0154/2006 - HIPERTENSÃO EM SEGMENTOS SOCIAIS PAUPERIZADOS DA REGIÃO DO VALE DO PARAÍBA –SÃO PAULO
HYPERTENSION IN IMPOVERISHED SOCIAL SEGMENTS OF STATE SÃO PAULO
Autor:
• Ignez Salas Marins - Marinho, S.P. - São Paulo, São Paulo - Universidade de São Paulo-Faculdade de Saúde Pública-Dep Nutrição - <imartins@usp.br>Área Temática:
Não CategorizadoResumo:
ResumoO objetivo deste trabalho foi verificar as relações entre fatores sócio-econômicos, ambientais e biológicos com a hipertensão, segundo gênero. A população estudada foi formada por adultos residentes em dois municípios do Vale do Paraíba (SP), uma das regiões mais pobres do Estado de São Paulo. Foi composta por 274 (39,8%) homens e 415 (60,2 %) mulheres. O estudo foi realizado por meio de um modelo de regressão logística hierarquizada, aplicado separadamente para homens e mulheres. Foram estimados os odds ratios ajustados (ORaj), com intervalo de confiança de 95% e alfa igual a 5%. Para os homens seguintes fatores de risco estiveram associados à hipertensão: viver da zona rural , etilismo e idade acima de 40 anos. Famílias numerosas, com mais seis pessoas exerceram efeito protetor. Para mulheres, os fatores de risco relacionados à hipertensão foram: ausência de escolaridade, sedentarismo, obesidade associada à baixa estatura e idade acima de 40 anos . A obesidade isolada não se associou à hipertensão (níveis pressóricos iguais ou maiores do que 160/100 mmHg, correspondente ao estagio II do padrão de referência).
Unitermos: hipertensão, fatores de risco, pobreza, gênero.
Título abreviado: Hipertensão em segmentos sociais pauperizados
Abstract:
ABSTRACTHypertension is determined by socio-economic, environmental and biological factors and, in some social segments, exists peculiarities in the lifestyle, leisure and work of men and women. The objective was to verify the relationships between socio-environmental and biological factors and hypertension by gender. The target population was composed of adults of impoverished social segments of two cities in the State of São Paulo, Brazil. It is consisted of 677 adults, 274 (39,8%) of men and 415 (60,2%) women. A hierarchical logistic regression model, applied for men and women separately, was utilized. The adjusted Odds Ratio (ORaj), with a confidence interval of 95% and alfha = 5 %, were calculated. The risk of hypertension in men increases as a result of : living in rural area, use of alcohol and being over 40 years of age. On the other hand, families with many members, i e more then six peoples, exercise a protective effect. Risk factors associated with hypertension in women were: lack of schooling, sedentary lifestyle, obesity associated with low stature and age above 40 years. In this population obesity in itself was not associated with hypertension (stage II or above, 160/90mmHg ).
Uniterms: Hypertension , risk factors, gender, poverty
Short title: Hypertension in impoverished social segments
Conteúdo:
A hipertensão é uma doença caracterizada pela elevação crônica da pressão arterial sistólica e/ou da pressão arterial diastólica. É fator de risco de doenças cardiovasculares ateroscleróticas e cerebrovasculares. Encontra-se geralmente associada, de forma complexa, à obesidade e dislipidemias 1,2. Diversos fatores de natureza sócio-ambiental e biológica atuam na etiologia da hipertensão . 3,4,5.
Diversos estudos realizados no Brasil, apontam a hipertensão como problema de Saúde Pública, apesar da dificuldade que se encontra para se estabelecer comparação entre populações, devido aos diferentes critérios de classificação adotados na definição da doença. Em trabalho de revisão, Dressler & Santos (2000) 6 enfatizam a importância dos determinantes sócio-econômicos e psicossociais da doença, bem como a tendência para aumento da prevalência nas populações pobres.
Assim, devido à complexidade de fatores relacionados com a hipertensão, é de fundamental importância dispor de modelos de análise que permitam a formulação de hipóteses sobre a etiologia da morbidade, em diferentes grupos populacionais. Neste sentido, a análise hierarquizada, entre outras, é um instrumento analítico de fundamental importância por ser uma abordagem que interrelaciona diferentes níveis de determinação da morbidade 7 .
Estudo realizado em segmentos pauperizados do Vale do Paraíba, Estado de São Paulo, mostrou altos percentuais de hipertensão em homens e mulheres acima de 20 anos 8. Foram observadas formas peculiares de trabalho, lazer e estilos de vida para os homens e as mulheres. Pressupõe-se, portanto, que os fatores de risco na etiologia da hipertensão apresentem diferenciais segundo gênero.
2. Objetivo
Verificar as relações entre fatores sócio-ambientais e biológicos e a hipertensão segundo gênero, através de uma análise hierarquizada. A população-alvo é formada por adultos residentes nos municípios de Monteiro Lobato e Santo Antônio do Pinhal (SP).
3. Metodologia
3.1 Delineamento do estudo
Este trabalho faz parte de um projeto de delineamento transversal, realizado entre Julho de 1997 e 2000, que teve como objetivo investigar a situação de saúde, educação e trabalho, em populações pauperizadas, atendidas pelo Programa Comunidade Solidária do Governo Federal. Foram contemplados pelo Programa 144 municípios, com mais de 25% da população abaixo da linha de pobreza. A renda familiar de até dois salários mínimos foi um dos critérios do Programa para escolha das famílias a serem atendidas.
Entre os municípios integrantes do Programa, optou-se por realizar um estudo piloto nas cidades Monteiro Lobato e Santo Antônio do Pinhal, isoladas e incrustadas em uma região altamente desenvolvida do Estado de São Paulo.
A população-alvo foi composta pelo universo das famílias atendidas pelo Programa, (390 famílias), totalizando 677 adultos, destes 274 (39,8%) eram homens e 415 (60,2%), mulheres.
3.2 Levantamento de dados
A coleta de dados se deu em duas fases. A primeira fase foi caracterizada pelo cadastramento das famílias, quando o responsável recebia esclarecimentos sobre os objetivos da pesquisa.
Nessa fase, foram colhidos os dados referentes às áreas de residência, recursos de saneamento e condições da residência, número de pessoas família, idade, escolaridade e ocupação dos componentes da família.
Na segunda fase de levantamento de dados, todos os indivíduos, pertencentes às famílias cadastradas, foram convocados para realização de exames clínicos e entrevistas, feitos em postos de atendimento montados pela equipe de pesquisa. Em relação aos adultos foram coletados, dentre outros, os seguintes dados: hábitos comportamentais – etilismo, tabagismo, sedentarismo - pressão arterial, peso, altura e antecedentes familiares e pessoais de morbidades.
3.3 Aferição da pressão arterial e padrão de referência para a hipertensão
A pressão arterial foi aferida com o uso de um esfignomanômetro de mercúrio calibrado, equipado com manguito padrão e estetoscópio. As medidas foram realizadas no braço esquerdo do indivíduo, após 10 minutos de descanso. A adaptação às variações da pressão do manguito foi feita com três leituras não registradas. A medida considerada correspondeu à média das três tomadas fitas a seguir, com intervalos de 5 minutos entre cada uma delas. O níveis pressóricos registrados foram o primeiro ruído dos sons de Korotkov, como pressão sistólica, e o desaparecimento dos mesmos ( fase V de Korotkov) como pressão diastólica. Foram incluídos os hipertensos em tratamento medicamentoso. Indivíduos em tratamento foram raramente encontrados.
O padrão de referência usado para a definição da hipertensão foi o do VI Joint National Committee on Detection Evaluation and Treatment of High Blood Pressure (1997) 9:
3.4- Indice de Massa Corporal (IMC)
Foi calculado pela fórmula peso/altura2, sendo considerados obesos os indivíduos com IMC maior ou igual a 25 kg/m2 ( WHO, 1997) 10.
3.5 - Estilo de Vida
Os elementos de estilo de vida utilizados foram uso de bebida alcoólica, tabagismo e sedentarismo.
As informações sobre o tabagismo foram obtidas através de três questões sobre o uso diário de tabaco, número de cigarros (ou outro) fumados por dia e tempo de duração do vício. Foram considerados tabagistas os indivíduos que declararam fumar diariamente.
O etilismo foi avaliado através do questionário CAGE, cujo objetivo é a detecção precoce do alcoolismo 11. Este instrumental baseia-se em quatro questões relacionadas ao hábito de beber - C (cut-down), A ( annouyed), G (guilt) e E ( eyer-opener) - e algumas perguntas mais gerais que visam facilitar a condução da entrevista. Foi considerado etilista o indivíduo com três ou mais respostas CAGE positivas .
A atividade física foi estimada pelo gasto energético nas atividades diárias realizadas no trabalho, em casa e nas horas de lazer. O total de dispêndio energético é estimado como múltiplo do metabolismo basal e dividido em três categorias – leve, moderado e intenso (OMS, 1985) 12.
Foram considerados sedentários os indivíduos com gasto energético da categoria considerada leve.
3.6 - Modelo hierarquizado de análise:
O modelo de análise multivariada é apresentado na Figura 1. Em um primeiro momento realizou-se uma análise univariada das variáveis contidas em cada bloco. São estimados os valores das Odds Ratio brutas ( ORb) , com intervalo de confiança de 95% e alfa igual a 5% . A seguir fez-se uma análise múltipla hierarquizada, utilizando-se o método stepwise forward. Foram testadas no modelo as variáveis de cada bloco que na análise univariada apresentou nível descritivo p menor ou igual a 0,20 .
No caso em que todas as variáveis de um bloco apresentaram p maior do que 0,20, permaneceu no modelo, como representante do bloco, a de menor nível descritivo.
A análise de cada nível da hierarquia implicou controle das variáveis dos blocos anteriores.
A hipertensão foi a variável dependente e foram adotados dois modelos de análise, um para o sexo feminino e outro para o masculino.
As variáveis que compuseram os blocos foram as seguintes:
Bloco 1 – Fatores sociais
Área de residência , escolaridade,ocupação.
Blocos 2.1 e 2.2 - Fatores referentes à área de residência:
Origem da água, destino do esgoto, tipo de moradia, número de cômodos da moradia, número de pessoas da família.
Blocos 3.1 e 3.2 – Fatores referentes ao indivíduo: hábitos comportamentais e estado fisiológico.
Tabagismo, etilismo , sedentarismo, idade, IMC e estatura.
FIGURA 1
Resultados
Verificou-se que mais de 50% dos homens e das mulheres apresentaram prevalência de hipertensão do padrão de referência. No estagio 1 (140/90 a 159/99 mmHg) a prevalência foi 27,0% para os homens e 24,6% para as mulheres. No estágio 2 ou mais elevado (≥ 160/100 mmHg ) os percentuais de casos foram de 35,0 % e 27,5% , para os homens e mulheres, respectivamente.
Para se obter maior discriminação nos fatores de risco associados à hipertensão optou-se pelo ponto de corte correspondente ao estágio 2 , ou seja, 160 mmHg para a pressão sistólica e 100 mmHg, para a diastólica, que é a variável dependente nos modelos de análise multivariada.
A Tabela 1 apresenta a análise múltipla univariada de cada bloco da hierarquia, para os homens. No bloco 1, verifica-se que a área de residência associou-se significativamente com a hipertensão.
Em relação às variáveis do bloco 2.1, referentes à área de residência, observa-se que a origem da água associou-se significativamente à hipertensão, associação coerente com a encontrada no bloco 1, uma vez que na zona rural não se encontra distribuição de água pela rede pública.
Entre as variáveis do bloco 2.2 (características da família) o número de pessoas da família associou-se significativamente à hipertensão, indicando que as mais numerosas, com mais de 6 pessoas exerceria um efeito protetor em relação à doença .
No bloco 3.1 – hábitos comportamentais: tabagismo, etilismo e sedentarismo- constata-se que o etilismo apresentou nível descritivo adequado para ser a variável desse bloco que participa do modelo final. Do bloco 3.2, verifica-se que a idade maior de 50 anos associou-se significativamente à hipertensão. Levando-se em conta que o ponto de corte corresponde ao estágio 2 do padrão de referência ( 160/100 mmHg ), este resultado é esperado. A obesidade e a baixa estatura, também participam do modelo final por apresentarem nível descritivo adequado.
TABELA 1
A Tabela 2 mostra a análise univariada dos fatores sócio-ambientais e biológicos e a hipertensão, para as mulheres. No bloco 1, a escolaridade associou-se fortemente com a hipertensão nas mulheres . No nível 2 da hierarquia a variável número de pessoas da família participa do modelo final .
As variáveis do bloco 3.1, composto pelos fatores componentes de estilo de vida, o sedentarismo associou-se significativamente à hipertensão ; também, todas as variáveis do bloco 3.2 - idade, obesidade e baixa estatura- apresentaram associação altamente significativa .
A associação altamente significativa da idade com a hipertensão, nas mulheres, já se manifesta no grupo etário de 40 a 49 anos. O risco de hipertensão para a idade acima de 50 é expressivamente maior..
TABELA 2
O modelo hierarquizado para os homens está apresentado na Tabela 3. Mantiveram-se com nível descritivo significativo as variáveis área de residência, número de pessoas da família, etilismo e idade . Pertencer à zona rural quase dobra o risco para a hipertensão. As famílias mais numerosas apresentam-se como elemento protetor, o etilismo aumenta em aproximadamente duas vezes e a idade acima dos 40 anos em mais do que três vezes.
TABELA 3
A Tabela 4 apresenta o modelo de análise hierarquizada para as mulheres. As variáveis escolaridade, sedentarismo, idade acima de 40 anos e obesidade associada à baixa estatura permaneceram com nível descritivo significativo no modelo. Como representantes dos blocos 2.1 e 2.2 ficaram no modelo as variáveis com menor nível descritivo, embora não significativas. As mulheres sem escolaridade apresentaram mais do que o dobro de risco para a hipertensão. Por outro lado, para as faixas etárias de 40 –49 anos e acima de 50 anos o risco aumenta em duas e cinco vezes, respectivamente. A obesidade isolada perde a significância e quando acompanhada de baixa estatura aumenta em cinco vezes o risco.
TABELA 4
5. Discussão
Nesta população, os fatores de risco para a hipertensão peculiares segundo gênero. Para os homens residir na zona rural e ser etilista foram os principais fatores de risco, indicadores de situação social e estilo de vida. Estes resultados corroboram com fatos da vida cotidiana da população, principalmente rural: os bares de beira de estrada e dos vilarejos, nos quais o principal item de consumo é a cachaça, eram os únicos espaços de lazer e sociabilidade do trabalhador. Diversos estudos mostram relação entre hipertensão e o consumo excessivo de bebida alcoólica 13,14, 15.
Devido à homogeneidade da população o tipo de ocupação, dos homens em geral, era restrito a atividades moderadas ou intensas, ligadas à lavoura, olarias e construção civil. A qualidade de assalariado, autônomo ou diarista não se relacionou com os níveis pressóricos, fato não verificado em população da área metropolitana de São Paulo, na qual a prevalência da hipertensão nos autônomos e diaristas foi sensivelmente maior do que nos assalariados 16. Também, a prevalência da obesidade entre eles foi baixa e o IMC nos níveis de sobrepeso podem não ser devido à gordura, mas à massa muscular hipertrofiada.
Por outro lado, precisa ser mais bem estudado o papel das famílias numerosas como fator de proteção à hipertensão. Possivelmente, contar com mais braços para o trabalho colabore de forma positiva na estratégia de sobrevivência do grupo.
Os fatores de risco relacionados associados à hipertensão nas mulheres foram escolaridade, sedentarismo e a obesidade associada à baixa estatura. Nesta população a obesidade isolada perdeu a significância quando controlada pelas demais variáveis componentes da hierarquia. Diversos estudos têm mostrado associação entre baixa estatura, que é indicadora de desnutrição pregressa, e fatores de risco cardiovascular tais como, obesidade centralizada, hipertensão e alteração glicêmica 17,18,19,20,21.
Por outro lado, residir na área rural ou urbana não apresentou diferenciais na prevalência de hipertensão na mulheres que, na quase totalidade, se dedicavam aos serviços domésticos como dona de casa ou eram empregada doméstica. É fundamental destacar, o sedentarismo nas mulheres, importante fator de risco para a hipertensão 22.
Dessler & Santos (2000) 4 apontam que nas sociedades pouco desenvolvidas, geralmente, encontram-se baixas prevalências de hipertensão e de outros fatores de risco cardiovascular. Segundo os autores, o processo de modernização das sociedades foi acompanhado com o aumento prevalência da hipertensão resultante do estresse, fator etiológico importante da morbidade. Entretanto, a população deste estudo é um enclave de pobreza, próximo a um dos mais importantes pólos de desenvolvimento do país, a cidade de São José dos Campos. Mudanças radicais nos modos de viver com agravamento da pobreza, certamente criaram situações estressores na vida das famílias.
Perestrelo & Martins (2003) 23 encontraram evidências de modernização da agricultura em Santo Antônio do Pinhal e Monteiro Lobato a partir da década de 1980, com mudança nas atividades rurais e dispensa de mão de obra, provocando migração da população rural para a periferia urbana, onde os trabalhadores passaram a sobreviver como diaristas, principalmente na construção civil. As atividades agropecuárias foram aos poucas perdendo espaço para o setor hoteleiro e da construção civil; entre 1980 e 1996 . Devido a esse processo, a população urbana cresceu 48,8% e a rural decresceu 11,5%. Contudo, ainda permaneceu um grande contingente na zona rural em pequenas propriedades, que gradativamente foram se transformando em chácaras de lazer. Geralmente o pequeno proprietário vendia sua propriedade tornado-se caseiro. Essas mudanças sociais possivelmente alteraram laços tradicionais de solidariedade, que representavam sistema apoio social de fundamental importância para a sobrevivência do grupo. Também, levaram à reinvenção do trabalho da mulher, outrora responsável pela produção doméstica no entorno da moradia, pelo cuidado aos animais, ajudando também na lavoura em estudos sobre o rural brasileiro ressalta que aos poucos foram os homens foram se apropriando de atividades, que outrora eram encargos das mulheres, que passaram a se dedicar a tarefas domésticas..
Ainda enfatizando a dimensão social na etiologia da hipertensão Seedat et al (1982) 24 destacam, como fatores relevantes, condições estressantes de trabalho pesado e falta de infra-estrutura, ambos presentes na população deste estudo.