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0412/2023 - Elaboração de um índice para avaliação do acesso de pessoas idosas aos serviços de atenção primária à saúde
Elaboration of an index to evaluate the access of elderly people to primary health care services

Autor:

• Katyucia Oliveira Crispim de Souza - de Souza, K. O. C. - <katyuciacrispim@outlook.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1645-4459

Coautor(es):

• Stephen Timmons - Timmons, S. - <Stephen.Timmons@nottingham.ac.uk>

• Lislaine Aparecida Aparecida Fracolli - Fracolli, L. A. A. - <lislaine@usp.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0936-4877



Resumo:

Este estudo tem o objetivo de elaborar um índice que avalie o acesso da população idosa aos serviços de atenção primária à saúde. Para isso foram selecionados 25 indicadores com potencial para a composição do índice, que foram adaptados para a população idosa e validados por 15 especialistas. Para verificar a concordância entre os juízes, foi utilizado a Taxa de Concordância e o cálculo do Coeficiente de Validade de Conteúdo para os tópicos Clareza, Relevância e Pertinência. A análise da confiabilidade da consistência interna dos dados foi realizada pelo Coeficiente Alfa de Cronbach. Os indicadores foram adaptados em uma escala percentual e distribuídos em dois subíndices e, ao final, foi descrito o procedimento mais apropriado para a construção do índice. A Taxa de Concordância dos tópicos apresentou médias acima de 80. O Alfa de Cronbach demonstrou boa consistência interna, com valores acima de 0,6 e o Coeficiente de Validade de Conteúdo geral ficou em 0,932. O Índice de Acesso da Pessoa Idosa à Atenção Primária à Saúde será um índice que varia de 0 a 1, e quanto mais próximo a 1, melhor o acesso da pessoa idosa. Os resultados sugerem que o índice é relevante e apropriado para mensurar a equidade de acesso à saúde de pessoas idosas aos serviços de atenção primária à saúde.

Palavras-chave:

Acesso aos Serviços de Saúde; Atenção Primária à Saúde; Idoso.

Abstract:

This study aims to develop an index that evaluates the elderly population\'s access to primary health care services. For this, 25 indicators with potential for the index composition were ed, which were adapted for the elderly population and validated by 15 specialists. To verify the agreement between the judges, the Agreement Rate and the calculation of the Content Validity Coefficient were used for the topics of Clarity, Relevance, and Pertinence. The reliability analysis of the internal consistency of the data was performed using Cronbach\'s Alpha Coefficient. The indicators were adapted to a percentage scale and distributed into two sub-indices and, in the end, the most appropriate procedure for building the index was described. The Agreement Rate of the topics showed averages above 80. Cronbach\'s Alpha showed good internal consistency, with values above 0.6 and the overall Content Validity Coefficient was 0.932. The Access Index of the Elderly to Primary Health Care will be an index that varies0 to 1, and the closest to 1 the better the access of the elderly person. The results suggest that the index is relevant and appropriate for measuring the equity of access to health for elderly people to primary health care services.

Keywords:

Primary Health Care; Health Services Accessibility; Aged.

Conteúdo:

INTRODUÇÃO
As mudanças observadas na estrutura demográfica decorrentes do aumento da expectativa de vida da população, têm demonstrado aumento significativo no número de idosos. Somando-se a isso, alterações no perfil epidemiológico, com redução das doenças infectocontagiosas e aumento das doenças crônico degenerativas, refletem nas condições de saúde, qualidade de vida e capacidade funcional da população que envelhece ¹.
O envelhecimento é um processo complexo e leva a uma maior vulnerabilidade a fatores internos e externos devido as modificações morfológicas, funcionais, bioquímicas e psicológicas que predispõe o indivíduo a morbimortalidade. Ocorre ainda uma perda progressiva da capacidade de adaptação ao meio ambiente, assim como a prevalência de processos patológicos que demonstram perdas físicas, sociais, econômicas e até sua independência ².
Nesse contexto, a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa (PNSPI) do Brasil estabelece como meta a atenção integral à saúde da pessoa idosa por meio da manutenção da capacidade funcional destes indivíduos. Para atingir este objetivo, a PNSPI considera a Atenção Primária a Saúde (APS) como ordenadora e coordenadora do cuidado em saúde e que tem por finalidade primordial promover, manter e recuperar a autonomia e a independência dos indivíduos idosos através de medidas coletivas e individuais ³.
Contudo, para assegurar a resolutividade neste nível de atenção, um dos fundamentos que precisa ser considerado e que tenha especial atenção é o acesso. Embora temos observado aumento substancial do acesso aos serviços de saúde ao longo das três últimas décadas, o Brasil ainda convive com uma realidade desigual e excludente deste atributo na APS 4. As desigualdades no acesso são ocasionadas por fatores de caráter sócio, político, econômico e cultural, persistindo ao longo do tempo e resistindo às mais variadas estratégias adotadas para o seu enfrentamento 5.
Estes desafios contribuem para uma maior heterogeneidade do processo de envelhecimento no país, o que exige respostas mais efetivas principalmente por parte dos gestores estaduais e municipais 6. Nesse sentido, a utilização de índices como forma de mensurar a equidade de acesso e a eficiência dos serviços de saúde, colabora na formulação e avaliação de políticas públicas voltadas ao indivíduo idoso. Tais resultados são importantes para analisar o desempenho dos serviços, no entanto, por ser um conceito complexo e que engloba uma compreensão multidimensional, o acesso pode ser muitas vezes empregado de forma imprecisa, e pouco claro na sua relação com o uso de serviços de saúde 7.
Transformar o conceito de acesso em critérios, índices ou padrões, que lhe assegurem a validade desejada, se constitui um grande desafio, mas que pode colaborar para a explicação de diversos fenômenos no âmbito da saúde pública, bem como, fornecer informações a fim de potencializar abordagens de cuidado integrado a pessoa idosa. Diante disso, este estudo tem o objetivo de elaborar um índice que avalie o grau de acesso da população idosa aos serviços da APS.

MÉTODOS
Trata-se de uma pesquisa metodológica com o objetivo de elaborar um índice para avaliação do acesso de pessoas idosas aos serviços de APS. O estudo seguiu o referencial metodológico da Psicometria que orienta a validação de instrumentos. A validade de construto, a validade de critério e a validade de conteúdo têm sido os métodos mais mencionados na literatura para obter uma validade de medida 8

Seleção dos Indicadores
Foi conduzida uma revisão bibliográfica estruturada a partir da pergunta: Quais os indicadores propostos pelas políticas públicas de saúde brasileira que permitem a avaliação do acesso a serviços de APS? A identificação da literatura foi apoiada por documentos legais como leis, resoluções, portarias, instruções normativas e documentos do Ministério da Saúde (MS), os quais orientam as políticas públicas de saúde. Esses documentos foram localizados na Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) do MS utilizando os descritores “Atenção Primária à Saúde”, “Idoso” e “Saúde do Idoso” e em sites oficiais do Governo Federal, em seguida, foram analisados e interpretados considerando-se as ações vigentes na Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) e Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa.
Foram identificadas na BVS, 114.756 publicações na busca inicial, destas, 114.678 foram descartadas após leitura dos títulos e resumos por não estarem diretamente relacionados ao tema de interesse, além da exclusão das publicações duplicadas. Foram selecionados 78 documentos para leitura do texto na íntegra e, aqueles considerados elegíveis (21), ou seja, que continham informações sobre indicadores de acesso à APS, foram incluídos para a extração das informações de interesse.
A partir destas evidências, foram extraídos 25 indicadores com potencial para a composição do índice sintético, que foram adaptados considerando a população de pessoas idosas composta por indivíduos com idade igual ou superior a 60 anos 9. Estes indicadores foram elaborados a partir de outros já utilizados e recomendados pelo MS, como indicadores do Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB) e do Manual de orientações técnicas para a implementação de linha de cuidado para atenção integral à saúde da pessoa idosa no Sistema Único de Saúde – SUS, e também a partir de atributos avaliados por ferramentas como o Instrumento de Avaliação da Atenção Primária (PCATool – Primary Care Assessment Tool).

Validação de conteúdo
Para validação do conteúdo foi construído um “Formulário para Validação de Conteúdo do Índice de Avaliação do Acesso a Atenção Primária à Saúde Por Pessoas Idosas” dividido em duas partes: a primeira destinada a caracterização dos juízes e a segunda com os itens para validação do conteúdo.
Os juízes analisaram individualmente cada indicador quanto a clareza (o item foi escrito de forma que o conceito é compreensível e expressa adequadamente o que é medido), relevância teórica (o item avalia as ações demonstrando os processos cognitivos que estão sendo avaliados) e pertinência (o item reflete os conceitos, é relevante e apropriado para atingir os objetivos propostos) 10 por meio de perguntas fechadas, aplicando a escala Thurstone de dois pontos: concordo e discordo.
Os juízes também deveriam sugerir a qual domínio teórico cada indicador deveria pertencer. As categorias “organizacional” e “técnica” foram adotadas para compor as dimensões teóricas do índice sintético a partir de uma revisão teórica do conceito de acesso a serviços de saúde. Essas dimensões remetem às estruturas e modelos teóricos para o acesso à saúde dos autores Giovanella e Fleury, Assis e Jesus, Levesque, Harris e Russel e Hempel e colaboradores 11,12,13,14. A categoria organizacional corresponde a organização e características da oferta de serviços, incluindo os aspectos geográficos, recursos humanos, recursos materiais e financeiros. Já a categoria técnica corresponde as intervenções frente as necessidades dos usuários, tendo por finalidade o cuidado integral e a resolutividade.

Constituição do comitê de juízes/experts
A validade do conteúdo foi avaliada por um painel de especialistas identificados no diretório de grupos de pesquisa disponibilizado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), com vivência na assistência, na gestão, no ensino e/ou na pesquisa em atenção primária à saúde e/ou saúde da pessoa idosa no contexto da APS, sem restrição da área de formação e que apresentasse experiência profissional mínima de dois anos.
Os juízes especialistas foram contactados por e-mail, mediante Carta Convite. Após o aceite, os participantes receberam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e um link de acesso ao formulário de avaliação. Os participantes que não preencheram o questionário de validação de conteúdo no prazo de 30 dias foram excluídos do estudo. Ao final, foram convidados 50 especialistas, sendo que quatro se recusaram a participar e 31 foram excluídos segundo o critério aplicável, totalizando 15 participantes que compuseram o Comitê de Juízes Especialistas.

Análise dos Dados
Para verificar a concordância entre os juízes, foi utilizado a Taxa de Concordância (TC) para cada tópico avaliado dos 25 indicadores por meio da fórmula: número de participantes que concordaram multiplicado por 100 e dividido pelo número total de participantes. Para a análise descritiva geral dos indicadores, foi calculada a média, mediana, desvio padrão, coeficiente de variação, quartis (Q1 e Q3) e o intervalo de confiança (IC) das Taxas de Concordância. Para a taxa de concordância média de 80% ou mais, o conteúdo foi considerado adequado, se valores abaixo, o conteúdo seria readequado conforme as sugestões dos especialistas.
A análise dos tópicos do constructo foi realizada pelo Coeficiente de Validade de Conteúdo (CVC) proposto por Hernandez-Nieto. O CVC é calculado para cada item do constructo e também para de maneira geral, sendo considerados adequados os valores de CVC ? 0,70 15.
A seguir, foi realizada a análise da confiabilidade da consistência interna dos dados pelo cálculo do Coeficiente Alfa de Cronbach. O coeficiente ? mede a correlação entre respostas em um questionário através da análise das respostas dadas pelos respondentes, apresentando uma correlação média entre as perguntas. O cálculo é realizado a partir da variância dos itens individuais e da variância da soma dos itens de cada avaliador de todos os itens de um questionário que utilizem a mesma escala de medição. Esta estatística tem o máximo em 1 e quanto maior o seu valor, maior é a consistência interna dos dados 16.
Todos os intervalos de confiança ao longo do estudo, foram construídos com 95% de confiança estatística (p-valor ? 0,05). Ao final, foi realizada uma adequação dos indicadores conforme sugestões do Comitê de Juízes Especialistas. A análise dos dados foi apoiada pelos softwares SPSS V26 (2019), Minitab 21.2 (2022) e Excel Office 2010.

Sistemática para elaboração do índice
Após a validação, os indicadores foram adaptados de forma que estivessem em uma mesma escala de comensurabilidade, já que a maioria eram mensurados por diferentes unidades, escalas e intervalos. Além disso, foram consideradas as propriedades recomendadas na literatura para a elaboração de um índice sintético, o que incluiu: Viabilidade de Análise, Fidedignidade da Medida, Transparência Metodológica, Cobertura Populacional, Série Histórica, Periodicidade de Utilização e Relevância para a formulação de políticas públicas 17.
Com a adaptação dos indicadores, foram definidos subíndices para agrupamentos lógicos dos mesmos, com o objetivo de integrar informações relacionadas. Por fim, foi analisado a necessidade de atribuir pesos aos indicadores com maior importância e detalhado o procedimento mais apropriado para a construção do índice.

Aspectos Éticos
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo sob o número de parecer: 5.056.062 e CAAE: 45573921.8.0000.5392, conforme assegura à resolução 466 ? 12 do Conselho Nacional de Saúde.

RESULTADOS
Dos 15 especialistas que participaram do estudo, 80% eram do sexo feminino e a idade média foi de 49,8 ± 5,8 anos. Quanto a área de formação, 40% haviam cursado enfermagem, 20% medicina, 13,3% fisioterapia e para os cursos de nutrição, assistência social educação física e direito havia 6,7% cada.
O tempo de formação variou entre 10 a mais de 20 anos, sendo que a maioria (66,7%) têm mais de 20 anos e 66,7% têm doutorado como a última titulação acadêmica. As áreas das titulações abrangeram as Ciências da Saúde, Saúde Pública/Coletiva, Gerontologia/Geriatria, Gestão e Ciência Política. Sobre a função atual, 53,3% dos juízes trabalham em instituições públicas, 26,7% em instituições privadas e 13,3% em filantrópicas.
Foi calculada a Taxa de Concordância entre os 15 juízes. A TC dos tópicos (Clareza, Relevância e Pertinência) possui baixa variabilidade (CV menor que 50%), demonstrando serem homogêneos. Nos três tópicos, as médias ficaram acima de 80, sendo a maior na Relevância com média da Taxa de Concordância em 89,6 ± 4,1 pontos (figura 1).

Figura 1: Intervalo de confiança para taxa de concordância.

A seguir, foi realizada uma análise descritiva geral dos 25 indicadores conforme demonstrado na tabela 1:

Tab.1

Ainda analisando a Taxa de Concordância, foram categorizados os valores em cada indicar em <80 ou ? 80 pontos e, em seguida, a distribuição dessas classificações por tópico (tabela 2).

Tab.2

Nos três tópicos, o índice ? 80 pontos foram altos, com 68% para Clareza, 88% para Relevância e 76% em Pertinência.
O Alfa de Cronbach demonstrou boa consistência interna nos três tópicos analisados dos 25 indicadores, já que os valores de Alfa estavam acima de 0,6 (Clareza: 0,824; Pertinência: 0,690; Relevância: 0,672). Ao final, foi calculado o Coeficiente de Validade de Conteúdo para cada um dos três tópicos nos 25 indicadores estudados.

Tab.3

O menor CVC foi de 0,733 no Indicador 10 “Percentual de consultadas agendadas por telefone por pessoas idosa” para Pertinência, contudo, todos os indicadores nos três tópicos medidos foram considerados adequados por apresentarem CVC maior que 0,7 (tabela 3). Por fim, conforme proposto por Hernandez-Nieto, o CVC Geral que ficou em 0,932, sendo um excelente valor.
Foi observado que a maioria dos indicadores (84%) foram alocados na dimensão teórica organizacional, a qual se refere a organização e característica da oferta de serviços na APS. A TC do domínio organizacional apresentou baixa variabilidade, enquanto o domínio técnico apresentou alta variabilidade (CV maior que 50%), demonstrando ser heterogênea (tabela 1).
Após a validação, os indicadores foram adaptados para representar quantidades em uma escala de 0 a 100 (escala percentual) de forma que estivessem em uma mesma unidade de medida. Também foram realizadas adequações conforme sugestões dos especialistas para melhora da clareza, como a padronização de termos utilizados. O indicador 6, “Percentual de atendimentos a pessoas idosas realizados por profissional do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF)” foi excluído e o indicador 1 “Média de atendimentos de médicos e enfermeiros por pessoa idosa” foi adaptado de forma que abrangesse todos os atendimentos relativos à equipe multiprofissional. O indicador 12 “Percentual de unidades básicas de saúde com acessibilidade física” também foi excluído da composição do índice devido à provável dificuldade de obtenção dos dados.
Com a adaptação dos indicadores, foram definidos dois subíndices para agrupamentos de informações relacionadas: entrada (7 indicadores) e performance (16 indicadores). O subíndice entrada, procura refletir condições de acesso que influenciam a entrada do usuário na unidade de saúde para receber atendimento. Já o subíndice performance, reflete as condições que influenciam o acesso do usuário ao atendimento, após a entrada deste na unidade de saúde.
Optou-se por não utilizar modelos estatísticos para atribuir pesos aos indicadores em função da diversidade de realidades e contextos socioespaciais presentes no território brasileiro, bem como a diferença entre os municípios, além da composição demográfica e socioeconômica da população brasileira, o que torna complexa e questionável a adoção de modelos para atribuição de pesos para os indicadores. Dessa forma, para cada subíndice, todos os indicadores contribuem com o mesmo peso.
A condição de ausência de acesso deve equivaler a 0%, já o valor máximo de cada indicador deverá corresponder a melhor situação encontrada, a partir da média calculada para os dados municipais de cada um deles. O índice deve ser construído a partir da normalização dos indicadores em uma escala de 0 a 1, em que 1 corresponde à situação ideal, ou seja, igual ou maior a média encontrada de cada indicador, e 0 corresponde à pior situação (0%). Em seguida, deve-se calcular a média dos valores normalizados e dos subíndices para fins de categorização do acesso.
Dessa forma, o IAPI-APS (Índice de Acesso da Pessoa Idosa à Atenção Primária à Saúde) será um índice que varia de 0 a 1, e quanto mais próximo a 1, melhor o acesso. Para os municípios que apresentarem o IAPI-APS entre 0 e 0,200, considera-se que o acesso é insatisfatório. Valores entre 0,201 e 0,300 indicam um acesso pouco satisfatório. Aqueles que apresentam IAPI-APS entre 0,301 e 0,400 apresentam um acesso neutro, ao passo que, entre 0,401 e 0,500 são considerados de acesso satisfatório. Qualquer valor entre 0,501 e 1 indica que o município possui um acesso muito satisfatório.
A tabela 4 consta a síntese da composição do índice:

Tab.4

DISCUSSÃO
O IAPI-APS constitui uma contribuição para a gestão da linha de cuidado da pessoa idosa e têm potencial para serem incorporados nas políticas públicas, visto que ainda é escasso o monitoramento do acesso destes indivíduos as ações e serviços da APS. A definição de um índice que pode mensurar o grau de acesso aos serviços necessários, possibilitará um conhecimento mais aprofundado sobre os fatores contextuais associados à resolutividade e integralidade do cuidado 18.
Os resultados apontam que, na opinião dos especialistas, os indicadores possuem a clareza, pertinência e relevância necessária para compor um índice que avalie o acesso de pessoas idosas aos serviços de APS. Isso significa que são apropriados para mensurar a equidade de acesso à saúde por estes indivíduos, subsidiando a formulação de estratégias concretas para superar os problemas identificados e envolver todos os processos de trabalho e a complexidade dos territórios. Embora essas práticas não eliminem por completo as dificuldades do acesso, poderão contribuir para a sua redução, minimizando os riscos inerentes à saúde.
A proposta de aplicação do IAPI-APS se faz no âmbito municipal, regional ou estadual, contribuindo para a estruturação da rede de atenção à saúde (RAS). Estudos evidenciam que a atenção deve ser organizada de maneira integrada, numa lógica de rede articulada com cuidados coordenados e referenciados, portanto, a atenção à saúde para pessoas idosas deve contemplar este modelo, tendo a APS a função de coordenar a atenção prestada nos outros níveis do sistema 19,20,21,22,23.
Existe consenso sobre a importância da APS na melhora dos indicadores de saúde de uma dada população devido a expansão da implantação de equipes da Estratégia Saúde da Família (ESF), que atuam com ações de promoção, prevenção, recuperação, reabilitação e na manutenção da saúde da comunidade. Além disso, a APS funciona como porta de entrada preferencial do sistema de saúde, ofertando serviços próximos ao local de moradia, favorecendo o acesso, o vínculo longitudinal e a atenção continuada centrada na integralidade da pessoa 24,25,26.
Contudo, é preciso entender que o aumento da oferta desses serviços tem ocorrido de maneira desequilibrada, agravando as fragilidades e comprometendo os objetivos propostos por esse nível de atenção. Para enfrentar este cenário, é necessário adotar um modelo de gestão da saúde da população que procura responder às necessidades das pessoas usuárias e assim racionalizar a demanda 27,28.
Para o usuário idoso, este enfrentamento é ainda mais desafiador, devido à complexidade de fatores relacionados ao processo de envelhecimento que predispõe o indivíduo a uma maior vulnerabilidade a fatores internos e externos que podem alterar rapidamente as condições e necessidades apresentadas pela pessoa. Isto indica a importância do cuidado oportuno e integral para evitar o declínio e perdas funcionais a partir de uma compreensão multidimensional que avalie e identifique as necessidades e especificidades de cada pessoa idosa, do ponto de vista clínico, psicossocial e funcional 29.
O indicador “Percentual de pessoas idosas com avaliação multidimensional realizada” apresentado neste estudo, permite identificar o acesso de um determinado indivíduo a uma compreensão ampliada e integral do seu estado de saúde, além de direcionar as intervenções adequadas e o caminho a percorrer junto à RAS e/ou junto às redes intersetoriais. Assim, a pessoa idosa que acessa uma unidade de saúde deve ser avaliada com relação aos seus contextos de moradia, de apoio familiar, social e econômico, bem como suas condições físicas, mentais e funcionais visando buscar a manutenção e/ou recuperação da independência e autonomia possíveis para melhor qualidade de vida no processo de envelhecimento 30.
A realização dessa avaliação deve ser apoiada pela equipe multiprofissional da saúde como proposta de mobilização de vários campos de saberes e práticas, que ampliam a perspectiva da integralidade e auxiliam a avaliação das múltiplas dimensões que incidem sobre a saúde da pessoa idosa. O exercício da clínica ampliada pressupõe a utilização de dispositivos como o Projeto Terapêutico Singular (PTS), que promovem uma maior articulação entre os profissionais e a utilização de reuniões de equipe como um espaço de reflexão, discussão, compartilhamento e corresponsabilização das ações com a horizontalização dos poderes e conhecimentos 31.
Foi possível observar que os especialistas compartilham deste pensamento, já que os indicadores que envolvem a equipe multiprofissional apresentaram altos valores de CVC. Um ponto que merece destaque é a discussão sobre o indicador “Média de atendimentos a pessoas idosas realizados por profissional do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF)” que mesmo com altos valores de CVC para os três tópicos avaliados, foi excluído da composição do IAPI-APS.
No Brasil, em 2008, foram criados os NASFs com o objetivo de atuarem em parceria com os profissionais da estratégia de saúde da família, compartilhando a responsabilidade pelas práticas de saúde no território em uma perspectiva multidisciplinar. Contudo, com o novo modelo de financiamento da APS adotado em 2020, o MS deixou de credenciar novas equipes do NASF, reduzindo assim incentivos para os municípios comporem equipes multiprofissionais para além dos profissionais básicos 32.
Os impactos da descontinuidade destas equipes foram sentidos pelo aumento da demanda de outros setores da saúde por agravos possíveis de prevenção a nível primário. Contudo, em 2023, o MS publicou uma nova portaria instituindo um novo incentivo financeiro federal para implantação e custeio de equipes Multiprofissionais na APS (eMulti) o que fortalece novamente o cuidado interdisciplinar 33. Dessa forma, a adaptação do indicador “Média de atendimentos de médicos e enfermeiros por pessoa idosa” para “Percentual de atendimentos de pessoas idosas”, parte da necessidade de continuidade das equipes multiprofissionais para o fortalecimento da APS 32,33.
Não só as equipes multiprofissionais, mas também outros dispositivos da APS contribuem para a equidade de acesso da população idosa, como as equipes de consultório na rua. A organização e funcionamento das equipes de consultório na rua funcionam como porta de entrada da população em situação de rua aos serviços de APS e tem como objetivo melhorar a capacidade de resposta às demandas e necessidades de saúde inerentes a esta população como sendo duplamente vulnerável e que carece de um acesso adequado as ações e serviços de saúde 34.
Além das pessoas idosas em situação de rua, merece especial atenção outros grupos específicos, como a população rural, campo, fluvial, ribeirinhas, assentados e quilombolas. Existe um fator de suma importância para o envelhecimento que é a particularidade do curso de vida de cada indivíduo. Diferentes estilos de vida adotados pelas pessoas e os fatores socioeconômicos e ambientais podem ser entendidos como facilitadores ou barreiras para intervenção e apoio aos idosos 35.
Há uma grande diversidade de componentes sociais além dos aqui citados, que têm sido avaliados nas atuais políticas públicas já que grupos minoritários podem estar suscetíveis a desigualdades sociais e consequentemente a desigualdades na condição de saúde. O modo de nascer, viver, adoecer e morrer das pessoas e questões étnico-raciais podem influenciar a desvalorização de queixas, apresentar um modo discriminatório de atendimento e desconsideração destes grupos nas ações individuais e coletivas 36.
O histórico racismo/preconceito estrutural e institucional ao qual os grupos minoritários estão submetidos, perpetua as divisões de classe e as desigualdades entre elas. Muitos indicadores como nível de educação, ocupação, renda e riqueza, têm sido associados a fragilidade em pessoas idosas. Um estudo mostrou que pessoas com menor escolaridade são, em média, mais frágeis em comparação com pessoas com nível superior 39. Da mesma forma, outros estudos transversais demonstraram uma associação entre menor renda financeira e maior fragilidade na vida adulta. Para o emprego, foi observado que pessoas com empregos mais bem pagos experimentam melhor saúde na velhice do que aqueles em empregos de baixa remuneração 38,39,40.
Diante das diferenças regionais e populacionais do extenso território brasileiro, inúmeras são as barreiras que dificultam ou impedem o exercício dos direitos fundamentais como o acesso à saúde. É preciso entender que os problemas de acesso aos diversos pontos da RAS dependem de um fortalecimento e qualificação da APS que assume o papel de coordenar os fluxos de pessoas, produtos e informações ao longo da rede, além de ter a capacidade de resolução de até 90% dos problemas de saúde da população 41,42.
Para o cumprimento destes papéis, a APS deve apresentar enfoques distintos de organização do acesso, desde a otimização da força de trabalho em equipes multiprofissionais, o enfoque no alisamento da agenda, alternativas tecnológicas para atendimento, até o enfoque do acesso avançado (AA). O AA é um modelo de acesso que permite que o usuário seja atendido no mesmo ou em poucos dias em que solicita o atendimento, além de garantir longitudinalidade do cuidado. Isso reduz o tempo de espera e aumenta a satisfação da equipe e dos usuários 43.
Este modelo mostra-se relevante para o acesso de pessoas idosas a APS, já que as suas condições de saúde e capacidade funcional podem ser alteradas rapidamente a partir de intercorrências como quedas, doenças agudas, agudização de doenças crônicas, perda do cônjuge ou de pessoas próximas e outros agravos. Nesse contexto, foram apresentados indicadores que permitem avaliar, não o AA diretamente por ainda ser pouco utilizado no Brasil, mas aspectos que envolvem este modelo.
A maioria dos indicadores categorizados pelos especialistas na dimensão Organizacional, pode contribuir para a efetivação do AA, já que levará a uma reflexão sobre o gerenciamento dos processos relativos aos fluxos dos usuários para balancear as relações entre demanda e oferta e reduzir o intervalo de tempo entre a expressão da demanda e seu efetivo atendimento. Estudos sobre o modelo, têm demonstrado diminuição do tempo médio de espera entre a procura do usuário à unidade de saúde e sua efetiva consulta para no máximo 72 horas 44.
Outros dois indicadores categorizados na dimensão Organizacional, que são “Percentual de pessoas idosas que percorrem até 3,6 quilômetros para chegar até à unidade de saúde” e “Percentual de pessoas idosas que percorrem até 30 minutos para chegar à unidade de saúde” trazem um olhar intersetorial ao índice proposto, por ir além do campo da saúde. A distância e o tempo percorrido para chegar até a unidade vão depender de uma composição de fatores, como a disponibilidade de transporte e barreiras ambientais, condições estas que muitas vezes limitam o acesso à saúde 44.
Observa-se na literatura que estados na região Norte estão entre aqueles com maiores barreiras geográficas e menor oferta de serviços, o que impacta diretamente nas condições de saúde da população adscrita 45. Considera-se também que os dados levantados pelo índice apontem estas barreiras geográficas, prevendo possíveis dificuldades dos usuários idosos ao tentar acessar a APS, cabendo aos gestores articular os recursos existentes dos diferentes territórios para eliminação destas barreiras.
A padronização em 30 minutos e 3,6 km para a chegada até a unidade está de acordo com o Índice de acesso à cidade que representa um instrumento de incentivo às boas práticas na gestão da mobilidade. Estes números não refletem necessariamente a realidade brasileira, já que as desigualdades de acesso as oportunidades de saúde estão relacionadas as condições socioeconômicas, de transporte, mobilidade e acessibilidade física 46.
Assim, o processo de monitoramento em saúde por meio de índices busca superar as fragilidades da qualidade em saúde, indo além da dimensão individual e abrangendo os determinantes sociais que contribuem para a disponibilidade ou carência de recursos destinados à proteção das pessoas. Contudo, esta prática pode ser considerada complexa devido as técnicas e instrumentos empregados no processo de avaliação, bem como a compreensão teórica e percepção crítica de como as ações e serviços de saúde se inserem no contexto que se pretende analisar 47.
As fontes de dados que serão utilizadas também podem levar a vieses de informação relacionados ao mau registro ou a indisponibilidade de sistemas de informação adequados. Além disso, há a necessidade de explorar aspectos qualitativos do acesso, já que somente resultados numéricos são insuficientes para entender todo o contexto associado. O índice apresenta limitações quando a avaliação de todas as dimensões relacionadas ao acesso, mas dirigem-se às necessidades mais urgentes de intervenção para melhoria da oferta dos serviços de APS.
Um dos pontos fortes do IAPI-APS é que o índice propõe um direcionamento para mudanças necessárias ao processo do trabalho das equipes, já que a prática do cuidado no sistema de saúde permanece com dificuldades para organizar as ações de modo a beneficiar a saúde integral, considerando as especificidades da pessoa idosa. Além disso, o índice pode identificar possíveis barreiras sociais e geográficas que ameaçam o acesso da pessoa idosa à APS e consequentemente, à oportunidade de manutenção ou melhora da sua qualidade de vida.
Estudos futuros devem analisar a validade do IAPI-APS para os municípios e estados brasileiros conforme a realidade de cada território, já que o espaço é uma construção social e está subordinada a hábitos, costumes, alocação de recursos, produção de bens, serviços e as instituições encarregadas de produzir normas. É também a partir desta construção social e suas disparidades que surge a heterogeneidade no processo de envelhecimento, justificando a necessidade de uma reflexão sobre todos os eixos estruturantes do cuidado integral à pessoa idosa.
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REFERÊNCIAS
1 Silva DSM, Assumpção D, Francisco PMSB, Yassuda MS, Neri AL, Borim FSA. Doenças crônicas não transmissíveis considerando determinantes sociodemográficos em coorte de idosos. Rev bras geriatr gerontol 2022; 25(5):e210204.

2 Sgarbieri VC, Pacheco MTB. Healthy human aging: intrinsic and environmental factors. Braz J Food Technol 2017; 20:e2017007.

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de Souza, K. O. C., Timmons, S., Fracolli, L. A. A.. Elaboração de um índice para avaliação do acesso de pessoas idosas aos serviços de atenção primária à saúde. Cien Saude Colet [periódico na internet] (2023/dez). [Citado em 23/12/2024]. Está disponível em: http://cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/elaboracao-de-um-indice-para-avaliacao-do-acesso-de-pessoas-idosas-aos-servicos-de-atencao-primaria-a-saude/19038?id=19038&id=19038

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