sexuais", "relações afetivas" e "autoproteção", apresenta caráter inédito ao abordar um campo ainda pouco explorado nas áreas de saúde e educação, especialmente no contexto brasileiro e latino-americano. A maioria dos estudos existentes trata a sexualidade de forma genérica ou centrada em populações neurotípicas, negligenciando as especificidades cognitivas, comunicacionais e emocionais dos adolescentes com TEA. Esta pesquisa preenche lacunas importantes ao sistematizar conhecimentos sobre esse público em suas transformações corporais e os vínculos afetivo-sexuais, além de reflexões sobre a necessidade de estratégias educativas eficazes para promover a autoproteção e a prevenção de abusos. Ao integrar esses eixos temáticos, a investigação contribui para a sensibilização na construção de abordagens pedagógicas mais sensíveis e inclusivas, apoiando o desenvolvimento de políticas públicas que respeitem os direitos e as necessidades dessa população.
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