0572/2007 - Influência da propaganda na utilização de medicamentos em um grupo de idosos atendidos por uma unidade básica de saúde em Aracaju - Sergipe
Assessment of the advertising in the medication use in a group of elderly to a primary health care unit in Aracaju-Sergipe
Autor:
• Aline Souza Neves - Aline Souza Neves - Aracaju, Sergipe - Universidade Federal de Sergipe - <alinefarma11@hotmail.com>Área Temática:
Não CategorizadoResumo:
O crescimento da população idosa brasileira tem levado a uma maior tendência ao uso de medicamentos. A utilização inadequada dos mesmos pode ser induzida por vários fatores, dentre eles a propaganda, podendo trazer danos à saúde do usuário. O objetivo do estudo foi avaliar a influência da propaganda no consumo de medicamentos por um grupo de idosos atendidos em Unidade Básica de Saúde de Aracaju, Sergipe. No período de abril a junho de 2007, um grupo de 230 idosos, com idade acima de 60 anos, de ambos os gêneros foi entrevistado. A maioria dos entrevistados (73%) possuía pelo menos uma doença crônica e 73,9% consumiam pelo menos um medicamento regularmente. Do total de entrevistados, 17,8% da amostra relataram utilizar medicamentos por influência da propaganda; 2,2% consideraram que os medicamentos veiculados na mídia nunca fazem mal e 6,5% acreditavam que os mesmos sempre fazem bem. No estudo, correlações foram feitas e demonstraram que quem mais consome medicamentos influenciados pela propaganda também consideram que os mesmos sempre fazem bem e vice-versa (p= 0,04). Os dados revelaram que parte dos idosos sofreu influência da propaganda no consumo de medicamentos, não levando em consideração os riscos que estes poderiam causar.Palavras - chave: idosos; propaganda de medicamentos; uso de medicamentos.
Abstract:
The growth of the Brazilian elderly people has led to a trend to increase the medication use. The inadequate use of drugs can be induced for some factors, like advertisement, being able to bring damages to the user’s health. The objective of the study was to evaluate the publicity influence in medication use for a group of elderly patients in primary health care unit in Aracaju, Sergipe. 230 elderly with age above 60 years with both the genders had been interviewed from April to June of 2007. The majority of the interviewees (73%) has at least a health chronic condition and 73.9% consumed regularly at least one medication. 17.8% of the sample informed to use medication motivated by publicity influence; 2.2% had considered that the medication never cause damages and 6.5% believe that always it makes well. In this study, correlations have been made and demonstrate that those who presented a higher level of consumption influenced by advertising also think that drugs used always beneficial and vice versa (p= 0,04). The data showed that part of elderly suffered influence of advertisement to medication use, and are not conscious of risks involved.Key-words: Elderly; Medication advertisement; Medication use.
Conteúdo:
No Brasil, a vida média vem sofrendo notável incremento, tendo passado de 1940, aos dias de hoje por um aumento de 60% (de 62,6 anos, em 1980, para 71,7 em 2004), com projeções de que, até 2025, chegará aos 80 anos. Segundo os dados do IBGE para 2002, os idosos já representavam 9,3% (16,22 milhões que, em 2005 já haviam ascendido a 18 milhões) da população, estimando-se que em 2002, serão 11,4% dos 219 milhões de brasileiros sendo esperado que cheguem a 35 milhões até 2050.4 Esse crescimento colocará o país na condição de detentor da sexta maior população de idosos do mundo, em termos absolutos5, 6. Como conseqüência, ocorre uma grande preocupação para a saúde pública, pois com o aumento da idade cronológica há uma maior prevalência de condições crônicas de saúde, apresentando assim uma maior tendência ao uso de medicamentos.
Os dados apontados indicam vir o país passando por uma transição demográfica e epidemiológica bastante complexa, com a convivência de doenças não-transmissíveis ou produzidas pelo homem, com doenças infecciosas e parasitárias com variável prevalência das mesmas, conforme as macro-regiões que se considere, além de crescente e preocupante aumento da mortalidade por causas externas, em especial a violência, sobretudo em segmentos mais jovens da população. 7
As alterações farmacocinéticas afetam a concentração dos fármacos em seus sítios de ação e as de caráter farmacodinâmico se associam às diferenças de resposta do organismo a uma determinada concentração do princípio ativo. O processo de envelhecimento explica os fenômenos apontados, já que, nos idosos, há uma diminuição da massa muscular e da água corporal, com possível alteração da biodisponibilidade de alguns fármacos; a filtração e excreção renal, assim como o metabolismo hepático e mecanismos homeostáticos podem ficar comprometidos, o que pode acarretar obstáculos à eliminação de metabólitos levando a reações adversas.8,9,10,11,12 Por outro lado, as peculiaridades das enfermidades crônico-degenerativas favorecem a prescrição e uso de múltiplos medicamentos e, em conseqüência, de riscos aumentados das interações ou dos efeitos indesejáveis aos quais podem estar associados gastos desnecessários e internações hospitalares que poderiam ter sido evitadas.
O emprego do arsenal terapêutico por idosos apresenta uma linha tênue entre o benefício e o risco, ou seja, se por um lado, ajudam a estender a longevidade, por outro, pode afetar negativamente a sua qualidade de vida. Logo, o problema não pode ser atribuído ao consumo de medicamentos, mas sim à irracionalidade de seu uso, que expõe os mesmos a riscos potenciais13, 14.
Segundo Teixeira e Lefévre9, a partir da última década, o uso inapropriado dos medicamentos por idosos tem se tornado um problema tanto do ponto de vista clínico quanto econômico. Nos Estados Unidos, por exemplo, os custos com a morbimortalidade associada aos medicamentos triplicaram nos últimos anos, sendo que somente os idosos gastaram US$ 104 bilhões, bem mais do que foi gasto com qualquer outro problema de saúde nessa faixa etária15, 13. Na Espanha, os problemas associados à farmacoterapia foram responsáveis por aproximadamente 5% dos ingressos hospitalares, com um custo médio de 3.000 euros por internação 16.
No Brasil, o consumo de especialidades farmacêuticas, principalmente entre os idosos, é favorecido pela multiplicidade de produtos lançados no mercado, pela publicidade que os cerca e pela simbolização da saúde que o medicamento pode representar17, 18. Outro aspecto importante diz respeito à indefinição do perfil de utilização de medicamentos nesta faixa etária, pois poucos estudos são encontrados na literatura, e, em sua maioria, concentram-se nas regiões Sul e Sudeste do Brasil19, 12. Aliado a esses fatores, a ausência do farmacêutico na farmácia também resulta em estabelecimentos desassistidos e banaliza a figura do medicamento, que passa simbolicamente a representar um bem de consumo e não um instrumento de saúde 20.
A exploração do valor simbólico do medicamento - socialmente sustentado pela indústria farmacêutica, agências de publicidade e empresas de comunicação - passa a representar um dos mais poderosos instrumentos para a indução e fortalecimento de hábitos voltados para o aumento de seu consumo21. Esse fenômeno ocorre em um contexto de uma sociedade na qual a ideologia de consumo, associada à visão mecanicista e biomédica do processo saúde/doença e à lógica de mercado, terminam por levar a uma hipervalorização do papel do medicamento e à intensificação da “medicalização”. As indústrias farmacêuticas, por exemplo, gastam em média 35% do valor das vendas com a chamada “promoção farmacêutica”, publicidade e marketing de seus produtos22. Nesse contexto, o impacto da propaganda de medicamentos e demais produtos relacionados à saúde influenciam tanto a prática dos profissionais do setor quanto às demandas das populações.
De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) 23, a propaganda é um método que estimula o consumo de medicamentos, pois engloba o conjunto de técnicas utilizadas para divulgar conhecimentos e/ou promover adesão a princípios, idéias ou teorias, visando exercer influência sobre o público. Além disso, a publicidade de medicamentos define padrões de mercado e de comportamento das pessoas, exercendo impacto concreto sobre as práticas terapêuticas24. Logo, a preocupação com a qualidade da informação disponível sobre o medicamento deve fazer parte do cotidiano dos profissionais de saúde e dos consumidores 25.
Nas últimas três décadas, pesquisadores como Lexchin 26, Herxheimer 27, Silverman 28, Avorn 29 e, no Brasil, Barros 30, Pizzol et al.31, Fagundes et al.,32 têm publicado estudos sobre o tema, alertando para as conseqüências das relações entre profissionais da saúde e indústria farmacêutica. Entretanto, é necessário desenvolver mais pesquisas que avaliem o impacto da propaganda no consumo de grande número de especialidades farmacêuticas disponíveis no mercado. Baseado no exposto, o presente estudo teve como meta avaliar a influência da propaganda no consumo de medicamentos em um grupo de idosos assistidos por uma unidade básica de saúde, em Aracaju (SE).
Metodologia
Desenho do estudo
Foi realizado um estudo analítico, transversal, com amostragem por conveniência, em uma unidade básica de Saúde do Município de Aracaju (SE), de abril a junho de 2007.
Local de Estudo
O estudo foi realizado na Unidade Básica de Saúde (UBS) Edézio Vieira de Melo, do bairro Siqueira Campos, pertencente à Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Aracaju. O centro comporta o Hospital Dia e o Centro de Reabilitação Física e Motora de Aracaju, contando com cerca de 72 profissionais de saúde de sete diferentes especialidades,como ginecologia e odontologia.
População e Amostra do Estudo
A referida UBS atende 19.000 usuários cadastrados e residentes no bairro Siqueira Campos. Participou do estudo um grupo de 230 usuários com idade acima de 60 anos, de ambos os gêneros, residentes e domiciliados em Aracaju, cadastrados na UBS. Os idosos foram selecionados pelos agentes comunitários de saúde da UBS e os convites bem como as entrevistas foram feitos nas visitas domiciliares realizadas pela pesquisadora.
Coleta dos dados
Os dados foram coletados por meio de entrevistas individuais utilizando um questionário semi-estruturado, contendo as variáveis sócio-demográficas: gênero, escolaridade (em anos completos), renda familiar (em salários mínimos), idade (em anos completos) e ocupação, bem como, variáveis relativas à propaganda (utilização de medicamentos veiculados na mídia, opinião sobre a eficácia dos medicamentos anunciados e acesso das propagandas de medicamentos nos meios de comunicação) e consumo de medicamentos (“qual a causa/indicação do uso do(s) medicamento(s)” e “qual(is) medicamento(s) em uso”). No estudo, os medicamentos foram classificados segundo o nome genérico ou de marca. As entrevistas foram realizadas somente após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Foram incluídos no banco de dados todos os medicamentos industrializados, assim como as fórmulas magistrais. Foram excluídos os medicamentos homeopáticos, os florais de Bach, chás, decoctos, tinturas e aqueles que não possuíam formulação clara33.
Análise dos dados
Os dados coletados foram reunidos em um banco de dados e analisados pelo programa estatístico Epi Info versão 3.4. Além da estatística descritiva foram realizados testes de associação de qui-quadrado para avaliar as correlações entre as variáveis, sendo considerado como significante p < 0,05.
Foi considerado alfabetizado funcional, de acordo com a Unesco, o indivíduo capaz de utilizar a leitura e a escrita para fazer frente às demandas de seu contexto social e de usar essas habilidades para continuar aprendendo e se desenvolvendo ao longo da vida 34
Para identificar as substâncias a partir dos nomes comerciais empregou-se o Dicionário Terapêutico Guanabara 2005/2006. Após a identificação, os medicamentos foram classificados de acordo com o Anatomical Therapeutical Classification (ATC).
Aspectos Éticos
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário da Universidade Federal de Sergipe.
Resultados e Discussão
No presente estudo, os resultados referentes às variáveis sócio-demográficas estão demonstrados na Tabela 1.
A partir da análise dos dados foi verificado que dos 230 entrevistados, 31,3% estavam na faixa etária acima de 75 anos, achados semelhantes aos encontrados na literatura. Tais dados confirmam o crescimento considerável do contingente populacional de brasileiros com mais de 60 anos 35, 36.
Quanto ao gênero, 72,6% da amostra foi composta por mulheres. Este resultado é semelhante a estudos prévios que atribuem maior expectativa de vida à mulher em relação ao homem no Brasil. Isso é explicado pela proteção cardiovascular gerada pelos hormônios femininos, descenso nas taxas de mortalidade materna, menor exposição a fatores de risco como tabaco e álcool, além da maior procura por assistência médica, em virtude de uma percepção mais acentuada das doenças 37, 38,39.
No estudo, mais da metade dos idosos cursou ensino fundamental e 10% foram considerados analfabetos, os dados são condizentes aos encontrados na literatura . Entre 1995 e 2005 houve redução no número de analfabetos no país, todavia as desigualdades regionais continuam muito acentuadas40. No que concerne à ocupação, a maioria dos entrevistados foi composta por aposentados (73,9%), com renda que varia de um a três salários mínimos (88,3%). Esses dados corroboram os apresentados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) 40 que identificou 65,3% de idosos aposentados no Brasil, sendo esse número maior na região Nordeste com 72,2%.
Devido ao maior envelhecimento foi verificado que 73% dos entrevistados possuem pelo menos uma condição crônica de saúde sendo, as mais freqüentes, as do sistema cardiovascular (54,3%), músculo-esquelético (22,7%) e endócrino (12,1%) (Tabela 2). Dentre elas as mais prevalentes foram a hipertensão arterial sistêmica (145 casos) e o diabetes (48 casos). De acordo com Vivian 41, a associação entre estas doenças é bastante grave, pois multiplica o risco de complicações decorrentes de ambas as situações quando avaliadas isoladamente.
No estudo foi verificado que 73,9% dos entrevistados consomem pelo menos um medicamento regularmente. Este dado também fica evidenciado na literatura nacional e internacional, pois a grande maioria dos idosos utiliza no mínimo um medicamento diariamente 9,10,41,. Quanto às classes terapêuticas as mais utilizadas foram: inibidores da enzima conversora da angiotensina (20%), antiinflamatórios não esteroidais (14,8%), diuréticos (13%) e hipoglicemiantes (10,2%) (Tabela 3). O uso dessas classes terapêuticas está associado à alta prevalência de condições crônicas de saúde, características da faixa etária 10.
No que tange aos medicamentos destinados aos problemas cardiovasculares serem os mais utilizados pelos idosos neste estudo, os resultados foram similares aos já descritos na literatura 37, 42. Tal perfil de consumo pode ser justificado pelo fato das doenças cardiovasculares liderarem as causas de morbimortalidade em indivíduos com idade acima de 65 anos42. Por outro lado, 26,5% dos idosos, por ocasião da entrevista, relataram não utilizar medicamentos. Este achado pode ser confirmado por outros estudos realizados no Brasil, em que a proporção de idosos que não faz uso de qualquer farmacoterapia é de 4% a 10%, mas pode chegar a 20% ou mais 10.
Com relação à propaganda, os resultados demonstraram que 17,8% da amostra relataram utilizar medicamentos influenciados pela mesma. Levantamentos feitos na população brasileira mostraram que no Recife 2,6% dos medicamentos foram adquiridos pelo efeito de propaganda, dado maior do que os encontrados nas cidades de Ribeirão Preto e Araraquara, em que a influência foi relativamente pequena, 1,1%, e 0,2%, respectivamente 43, 44, 45. Porém, um estudo mais recente identificou que 31% da população entrevistada comprou medicamentos sob influência de propaganda 46.
Vale ressaltar que além do consumidor, as propagandas também são planejadas para atingir desde o médico e o farmacêutico, até o dono da farmácia, o balconista e o paciente, conseguindo influenciar a prescrição, a dispensação, a venda e o consumo de medicamentos, além de ser considerada como atualização terapêutica pelos profissionais de saúde 47. A mídia é vista como uma poderosa ferramenta, capaz de “motivar a demanda pelo consumidor final, formar opinião entre os que prescrevem e exercer pressão sobre as políticas públicas” 48. Rollason, 49 citam que 50% dos pacientes, em especial os idosos, que vão ao médico esperam a indicação de um medicamento e os dados demonstram que 75% dessas consultas resultam em prescrição.
No presente estudo, 33,5% e 28,3% consideraram que a propaganda deve ser limitada e proibida, respectivamente. (Tabela 4)
Nascimento 21 afirma que: “A propaganda de medicamentos realizada hoje no Brasil está em clara contradição com a atual Política Nacional de Medicamentos (1998), segundo a qual o uso de produtos farmacêuticos deve se dar de forma racional, ética e correta, preconizando explicitamente um maior ‘controle da propaganda dos medicamentos de venda livre’”. Entretanto, os primeiros passos para a limitação destas propagandas estão sendo dados, mesmo que lentamente e de forma pouco eficaz. Por exemplo, embora ao final das propagandas seja obrigada a inserção da frase: “ao persistirem os sintomas, o médico deverá ser consultado”, esta indica primeiramente o consumo irracional, incorreto ou inconsciente de medicamentos e só depois a busca pelo profissional de saúde 21, diferente das propagandas na Espanha que afirmam: “leia as instruções deste medicamento e consulte o farmacêutico”. Para 34,3% dos entrevistados a propaganda de medicamentos deve ser livre. Luchessi et al.50observaram que a propaganda estimula e/ou induz o uso indiscriminado de medicamentos
Outros achados interessantes mostraram que 8,7% dos entrevistados consideraram que os medicamentos veiculados na mídia não trazem qualquer dano à saúde. Estes resultados preocupam, pois em uma avaliação das peças publicitárias monitoradas pela Anvisa, Heineck et al. 51 encontraram mais de 80% de peças com infrações à legislação sanitária, com omissão de informações fundamentais a respeito de cuidados, reações adversas e contra-indicações. Frosh et al. 52, nos Estados Unidos, constataram que as propagandas de medicamentos oferecem limitada informação sobre precauções. Segundo Lefèvre 21, o medicamento consegue, muitas vezes, funcionar eficazmente como símbolo de saúde, pois "iludem os indivíduos com a aparência de eficácia científica”. Portanto, é perfeitamente possível ver o medicamento como um signo cujo significado vai bem mais além da simples idéia, conceito imagem mental de "saúde", implicando também, e, sobretudo, a própria realização ou obtenção da mesma.
No presente estudo foram realizadas correlações empregando as variáveis: utilização de medicamentos veiculados na mídia e opinião sobre a eficácia dos medicamentos anunciados. Tal análise demonstrou que quem mais consumiu medicamentos influenciado pela propaganda também considerou que os mesmos sempre fazem bem e vice-versa (p= 0,04). Bertoldi et al53 afirmam que a insatisfação com a saúde, além de determinar o uso de medicamentos por fatores farmacológicos que se relacionam a uma necessidade real de utilização, também é motivadora de fatores culturais e comportamentais que resultam em um aumento desse uso. Uma das causas desse tipo de utilização se refere à função simbólica dos medicamentos, isto é, o mito de que eles resolvem qualquer problema10 .
64,3% dos entrevistados acreditam que os medicamentos anunciados às vezes podem fazer mal. Outro estudo mostra que alguns idosos se tornam tão ligados simbolicamente aos medicamentos que reconhecem a necessidade dos mesmos em suas vidas, pois são como um “mal necessário” e muitos acreditam que se não tomarem os medicamentos corretamente vão se sentir mal 54.
Outra correlação utilizando as variáveis: utilização de medicamentos veiculados na mídia e acesso às propagandas de medicamentos nos meios de comunicação demonstrou que quem consumiu mais medicamentos influenciados pela mídia, também foi favorável à liberação das propagandas, sem qualquer controle entre opinião e consumo de medicamento por propaganda (p=0,55). Apesar da associação não ser estatisticamente significante o dado é relevante e requer maior investigação. Para Bertoldi et al. 53, um aspecto que induz o uso dos medicamentos é a criação de uma necessidade, em geral, motivada pela propaganda de medicamentos promovida pela indústria farmacêutica.
Em 2004, a Anvisa – por meio da Gerência de Monitoramento e Fiscalização de Propaganda, Publicidade, Promoção e Informação de Produtos Sujeitos à Vigilância Sanitária (GPROP) – criou o Projeto de Monitorização da Propaganda e Publicidade de Produtos sob Vigilância Sanitária, visando integrar universidades de todo o Brasil para uma atuação conjunta, no sentido de regulamentar as relações de produção e consumo, garantindo a segurança aos usuários de medicamentos. Porém, de acordo com Soares 22 todos os estudos sobre propagandas de medicamentos no Brasil vêm mostrando quão ineficaz tem sido a ação das autoridades sanitárias neste setor. Portanto, é preciso delinear novas estratégias que consolidem o controle da propaganda de forma mais efetiva e que garanta a segurança aos usuários.
Limitações do Estudo
As informações quanto à utilização dos medicamentos podem estar incompletas porque foram coletadas com base nas informações fornecidas pelos usuários. A utilização de outros medicamentos, bem como o consumo dos mesmos influenciados pela propaganda podem não ter sido relatados por esquecimento dos entrevistados.
Conclusão
O incremento da população idosa em termos numéricos e o perfil de morbidade que a caracteriza (predomínio das condições crônicas), trazem como corolário a preocupação com o aumento no consumo, pelo supra mencionado segmento populacional, tanto de medicamentos não prescritos (via automedicação) como, segundo apontam alguns estudos, em maior magnitude, daqueles prescritos. De forma geral, particularmente nos países desenvolvidos as práticas terapêuticas seguidas pelos médicos regulam, em grande medida, o consumo de medicamentos. Em relação aos idosos, certamente, fatores sociais e psicológicos exercem impacto no padrão de uso dos medicamentos: o fato de viver sozinho, sentimentos de solidão ou sintomas de depressão têm sido associados a um consumo aumentado.
No estudo foi observado que o grupo de idosos que consome medicamentos influenciados pela propaganda não leva em consideração os riscos associados ao uso da farmacoterapia. Portanto, o conhecimento dos fatores que influenciam no consumo de medicamentos pela população geriátrica é fundamental para o delineamento de estratégias de utilização racional da farmacoterapia.
Diante disso, é necessário um maior aprofundamento no debate sobre a propaganda envolvendo tanto a população quanto profissionais de saúde e órgão reguladores a fim de avaliar os riscos e benefícios provenientes do marketing de medicamentos. É de se esperar, igualmente que, a regulamentação da publicidade (RDC 102/2000, da Anvisa), no momento sob revisão, possa ser aprimorada e vir a impor restrições mais consistentes a ainda imperante liberdade de que gozam os produtores na veiculação, não só pela mídia, mas, também juntos aos profissionais de saúde, de peças publicitárias enganosas ou que deixam de apresentar informações cruciais para a boa prescrição e utilização dos medicamentos.
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